Introdução
O Ensino Médio no Brasil ganhou protagonismo na legislação no final do século XX e início do século XXI. Em 2009, foi criado o Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI) através da Portaria 971 do Ministério da Educação (Brasil, 2009a), que estimula estados e Distrito Federal a criarem propostas inovadoras para o Ensino Médio (EM), assim como subsidia essas propostas através de apoio técnico-financeiro e pedagógico. No estado do Rio de Janeiro, a aposta da Secretaria de Estado de Educação foi o Ensino Médio Inovador. Essa proposta de organização do Ensino Médio tem como objetivo uma Educação Integral e(m) Tempo Integral. Será detalhada no presente artigo a implantação dessa proposta em uma escola pública da Rede Estadual do Rio de Janeiro.
Acredita-se que as mudanças ocorridas no campo econômico impulsionaram mudanças significativas nesta etapa da Educação Básica. Se em meados da década de 1990, a prioridade era universalizar o Ensino Fundamental, mesmo com uma qualidade questionável relacionada ao sucesso do aluno quanto aos aspectos de permanência e aprendizagem (Dourado; Oliveira, 2009), o foco das políticas públicas mais recentes é o Ensino Médio. No início do século XXI, intensificaram-se os esforços para garantir que os alunos da faixa etária de 15 a 17 anos também frequentassem a escola. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 avançou na garantia de direitos ao incluir o Ensino Médio na Educação Básica, e a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) recebeu algumas Emendas Constitucionais (EC), como a de n°14 de 12 de setembro de 1996, tendo o seu Art. 208 modificado nos incisos I e II. Este último prevê a “progressiva universalização do ensino médio”, e a EC n°59 de 11 de novembro de 2009, regulamentada por meio da Lei n°12.796, de 4 de abril de 2013, “dá nova redação aos incisos I e VII do Art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica” (Brasil, 2009b, p.1). Todas essas Legislações caminharam no sentido de ampliar o direito à escola pública de Ensino Médio. Além de o aumento das garantias legais que alcançaram o Ensino Médio, percebe-se um aumento das iniciativas que contemplaram o Ensino Médio em Tempo Integral.
O Ensino Médio ganhou maior destaque e garantia de recursos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esse fundo foi criado pela Emenda Constitucional n°53/2006 e regulamentado pela Lei n°11.494/2007 e pelo Decreto n°6.253/2007, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1998 a 2006. O Ensino Médio em tempo integral recebe recursos diferenciados, e a garantia de recursos ampliados vem ao encontro da necessidade de atender demandas diferenciadas do aluno que frequenta a escola por 7 horas consecutivas, como alimentação e insumos básicos.
Essa constatação sobre o Fundeb colabora com a visão de Cavaliere (2014) e nessa perspectiva, a referida visão faz um breve panorama da evolução da Educação em Tempo Integral na legislação e aponta o Fundeb como responsável “primeiro” por estender a escola de tempo integral também para o Ensino Médio, com “aportes financeiros maiores para as matrículas em tempo integral, diferenciando os acréscimos de acordo com os níveis de ensino: creche -10%; pré-escola -15%; educação fundamental -25% e ensino médio -30%” (Cavaliere, 2014, p.1208).
Em 2010, foi criada uma comissão para tratar obrigatoriamente da elaboração das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCN) por meio da Portaria CNE/CEB n°1/2010. Essa comissão foi recomposta pela Portaria CNE/CEB n°2/2010, formada pelos conselheiros Adeum Sauer (presidente), José Fernandes de Lima (relator), Mozart Neves Ramos, Franscisco Aparecido Cordão e Rita Gomes do Nascimento (Brasil, 2010).
As novas DCN para o Ensino Médio trazem como justificativa para a sua elaboração algumas necessidades. Uma delas é incorporar nas políticas educacionais brasileiras as mudanças em curso na sociedade contemporânea, além de trazer sugestões às escolas e sistemas de ensino para que elas possam rever as suas práticas. Com isso, é garantido o direito à educação com vistas à melhoria da qualidade da educação para todos. Também há necessidades que se justificam em virtude das novas exigências educacionais decorrentes da aceleração da produção de conhecimentos, novas tecnologias e outros (Brasil, 2012b).
As DCN para o Ensino Médio trazem a Educação Integral. Neste momento, é utilizada a expressão “Educação Integral”, que pode ou não ser “Em Tempo Integral”: “O Ensino Médio, fundamentado na integração das dimensões do trabalho, da Ciência, da Tecnologia e da Cultura, pode contribuir para explicitar o significado da formação na etapa conclusiva da Educação Básica, uma vez que materializa a formação humana integral” (Brasil, 2012a, p.57).
No Capítulo II, no Art. 14, as DCN trazem as diversas formas de organização que o Ensino Médio pode assumir; uma delas trata do tempo integral: “III – o Ensino Médio regular diurno, quando adequado aos seus estudantes, pode se organizar em regime de tempo integral com, no mínimo, 7 (sete) horas diárias” (Brasil, 2012b, p.60).
O Ensino Médio Inovador foi a proposta de Educação Integral e(m) Tempo Integral desenvolvida pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, e que utiliza os pressupostos do PROEMI. Na busca por entender como a Educação integral e(m) Tempo Integral está atrelada à qualidade da educação pretendida para essa etapa da Educação Básica, propõe-se debruçar sobre alguns autores que se dedicaram a pensar o conceito de formação humana que subsidia ou deveria subsidiar a educação no Brasil. Esses conceitos muitas vezes são conflitantes ou convivem nas políticas públicas estudadas neste trabalho e, em especial, no Ensino Médio Inovador, objeto do presente estudo.
A metodologia utilizada foi de caráter qualitativo baseada na análise documental, nos referenciais teóricos e nos dados obtidos na pesquisa empírica. A pesquisa empírica torna-se um importante elemento de comprovação prática através de diversos métodos, como, por exemplo, observação e análise de entrevistas (Cavalini, 2016). Ainda de acordo com a autora, as pesquisas de campo, também chamadas de empíricas, podem se tornar, no plano da experiência, um importante elemento de comprovação daquilo que é fundamentado conceitualmente. É com esse viés que se acredita no campo como fundamental para o entendimento do presente objeto de estudo. Foram aplicadas entrevistas semiestruturadas aos membros da equipe gestora da escola escolhida para o campo de pesquisa, contemplando os eixos Gestão Pedagógica, Gestão Participativa, Gestão de Pessoas e Liderança, Gestão de Infraestrutura e Gestão de Recursos. As entrevistas ocorreram no ambiente escolar e foram realizadas com os 5 membros da equipe gestora composta de 1 Gestor Geral, 2 Gestores Adjuntos e 2 Coordenadores Pedagógicos. Foram realizadas individualmente com duração média de 45 minutos.
Desenvolvimento
A partir da constatação de que o Ensino Médio no Brasil tornou-se protagonista na elaboração de políticas públicas e, principalmente, partindo da atenção que vem sendo dada à Educação em Tempo Integral no Ensino Médio, etapa final da educação básica, optou-se por investigar o Ensino Médio Inovador com vistas ao aumento da qualidade da educação. A Portaria n°971 de 9 de outubro de 2009 instituiu o Programa PROEMI. Apontam-se alguns artigos dessa Portaria para o entendimento do que trata o Programa.
Art. 2º O Programa visa apoiar as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal no desenvolvimento de ações de melhoria da qualidade do ensino médio não profissionalizante, com ênfase nos projetos pedagógicos que promovam a educação científica e humanística, a valorização da leitura, da cultura, o aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de novas tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras.
Art. 3º O Programa Ensino Médio Inovador prestará apoio técnico e financeiro a ações de desenvolvimento e estruturação do ensino médio mediante análise, seleção e aprovação de propostas, na forma de plano de trabalho, e posterior celebração de convênio, execução direta ou descentralização de recursos, na forma da legislação aplicável (Brasil, 2009a, p.2).
Cabe esclarecer que a Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) é participante do PROEMI e afirma que a ampliação do tempo na escola visa à formação integral dos alunos. A Deliberação do Conselho Estadual de Educação (CEE) n°344, de 22 de julho de 2014, contempla os 5 modelos de Educação Integral e(m) Tempo Integral em vigor na Rede Estadual de Ensino, sendo eles: Modelo em Tempo Integral Pleno; Modelo em Tempo Integral Inovador; Modelo em Tempo Integral articulado com Educação Profissional; Modelo em Tempo Integral Intercultural; Modelo em Tempo Integral de Curso Normal de Nível Médio.
A matriz curricular do Ensino Médio Inovador4 é diferenciada em comparação à matriz do Ensino Médio Regular. Elas estão dispostas na Resolução SEEDUC n°5330, de 10 de setembro de 2015, que fixa diretrizes para implantação das matrizes curriculares para a Educação Básica nas unidades escolares da Rede Pública e na Deliberação CEE n°344, de 22 de julho de 2014, que define diretrizes operacionais para a organização curricular do Ensino Médio na Rede Pública de Ensino no estado do Rio de Janeiro.
A Matriz Curricular do Modelo em Tempo Integral Inovador tem sua organização curricular em torno de dois eixos, dois macrocampos: Eixo I. Áreas do conhecimento, ligadas diretamente à área cognitiva, integrando as disciplinas da Base Nacional Comum. Esse macrocampo organiza os componentes curriculares referentes às disciplinas com tratamento interdisciplinar e interação entre os diferentes saberes. Estão assim organizadas: Linguagens; Matemática; Ciências da Natureza e Ciências Humanas; e Eixo II, chamado Núcleo Articulador, que organiza espaços e tempos para uma aprendizagem predominantemente socioemocional do estudante, com atividades de desenvolvimento do protagonismo, projetos de pesquisa e de intervenção relacionados às Áreas de Conhecimento, associando o conhecimento à prática ao seu projeto de vida (Secretaria de Estado de Educação, 2014). A Resolução SEEDUC n°5330/2015 traz definições importantes que ajudam a atender o que são conhecimentos cognitivos e socioemocionais.
II-saberes cognitivos, como a capacidade mental de adquirir conhecimento e generalizar a aprendizagem a partir do conhecimento adquirido, incluindo a capacidade de interpretar, refletir, raciocinar, pensar abstratamente, assimilar ideias complexas e desenvolver habilidades para resolver problemas;
III- saberes socioemocionais, como a incorporação de padrões duradouros de valores, atitudes e emoções que refletem a tendência para responder aos desafios de determinadas maneiras em determinados contextos (Secretaria de Estado de Educação, 2015, p.2).
No segundo macrocampo, a matriz curricular do Modelo em Tempo Integral Inovador se diferencia da matriz do Ensino Médio Regular. De acordo com a Resolução n°5330/2015, esse modelo inclui componentes curriculares que fortalecem a dimensão não cognitiva das áreas da Matemática, da Língua Portuguesa e das Ciências e ainda oferece espaços para o desenvolvimento de projetos de vida, incluindo um acréscimo de 1.920 horas ao currículo do Ensino Médio Regular.
A Deliberação CEE n°344, de 22 de julho de 2014, considera esses modelos inovadores por integrarem em seus currículos os aspectos cognitivos e não cognitivos da aprendizagem. O Art. 2 pontua, como objetivo dos currículos dos cursos de Ensino Médio, desenvolver nos estudantes “saberes cognitivos e de saberes sócio-emocionais, necessários para o exercício da cidadania, o sucesso na escola, na família, no mundo do trabalho e nas práticas sociais atuais e da vida adulta” (Conselho Estadual de Educação, 2014, p.2).
O Parecer CNE/CP n°11/2009 estabelece um referencial de proposições curriculares e condições básicas que devem orientar os projetos a serem apoiados. Destacam-se aquelas que estão contempladas no Ensino Médio Inovador: a centralidade da leitura como base de todas as disciplinas; o estímulo às atividades teórico-práticas em laboratórios de ciências e matemática; e o fomento de atividades de artes como forma de promover a ampliação do universo cultural dos alunos, que devem compor um mínimo de 20% da carga horária total em atividades e disciplinas eletivas de escolha dos estudantes (Brasil, 2009c). Essas proposições curriculares estão contempladas com 1.920 horas no Núcleo Articulador da Matriz Curricular do Ensino Médio Inovador. Esse núcleo é composto por sete componentes curriculares, a saber: Letramento em Língua Portuguesa (400h), Letramento em Matemática (400h), Laboratórios de Iniciação Científica e Pesquisa (240h), Projeto de Vida (400h), Cultura Corporal (160h), Cultura e Uso de Mídias (160h) (Secretaria de Estado de Educação, 2015).
Ainda de acordo com o documento, os 20% determinados da carga horária do curso com escolha feita pelos estudantes é um ponto crucial da proposta, pois oferece, ao mesmo tempo em que cursam o Ensino Médio, a oportunidade de construção de caminhos próprios e itinerários formativos de acordo com os seus anseios e interesses, condições e projetos de vida (Brasil, 2009c).
A SEEDUC, como já foi pontuado, elaborou uma proposta inovadora para o Ensino Médio de uma escola de Educação Integral em Tempo Integral, a partir dos pressupostos do PROEMI; mas qual é o conceito de Educação Integral que vem pautando esta proposta inovadora? Para o presente debate, será utilizado o conceito de “Educação integral” de Coelho e Hora (2009, p.185).
Entendemos Educação Integral dentro de uma concepção crítico-emancipadora em Educação. Na prática, ela eclode como um amplo conjunto de atividades diversificadas que, integradas ao currículo escolar, possibilitam uma formação mais completa ao ser humano. Nesse sentido, essas atividades constituem-se por práticas que incluem os conhecimentos gerais; a cultura; as artes; os esportes e o trabalho. Contudo, para que se complete essa formação de modo crítico-emancipador é necessário que essas práticas sejam trabalhadas em uma perspectiva político-filosófica igualmente crítica e emancipadora.
O Documento Orientador do PROEMI vem sendo reformulado no decorrer dos anos, sendo a última versão (utilizada em nossa pesquisa) datada de 2016/2017. O Parecer CNE/CP n°11/2009 descreve, no voto da comissão especial, que o programa possa ser continuamente avaliado e aperfeiçoado e que, em regime de colaboração entre os entes federados, ele adquira um caráter mais amplo, contribuindo para um Ensino Médio de qualidade para todos os brasileiros. O “Documento Orientador do PROEMI: Adesão” de 2016 também traz a intencionalidade do programa, bem como pontua suas regras para adesão, funcionamento e financiamento. A dimensão curricular e a marca do Programa estão presentes em vários momentos desse documento:
O Ensino Médio Inovador é uma estratégia e, também, um instrumento para induzir o redesenho dos currículos do ensino médio, compreendendo que as ações propostas inicialmente serão incorporadas gradativamente ao currículo, ampliando o tempo na escola, na perspectiva da educação integral e a diversidade de práticas pedagógicas de modo que estas de fato, qualifiquem os currículos das escolas de Ensino Médio (Brasil, 2016a, p.3).
Nesse sentido, a ênfase no Ensino Médio Integral e(m) Tempo Integral desperta inquietação: por que aumentar o tempo do aluno na escola de Ensino Médio? Essa ampliação de tempo na escola está enraizada nos conceitos da melhoria de qualidade da educação? Sabe-se que o conceito de qualidade é polissêmico, mas qual é a qualidade almejada pelo PROEMI e pelo Ensino Médio Inovador?
O Documento Orientador do PROEMI 2016/2017 descreve a Meta 3, do Plano Nacional de Educação, que é a universalização do Ensino Médio, como um grande desafio no âmbito das políticas públicas. Além disso, também discorre sobre como o Ministério da Educação (MEC) vem desenvolvendo ações em parcerias com os Estados e Distrito Federal para a criação das condições necessárias à melhoria da qualidade dessa etapa da Educação Básica. A proposta do MEC é de incentivo ao redesenho curricular e esse redesenho deve ter como base as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Brasil, 2016b).
Aparentemente, a palavra qualidade traz consigo uma característica positiva a um ser, a um objeto ou a qualquer coisa a que se pretende atribuir valor. Cury (2014, p.1053) traz importantes contribuições à questão ao afirmar que “estamos no campo de um atributo distintivo de um bem que passa a se apresentar com uma característica particular além da comum”.
O Ensino Médio, como já defendido, recebeu especial atenção no começo do século XXI, principalmente após a universalização do Ensino Fundamental, na década de 1990, do século passado. Mas a questão da qualidade parece ser ainda o maior problema tanto do Ensino Fundamental como do Ensino Médio. Envolve investimento e compromisso financeiro do Poder Público para que o aluno possa se desenvolver com condições mínimas em um ambiente seguro, com alimentação e profissionais habilitados para conduzir a sua aprendizagem, dentre outros aspectos. As principais legislações produzidas nas últimas décadas, em especial aquelas destinadas aos jovens, reiteradamente usaram a palavra “qualidade” associada a outras expressões, como “padrão mínimo de”, “a avaliação da”, “a melhoria da” e outros (Cury, 2014).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, cita a qualidade em 10 artigos. Destacam-se os seguintes:
Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo de oportunidades educacionais para o ensino fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade.
Parágrafo Único. O custo mínimo de que trata este artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano subsequente, considerando variações regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades de ensino.
Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino (Brasil, 1996, p.33).
O Parecer CNE/CP n°11/2009 traz como justificativa para a criação de propostas inovadoras, a prioridade por parte do Governo Federal em desenvolver ações que melhorem a qualidade de toda a Educação Básica. Apenas neste documento, encontra-se a palavra “qualidade” em sete momentos, dos quais se destaca neste texto apenas um deles:
A SEB/MEC ressalta que o Governo Federal estabeleceu como prioridade o desenvolvimento de programas e projetos, em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que visam à melhoria da qualidade da Educação Básica, dentro do que dispõe o Plano de Metas, no Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007 (Brasil, 2009c, p.2).
Dourado, Oliveira e Santos (2007) descrevem em seus estudos a qualidade expressa nos documentos dos organismos multilaterais e que influenciaram as políticas em países em desenvolvimento como o Brasil:
Para definir a qualidade da educação, tanto a Unesco como a OCDE utilizam o paradigma de insumo-processo-resultados. Nesse sentido, a qualidade da educação é definida com relação aos recursos materiais e humanos que nela se investem, assim como em relação ao que ocorre no âmbito da instituição escolar e da sala de aula, seja nos processos de ensino e aprendizagem, seja nos currículos e nas expectativas com relação à aprendizagem dos alunos (Dourado; Oliveira; Santos, 2007, p.12).
A qualidade, sob a perspectiva do social, possibilita novos olhares, ou seja, “qualidade social da educação é falar de uma nova qualidade, onde se acentua o aspecto social, cultural e ambiental da educação, em que se valoriza não só o conhecimento simbólico, mas também o sensível e o técnico” (Gadotti, 2010, p.5). O conceito de qualidade está intrinsecamente ligado à participação das pessoas na escola, com a garantia de espaços de deliberação coletivos. Essa garantia está vinculada à qualidade na educação e nas políticas educacionais.
Frigotto e Motta (2017) trazem um novo olhar sobre as mudanças no currículo do Ensino Médio. Eles defendem que a concepção de formação humana, contida nas políticas voltadas à formação dos jovens do século XXI, está baseada na ideia de investimento em capital humano, em específico em educação, como fator de desenvolvimento econômico. Enfatizam que:
Os conhecimentos úteis que o estudante deve adquirir para impulsionar a produtividade dos setores econômicos, a fim de potencializar a competitividade nos mercados local e internacional, ou para criar condições de empregabilidade, isto é, desenvolver habilidades e competências que potencializem a inserção do indivíduo no mercado de trabalho. A formação humana é diretamente articulada com a formação da força de trabalho, sendo considerada um dos fatores de produção, assim como o maquinário (Frigotto; Motta, 2017, p.358).
Nesse sentido, a concepção de formação humana contida na Teoria do Capital Humano apresentada acima se contrapõe à visão de formação humana numa perspectiva crítico-emancipadora, apontada por Coelho e Hora (2011), que descrevem a concepção de Educação Integral:
[...] como uma educação que se faz em tempo ampliado e/ou integral, na escola, e cujo currículo parte do pressuposto de que é a educação integral que contempla o desenvolvimento do ser humano em suas múltiplas possibilidades de produzir conhecimento, nos planos cognitivo, afetivo, físico, estético e ético, cultural e social (Coelho; Hora, 2011, p.1).
Nesse breve caminhar pelo conceito de qualidade e principalmente qualidade da educação, percebe-se que são muitos os olhares sobre a questão. Há certeza de que a discussão sobre esses conceitos não está esgotada, porém o caminho traçado até aqui já fornece subsídios para discutir a qualidade encontrada e percebida pelos membros da equipe de gestão escolar no Ensino Médio Inovador, na perspectiva da Educação Integral e(m) Tempo Integral. Além disso, já é possível analisar como a legislação que originou a proposta está ou não presente no cotidiano escolar da Escola Pública selecionada como campo de pesquisa.
A escola pesquisada é da Rede Pública Estadual e está localizada no munícipio de Niterói em um bairro da periferia cercada de comunidades deflagradas pela violência. Possui uma média de 800 alunos, 80 professores e 5 membros da equipe gestora. São uma média de 160 alunos no Ensino Médio Inovador, três turmas de 1º ano, uma de 2º ano e uma de 3º ano. Essa escola funciona com a Educação em Tempo Integral (Ensino Médio), com turmas de Ensino Fundamental II, que são alunos do 6º ao 9º ano, em horário parcial, e com o Ensino de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental e Médio também em regime parcial no turno da noite.
A escola foi visitada durante o ano de 2018, onde foi possível estabelecer contato mais próximo com a equipe gestora e conhecer um pouco mais da rotina escolar. Aspectos como participação dos estudantes e professores na gestão escolar, a movimentação dos estudantes pelas diversas atividades e eventos escolares e as rotinas de alimentação puderam ser observados. Embora a observação tenha sido importante instrumento na pesquisa empírica, foi sob a ótica da equipe gestora que foram analisados os principais aspectos da implementação do Ensino Médio Inovador nesta escola. Foram entrevistados todos os membros da equipe gestora da escola, composta por um gestor geral, dois gestores adjuntos e dois coordenadores pedagógicos, com base nos eixos da nossa pesquisa: Gestão Pedagógica, Gestão Participativa, Gestão de Pessoas e Liderança, Gestão de Infraestrutura e Gestão de Recursos.
Será identificado o Gestor Geral como Gestor 1, e os Gestores Adjuntos serão identificados como 2 e 3, respectivamente, obedecendo a antiguidade no cargo. Também será usado o tempo de permanência no cargo para identificar as coordenadoras: a Coordenadora 1 é a mais antiga no cargo; a Coordenadora 2 é a mais recente a ocupar a função.
Neste momento a discussão avançará, trazendo dados relevantes obtidos no campo de pesquisa que podem contribuir para uma reflexão sobre o Ensino Médio na perspectiva da Educação Integral como possibilidade de aumento da qualidade de ensino.
Gestão pedagógica
Cavaliere (2009), cita dois tipos de organização da ampliação do tempo escolar que vêm se configurando no Brasil. São duas vertentes observadas pela autora em suas pesquisas: uma investe nas mudanças no interior das escolas de forma a estruturá-las no oferecimento de condições de permanência de alunos e professores em turno integral; a outra tendência busca articular escola e projetos da sociedade de forma a ofertar ao aluno, no contraturno escolar dentro ou fora da escola, as atividades que ampliam esse tempo escolar. A Política de Educação em Tempo Integral que vem sendo aplicada no estado do Rio de Janeiro aproxima-se da primeira vertente exposta pela autora; os alunos permanecem sete (7) horas diárias na escola.
Os membros da equipe gestora apontaram uma dificuldade inicial em manter os alunos em tempo integral. Usaram a palavra “convencimento” para explicar à comunidade escolar a necessidade de se ampliar o tempo na escola. De todo modo, após o segundo ano no Ensino Médio Inovador, tanto pais como alunos passaram a entender a proposta e a perceber os “ganhos” para a vida dos alunos. O Gestor 1, quando perguntado sobre a maneira pela qual os alunos reagiram sobre essa mudança do tempo, respondeu da seguinte maneira: “A gente tem, assim, um primeiro momento da saída dos alunos que [...] Principalmente aqueles com maior defasagem idade/série. Eu acho a relação idade/série é muito importante para o Ensino Integral”.
As disciplinas introduzidas na grade curricular não são desenvolvidas no contraturno, como acontecia no “Programa Mais Educação”, também criado pelo Governo Federal, e que induzia a ampliação de carga horária nas escolas, inclusive nesta escola pesquisada. O Programa Mais Educação não funciona mais na escola pesquisada, mas serve até hoje como referência quando se fala na ampliação do tempo do aluno na escola. No Ensino Médio Inovador, de acordo com a equipe gestora, as disciplinas integradoras são desenvolvidas juntamente com as demais, trazendo o benefício de fazer com que todos os alunos participem de forma contínua, sem distinção entre as atividades “lúdicas” e as disciplinas “sérias”. Como “lúdicas” normalmente são entendidas as disciplinas introduzidas no currículo e que normalmente servem de apoio para as disciplinas regulares, ditas “sérias”. Elas são desenvolvidas através de recursos diversificados como jogos, atividades em grupo, trabalhos manuais e outros. Além disso, não reprovam, fato que leva alguns alunos a considerarem menos importantes do que as disciplinas regulares. Com essa alternância de disciplinas, todas se tornaram igualmente importantes, de acordo com os gestores.
Um componente importante para a criação do PROEMI e do Ensino Médio Inovador, como consequência, é o aumento do desempenho escolar dos alunos. O desempenho escolar pode ser visto com diversos olhares. A escola não teve seu Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) aferido na última edição por não ter a quantidade mínima de alunos participantes da Prova Brasil, portanto não sendo possível mostrar o desempenho da escola em números. Mas a fala dos gestores escolares é bastante pertinente em relação à mudança de atitudes dos alunos; os referidos gestores as veem como positivas e apontam o foco no desenvolvimento das competências socioemocionais como o diferencial da proposta.
A Coordenadora 1, quando perguntada sobre as possíveis mudanças positivas ou negativas percebidas nos alunos, foi enfática ao afirmar que:
Eles mudam completamente. Ficam pessoas muito mais centradas. Eles ficam pessoas [...] se sentem valorizados porque a gente fala assim. É tudo uma troca. Ninguém que é respeitado te devolve desrespeito. [...] e os outros alunos do Ensino Fundamental, que aqui na escola a gente tem, eles tipo assim ficam aspirando chegar naquele momento em que eles vão ser [...] vão ter aquelas coisas todas que o ensino Médio Inovador tem. [...] eles são cercados de tanta atenção, não é? E de tanto cuidado, não é? E eles se sentem especiais. O que eu percebo aqui no nosso Ensino Médio Inovador é uma sensação de ser uma pessoa especial.
Os gestores percebem alunos mais responsáveis, autônomos e capazes de negociar os seus interesses em relação à própria formação escolar. O índice de evasão escolar foi apontado como muito baixo pelos gestores entrevistados, mesmo essas informações não tendo sido apuradas através de dados.
Gestão Participativa
A Gestão Escolar é um dos aspectos a serem considerados quando se trata de qualidade na educação. Para Dourado, Oliveira e Santos (2007), as dimensões da qualidade da educação envolvem fatores extraescolares, como a dimensão socioeconômica e cultural dos entes envolvidos, e as condições intraescolares, que podem ser resumidas nas questões referentes ao custo aluno/ano que incluem custos de instalação de escolas, custos com pessoal, serviços ofertados equipamentos e outros. Além disso, envolvem aspectos como nível de escola: gestão e organização do trabalho escolar; nível do professor: formação, profissionalização e ação pedagógica; e nível do aluno: acesso, permanência e desempenho escolar.
A escolha dos dirigentes escolares retornou à Rede Estadual do Rio de Janeiro após a greve dos docentes de 2016 e dos movimentos de ocupação das escolas pelos estudantes. Mas a garantia de consulta à comunidade para a escolha do gestor escolar não refletiu na prática como um avanço substancial na participação das pessoas na escola. É possível perceber a dificuldade que os gestores têm em reunir os diversos segmentos escolares para elaborar/readequar o Projeto Político Pedagógico e realizar os planejamentos integrados, mas eles percebem a importância de “estar junto” como forma ideal de elaboração deste documento.
O Gestor 1 fala de uma mudança que ele considera positiva com a instituição há 4 anos dos conselhos escolares. Fala da Associação de Apoio às Escolas (AAE) – composta por pais, alunos e funcionários da escola –, como um instrumento que a escola já possuía, mas que, em geral, contribuía na parte administrativo-financeira, estando mais próxima da aprovação ou não das prestações de contas. O referido gestor considera o conselho escolar como um grupo para “a tomada de decisões”.
Então, hoje o conselho escolar tem esse olhar de tomada de decisão. Muita coisa que a gente percebe que pode ser polêmica, que a gente ainda não tem muita segurança de tomar a decisão sozinho porque a gente sabe que pode ter um grupo que pode ficar insatisfeito, que pode não concordar, a gente leva isso mais para a tomada de decisão por colegiado. E aí isso funciona muito bem porque o colegiado todo toma essa resolução, uma resolução em conjunto. Uma resolução da comunidade escolar. E aí a aceitação daquilo que é posto é muito maior (Gestor 1).
Aos Conselhos Escolares, cabe deliberar sobre as normas internas e funcionamento das escolas, participar da elaboração do Projeto Político-Pedagógico e receber e analisar as demandas dos diversos segmentos escolares, participando da gestão administrativa, financeira e pedagógica e assim contribuindo com a gestão democrática nas escolas (portal.mec.gov.br). Embora, tenha sido possível perceber dificuldades de se efetivar uma gestão participativa na escola, foi citada por todos uma melhora nos aspectos da participação da comunidade na tomada de decisões.
Gestão de infraestrutura
A escola teve a sua estrutura física modificada, a princípio, pelo PROEMI, tendo conseguido manter essas mudanças quando passou a funcionar com o Ensino Médio Inovador. Os gestores acreditam que as mudanças efetuadas são fundamentais para o bom andamento do programa.
Embora a construção da escola não tenha sido pensada para funcionar em tempo integral, os diversos investimentos em infraestrutura a habilitaram a funcionar bem de acordo com a proposta de Ensino Médio Integral. A escola recebeu recursos financeiros para “preparar a escola”, como disse um gestor. Cavaliere (2014) traz em seus estudos que nem sempre a Educação em Tempo Integral (ETI) vem acompanhada de mudanças que atendam às suas necessidades. Como construções adequadas para o atendimento da rotina em tempo integral, a discussão sobre o próprio conceito do que seja educação integral ainda está sendo firmado; além disso, faz-se necessário formular e aperfeiçoar modelos de trabalho articulando as diversas áreas, o que exige discussões mais aprofundadas sobre o currículo. Por fim, deve-se aumentar a efetivação de professores e demais profissionais na escola de forma não precária (Cavaliere, 2014).
A escola possui uma sala para cada disciplina, biblioteca, quadra de esportes aberta à comunidade, uma quadra esportiva interna, um auditório amplo e confortável, sala com recursos audiovisuais, refeitórios, cozinha, laboratórios de ciências e informática e um excelente pátio coberto. Todos os espaços são reformados e estão adequados para atender à nova realidade da escola.
O Gestor 1 acredita que as mudanças efetuadas são fundamentais para o bom andamento do programa. Ele relata algumas dessas mudanças.
A gente tem uma verba para estruturar a escola para iniciar o programa. A escola funcionava com salas de aula do modo tradicional. Uma sala para cada turma. E como a gente, Ensino Médio, a gente separou um prédio específico só para o Ensino Médio e a gente tinha um número reduzido de turmas, dentro desse programa de reestruturação curricular, nós transformamos as salas de turma para serem salas de disciplinas. [...] O professor tem sua sala, onde ele estrutura o seu fazer pedagógico naquela sala, ele pode deixar material dele lá, pode colocar os mapas, os instrumentos, tudo ele pode colocar naquela sala e aí os alunos é que se deslocam de sala.
De todo modo, é preciso pontuar que a escola está organizada em diversos turnos e rotinas escolares em concomitância, fato que Cavaliere (2014) aponta como uma situação inadequada ao funcionamento da ETI. Mas, de acordo com o relato dos gestores, o Ensino Médio Inovador possui um prédio próprio, e esse compartilhamento dos demais espaços não atrapalha o bom funcionamento do programa.
Gestão de Pessoas e Liderança
Neste momento da pesquisa, serão abordadas as impressões da equipe gestora a respeito da organização dos professores e demais profissionais que compõem o Ensino Médio Inovador nas suas atividades no programa.
Os profissionais que fazem parte do Ensino Médio Inovador na escola pesquisada são do quadro permanente da SEEDUC (professores concursados e funcionários públicos), e eles escolhem se querem ou não trabalhar nesta modalidade de ensino. Ao iniciar a implantação do Ensino Médio Inovador, a SEEDUC implantou uma política de capacitação dos professores, promovendo uma política de gratificação para a capacitação e planejamentos integrados. No ano de 2016, o estado do Rio de Janeiro decretou situação de calamidade financeira e, a partir deste momento, essa política de gratificação aos professores do Ensino Médio Inovador foi descontinuada, o que, de acordo com os gestores, provocou danos ao programa e desestímulo dos professores.
A questão do professor em horário integral aparece como fundamental para o bom desenvolvimento dessa política de Educação Integral E(m) Tempo Integral na fala da equipe gestora. Atualmente, a Rede Estadual tem professores com matrículas com carga horária de 16 horas, 20 horas e de 30 horas convivendo na mesma escola. O Gestor 3, fala das dificuldades encontradas para organizar o horário.
Bom, estratégia inicial era formação. O aumento da carga horária do professor dentro da unidade, que era gratificado. Então, era uma estratégia da secretaria também. Foi muito bom. Creio que o sistema de organização das matrículas prejudica um pouco dentro da mesma escola, você tem professor que é 16 horas, você tem professor que é 20 horas, que é 30 horas. Então, essa questão de organização de departamento pessoal, eu acho que complica porque acaba gerando uma divisão entre os docentes.
A participação da família ficou reduzida, ela apenas foi informada das mudanças que a escola sofreria daquele momento em diante em relação ao tempo e organização curriculares. Os gestores também afirmaram que a escolha das disciplinas da grade (matriz) curricular não contou com a participação da comunidade escolar.
O PROEMI foi criado, dentre outros pressupostos, para incentivar a gestão escolar. Porém, a não participação de todos os envolvidos na escola na elaboração das propostas inovadoras enfraquece a gestão democrática, um dos princípios de ensino presentes na LDBEN de 1996.
Gestão de recursos
O PROEMI, instituído pela Portaria n°971/2009, tem como objetivo principal estimular estados e o distrito Federal a criarem propostas inovadoras de Ensino Médio. Esse estímulo é consolidado através de apoio técnico-financeiro e pedagógico, na busca por promover a formação integral dos estudantes e fortalecer o protagonismo juvenil. Interessante notar que os documentos que norteiam o programa adaptam-se às novas legislações e políticas produzidas, transformando uma proposta que seria de caráter experimental em uma política duradoura.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é o órgão financiador. Como instituição concedente do apoio financeiro, também segue legislação própria e é responsável por cadastrar os projetos, analisar toda a documentação da instituição proponente e, por fim, realizar a indicação orçamentária e outras ações referentes aos convênios e descentralização de créditos. Também é responsável pelo acompanhamento da execução financeira e análise da prestação de contas (Brasil, 2009d).
Os gestores pontuaram que a escola recebe recursos federais e estaduais que se complementam para subsidiar as ações da escola e, assim, atender às necessidades dos alunos que ficam em tempo integral, fornecendo-lhes três alimentações e garantindo manutenção das instalações físicas e de equipamentos escolares. O Gestor 1 fala que o apoio financeiro às escolas públicas da Rede Estadual é feito por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). A fala dele, apesar de longa, é bastante elucidativa:
A gente tem recursos federais e recursos estaduais. Os recursos federais entram sempre em contas específicas do Banco do Brasil. Para cada programa existe uma conta [...] para o Ensino Médio Inovador, nós temos uma conta que é o PDDE, que é para a transferência de recursos especificamente para o Ensino Médio Inovador e tem o PNAE, que é a alimentação. [...]. Saiu agora uma tabela nova de alteração dos valores [...], mas em torno de 60 centavos para cada aluno por dia. E para o Ensino Médio Inovador, esse valor passa para R$ 1,50 ou R$ 1,80. Então, o aluno do Ensino Médio Inovador tem 3 vezes mais recursos do que o ensino parcial.
Também foi questionado se a SEEDUC deposita valores a mais, por ser uma escola de tempo integral, e ele respondeu “O que a SEEDUC deposita é o mesmo para todos. Mas o que o MEC deposita é a mais. A diferença do valor está no valor do MEC”.
Utilizou-se a Resolução n°5722, de 18 de fevereiro de 2019, apenas para ilustração. Não se pretende aprofundar na temática do financiamento da escola de horário integral da SEEDUC, tampouco na maneira como é feita a distribuição de recursos. Para as escolas de horário parcial, o valor é de R$0,62 de merenda por aluno e de manutenção R$0,51. Já para as escolas de horário integral, o valor é de R$1,79 para a merenda e de R$1,01 para a manutenção escolar. Como se pode notar, o valor de merenda quase triplica, como o Gestor 1 explicou em sua entrevista, em comparação ao horário parcial; ademais, o valor de manutenção escolar dobra.
Os recursos financeiros repassados pelo Governo Federal e os recursos oriundos do Governo Estadual contribuíram para que a proposta detalhada neste estudo tivesse maior aceitação na comunidade escolar, propiciando condições de viabilizar uma escola diferenciada na rede pública estadual.
Considerações Finais
A escola recebeu o Ensino Médio Inovador em 2014 e passou por mudanças que modificaram não só a grade curricular, mas toda a forma de organização e vivência em comunidade. Modificações foram vistas e sentidas por todos os membros da equipe gestora em relação aos professores e alunos de maneira positiva. A matriz curricular do Ensino Médio Inovador introduziu 1920 horas ao currículo do Ensino Médio Regular, incluindo, ainda, componentes curriculares que fortalecem a dimensão socioemocional do aluno. O Art. 5º da Deliberação CEE, de 22 de julho de 2014, descreve que o Ensino Médio deve considerar as seguintes aprendizagens emocionais: Autonomia; Colaboração; Comunicação; Liderança; Gestão da Informação; Gestão de Processos; Criatividade; Resolução de Problemas; Pensamento Crítico e Curiosidade Investigativa, que, aliados aos saberes cognitivos, devem integrar o currículo da escola de Ensino Médio.
Neste momento é possível responder à pergunta sobre o conceito de Educação Integral que pauta essa proposta inovadora. Foi percebido em campo, a partir das respostas dos gestores escolares e das entrevistas semiestruturadas propostas, que, no momento que a proposta chegou à escola, ela se aproximava muito da concepção de educação integral já apontada no texto como sendo uma educação que se faz em tempo ampliado e que contempla o desenvolvimento do ser humano em sua integralidade. Esse conceito é compreendido como o mais adequado quando se fala em Educação Integral.
Embora alguns autores percebam as modificações curriculares mais recentes no Ensino Médio como uma maneira de preparar esse jovem para atender às necessidades imediatas do mercado de trabalho, as mudanças trazidas pela proposta estudada também trouxeram atitudes propositivas aos alunos. O Ensino Médio Inovador traz a Educação Integral e(m) Tempo Integral como pressuposto de qualidade.
Alguns aspectos relacionados à qualidade puderam ser percebidos na observação do campo e nas falas dos gestores escolares, como o aumento de investimento na infraestrutura fisica do prédio, uma preocupação por parte da SEEDUC em ampliar a carga horária do professor, propiciando a sua participação nos planejamentos integrados, além de maior comprometimento, pois eles permanecem numa mesma escola. A dimensão da gestão participativa apresentou ganhos relativos. A escola tem gestores aprovados pela comunidade escolar, mas enfrenta ainda a pouca participação dos agentes escolares na participação na gestão.
A proposta inovadora de Ensino Médio detalhada neste estudo já mostra sinais de descontinuidade. Um dos motivos relatados pelos gestores foi a crise financeira pela qual o Estado do Rio de Janeiro vem passando desde 2016, provocando a interrupção de algumas ações essencias para o bom funcionamento da proposta, bem como a ampliação da carga horária remunerada dos professores e a sua formação continuada.
O Ensino Médio Inovador na escola pesquisada conseguiu atingir, mesmo que parcialmente, o objetivo de melhorar a qualidade da educação, já que conseguiu avançar em fatores essenciais, como a gestão escolar, condição docente e discente e a melhoria da estrutura física e dos recursos pedagógicos. De toda forma, não é possível mensurar, através do IDEB, o avanço do índice.
O programa ora detalhado configura uma política de Educação Integral em Tempo Integral e está presente em diversas escolas da rede estadual do Estado do Rio de Janeiro. Analisá-lo em uma dada realidade de maneira mais aprofundada traz vantagens significativas no entendimento de como essa política pública vem sendo desenvolvida no interior da escola, quais os ganhos para a instituição escolar e quais as dificuldades de implantá-la em sua integridade. Muitas das situações apontadas no presente artigo podem ser generalizadas quando se pensa na rede estadual e mesmo no contexto nacional, como: financiamento da proposta, questões curriculares e organização escolar. Outras questões, como gestão participativa e de liderança, são próprias de uma dada realidade, podendo variar de uma escola para a outra.
É preciso pontuar que a educação integral em tempo integral no Ensino Médio no formato fomentado pelo PROEMI e instituído no estado do Rio de Janeiro, mostrou-se importante instrumento de ampliação da qualidade de ensino porque contempla dimensões fundamentais desse conceito, principalmente no que diz respeito às condições intraescolares, como custos de instalação, reformas da escola e equipamentos; ademais, contempla outros aspectos, como a gestão e organização escolar, a formação docente, a ação pedagógica e, também, o acesso, permanência e desempenho escolar dos alunos. Além disso, é importante como uma política necessária não apenas para um público específico, mas a todos os cidadãos portadores do direito a uma educação de qualidade.