1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objeto de análise o Ensino Médio Integrado (EMI), compreendido como uma política pública de educação profissional. No que se refere à sua realidade fenomênica, presente no arcabouço legal da política educacional brasileira, o EMI foi instituído pelo Decreto nº 5.154, emitido em 2004. Entretanto, para se consolidar como política pública, essa modalidade de educação profissional sofreu uma série de mudanças, provocadas por marcos e alterações legais de diversas ordens.
Todas essas alterações - como, em geral, ocorre com as políticas educacionais - originaram-se no seio de disputas e contradições da sociedade brasileira. Tais contradições evidenciam os interesses, mais ou menos explícitos, apresentados pelos grupos, classes e frações de classes que atuam na cena política reivindicando, por exemplo, modelos pedagógicos e concepções educacionais adequados ao tipo de formação profissional que lhes interessa.
Nesse sentido, analisar o processo de construção e consolidação de uma política educacional exige ir além da reconstrução historiográfica da legislação e da descrição da letra da lei em termos pedagógicos e administrativos. Nosso pressuposto é de que esse percurso, para ser consistente em termos analíticos e, principalmente, fornecer elementos para pensar os rumos e desafios da política educacional, deve levar em conta aqueles interesses em disputa. É o que pretendemos fazer ao analisar o EMI.
Partindo dessas considerações, o objetivo central deste trabalho é mostrar que o EMI representou, em sua constituição, uma inflexão3 na política de educação profissional brasileira em direção aos interesses das classes trabalhadoras. Essa inflexão expressou, no entanto, uma resultante de forças insuficiente para impedir mudanças no sentido contrário. De todo modo, mesmo com esses limites, os resultados mostram que a política de EMI segue se afirmando como possibilidade de garantia do direito democrático à educação universal a amplos setores da população. Por isso, um desdobramento discutido nas considerações finais refere-se aos desafios da luta das classes trabalhadoras por políticas de educação profissional capazes de, mesmo numa conjuntura adversa, efetivar a educação e o aprendizado como direitos sociais.
O texto, que resulta de pesquisa mais ampla sobre o conjunto da política de educação profissional no Brasil durante os governos Lula e Dilma (2003 a 2016), está dividido em três partes. Em primeiro lugar, apontamos as questões metódicas e teórico-metodológicas mais relevantes da pesquisa. Além disso, nesse momento, detalhamos os motivos que nos levaram a investigar os interesses de um setor das classes trabalhadoras brasileiras, no que se refere à educação profissional: os trabalhadores assalariados, representados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Na seção seguinte, apresentamos os resultados de nossa análise sobre as formulações construídas pela CUT, presentes em documentos coletivos da entidade elaborados entre os anos de 2002 e 2015. Em terceiro lugar, discutimos os principais aspectos legais, políticos e pedagógicos que, articulados às formulações analisadas e à conjuntura brasileira do período perscrutado, caracterizaram o EMI como uma inflexão na política de educação profissional. Por fim, apresentamos as considerações finais.
2 A CONSTITUIÇÃO DE UMA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: APORTES METÓDICOS E TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Os encaminhamentos dados à análise de políticas públicas, no Brasil e no mundo, são atualmente os mais diversos possíveis. Dentre todos eles, entretanto, duas questões são comuns e fundamentais: em primeiro lugar, a relação entre Estado e “sociedade”, que acaba por embasar, em segundo lugar, a questão das relações entre Estado e democracia. No Brasil, o processo de redemocratização vivido na década de 80 abriu olhares específicos a essas questões, resultando em concepções diversas e divergentes sobre a formulação e a implementação de políticas públicas ao longo do período da Nova República.
São conhecidas as formulações de Florestan Fernandes naquele processo, combinando a vivência política como deputado constituinte com seu trabalho acadêmico. É ele, por exemplo, quem cunha a ideia de que a articulação específica entre arcaico e moderno no capitalismo brasileiro resultou no padrão de desenvolvimento baseado em um Estado capitalista autocrático, que, por sua vez, se fundamenta numa democracia de baixa intensidade. Para Florestan, todavia, esse quadro estrutural interliga-se às crises conjunturais da democracia brasileira, sendo imprescindível analisar esses dois elementos reciprocamente. O trecho abaixo, proferido em discurso na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) em 1987, é elucidativo:
não é possível separar a crise de conjuntura da crise de estrutura. As duas crises estão superpostas. A crise de conjuntura é de superfície; reflete a situação mais grave do Brasil, que vem desde o passado colonial, da herança deixada pela Velha República oligárquica, pela ditadura do Estado Novo e pela recente ditadura militar. Portanto, nunca se pode falar na conjuntura sem pensar na estrutura, e não se pode também avaliar a crise de conjuntura sem pensar no que ela representa, em virtude de elementos que são intrínsecos à própria estrutura da economia, da sociedade e da cultura. (FERNANDES, 2014, p. 53)
A pertinência dessa reflexão revela-se não só como justificativa para análise das políticas públicas levadas a cabo pelos governos da Nova República, mas também como um importante alerta para os pesquisadores que se propõem a estudar a crise do presidencialismo e da democracia (BOITO JR., 2018, p. 219) no Brasil atual. Nesse aspecto, faz-se necessário partir de uma concepção de Estado capitalista que sirva como base de uma análise profícua da construção das políticas públicas e, ao mesmo tempo, permita-nos explicitar as relações com as políticas de formação profissional.
Em sua obra ‘Poder Político e Classes Sociais’, Poulantzas (1977) demonstra que a coesão da unidade entre as instâncias estruturais de uma formação social dividida em classes é garantida pelo Estado. Essa esfera, definida como um lugar da instância política, é tida pelo autor como o nível específico da formação social que institucionaliza o poder político. No caso do Estado capitalista, o traço distintivo fundamental consiste no fato de
estar ausente a determinação de sujeitos (fixados, neste Estado, como ‘indivíduos’, ‘cidadãos’, ‘pessoas políticas’) enquanto agentes da produção, o que não acontecia com outros tipos de Estados. Este Estado de classe apresenta de específico o fato da dominação política de classe estar constantemente ausente das instituições. Este Estado apresenta-se como um Estado-popular-de-classe. As suas instituições estão organizadas em torno dos princípios da liberdade e da igualdade dos ‘indivíduos’ ou ‘pessoas políticas’. (POULANTZAS, 1977, p. 119)
Como fundamento, o autor recorre à separação entre o produtor direto e os meios de produção na relação econômica real de apropriação, divisão que imprime ao trabalho uma estrutura histórica determinada. Os fatos ficam evidentes ao analisarmos o direito capitalista, instrumento que instaura os agentes da produção como “indivíduos-sujeitos” despojados de sua inserção em uma classe. (POULANTZAS, 1977, p. 124) O mesmo se verifica nas políticas públicas (governamentais, nas palavras de Poulantzas), apresentadas, sob o véu da igualdade, apenas como relações jurídicas. Ocorre que, sendo fator de coesão, o Estado capitalista tem direção hegemônica de classe e se vale dessas políticas para a agregação dos interesses das frações dominantes.
Isso não significa, por outro lado, que a intervenção do Estado capitalista nas relações de produção garanta, sem contradições, os interesses econômicos das frações dominantes. Para Poulantzas (1977), há limites dentro dos quais a garantia simultânea de interesses das classes dominadas não coloca em questão a relação política de dominação de classe. As limitações são impostas pelas próprias lutas das classes trabalhadoras e pela configuração específica, no seio do Estado, entre as forças das frações dominantes. Por isso, ainda que haja a direção hegemônica, as formas assumidas pelo Estado capitalista e pelas políticas públicas remetem às correlações de forças existentes.
A questão pode ser ilustrada pela forma como esse Estado organiza os processos de educação profissional na forma de políticas públicas. Nesse caso, cria-se, como observou Kuenzer (2009), uma dualidade estrutural, caracterizada por um tipo de formação que prevê a apropriação de conhecimentos historicamente acumulados e outro tipo que tem como finalidade a aquisição de habilidades técnicas do trabalho capitalista. Assim, são fornecidas formações específicas para cada setor social fundamental. No Estado autocrático brasileiro, o resultado é que as escolas se efetivam como antidemocráticas não apenas pelo conteúdo que ensinam, mas, principalmente, pela sua função: a de preparar diferentemente seu público segundo o lugar que irá ocupar nas relações sociais. (KUENZER, 2009, p. 38)
O EMI trouxe à tona, como mostraremos adiante, um modelo político-pedagógico capaz de tensionar essa realidade. Esse modelo, permitido pelo Decreto nº 5.154/2004, assentou-se nas ideias de formação humana integral e politecnia, referentes à perspectiva que acentua o desenvolvimento do ser humano em suas múltiplas potencialidades: produtiva, física, intelectual, científica e tecnológica.4 Com isso, possibilitou a integração orgânica entre educação científico-propedêutica e técnico-profissional, afirmando-se como uma dupla tensão: de um lado, estrutural, pois emanada do próprio Estado autocrático que rege o capitalismo brasileiro; de outro lado, conjuntural, já que a esperança democrática representada pela LDB na década de 90 havia produzido, até então, uma ampla reforma privatizante, que aprofundou a lógica da dualidade (KUENZER, 2009).
Mas de que maneira o novo quadro, aberto em 2004, relaciona-se com as reivindicações das próprias classes trabalhadoras? Essas demandas foram incorporadas à política de EMI dentro de quais limites e em quais circunstâncias conjunturais? A análise das propostas para a educação profissional de um setor dos trabalhadores brasileiros direcionou-se de acordo com essas questões.
Nesse ponto, vale um alerta de caráter teórico-metodológico. O recorte temporal da pesquisa refere-se aos governos Lula e Dilma, compreendidos entre os anos de 2003 e 2016. O fato de a emissão do Decreto nº 5.154/2004 ter ocorrido no início desses governos não justifica, no entanto, a nossa escolha. Antes, partimos do pressuposto, exaustivamente analisado por Boito Jr. (2018), segundo o qual há uma linha de continuidade nos governos em questão, caracterizada pelo seguinte: entre as políticas governamentais e a frente política de apoio aos governos, há uma relação de representação expressa economicamente por um projeto neodesenvolvimentista5. Tal frente, de caráter pluriclassista, foi composta por praticamente todos os setores das classes trabalhadoras e, ao mesmo tempo, por uma fração da burguesia brasileira, a grande burguesia interna6.
Nesse sentido, vários tipos de reivindicações podem de ser examinados, além de combinações entre eles. Neste trabalho, discutimos o resultado da análise de um setor das classes trabalhadoras, mas, para uma caracterização mais acurada, essa investigação deve ser o mais detalhada possível, inclusive levando em conta os interesses dos setores burgueses que compuseram a frente política neodesenvolvimentista. Procuramos realizar esse esforço em PELISSARI (2019), ainda que ele não se tenha esgotado naquele trabalho.
Por outro lado, a perspectiva adotada exige que essas reivindicações sejam cotejadas com o próprio conteúdo das políticas públicas e de seus processos de institucionalização. Esse é o esforço metodológico fundamental da pesquisa, que permite caracterizar a educação profissional e, em específico, o EMI, como resultado de contradições e lutas sociais. Os resultados da análise desses dois elementos (reivindicações e política pública) e das relações entre ambos são discutidos nas seções seguintes.
3 A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COMO REIVINDICAÇÃO DOS TRABALHADORES ASSALARIADOS
A CUT, fundada em 1983, tem algumas fases bem marcadas de sua existência. A primeira delas, conhecida por sindicalismo de contestação (BOITO JR., 1999), perdurou até 1988, baseando-se na oposição à política monopolista dos governos resultantes da abertura democrática, e teve no sindicalismo classista sua concepção estruturante. Souza (2005) mostra que essa perspectiva levou a central a excluir de seus debates o tema da educação profissional, estando a questão ausente de todos seus fóruns nacionais até 1991.
A partir do 4º Congresso Nacional da CUT (CONCUT), em 1991, a entidade sofre uma mudança em sua linha estratégica, evidenciando a importância de sua participação nas políticas governamentais, ainda que as analisando criticamente. Para a central, o participacionismo deveria ser ativo a partir de então, ou seja, a CUT passaria a propor medidas e fazer aprovar reivindicações, o que lhe exigiu “a apresentação de propostas realistas, isto é, que fossem passíveis de serem encampadas, nos fóruns tripartites, pelos empresários e pelos governos neoliberais.” (BOITO JR., 1999, p. 143)
Essa mudança traz implicações fundamentais na forma e no conteúdo das propostas da CUT para a educação profissional ao longo da década de 90. Manfredi (2002) descreve, por exemplo, um aparente paradoxo: de um lado, a CUT defendia a organização de diferentes modalidades de educação profissional, sempre articuladas ao sistema de ensino oficial do Estado; de outro, é possível encontrar, já desde 1991, formulações vinculadas à tradição socialista, propagandeando a necessidade de uma educação de caráter politécnico, defendendo-se “uma escola em tempo integral, que tenha no trabalho seu princípio educativo e que possa superar as dicotomias entre trabalho manual e intelectual, a teoria e a prática, a formação geral e a formação profissional.” (CUT, 1991, p. 15)
Vale destacar que, nos últimos anos da década de 90, o sindicalismo de participação levou a CUT a colocar no centro de sua construção o debate sobre a formação e qualificação profissional. Um pacto nacional levou o governo federal, então presidido por Fernando Henrique Cardoso, à criação do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR). O programa destinava boa parte dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) a iniciativas de qualificação profissional, desenvolvidas, basicamente, por centrais sindicais e entidades patronais. Aprofundava-se, assim, a contradição exposta anteriormente: executar ações de formação dos trabalhadores com base na perspectiva da educação politécnica, porém com financiamento estatal, integrando-se ao sistema de ensino e objetivando atenuar os impactos do problema do desemprego ao trabalhador.
Pode-se dizer que esse é um marco de continuidade nas reivindicações da CUT até 2003 (MANFREDI, 2002; SOUZA, 2005), quando se inicia o governo Lula, eleito com apoio da central. Já a partir de 2002, como é possível depreender da análise das Resoluções da 10ª Plenária Nacional da CUT, a perspectiva nuclear refere-se à atuação na candidatura e no possível governo de Lula propositivamente, exigindo a participação dos trabalhadores na gestão e concepção das políticas de formação profissional, incluindo as oriundas de recursos estatais. O salto de qualidade que pode ser dado em relação ao neoliberalismo do período anterior é, segundo o documento, a atuação autônoma dos sindicatos na formulação de um novo projeto de desenvolvimento que conceba a educação dos trabalhadores como parte de políticas de geração de renda e inclusão social, inviável com a aplicação direta do neoliberalismo. Para a CUT, naquele momento, os recursos estatais não eram e não foram suficientes, de modo que sua política de formação, se não fosse projetada a partir das experiências alternativas e do autofinanciamento, não seria capaz de efetivar a reapropriação do projeto histórico da central, nem mesmo num governo de corte popular.
Ao longo dos anos seguintes, agora já compondo a frente de apoio aos governos petistas, as formulações da CUT oscilam entre o ensaio de uma ruptura com a dependência estatal do período anterior e a ratificação desta. Nesse aspecto, a reivindicação que aparece em 2002 e que categorizamos analiticamente como ‘participação popular nas políticas públicas’ está presente ao longo de todo o período 2002-2016. O elemento principal para viabilizar essa demanda, constante de oito dos dez documentos analisados, é a gestão tripartite de entidades do Sistema S, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social da Indústria (SESI), dentre outras7. Em sua 11ª Plenária Nacional (2005), por exemplo, o reclamo é por “democratização efetiva com controle público do Sistema S, incluindo debates e definição de estratégias para mudanças necessárias na legislação vigente.” (CUT, 2005, p. 45)
Apenas em 2006, no 9º CONCUT, a entidade insere essa pauta num todo mais homogêneo de reivindicações pela participação popular nos rumos do governo. Nesse caso, essa capacidade de elaboração está vinculada às iniciativas governamentais como conferências, fóruns e comitês de acompanhamento de políticas públicas setoriais. Todavia, em 2008 e 2009, já no segundo governo Lula, a questão retorna ao âmbito específico da gestão do Sistema S, como fica evidente nas resoluções da 12ª Plenária Nacional e do 10º CONCUT, respectivamente. Preparando seu conjunto de propostas para influenciar as discussões da Conferência Nacional de Educação (CONAE), a síntese da CUT é a seguinte:
Diante da ofensiva do setor patronal na mídia na defesa do Sistema S enquanto organização exclusivamente patronal cabe à CUT contra-atacar com uma ampla e agressiva campanha pela democratização do Sistema S, tendo por mote palavras de ordem como democratização, transparência e participação. (CUT, 2008, p. 43)
Importante perceber como essa discussão está ligada, nesse momento histórico, à concepção politico-pedagógica formulada pela central. Os documentos resultantes dos fóruns de 2008 e 2009 da CUT apontam o fato de que a lógica de gestão do Sistema S, centralizada nas decisões empresariais, está associada, pedagogicamente, a uma “concepção tecnicista e meritocrática, que vai contra a perspectiva emancipatória da educação libertadora de interesse da classe trabalhadora” e, além disso, efetiva “as visões reducionistas da educação instrumental, como mercadoria.” (CUT, 2009, p. 37-38) A leitura permanece nas resoluções da 13ª Plenária Nacional (2011) e do 11º CONCUT (2013) e, de maneira geral, esse vínculo foi o fio condutor das propostas da CUT que trataram da participação dos trabalhadores nas políticas de educação profissional. Ou seja, a questão esteve cristalizada numa disputa com os setores empresariais componentes da frente política de apoio ao governo, pelos rumos do projeto de desenvolvimento em curso.
Outro aspecto que emerge da análise dos documentos é a reivindicação, a partir de 2005, de um Sistema Público de Educação e Qualificação Profissional. A questão ganha organicidade no documento resultante do 9º CONCUT (2006) e permanece até o fim do período analisado. Em síntese, os elementos que devem compor, na visão da CUT, a consolidação desse sistema são: a) incorporação, pelas políticas nacionais de educação profissional, dos conhecimentos e saberes adquiridos pelo trabalhador ao longo da vida; b) articulação da Educação de Jovens e Adultos com a qualificação profissional; c) democratização do Sistema S, com instituição da gestão tripartite; d) relação das políticas de educação profissional com o Sistema Público de Emprego; e) investimento em experiências de Educação à Distância, complementadas por atividades presenciais e valorizando os saberes dos trabalhadores; f) relação com as realidades locais e suas territorialidades.
Também a partir de 2006, nota-se a ênfase dada à necessária relação entre esse conjunto de propostas e a
defesa de uma ativa política industrial e de ciência, tecnologia e inovação, que preparem o país para atuar em segmentos dinâmicos e de ponta e que agreguem valor e intensidade tecnológica à produção industrial. Valorização dos centros de produção de conhecimento científico e tecnológico; (CUT, 2006, p. 10)
Finalmente, deve-se salientar que a experiência acumulada pela CUT, ao longo da década de 90, resultou, nos anos 2000, numa proposta de caráter político-pedagógico, expressa na ideia de ‘educação integral dos trabalhadores’. Esta, na verdade, refere-se a uma leitura própria da entidade a respeito do conceito de escola politécnica e é composta, sinteticamente, por: a) educação profissional articulada à práxis sindical; b) valorização da educação básica e da elevação da escolaridade no desenvolvimento da educação profissional, de maneira que os trabalhadores se apropriem de conhecimentos científicos, ao mesmo tempo em que compreendam a problemática do trabalho e da produção capitalistas; c) compreensão das contradições do modelo de produção toyotista e seus impactos na vida do trabalhador; d) crítica à educação profissional como treinamento; e) compreensão da educação profissional como campo de disputa de hegemonia.
Ocorre que, diferentemente da década de 90, as experiências de educação integral construídas nos anos 2000 levaram a CUT a elaborar uma tríade que embasou suas propostas, formada pela educação profissional propriamente dita, educação propedêutica e formação político-sindical. O vínculo entre os três elementos refere-se à práxis organizativa do movimento sindical. Ademais, o terceiro elemento da tríade é o ponto de partida e o ponto de chegada da perspectiva formulada pela CUT nos anos 2000.
Nas resoluções do 9º CONCUT, em 2006, essa perspectiva articula-se, inclusive, com a proposta do Sistema Público de Educação e Qualificação Profissional, provavelmente por influência das iniciativas governamentais que vinham sendo implementadas desde a emissão do Decreto nº 5.154/2004 e como contribuição ao debate eleitoral que ocorreria naquele ano. O fato é que essa articulação dá origem a uma ‘proposta orgânica’ para a educação profissional brasileira, que terá repercussões e implicações em todos os governos posteriores até 2016. Vejamos, a partir da crítica formulada a um programa do primeiro governo Dilma - o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (PRONATEC) -, os elementos da proposta orgânica:
O Pronatec [...] resgata princípios que remontam ao Decreto 2.208 revogado pelo Governo Lula, tais como: a noção de empregabilidade, a desarticulação das dimensões da educação propedêutica com as da educação técnica e tecnológica, reforça a proposta de concomitância, não avança na articulação entre as Redes Públicas, Federal e Estadual, de Ensino Técnico e Tecnológico, retoma a noção de que o problema do desemprego diz respeito somente à baixa qualificação dos trabalhadores e das trabalhadoras, intensifica o uso de verba pública pela iniciativa privada, entre outros. (CUT, 2011, p. 23)
O trecho em destaque enseja uma palavra final. A inserção das propostas da CUT no contexto histórico da frente neodesenvolvimentista nunca foi homogênea. Na verdade, a entidade compreende que as origens dos governos petistas remontam a uma insatisfação da grande burguesia interna com o programa neoliberal da década de 90, mesmo havendo, entre esses setores e o campo neoliberal ortodoxo, vários interesses comuns. Isso fica nítido em afirmações como “Setores ponderáveis da burguesia nacional viram seus interesses frontalmente contrariados” (CUT, 2005, p. 12) com os resultados da política de “abertura indiscriminada da economia, liberalização do movimento de capitais estrangeiros e acordos com o FMI” (idem). Assim, foi possível forjar certa coesão à frente neodesenvolvimentista, apesar da existência de contradições, que acabaram por estar secundarizadas. Essa é uma característica fundamental das políticas postas em prática pelo governo, que se efetivaram como a resultante de forças da disputa por hegemonia dentro da frente. Para a CUT, como vimos, a educação profissional era um campo profícuo para a existência desses conflitos.
4 ENSINO MÉDIO INTEGRADO COMO POLÍTICA PÚBLICA
Com a eleição de Lula em 2002, houve, no campo da esquerda brasileira, certo consenso a respeito da revogação do Decreto nº 2.208/1997, que proibia a integração entre conhecimentos científicos e técnicos nos programas de formação profissional. Este, mesmo com a oposição de grupos empresariais, culminou com a emissão do Decreto nº 5.154/2004, que estabeleceu a perspectiva da integração no que se refere à articulação, prevista na LDB, entre a educação profissional e o ensino médio. Segundo o novo Decreto, essa articulação seria desenvolvida pela Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM), composta pelas seguintes modalidades:
I- integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno;
II- concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade [...] pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso [...]
III- subsequente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. (BRASIL, 2004)
O novo fundamento legal amparou uma série de medidas posteriores, das quais se destacam duas. A primeira delas é a política de expansão da modalidade integrada, representada pelo EMI e expressa, principalmente, no Programa Brasil Profissionalizado (PBP). O programa, criado em 2007 pelo Decreto nº 6.302, estimula a oferta do EMI nos estados e municípios, com recursos do governo federal para infraestrutura e modernização de escolas, formação docente e fomento da oferta nas redes de educação básica estaduais. Conforme se depreende dos dados expostos nos relatórios de gestão da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) do Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2019), foram finalizadas, entre 2008 e 2014, 737 obras, além de proporcionar, em cooperação técnica, a formação de 1200 docentes e gestores da educação profissional e a aquisição e/ou construção de mais de 600 laboratórios. Em 2014, o programa englobava todas as unidades federativas e havia atingido praticamente todas as suas metas inicialmente previstas, inclusive no que se refere ao investimento, ultrapassando os R$ 900 milhões inicialmente orçados e atingindo R$ 2,4 bilhões ao final daquele ano.
A segunda medida é o Documento Base do Ensino Médio Integrado (BRASIL, 2007), publicado em 2007 pelo MEC como um esforço conjunto de elaboração no sentido de apontar as diretrizes gerais para a implantação dessa modalidade. Como ideia geral, segundo nossa análise, o documento assenta as bases do EMI em quatro grandes eixos: a) eixo pedagógico-formativo: a integração a que se refere a política engloba as concepções de formação integral do ser humano e de educação politécnica; b) eixo filosófico: o trabalho é mediação ontológica na produção de conhecimentos, de modo a estabelecer à integração prevista no EMI a noção de trabalho como um princípio educativo; c) eixo curricular: insere o eixo trabalho, ciência, cultura e tecnologia como estruturante do currículo, compreendendo essas dimensões sócio-historicamente; d) eixo político: a formação política dos sujeitos do EMI é, também, parte da perspectiva pedagógica adotada e necessária para a compreensão e transformação das relações sociais capitalistas.
Além desses princípios, o documento afirma a necessidade de construção do EMI como uma política pública coesa e permanente. Para isso, parte do pressuposto de que a integração entre a formação técnica e geral é um direito de todo cidadão, pois promove a leitura crítica do mundo e a integração digna à sociedade política de que faz parte. Discute, assim, a importância das ações articuladas entre as esferas públicas e entre as políticas setoriais do Executivo Federal e do MEC para a consolidação da proposta.
Esses marcos sustentam a tese de que a emissão do Decreto nº 5.154/2004 embasou a consolidação do EMI como política pública que incorporou as formulações hegemônicas do movimento sindical brasileiro. No entanto, é fundamental observar que essa incorporação ocorreu sem que fosse necessário prescindir de elementos avaliados pela CUT como contrários à sua proposta orgânica, o que fica evidenciado nos aspectos a seguir.
Em primeiro lugar, o referido Decreto continuava prevendo formas não integradas de articulação entre o ensino médio e a educação profissional (modalidades concomitante e subsequente). Não é necessário abordar os aspectos curriculares para demonstrar que essa manutenção expressou a oposição demarcada pela CUT. Basta, para isso, observar os dados de matrículas em EPTNM entre 2002 e 2014. Ao logo desse período, o número total de matrículas mais que triplicou, variando de 565.042 para 1.741.528. Dentre as três modalidades, a principal responsável foi o EMI, que, apenas entre 2007 (ano de institucionalização do PBP) e 2010, foi responsável por mais de 25% das matrículas geradas em todo o período. Entretanto, se grande parte dessas matrículas em EMI (pouco mais de 92%) esteve concentrada em escolas públicas, em sua maioria estaduais, a expansão da modalidade subsequente, ao contrário, se deu principalmente em instituições privadas. No último caso, pouco mais de 74% das matrículas novas foram feitas em escolas privadas, dos quais 58% em cursos ofertados pelo Sistema S. (PELISSARI, 2019, p. 283)
Em segundo lugar, o novo cenário não trouxe consigo qualquer mudança na gestão, política ou pedagógica, do Sistema S. Alterações ocorreram, como, por exemplo, um conjunto de Decretos emitidos pelo então presidente Lula em 2008 (nºs 6.632, 6.633, 6.635 e 6.637) que mudavam os regimentos de entidades desse sistema, prevendo o aumento da oferta gratuita de vagas em programas de formação profissional, com metas a serem atingidas até 2014. Trata-se de medida nunca ocorrida desde a criação do Sistema S, na década de 40, que não previu, no entanto, as novas concepções de gestão reclamadas pela CUT. As entidades permaneceram, portanto, ofertando educação profissional - principalmente subsequente - segundo a lógica e interesse das forças sociais que sempre as dirigiram. Percebe-se, assim, como a incorporação de parte da pauta da CUT ocorreu concomitantemente a interesses opostos aos defendidos pela própria entidade.
Outra medida que reforçou a institucionalização do EMI como política pública foi a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, iniciada em dezembro de 2008 pela Lei nº 11.892. A ação foi responsável pela criação de 504 novas unidades federais de ensino técnico-profissional entre 2008 e 2016, triplicando o número de unidades instaladas desde o início da Rede, em 1909. Na Lei, que criou um novo modelo de Rede Federal, baseado nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, há a exigência de que 50% do número de vagas abertas sejam destinadas à oferta de cursos de EPTNM, prioritariamente na modalidade integrada.
A promulgação da lei que originou a expansão tem como marco o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado em 2007 pelo governo Lula e que tinha como desdobramento o Plano de Desenvolvimento Educacional (PDE). O PDE, na verdade, articulava todas as ações em educação profissional em curso e tinha objetivos definidos pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, cuja assinatura por estados e municípios era condição para adesão ao PBP. Além disso, o PDE tomava a transformação do Decreto nº 5.154/2004 em lei como ponto de partida para a expansão da Rede Federal, vinculando a ela a possibilidade de integração curricular.
O PDE propõe sua [do Decreto nº 5.154/2004] consolidação jurídica na LDB, que passará a vigorar acrescida de uma seção especificamente dedicada à articulação entre a educação profissional e o ensino médio, denominada ‘Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio’. A educação profissional integrada em especial ao ensino médio é a que apresenta melhores resultados pedagógicos ao promover o reforço mútuo dos conteúdos curriculares, inclusive na modalidade a distância. (BRASIL, 2007f, p. 34)
Além disso, a expansão da Rede Federal trouxe consigo outros elementos também constantes da proposta orgânica da CUT, como, por exemplo, uma rede de educação à distância (Rede e-Tec Brasil), um programa nacional de certificação profissional (Rede CERTIFIC) e o fortalecimento do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Todas essas iniciativas existem até o momento de redação deste artigo e, sobretudo nos governos Dilma, estiveram bastante articuladas com os programas de distribuição de renda e diminuição da pobreza. Pode-se perceber, neste sentido, que o conjunto de medidas estruturantes da expansão da Rede Federal aproxima-se do Sistema Público de Educação e Qualificação Profissional proposto pela CUT, inclusive no que diz respeito ao seu vínculo com a política industrial.
Os aspectos abordados até aqui mostram, sucintamente, que o EMI consolidou-se, ao longo dos quatro primeiros governos dos anos 2000, como uma política pública fortalecedora do direito à educação e à aprendizagem, em coro com as propostas da principal entidade representativa de trabalhadores assalariados do Brasil. Desse modo, representou uma inflexão na política de educação profissional, sobretudo em relação ao verificado na década de 90. Por outro lado, como vimos, essa inflexão ocorreu sem prescindir de características vistas pelos próprios trabalhadores como opostas ao seu projeto. Finalizaremos o trabalho, a seguir, com algumas hipóteses que explicam essa constatação e servem como ponto de partida para investigações e reflexões posteriores.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dois aspectos foram analisados neste trabalho. De um lado, as reivindicações de uma central sindical, que inseriram na pauta das políticas educacionais brasileiras uma proposta orgânica de formação dos trabalhadores. Esta combina a necessidade de consolidação de um Sistema Público de Educação e Qualificação Profissional com a integração entre ensino médio
e formação técnica, ressaltando o direito à educação como conhecimento crítico da realidade a todo cidadão. De outro lado, analisamos o processo de consolidação de uma política educacional ao longo dos quatro primeiros governos brasileiros dos anos 2000.
Retomando Florestan Fernandes, há duas ordens de explicação que fundamentam as contradições da incorporação do primeiro aspecto ao segundo, uma conjuntural e outra estrutural. Em relação à primeira, o pacto consolidado no âmbito da frente neodesenvolvimentista presumiu consensos e divergências dentro de correlações de forças específicas. A síntese do projeto levado a cabo com apoio dessa frente foi o crescimento econômico com distribuição de renda, garantido pelo papel do Estado na economia e abrindo as possibilidades da via democrática. Ao mesmo tempo, o que estava em jogo no projeto neodesenvolvimentista era uma contradição política principal entre a frente política que lhe deu sustentação e uma frente composta por interesses diretamente ligados ao capital internacional (BOITO JR., 2018).
Isso explica, por exemplo, a manutenção ocorrida no âmbito da gestão das entidades que compõem o Sistema S. Dirigidas por setores da grande burguesia interna, a dinâmica dessas entidades dificilmente permitiria, sob o projeto em questão, a instituição de seu “caráter público”, como chegou a reivindicar a CUT. Sequer foi possível, aliás, inserir os trabalhadores em conselhos tripartites para sua gestão. Nesse ponto, o consenso obtido entre trabalhadores assalariados e burguesia interna foi a luta contra a “desnacionalização da educação”, inclusive profissional, expressa pela CUT, por exemplo, em seu Congresso de 2009 (CUT, 2009, p. 37). Deixavam-se, assim, os limites bem estabelecidos.
Ocorre que a articulação específica entre os interesses sociais, na conjuntura analisada, não possibilitou a hegemonia política de setores das classes trabalhadoras no âmbito da frente que apoiou os governos. A proposta de educação integral da CUT, por exemplo, sempre coexistiu com o modelo de educação profissional vinculado ao Sistema S, ainda que tenha tido espaço para provocar a inflexão que apontamos. Não foi possível, ademais, que essa perspectiva se estabelecesse como uma concepção pedagógica mais ampla e hegemônica, orientadora de outros programas educacionais para além do EMI.
Já do ponto de vista estrutural, o Estado autocrático definido por Fernandes (2014) criou, a partir da década de 30 no Brasil, uma estrutura sindical caracterizada pela intervenção do Estado no movimento dos trabalhadores. De lá até aqui, uma relação de dependência material e política em relação ao aparato estatal organizou o sindicalismo brasileiro, dando ao Estado o monopólio legal da tutela sobre os trabalhadores. Essa estrutura interfere decisivamente na autonomia sindical e acaba por reproduzir as correlações de forças cristalizadas no bloco no poder. Obviamente, essa característica não é homogênea ao longo dos quase noventa anos do sindicalismo de Estado no Brasil e, além disso, não é comum a todos os Estados capitalistas. No entanto, este fato impõe limites à prática sindical e à própria luta democrática. (BOITO JR., 1991)
Isso explica a fragilidade da reivindicação da CUT por participação popular nas políticas governamentais, ainda que a questão tenha sido apontada com maior ênfase no início do segundo governo Lula, em 2006. Os elementos que compõem a proposta orgânica da entidade, por exemplo, não contemplaram uma intensificação da participação democrática dos trabalhadores. O resultado foi uma incorporação apenas pedagógica e institucional da proposta, ou seja, expressa em documentos curriculares e em arranjos institucionais. Os últimos foram capazes de dar coesão aos interesses em disputa e, ao mesmo tempo, servir ao projeto de desenvolvimento em curso, como foram os casos do PBP e da Rede Federal, emanados de uma política típica do neodesenvolvimentismo, o PAC.
Esse contexto, explicado a partir do binômio conjuntura-estrutura, resultou em uma profunda crise política e social iniciada em 2014. É necessário mencionar que os próprios setores componentes da grande burguesia interna foram forças importantes dessa crise, que culminou, em 2016, em um golpe de Estado e no reaparecimento de linhas políticas autoritárias e de extrema direita. Do ponto de vista econômico, esses setores identificaram alternativas mais viáveis para a satisfação de seus interesses recompondo a frente neoliberal, em que pesem as contradições que guardam com o grande capital internacional. Anderson (2016), por exemplo, evidencia as ações do empresariado industrial no intento golpista:
Os donos das indústrias ficaram felizes em colher os frutos de altos rendimentos durante o período de crescimento elevado do governo Lula, no qual virtualmente cada grupo social melhorou sua posição. Porém, quando isso terminou durante o governo Dilma, e as greves começaram, não tiveram nenhuma compaixão por quem lhes favoreceu anteriormente. (p. 39, tradução nossa)
O resultado foi a eclosão de uma segunda restauração neoliberal, expressando, novamente como confirmação das teses de Fernandes (2014, p. 40), a marca contrarrevolucionária preventiva das burguesias latino-americanas. No bojo dessa restauração, a medida educacional mais visível foi uma reforma do ensino médio e da educação profissional, alterando bases curriculares, pedagógicas e institucionais no sentido contrário à perspectiva da formação integral e da inclusão democrática, conforme mostram, por exemplo, os estudos de Motta e Frigotto (2017) e Silva (2018).
O futuro que trará as novas configurações da política de educação profissional impõe, sem dúvida, sérios riscos à inflexão verificada ao longo da primeira década dos anos 2000, agora com o fechamento absoluto da disputa pela perspectiva da participação popular nas políticas públicas. Vale refletir, todavia, que a inflexão possibilitou a emersão da efetivação da educação como direito universal, algo que já está incorporado nas experiências em curso, como as de integração curricular na Rede Federal. Além disso, as contradições no bloco dominante seguem existindo e, certamente, serão expressas na forma de políticas públicas. No campo da análise, resta-nos evidenciar a importância de investigações que levem em conta a composição de classe dessas políticas e suas transformações no plano histórico-estrutural, desenvolvendo perspectivas que permitam compreender o caráter do Estado brasileiro nessa nova conjuntura.