1 INTRODUÇÃO
A discussão que buscamos desenvolver neste artigo tem, como premissa, a ideia de que o uso das novas tecnologias de informação e comunicação na Educação Básica e, sobretudo, na Educação Superior, pode ser constituído como ferramenta de combate e resistência aos retrocessos e políticas que atacam o sistema educacional público brasileiro.
Almejamos mostrar as possibilidades concretas existentes para a inserção das tecnologias na educação, sem fazermos uma espécie de apologia às mesmas, como se pudessem ser a salvação para todos os problemas educacionais do nosso país. Também procuramos nos contrapor aos posicionamentos que, na Sociedade da Informação e do Conhecimento4, consideram ser possível ignorar completamente as tecnologias nos processos de se ensinar e aprender.
Compreendemos, aqui, o conceito de resistência como o conjunto de embates, lutas e conflitos para a garantia de direitos sociais. No que tange às políticas públicas, o uso das tecnologias está presente em documentos5 publicados ao longo da história da educação brasileira e, por essa razão, faz parte do seu desenvolvimento, mediante uma sociedade cada vez mais tecnológica e informatizada.
Com base na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, no Plano Nacional de Educação (2014) e na Base Nacional Comum Curricular (2018), abordamos os conceitos de educação, novas tecnologias e formação docente como o palco de negociações para a aprovação de determinadas políticas em detrimento de outras. Nesse percurso, explicitamos algumas delas, como as atuais voltadas à formação docente, bem como as mudanças ocorridas na Educação Superior, em especial com uma reflexão sobre a portaria no 1.428/18, que permite que até 40% das disciplinas dos cursos presenciais possam ser ofertadas na modalidade de Educação a Distância (EaD).
Diante desse novo cenário, que se consolida por meio das tecnologias, refletimos, ainda, sobre como a sociedade tem se mostrado fragilizada e sem condições de análise crítica frente às avalanches de informações que circulam em nível mundial. A partir dessa reflexão, indagamos: seria essa incapacidade de posicionamento reflexivo e crítico frente ao volumoso fluxo informativo uma expressão da falta de uma educação voltada à Sociedade da Informação e do Conhecimento?
2 EDUCAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS COMO POSSIBILIDADES DE RESISTÊNCIA
A legislação educacional vigente tem apontado para a necessidade de discussões teóricas e atividades práticas voltadas ao uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na Educação Básica. Esse tema consta na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996), que preconiza, no Inciso II do Artigo 32, que, no Ensino Fundamental, deve-se oportunizar aos educandos “a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamentam a sociedade”.
Da mesma forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) enfatizam, como um dos objetivos do Ensino Fundamental, oportunizar ao aluno “saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos” (PCN, 1997, p. 5). A tecnologia é concebida nos PCN como uma ferramenta indispensável para a construção de conhecimentos e, nesse âmbito, deve ser uma referência tanto para o professor quanto para o aluno.
Dessa maneira, é importante considerarmos a Resolução no 1/2002 do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 18 de fevereiro de 2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica em nível superior, nos cursos de licenciatura. Esse documento estabelece, em seu Artigo 2o, Inciso VI, “o uso das tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores” como recursos necessários à melhoria do processo de ensino e aprendizagem.
A meta 2 do PNE (BRASIL, 2014, p. 50), que versa sobre a universalização do Ensino Fundamental para crianças e adolescentes de seis a quatorze anos, possui, como uma de suas estratégias, “a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a base nacional comum curricular”. Uma base comum curricular, a partir dessa compreensão, deve servir como referência para que os sistemas de ensino elaborem seus currículos e, por isso, deve ser guiada pelos documentos e políticas que a precedem (BRASIL, 2018).
Elisabeth Macedo (2014) assevera que a proposta de uma base comum nacional não é recente no Brasil, visto que na década de 1980 já existiam discussões e debates sobre isto. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada em 1996, consolidou uma demanda por uma base nacional comum. A BNCC6 (2018) assinala que toda a elaboração do documento esteve ancorada na Constituição Federal de 1988, na LDBEN, na Política Curricular Nacional e nas Diretrizes Curriculares Nacionais.
Com a exposição desse processo, notamos como as tecnologias estão presentes na sistematização e elaboração de documentos legais e políticos. Um país como o Brasil, com tamanha diversidade territorial e cultural, precisa trabalhar em rede para a efetivação de uma Base Nacional Comum Curricular. Esse processo evidencia como a cultura digital7 foi, e é, transversal para o processo de elaboração do documento e como, em termos gerais, o próprio documento reconhece que a cultura digital perpassa todos os campos, fazendo surgir, ou modificando, gêneros e práticas (BRASIL, 2018).
Em vista disso, França e Costa (2017) assinalam que a BNCC propôs, por meio de consulta pública, a criação de uma política nacional para a formação docente, de materiais, tecnologias educacionais, de infraestrutura escolar e política nacional e avaliação padronizada da Educação Básica. Retomamos o foco da BNCC na Cultura Digital, ao evidenciar “a multiplicação das tecnologias de informação e comunicação e do crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de computadores, telefones celulares, tablets e afins” [...] (BRASIL, 2018, p. 61). O documento reconhece, ainda, a tecnologia como fundamental, bem como a necessidade de o professor e o estudante dominarem o universo digital, com capacidade de utilizar de forma crítica e ética as diversas ferramentas existentes.
Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem promovido mudanças sociais significativas nas sociedades contemporâneas. [...] Os jovens têm se engajado cada vez mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se diretamente em novas formas de interação multimidiática e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam de modo cada vez mais ágil. Por sua vez, essa cultura também apresenta forte apelo emocional e induz ao imediatismo de respostas e à efemeridade das informações, privilegiando análises superficiais e o uso de imagens e formas de expressão mais sintéticas, diferentes dos modos de dizer e argumentar característicos da vida escolar (BRASIL, 2018, p. 61).
É importante ressaltar que a BNCC está em construção permanente, independentemente da não flexibilização dos documentos oficiais. Por isso, “torna-se possível considerar que as tecnologias digitais podem propiciar uma reconfiguração da prática pedagógica, uma abertura e uma plasticidade do currículo, assim como o exercício de uma coautoria de professores e alunos” (HEINSFELD e SILVA, 2018, p. 670). É nessa direção que pensamos no movimento de resistência e luta contra os ataques à educação, tanto pela formação educacional qualificada quanto pelo protagonismo docente e discente.
É mister enfatizar que a BNCC passou por três versões até a definição do documento final e que, nesse contexto, a política passava pelo impeachment da presidente da república e por denúncias de corrupção de políticos de todo o país. A terceira e última versão da base, lançada no governo Michel Temer, apresenta propostas distintas do governo Dilma Rousseff. Considerando isso, é preciso nos atentarmos, ainda que tenham como princípios norteadores a Constituição Federal (1988) e a LDBEN (1996), aos direcionamentos deste documento, quanto à garantia de equidade educacional (HEINSFELD E SILVA, 2018), tanto em nível de Educação Básica quanto no respaldo que poderá ser dado em nível superior.
Antes de finalizar o governo do presidente Michel Temer, o Ministério da Educação (MEC) publicou no Diário Oficial, no dia 31 de Dezembro de 2018, a portaria nº 1.428/18, que revogou a portaria de nº 1.134/16 e alterou o percentual e a forma de distribuição das disciplinas a distância para cursos presenciais.
Em comparação à portaria anterior (nº 1.134/16), a principal alteração está no Artigo 3º: “O limite de 20% (vinte por cento) definido no art. 2º poderá ser ampliado para até 40% (quarenta por cento) para cursos de graduação presencial” (DOU nº 250, segunda-feira, 31 de dezembro de 2018, Seção 1, Página 59). Para isso, as IES deverão atender a alguns requisitos contemplados nos quatorze artigos do referido documento.
A leitura atenta da portaria nº 1.428/18 revela algumas particularidades, no que tange ao seu cumprimento.
Na aplicação desta Portaria, será observada a legislação educacional que dispõe sobre atos autorizativos de funcionamento de IES e de oferta de cursos superiores de graduação na modalidade presencial e a distância (BRASIL, 2018, p. 59).
Ou seja, já fica definido que as mudanças poderão ser adotadas em Instituições de Ensino Superior (IES) cujo funcionamento está autorizado e que o mesmo curso se apresente tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância. Isso fica nítido a partir do Artigo 3º, com os quatro requisitos que viabilizarão esse acréscimo, de 20% para até 40% das disciplinas ofertadas na modalidade a distância em cursos presenciais:
I - a IES deve estar credenciada em ambas as modalidades, presencial e a distância, com Conceito Institucional - CI igual ou superior a 4 (quatro); II - a IES deve possuir um curso de graduação na modalidade a distância, com Conceito de Curso - CC igual ou superior a 4 (quatro), que tenha a mesma denominação e grau de um dos cursos de graduação presencial reconhecidos e ofertados pela IES; III - os cursos de graduação presencial que poderão utilizar os limites definidos no caput devem ser reconhecidos, com Conceito de Curso - CC igual ou superior a 4 (quatro); e IV - A IES não pode estar submetida a processo de supervisão, nos termos do Decreto nº 9.235, de 2017, e da Portaria Normativa MEC nº 315, de 4 de abril de 2018 (BRASIL, 2018, p. 59).
Os Artigos 4º e 9º reiteram a necessidade de que as atividades pedagógicas e as avaliações sejam realizadas presencialmente, em sede ou campi das IES. Já o Artigo 5º pondera que devem ser respeitados os limites específicos de carga horária e disciplinas a serem cursadas na modalidade a distância. O Artigo 6º estabelece que as áreas da Saúde e das Engenharias não serão contempladas por essa portaria.
A portaria nº 1.428/18 é inovadora, em relação ao documento anterior, ao estabelecer que o uso da tecnologia precisa estar presente no plano pedagógico do curso, permitindo uma maior integração entre todas as atividades a serem realizadas:
Art. 7º A oferta das disciplinas previstas nos arts. 2º e 3º desta Portaria deverá incluir métodos e práticas de ensino-aprendizagem que incorporem o uso integrado de tecnologias de informação e comunicação - TIC para a realização dos objetivos pedagógicos, material didático específico, bem como a mediação de tutores e profissionais da educação com formação na área do curso e qualificados em nível compatível ao previsto no projeto pedagógico do curso - PPC e no plano de ensino da disciplina, que deverão descrever as atividades realizadas a distância, juntamente com a carga horária definida para cada uma, explicitando a forma de integralização da carga horária destinada às atividades on-line (BRASIL, 2018, p. 59).
Outra mudança significativa é observada no Artigo 8º, que determina que as alterações inseridas nos planos de ensino dos cursos precisam ser divulgadas aos estudantes durante o processo seletivo, bem como no ato da matrícula. A IES deve informar de modo objetivo as disciplinas, os conteúdos, as metodologias e os processos avaliativos, permitindo que os estudantes tenham ciência de como se constitui a carga horária obrigatória do curso escolhido.
Por fim, os Artigos 10, 11 e 12 reiteram a importância de se adequar todo o Projeto Político Pedagógico (PPP) às novas mudanças, para que as mesmas possam ser avaliadas pelo MEC, com o intuito de se verificar se cumprem os regimentos de lei existentes para a Educação Superior e para a modalidade de Educação a Distância.
Para dar seguimento às discussões referentes às tecnologias digitais da informação e comunicação nos cursos de licenciatura, citamos as atuais diretrizes que enfatizam a importância de debates sobre o uso de tecnologias nos cursos de formação de professores.
No dia 09 de junho de 2015 foi aprovado, pelo Conselho Nacional de Educação, o parecer CNE/CP no 02/2015, homologado pelo Ministério da Educação no dia 24 de junho de 2015, que contextualiza o processo de elaboração e constituição das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Essas diretrizes foram discutidas por mais de uma década pelo CNE e tiveram como referência a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional de Educação (DOURADO, 2015).
A Resolução prevê que a implementação do Projeto Político Pedagógico (PPP) da IES contemple a formação inicial e continuada de profissionais que atuem no magistério em Educação Básica, em todas as suas etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissional, Educação Indígena, Educação do Campo, Educação Escolar Quilombola e Educação a Distância).
Salienta a formação continuada, por meio de constantes reflexões acerca do processo pedagógico, e destaca as atividades de extensão (curricularização), reuniões pedagógicas, grupos de estudos, e demais ações que ultrapassem o mínimo exigido para o exercício do magistério na Educação Básica. Tais orientações têm como meta a reflexão sobre a prática educacional e a efetivação de conhecimento técnico, político, pedagógico e ético do profissional docente (DOURADO, 2015). Para se efetivar essa formação, é preciso considerar, conforme o autor:
os sistemas e redes de ensino, o projeto pedagógico das instituições de educação básica, bem como os problemas e os desafios da escola e do contexto onde ela está inserida;
a necessidade de acompanhar a inovação e o desenvolvimento associados ao conhecimento, à ciência e à tecnologia;
o respeito ao protagonismo do professor e a um espaço-tempo que lhe permita refletir criticamente e aperfeiçoar sua prática;
o diálogo e a parceria com atores e instituições competentes, capazes de contribuir para alavancar novos patamares de qualidade ao complexo trabalho de gestão da sala-de-aula e da instituição educativa (DOURADO, 2015, p. 312-313).
Os aspectos levantados por Dourado (2015) como focos das diretrizes para a formação de profissionais da educação apontam os sistemas em rede de ensino como estratégias para o desenvolvimento educacional, por meio da tecnologia e da inovação social.
Nesse sentido, no Capítulo II da Resolução nº 2/2015, no Artigo 5º, reafirma-se a necessidade do uso competente das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) para o aprimoramento da prática pedagógica e ampliação da formação cultural de professores e estudantes (BRASIL, 2015).
Isso revela a necessidade de se repensar a formação tradicional e tecnicista, incluindo novas práticas e ações que, ao suscitarem reflexões das possibilidades de mudança, possuam, na formação profissional, a capacitação de seus estudantes para a produção inovadora e as análises críticas da informação, bem como para um posicionamento ético diante da atual conjuntura (KENSKI, 2012).
Uma educação de caráter inovador será o reflexo da compreensão de que educação e tecnologia são elementos indissociáveis, presentes no cotidiano de todos, e de que as mídias fazem parte da informação sendo, ainda, capazes de gerar conhecimento, revelando um educando que, na atualidade, exige mais dinamismo em seu protagonismo na construção do saber.
Diante desse cenário, temos documentos oficiais que anunciam uma formação para além do domínio técnico voltado às exigências do mundo do trabalho, dentre os quais se encontra o Plano Nacional de Educação (PNE), com metas educacionais a serem atendidas até o ano de 2024.
O PNE tem como função ser a base para a produção e consolidação dos planos estaduais e municipais de educação no período de dez anos. É, também, documento articulador do Sistema Nacional de Educação, que atende às demandas das Conferências Nacionais de Educação (CONEB e CONAE) ocorridas em 2008 e 2010, respectivamente (SCHEIBE, 2010; BRASIL, 2014).
Dourado (2015) explicita que o PNE apresenta metas e várias estratégias que englobam a educação básica e a educação superior, em suas etapas e modalidades, bem como a discussão sobre qualidade, avaliação, gestão, financiamento educacional e valorização dos profissionais da educação. O autor destaca as metas 12, 15, 16, 17 e 18, por apresentarem estratégias vinculadas às diretrizes no tocante à formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Das vinte metas propostas para o próximo decênio, salientamos as citadas pelo autor e que possuem relação com as tecnologias:
Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurando que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
15.6. promover a reforma curricular dos cursos de licenciatura e estimular a renovação pedagógica, de forma a assegurar o foco no aprendizado do(a) aluno(a), dividindo a carga horária em formação geral, formação na área do saber e didática específica e incorporando as modernas tecnologias de informação e comunicação, em articulação com a base nacional comum dos currículos da educação básica, de que tratam as estratégias 2.1, 2.2, 3.2 e 3.3 deste PNE (BRASIL, 2014, p. 72 e 78).
Retomando a proposta do documento referente à política nacional de materiais e tecnologias educacionais, foco deste texto, foi possível observar que essas discussões, assim como aquelas presentes nas Diretrizes, perpassam por todos os objetivos de aprendizagem das diferentes áreas e etapas de ensino. Afinal, como declara Orofino (2005, p. 52), “as crianças e adolescentes de hoje convivem com as mídias [...] de um modo nunca experimentado pelas gerações anteriores”.
A atual conjuntura evidencia um processo social de informação acessível e, geralmente, gratuita. E, como sublinha Ronaldo Mota (2016), mais relevante do que o que se tenha apreendido, em nível de informação ou ensino, é a capacidade de o educando aprender, ter autonomia de pensamento e domínio da compreensão do que aprende. As tecnologias digitais nos favorecem nesse sentido, à medida que oportunizam explorar um novo cenário que extrapola os muros da escola, visto que a aprendizagem não se reduz somente ao espaço escolar na Sociedade do Conhecimento e da Informação. O uso adequado das novas tecnologias, articulado à opção de metodologias inovadoras, terá um papel fundamental para a efetivação dessas propostas.
3 A URGÊNCIA DE UMA DISCUSSÃO TEÓRICA SOBRE AS NOVAS TECNOLOGIAS
O discurso em prol da inovação no processo de ensino e aprendizagem está presente em documentos oficiais do Ministério da Educação, em publicações científicas e no cotidiano de nossas escolas e universidades. A educação busca acompanhar o ritmo do desenvolvimento tecnológico, que se mostra tão presente na Sociedade da Informação e do Conhecimento. Assim, as informações podem ser consideradas a base do conhecimento, mas o conhecimento apenas se consolida quando as informações se relacionam em redes de sentidos, significações e análises críticas. Entretanto, no atual contexto, as pessoas acreditam ter domínio de conhecimentos e saberes, no momento de receber determinadas informações e replicá-las de maneira não analítica (REZENDE e ABREU, 2000).
Mas, se por um lado, é impossível ignorar a importância da tecnologia na vida das pessoas do mundo inteiro, especialmente para nossas crianças e jovens, por outro, o uso dessa tecnologia ainda gera grandes debates entre pesquisadores, educadores e alunos de todos os níveis e modalidades de ensino.
Uma das polêmicas reside, a nosso ver, no fato de os espaços de trocas de informações e conhecimentos terem sido reconfigurados com o processo de expansão do acesso à internet e, consequentemente, às redes sociais. Como nos alerta Sergio Branco (2017, p. 54):
[...] em tempos de eleição de Trump e de fake news, pós-verdade, fatos alternativos e testes psicológicos secretos, muita gente acaba criticando o Facebook por falta de transparência nas suas decisões institucionais, dentro e fora dos algoritmos.
Mas será que cabe somente às redes sociais a culpabilização pela falta de lisura? Movimento semelhante ocorreu com o processo eleitoral brasileiro, em 2018, em que o presidente eleito Jair Bolsonaro fez uso das redes sociais para fazer campanha e, consequentemente, foi bastante questionado e criticado pela imprensa.
Jair Bolsonaro teve destaque na imprensa com seu discurso de ódio. Fez apologia ao racismo, preconceito e misoginia. Identificamos, no caso do parlamentar, além de elementos oriundos do espetáculo um forte discurso de ódio e medo, propagado pela sua apologia às armas. A imprensa, em contrapartida, veicula intensamente esses posicionamentos, gerando uma espetacularização do processo. Os discursos repercutem na imprensa de todo o país e uma parcela da população que corrobora desse posicionamento vê no porte de armas a solução para os seus problemas (CIOCCARI e PERSICHETTI, 2018, p. 61).
As autoras ainda expressam o discurso contraditório de Bolsonaro sobre combater as fake news, visto que, em suas redes sociais, ele ameaça e debocha de quem o questiona ou pensa diferente. Exemplificam com a reportagem do jornal Folha de S. Paulo - publicada em 11 de janeiro de 2018 -, que o questionou sobre a utilização do auxílio-moradia durante o seu mandato como deputado, e obteve dele a resposta de que “esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava pra comer gente”.
As polêmicas que envolveram o atual presidente evidenciam que, independentemente de suas ações ou falas, o fato de estar em destaque em diferentes mídias potencializou a sua campanha e, consequentemente, a sua vitória. Isso reforça o fato de que as novas tecnologias midiáticas podem ser utilizadas tanto para informar e fazer circular o conhecimento científico, quanto, também, para servir à circulação de notícias falsas.
As pesquisas acerca das consideradas fake news são recentes e estão centradas em publicações nas áreas do Jornalismo e do Direito. Com a intenção de trazer estas discussões para o terreno da Educação, nos propomos a compreender as potencialidades das novas tecnologias para combater a onda de desinformação e circulação de falsas notícias. Por isso a necessidade de mediação entre informação e conhecimento, afinal,
Informação é todo o dado trabalhado, útil, tratado, com valor significativo atribuído ou agregado a ele, e com um sentido natural e lógico para quem usa a informação. O dado é entendido como um elemento da informação, um conjunto de letras, números ou dígitos, que, tomado isoladamente, não transmite nenhum conhecimento, ou seja, não contém um significado claro. Quando a informação é “trabalhada” por pessoas e pelos recursos computacionais, possibilitando a geração de cenários, simulações e oportunidades, pode ser chamada de conhecimento. O conceito de conhecimento complementa o de informação com valor relevante e de propósito definido (REZENDE e ABREU, 2001, p. 60).
Matthew d'Ancona (2018), jornalista inglês, em sua obra “Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news”, destaca a complexidade do termo pós-verdade em tempos de pseudocientistas e circulação de informações infundadas, como os influenciadores digitais que apelam para a não cientificidade da vacinação, por exemplo. Tais influências provocaram, em determinados grupos, crenças que ocasionaram consequências graves, como a não vacinação de crianças.
Gilson Cruz Júnior (2018, p. 280) pontua que pós-verdade foi a palavra do ano de 2016, eleita pelo Dicionário Oxford e que, em sua definição, remete à ideia de que a objetividade tem sido menos influente do que apelos de crenças pessoais e emocionais.
“[...] o conceito de pós-verdade ainda é carente de grandes consensos. Esse fato se deve, em grande parte, ao seu caráter multifacetado e interdisciplinar, que aciona âmbitos como a política, psicologia, comunicação, educação e filosofia”.
Partimos do pressuposto daquilo que Kenski (2001) considerava ser fundamental, já no início do século XXI, que era formar sujeitos que não sejam apenas usuários ingênuos das tecnologias, mas pessoas conscientes e críticas, que saibam utilizar suas possibilidades de acordo com a realidade em que vivem, tendo em vista as disparidades regionais que se fazem tão presentes em nosso país. Mas, primeiro, essa formação perpassa pela formação docente.
Com efeito, pontuamos que a nova realidade tecnológica precisa atender aos mais variados segmentos, como anuncia Kenski (2012), ao fazer uma reflexão de como pode ser a relação entre educação e tecnologias no Brasil. Para a autora, são necessários cursos de formação de professores que sejam ofertados presencialmente ou a distância, por meio das tecnologias digitais, para atender, inclusive, àquela demanda que não tem um perfil para estar todos os dias em um mesmo local e horário para estudar.
Assinalamos que os cursos de licenciatura, de modo geral, não preparam os professores para utilizar a tecnologia em sala de aula e no cotidiano escolar. Mais do que isto, o resultado das pesquisas (KENSKI, 2001; 2012) mostra que nem mesmo uma discussão relativa às tecnologias tem ocorrido na estrutura dos cursos voltados para a formação inicial de docentes no Brasil.
Assim, partindo do pressuposto de que a formação do professor é extremamente essencial nessa Sociedade da Informação e Conhecimento, é possível dizer que, sem ela, a falta de uma discussão e argumentação crítica dos estudantes ainda será permeada por “achismos” que tornam confortável saber apenas aquilo que lhes interessa, mesmo que esse conhecimento seja falso. Em vista disso, entendemos que a formação docente e as políticas públicas que preconizam o uso das tecnologias são caminhos de resistência à disseminação das falsas notícias, popularmente conhecidas como fake news, ou de qualquer conhecimento falacioso.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As diretrizes curriculares do curso de Pedagogia (BRASIL, 2006), assim como a Resolução no 2/2015 e o PNE (2014), alertam para a necessidade de as formações docentes inicial e continuada que tenham as novas tecnologias e as culturas digitais como âncoras para a compreensão crítica de mundo. Entretanto, como evidenciamos no decorrer desse texto, ainda existem obstáculos para a efetivação desses documentos na prática. Esses obstáculos passam pela formação inicial e continuada de professores, que precisam romper com os paradigmas tradicionais e tecnicistas da educação, e também passam pela falta de investimento de recursos econômicos para a educação pública que garantam o acesso, a permanência dos estudantes e o uso de materiais inovadores e tecnológicos, tanto nas IES quanto nas escolas de Educação Básica.
Para que se efetive um trabalho colaborativo, que seja realizado em rede e explore a utilização das TDIC para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes (licenciatura e ensino básico), é necessário o enriquecimento do panorama de conhecimentos científicos e pedagógicos, como argumentam Moraes, Gomes e Gouveia (2015). Afinal, é no tempo e espaço dos cursos de licenciatura que os estudantes necessitam de condições para repensar outros saberes, experiências e vivências que sejam ancoradas nos conhecimentos científicos, bem como a criação e inovação no processo de utilização de tecnologias para se efetivar uma prática social significativa.
Contudo, desde a LDBEN, passando pelos PCN e DCN, notamos a presença das TDIC como um eixo norteador de inovação e desenvolvimento da área educacional e do processo de ensino e aprendizagem. Os documentos atuais (Resolução nº 02/2015, PNE de 2014 e BNCC) também apresentam as tecnologias como ferramentas promissoras para o processo de seleção de informações e posicionamentos críticos e éticos.
Entretanto, as TDIC são, por vezes, recebidas com resistência por parte dos educadores que se encontram no processo de formação inicial ou continuada, seja pela insegurança do domínio técnico, seja pelo receio de receber estudantes que tenham mais facilidade no manuseio das tecnologias (FRANÇA; COSTA, 2017).
É preciso que as formações voltadas aos docentes sejam efetivas, organizadas como “comunidades de aprendizagem”, em que o ensino colaborativo envolva equipes mistas, como docentes, técnicos e estudantes (KENSKI, 2012). Essa possibilidade vai ao encontro das propostas do PNE e da BNCC, que requer uma reformulação curricular e alternativas para as formações inicial e continuada dos docentes.
Dessa forma, as TDIC já mostraram que podem ser úteis e significativas para a formação docente, para atendimento às metas educacionais no âmbito da Educação Básica e Superior e, ainda, como ferramentas de problematização das informações oriundas do senso comum, bem como a circulação e identificação de fake news. Ainda temos muito a avançar para a real efetivação de um trabalho em rede, colaborativo e com uma perspectiva crítica. Resta saber se nossos representantes políticos farão os investimentos necessários para o atendimento das metas educacionais.
Em função disso, reiteramos a importância de os educadores permanecerem firmes na luta e na resistência aos ataques constantes contra a educação pública, gratuita e de qualidade. Mais do que isso, consideramos ser de fundamental importância a oferta de cursos e programas de formação de professores que possam capacitar efetivamente os profissionais da educação na identificação e no combate às fake news.