1 INTRODUÇÃO
Desde o avanço tecnológico e a popularização dos smartphones, ocorridos na última década, o modo de se comunicar e se relacionar em sociedade sofreu muitas transformações. Os smartphones possibilitam o acesso a uma grande quantidade de funções que vão muito além das ligações telefônicas. Jogar, trocar mensagens, acessar serviços pela internet (e-mail, redes sociais etc.) e buscar informações estão entre as atividades realizadas por meio do smartphone (MOK et al., 2014; CHOI et al., 2015).
Considerando mesma frequência de população usuária de smartphones (67%), o Brasil apresenta mais pessoas com acesso à internet (70%) e uso de mídias sociais (66%) do que a população mundial que apresenta, respectivamente, 57% e 45% (KEMP, 2019). Além disso, os brasileiros passam mais de três horas por dia no smartphone, ficando em 5º lugar no ranking global (APP ANNIE, 2019). Metade do tempo gasto na internet é por intermédio do uso de smartphones; e, entre as atividades mais realizadas, estão assistir vídeos on-line (92%) e usar aplicativos de mensagens (91%).
A dependência é considerada um problema psicológico emergente em todo o mundo e está relacionada ao tempo que se passa conectado diariamente. Algumas pessoas se entregam ao uso da internet por longos períodos, negligenciando até mesmo trabalhos importantes do seu cotidiano (UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017). Além disso, a dependência e o uso excessivo da internet levam à privação do sono, ao insucesso acadêmico (MISHRA et al., 2014; SILVA et al., 2018), à incapacidade de se exercitar, a estados afetivos negativos (como depressão, raiva, tédio, culpa) e à diminuição da capacidade de concentração no trabalho e estudo (LI et al., 2015; UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017).
Embora o vício em smartphones seja um conceito relativamente novo e não esteja incluído na última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) de 2014, estudos de pesquisa e intervenções sociais têm sido realizados para abordar o impacto adverso da dependência de smartphones (MOK et al., 2014; ANDREWS et al., 2015; CHOI et al., 2015; ROZGONJUK, SAAL, TAHT, 2018; SILVA et al., 2018; WILCOCKSON, ELLIS, SHAW, 2018). Nesse manual, existe a inclusão do Transtorno do Jogo pela internet (Internet Gaming Disorder) na Seção III – Condições para Estudos Posteriores; e ressalta que o uso excessivo da internet que não envolve os jogos on-line (por exemplo, mídias sociais, como o Facebook; assistir a pornografia on-line) precisariam seguir diretrizes similares (DSM-5, 2014). Recentemente, em junho de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a 11ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11) com a inclusão do Transtorno dos jogos eletrônicos (Gaming disorder) na seção de transtornos que podem causar vício (OPAS, 2018).
Atualmente, é difícil manter a concentração de estudantes universitários durante o horário de aula, pois há muitas distrações que impactam negativamente a concentração dos alunos e impedem o aprendizado ideal (ATTIA et al.,2017; SILVA et al., 2018; SOHN et al., 2019). Pequenas interrupções de apenas 2,8 segundos já são capazes de interferir na execução de tarefas levando a erros (ALTMANN, TRAFTON, HAMBRICK, 2014), atrapalhando negativamente na produtividade e no bem-estar dos indivíduos (MONTAG, WALLA, 2016). Estudos mostram que a maioria dos estudantes usa smartphone durante palestras e aulas para atividades não relacionadas à educação (COSTA, NOGUEIRA, 2010; SILVA et al., 2018), enquanto o uso do aplicativo para fins educacionais não ultrapassa 10 minutos por dia (SILVA et al., 2018).
Estudos na temática, geralmente, utilizam questionários de autorrelato para quantificar e medir as interações com a tecnologia (ELLIS et al., 2018) ou identificar comportamentos que caracterizam um uso problemático (dependência), tais como preocupação, abstinência e tolerância. Psicólogos e psiquiatras utilizam essas ferramentas para diagnosticar e tratar vícios comportamentais (MONTAG et al., 2015); no entanto, o participante pode exagerar ou minimizar as informações coletadas, o que afeta a confiabilidade e a validade dos resultados (ANDREWS et al., 2015; LIN et al., 2015; WILCOCKSON, SHAW, 2017; ELHAI et al., 2018; ROZGONJUK, SAAL, TAHT, 2018).
O rastreio de uso por gravação diretamente no smartphone – área de pesquisa denominada Psicoinformática – tem sido sugerido pelos pesquisadores para a obtenção de uma medida mais confiável (MONTAG et al., 2015, MONTAG, WALLA, 2016), pois as interações do smartphone são um marcador individual de comportamento repetitivo e consistente (WILCOCKSON, SHAW, 2017). Segundo Montag et al. (2015), o comportamento registrado diretamente no aparelho apresenta-se fortemente relacionado à dependência quando comparado ao autorrelato, sugerindo a associação das medidas para auxiliar na avaliação e no tratamento do problema, porém, poucos trabalhos utilizam traços digitais de comportamento (ELLIS et al., 2018).
A maioria das pesquisas avalia esse uso e a dependência de internet em populações de adolescentes, alguns em universitários (ANDREWS et al., 2015; CHOI et al., 2015; HAUG et al., 2015; LIN et al., 2015; MONTAG et al., 2015; UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017; HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017; ROZGONJUK, SAAL, TAHT, 2018; SILVA et al., 2018), e nenhum com a população de pós-graduandos ou mestrandos, nem com idade adulta acima dos 35 anos. Além disso, estudos que avaliassem ações ou estratégias educativas para diminuir o uso problemático dessas tecnologias entre estudantes não foram encontrados, tornando esta pesquisa relevante.
Considerando a educação em saúde uma ferramenta potencialmente efetiva na Promoção da saúde (CERVERA et al., 2011), este estudo teve como objetivo avaliar a interferência de uma abordagem educativa no padrão de uso real do smartphone e a dependência de internet por mestrandos da área da saúde.
2 MÉTODO
Trata-se de um estudo experimental longitudinal aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 97370918.8.0000.5374), de uma Faculdade de Odontologia de Campinas-SP, realizado no período de outubro de 2018 a abril de 2019.
Devido à necessidade de acesso direto ao smartphone de cada participante, uma amostra não probabilística de conveniência composta pelos 18 mestrandos do Curso multiprofissional em Saúde Coletiva foi convidada a participar. Além disso, por se tratar de uma avaliação longitudinal, a amostra em questão facilitou o controle dos dados evitando grande perda amostral, comum nesse tipo de estudo. Os participantes com smartphones incompatível com o instrumento de coleta de dados, que apresentaram falhas na coleta de dados do aplicativo e que não estavam presentes no dia da realização da abordagem educativa foram excluídos do estudo.
O mestrado em Saúde Coletiva é ministrado em módulos (períodos) de 5 dias consecutivos, com aulas concentradas em determinados meses do ano. Os alunos, provenientes das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste, ausentam-se de sua rotina de trabalho e familiar para cursar presencialmente esses módulos em Campinas.
A coleta de dados foi realizada por meio do aplicativo de smartphone UBhind, único compatível com Android e iOS, instalado no smartphone de cada participante, para identificar o padrão de uso do aparelho; e por um questionário eletrônico desenvolvido por intermédio do software Qualtrics e enviado por link individual para cada participante via WhatsApp, para viabilizar a coleta de dados, composto por duas partes: avaliação do perfil socioeconômico (sexo, idade, estado civil, profissão e renda) e teste de dependência em internet.
O padrão de uso do smartphone foi verificado durante os cinco dias (zero hora a 23h59) regulares de aula do curso de mestrado, coletando dados relativos ao tempo (horas) de uso, frequência de uso (checagem), ou seja, quantas vezes a tela do smartphone foi ativada e desativada (turn-on/off) e horários (turnos) de pico de uso (dois momentos): madrugada (zero hora – 4h59); manhã (5h – 7h59); aula manhã (8h – 11h59); intervalo almoço (12h – 13h59); aula tarde (14h – 17h59); noite (18h – 23h59). Para os smartphones do sistema operacional Android, foi possível observar o aplicativo mais usado, tempo de uso (horas) desse aplicativo e estabelecer, com base nos três aplicativos mais usados, o tempo mínimo gasto na internet. Esses dados não são disponibilizados no aplicativo dos smartphones com sistema operacional iOS devido à sua política de segurança e proteção de dados dos usuários.
Inicialmente, foi instalado o aplicativo no smartphone (avaliação piloto) de cada participante para verificar se teria sucesso na instalação e se os dados de interesse seriam realmente disponibilizados pelo aplicativo. Nesse momento, as notificações foram silenciadas para que o participante não fosse incomodado nem lembrado que o aplicativo estava em funcionamento em seu smartphone. Além disso, as ferramentas de controle existentes no próprio aplicativo foram bloqueadas para que o participante não impedisse seu funcionamento, evitando assim interferências no estudo. O participante tinha conhecimento de que o aplicativo verificava o uso do smartphone, no entanto, não sabia exatamente quais dados seriam coletados, tampouco que apenas os dados gerados durante os cinco dias de aula de cada módulo seriam utilizados.
O grau de dependência em internet foi mensurado por meio do questionário Internet Addiction Test (IAT), desenvolvido por Kimberly Young, traduzido e validado por Conti et al. (2012), com o título Teste de Dependência de Internet (TDI). O TDI contém 20 perguntas pontuadas de acordo com a escala Likert de pontos (0 a 5). A pontuação final determina o Nível de Dependência de cada indivíduo: Sem risco de dependência da internet (0-19 pontos), praticamente não usa a internet; Nível baixo ou leve de dependência da internet (20-49 pontos), usuário on-line médio, mas tem controle sobre seu uso; Nível médio ou moderado (50-79 pontos), usuário experimentando problemas ocasionais ou frequentes por causa da internet ; e, Nível alto ou severo (80-100 pontos), o uso da internet está causando problemas significativos em sua vida. Assim, os usuários classificados nos níveis de dependência sem risco ou leve são considerados não problemáticos; enquanto nos níveis médio ou alto são usuários problemáticos.
As etapas realizadas para execução da pesquisa e coleta de dados estão ilustradas na figura 1 e serão pormenorizadas a seguir: em outubro de 2018, ocorreu a instalação do aplicativo UBhind (período teste); em dezembro de 2018 (T0), iniciou-se a coleta de dados por meio do questionário unificado e do aplicativo UBhind, ao final do módulo; após 45 dias, em janeiro de 2019 (T1), foi realizada, no início do referido módulo, a abordagem educativa proposta explicada a seguir e, no último dia de aula, foram coletados dados referentes ao padrão de uso (aplicativo UBhind); por fim, três meses após a abordagem educativa, em abril de 2019 (T2), foram coletados dados referentes ao padrão de uso (aplicativo UBhind) e grau de dependência de internet, ao final do módulo.
No primeiro dia das atividades do módulo de janeiro de 2019 (T1), 45 dias após a primeira avaliação (T0), os alunos passaram por uma abordagem educativa do tipo palestra, com apresentação em PowerPoint, realizada em um único momento com duração de uma hora. A apresentação foi dividida em duas partes: a primeira parte apresentou dados do relatório Digital in 2018 (KEMP, 2018), da Agência We are social, com informações sobre uso de dispositivos móveis, internet e mídias sociais no mundo com a finalidade de caracterizar o comportamento on-line dos indivíduos e impacto do mundo digital nos negócios, na cultura e na sociedade. A segunda parte da abordagem mostrou, por meio de vídeos e imagens, situações e comportamentos comuns no dia a dia que evidenciam o uso contínuo do smartphone e o quanto as pessoas estão cada vez mais conectadas e dependentes do aparelho. Em seguida, alertou-se sobre a existência de dependência de smartphone e internet (uso problemático) e os prejuízos que causam na vida do indivíduo, fato reconhecido como um problema de saúde, inclusive com existência de Centros de reabilitação para recuperação e tratamento. Foram disponibilizados 20 minutos para discussão do tema com os alunos; ao final, a pesquisadora concluiu sobre a necessidade do uso consciente e adequado da tecnologia, e os ouvintes foram questionados sobre que tipo de usuário de smartphone e internet eles seriam, instigando-os a refletir sobre o próprio consumo dessas tecnologias e sobre a necessidade ou não de mudança de comportamento ou, até mesmo, a busca por tratamento.
Análise estatística: inicialmente, foram realizadas análises descritivas com frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e média, desvio-padrão, mediana, valor mínimo e máximo para as demais variáveis. A análise exploratória indicou que os dados não atendiam às pressuposições de uma análise de variância, sendo utilizados modelos lineares generalizados para medidas repetidas no tempo. As análises foram realizadas no programa R com nível de significância de 5%4.
3 RESULTADO
Após aplicação dos critérios de exclusão, a amostra final foi composta por 14 mestrandos, sendo 64,3% do sexo feminino, com idade média de 45,9 anos (dp 10,6 anos), maioria dentista (42,9%), com renda acima de sete salários mínimos e casada (64,3%). Quanto ao tipo de smartphone, 50% possuíam modelos com sistema operacional Android; e 50%, iOS (Tabela 1).
Variável | Categoria | Total | Grupo | |
---|---|---|---|---|
iOS (iPhone) | Android | |||
N (%) | N (%) | N (%) | ||
Sexo | Feminino | 9 (64,3%) | 5 (71,4%) | 4 (57,1%) |
Masculino | 5 (35,7%) | 2 (28,6%) | 3 (42,9%) | |
Estado Civil | Solteiro | 4 (28,6%) | 0 (0,0%) | 4 (57,1%) |
Casado | 9 (64,3%) | 7 (100,0%) | 2 (28,6%) | |
Divorciado | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) | 1 (14,3%) | |
Profissão | Assistente Social | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) | 1 (14,3%) |
Dentista | 6 (42,9%) | 4 (57,1%) | 2 (28,6%) | |
Farmacêutica | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) | 1 (14,3%) | |
Médico | 4 (28,6%) | 3 (42,9%) | 1 (14,3%) | |
Nutricionista | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) | 1 (14,3%) | |
Psicóloga | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) | 1 (14,3%) | |
Renda | 2 a 4 salários mínimos | 2 (14,3%) | 1 (14,3%) | 1 (14,3%) |
4 a 7 salários mínimos | 3 (21,4%) | 0 (0,0%) | 3 (42,9%) | |
Acima de 7 salários mínimos | 9 (64,3%) | 6 (85,7%) | 3 (42,9%) | |
Variável | Média (desvio padrão) |
Média (desvio padrão) |
Média (desvio padrão) |
|
Idade | 45,9 (10,6) | 50,4 (10,2) | 41,4 (9,7) |
Fonte: autores da pesquisa, 2019.
Quanto ao padrão de uso do smartphone, foi verificado que o número de checagens foi, em média, 92,3 vezes (T0), 86,3 (T1) e 90,5 (T2). O tempo de uso médio dos aparelhos foi de 4h24 (T0), 4 horas (T1) e de 4h30 (T2). Não houve alteração no decorrer do tempo (p>0,05) (Tabela 2).
Quanto à dependência de internet, observou-se um escore compatível com nível leve ou baixo de dependência de internet – usuário on-line médio, porém, com controle sobre seu uso; e que não houve alteração no escore de dependência de internet, no decorrer do tempo (p>0,05) (Tabela 2).
Variável | Tempo | p-valor | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
T0 | T1 | T2 | |||||
Média (desvio padrão) |
Mediana (mínimo; máximo) |
Média (desvio padrão) |
Mediana (mínimo; máximo) |
Média (desvio padrão) |
Mediana (mínimo; máximo) |
||
Escore do teste de dependência (TDI) |
28,21 (17,95) | 23,50 (9,00; 67,00) | - | - | 24,64 (17,36) | 19,00 (6,00; 58,00) | 0,1294 |
Número de checagem |
92,34 (60,99) | 82,80 (32,60; 230,00) | 86,29 (51,90) | 80,13 (28,25; 198,75) | 90,54 (39,36) | 81,00 (41,60; 173,00) | 0,5503 |
Uso médio (horas) | 4,41 (1,89) | 4,49 (2,03; 8,29) | 3,98 (1,33) | 3,98 (1,82; 5,84) | 4,52 (1,94) | 4,16 (2,30; 9,63) | 0,0783 |
Fonte: autores da pesquisa, 2019.
Quanto ao período do pico de uso, observa-se que, para a maioria, o pico foi no período da noite (18h – 23h59), seguido pelos turnos de aula (Tabela 3).
Pico de uso | Tempo | ||
---|---|---|---|
T0 | T1 | T2 | |
Aula manhã (8h – 11h59) | 1 (7,1%) | 4 (28,6%) | 1 (7,1%) |
Aula tarde (14h – 17h59) | 3 (21,4%) | 1 (7,1%) | 0 (0,0%) |
Noite (18h – 23h59) | 10 (71,4%) | 9 (64,3%) | 12 (85,7%) |
Dado não disponível | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | 1 (7,1%) |
Fonte: autores da pesquisa, 2019.
O aplicativo em smartphones do tipo Android (50%) forneceu informações mais detalhadas sobre o padrão uso: o aplicativo mais usado foi o WhatsApp (T0 = 85,7%, T1 = 71,4% e T2 = 71,4%), seguido do Instagram; o tempo médio gasto no aplicativo mais utilizado foi de, aproximadamente, 2h (T0), 1h45 (T1) e 2h (T2); e o tempo mínimo gasto na internet, com base na análise dos três aplicativos mais usados, foi de, aproximadamente, 3h16 (T0), 2h50 (T1) 3h30 (T2). No decorrer do tempo, não houve alteração do uso (p>0,05) (Tabela 4).
Aplicativo | Variável | Tempo | p-valor | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
T0 | T1 | T2 | |||||||||
Média (desvio padrão) | Mediana (mínimo; máximo) | Média (desvio padrão) | Mediana (mínimo; máximo) | Média (desvio padrão) | Mediana (mínimo; máximo) | ||||||
Ambos | Frequência (%) | 7 (100,0%) | 7 (100,0%) | 7 (100,0%) | |||||||
Tempo no aplicativo (h) | 2,05 (0,83) | 2,46 (1,12; 2,96) | 1,75 (0,61) | 1,56 (0,97;2,47) | 2,11 (0,73) | 1,95 (1,56; 3,71) | 0,3679 | ||||
Tempo na internet (h) | 3,27 (1,01) | 2,96 (1,79; 4,66) | 2,83 (0,83) | 2,65 (1,82; 4,40) | 3,50 (0,90) | 3,38 (2,23; 4,64) | 0,1561 | ||||
Frequência (%) | 6 (85,7%) | 5 (71,4%) | 5 (71,4%) | - | |||||||
Tempo no aplicativo (h) | 1,94 (0,84) | 1,88 (1,12; 2,96) | 1,69 (0,62) | 1,56 (0,97; 2,43) | 2,22 (0,86) | 1,95 (1,56; 3,71) | |||||
Tempo na internet (h) | 3,04 (0,89) | 2,94 (1,79; 4,56) | 2,44 (0,45) | 2,59 (1,82; 2,96) | 3,30 (0,91) | 3,20 (2,23; 4,31) | |||||
Frequência (%) | 1 (14,3%) | 2 (28,6%) | 2 (28,6%) | - | |||||||
Tempo no aplicativo (h) | 2,73 (-) | 2,73 (2,73; 2,73) | 1,90 (0,80) | 1,90 (1,33; 2,47) | 1,86 (0,26) | 1,90 (1,33; 2,47) | |||||
Tempo na internet (h) | 4,66 (-) | 4,66 (4,66; 4,66) | 3,80 (0,84) | 3,80 (3,20; 4,40) | 4,01 (0,89) | 4,01 (3,38; 4,64) |
Fonte: autores da pesquisa, 2019.
No Tempo T0 | No tempo T2 | ||
---|---|---|---|
Sem risco | Baixo risco | Médio risco | |
Sem risco | 6 (42,9%) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) |
Baixo risco | 1 (7,1%) | 5 (35,7%) | 0 (0,0%) |
Médio risco | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) | 2 (14,3%) |
Fonte: autores da pesquisa, 2019.
No início da pesquisa (T0), 42,9% não tinham risco de dependência; 42,8%, baixo risco – ambos usuários não problemáticos –; e 14,3% apresentavam risco médio (usuários problemáticos), classificação em que usuário experimenta problemas ocasionais ou frequentes por causa da internet. Após três meses da abordagem educativa (T2), ocorreu alteração na frequência de dependência de internet em que usuários sem risco passaram a ser 50,0% da amostra; 35,7%, baixo; e 14,3%, médio risco (Tabela 5).
4 DISCUSSÃO
A literatura apresenta poucos estudos com utilização de dados comportamentais reais, gravados diretamente no smartphone dos participantes, a maioria utiliza como parâmetro de avaliação o autorrelato (ANDREWS et al., 2015; LIN et al., 2015; WILCOCKSON, ELLIS, SHAW, 2018; ELHAI et al., 2018; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018), que não é capaz de estimar o uso real (ANDREWS et al., 2015; LIN et al., 2015; WILCOCKSON, ELLIS, SHAW, 2018; ELHAI et al., 2018; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018). No presente estudo, optou-se pela mensuração do uso do smartphone dos participantes durante os cinco dias de aula dos módulos do mestrado, visto que, segundo a literatura, seriam necessários apenas dois dias para mensurar comportamentos de verificação habitual (checagem) e uma média de cinco dias para verificar o uso semanal típico (horas) (WILCOCKSON, SHAW, 2017). Com a metodologia proposta neste estudo, observou-se que a abordagem educativa não modificou o padrão de uso de smartphone no período avaliado.
O maior tempo de uso do smartphone está associado a um padrão problemático de uso (HAUG et al., 2015; CHEN et al., 2016; HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017; MITCHELL, HUSSAIN, 2018). Um uso de 3 horas a 4 horas por dia apresentou 5,79 mais chances de ter dependência em smartphone; e, acima de 5 horas, quase 11 vezes mais chances, quando comparados com o uso médio de 1 hora por dia, segundo Haug et al. (2015), que avaliaram, por meio de autorrelato, 1.519 estudantes de escolas profissionalizantes da Suíça com idade média de 18,2 anos (dp 3,6).
Em relação ao tempo médio de uso do smartphone, a literatura mostra trabalhos com resultados próximos ao encontrado neste estudo (4h24) que variam de 3 horas a 5 horas e, portanto, com maior chance de dependência. No estudo de Andrews et al. (2015), 23 funcionários e universitários da Universidade de Lincoln, na Inglaterra, com idade média de 22,5 anos, analisados por meio de um aplicativo para Android, apresentaram uma média de 5 horas (dp 2,73) de uso. Uma pesquisa on-line (autorrelato) com 640 participantes, de 2 universidades da Inglaterra, maioria do sexo feminino, com média de idade de 24,89 anos (dp 8,54), observou uma média de 3 horas de uso (HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017). No Brasil, a média de uso foi de 3 horas, segundo relatório do App Annie (2019).
A média de checagem observada neste estudo foi semelhante ao trabalho de Andrews et al. (2015), 84,68 (dp 55,23), que também avaliou a checagem diretamente no smartphone. Porém, outra pesquisa utilizando o autorrelato obteve resultado inferior (39,5) (HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017). A diferença encontrada nos estudos pode ser devido à forma de coleta de dados, pois a literatura tem apontado que o autorrelato consegue medir apenas comportamentos conscientes deliberados, o que pode levar a resultados inferiores (ANDREWS et al., 2015; LIN et al., 2015; WILCOCKSON, ELLIS, SHAW, 2018; ELHAI et al., 2018; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018).
A frequência de uso do smartphone (checagem) apresenta associação com o vício em smartphone, e foi significativamente mais frequente no grupo de usuários excessivos em uma pesquisa que avaliou o uso diretamente no smartphone (CHEN et al., 2016). Uma frequência de uso acima de 50 vezes ao dia, como o encontrado nesta pesquisa, apresentou aproximadamente 3 vezes mais chances de ter dependência em smartphone, e acima de 100 vezes ao dia, quase 3,5 mais chances, quando comparados com uso menor que 5 vezes ao dia (HAUG et al., 2015), alertando sobre uso problemático.
A pontuação média da amostra no TDI (autoavaliada) apresentou-se abaixo do encontrado na literatura (médias de 34,14 a 46,27) (CHOI et al., 2015; SILVA et al., 2018), porém, os escores encontrados na literatura e nesta pesquisa representam o mesmo nível de dependência de internet (nível leve). Observou-se que, apesar da idade média (45,9 anos) da amostra ser superior à literatura encontrada, o nível de dependência de internet foi similar (nível leve), sugerindo que apesar da amostra ter sido composta por pessoas que não nasceram na era digital, elas incorporaram as tecnologias ao longo do tempo. Neste estudo, foi constatado um percentual de 14,3% dos mestrandos que foram classificados como sendo usuários problemáticos de internet, enquanto a literatura apresentou resultados superiores: 21% em uma pesquisa com 100 estudantes de medicina, com idades entre 17 anos e 30 anos (UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017); e 68,2% (SILVA et al., 2018), uma porcentagem 5 vezes maior.
O uso de smartphone é fator de risco de dependência de internet e vice-versa (CHOI et al., 2015). A literatura aponta os efeitos negativos que o uso de internet, smartphone e outras tecnologias digitais causa, como o aumento da desorganização do trabalho. Ademais, atuam como interruptores (distratores) com potencial de atrapalhar o estado de fluxo, impactam negativamente a produtividade (RENNECKER, GODWIN, 2005; MONTAG, WALLA, 2016; SOHN et al., 2019) e a concentração dos alunos, impedindo o aprendizado ideal (ATTIA et al., 2017; SILVA et al., 2018; SOHN et al., 2019); além de afetar o bem-estar dos indivíduos (MONTAG, WALLA, 2016) e a sua saúde mental (depressão, ansiedade, estresse, baixa qualidade do sono) (SOHN et al., 2019).
Considerando que o uso de internet e smartphone se sobrepõe (CHOI et al., 2015), ao analisar os dados dos Android, tem-se que o tempo mínimo de uso de internet por meio do smartphone foi de 3h16; e, o máximo, de 4h24 (tempo total de uso do smartphone), próximo ao encontrado por Kemp (2019) para o Brasil (04h45), com a média de idade da população em 33,5 anos. Vale ressaltar que esse tempo de uso da internet representa apenas o uso por intermédio do smartphone. No Brasil, o uso da internet mediante qualquer dispositivo (computador, tablet etc.) foi o dobro (9h29/dia) do tempo de internet por meio do smartphone (KEMP, 2019). Ou seja, o tempo gasto na internet pela amostra estudada aumentaria ao considerar o uso geral. Apesar disso, a maioria foi classificada (autorrelato) como usuários não problemáticos de internet.
Quando se avaliou o momento do dia de maior uso, observou-se o maior pico de uso durante a noite, corroborando estudos de Upadhayay e Guragain (2017), por meio de autorrelato; e Andrews et al. (2015), mediante medida de uso real no smartphone. O uso noturno foi associado ao uso problemático de smartphone (SOHN et al., 2019). O maior pico de uso à noite permite inferir que existe um controle de uso durante o período de aula, o que levaria a menor distração e interferências no aprendizado, mas este estudo não se estendeu à avaliação da interferência no aprendizado. No entanto, o uso noturno pode interferir indiretamente no aprendizado, pois influencia na qualidade do sono, o que acarreta, muitas vezes sonolência diurna, afetando habilidades cognitivas e de aprendizagem (YOGESH, ABHA, PRIYANKA, 2014; TAMURA et al., 2017; DUKE, MONTANG, 2017) e levando a uma concentração mental fraca nos estudos, indicando que alunos deveriam se livrar de todas as distrações que afetam o tempo de estudo, a saúde física e o humor (UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017).
Dados do relatório Digital 2019: Brazil (KEMP, 2019) indicam que trocar mensagem é a segunda atividade mais realizada no smartphone pelos usuários de internet no Brasil, sendo o WhatsApp o principal para este fim; e, entre os aplicativos de smartphone, é o que possui o maior número de usuários ativos. No presente estudo, entre os mestrandos avaliados, o WhatsApp (01h56 – 45% do uso do smartphone) foi o aplicativo mais utilizado seguido do Instagram, corroborando estudos que evidenciam um maior uso de aplicativos relacionados a entretenimento e comunicação (MONTAG et al., 2015; HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017; UPADHAYAY, GURAGAIN, 2017; KEMP, 2019; SOHN et al., 2019).
O tempo de uso encontrado foi superior ao de Montag et al. (2015), um dos poucos estudos sobre WhatsApp, que avaliaram, por meio do aplicativo Menthal, 2.418 alemães com idade média de 24,64 (dp 10,44), encontrando um uso médio de 32 minutos (dp 35,36) – 20% do tempo de uso do smartphone. O WhatsApp foi associado ao vício em internet em uma pesquisa com 58 estudantes de uma universidade da Alemanha, com idade média de 24 anos, com mensuração de uso por meio do aplicativo (MONTAG et al., 2015). Em relação ao uso problemático de smartphones, pesquisas mostram relação deste com o uso frequente de mídia social (DUKE, MONTAG, 2017; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018; SOHN et al., 2019), principalmente, mídias sociais do tipo troca de mensagens (CHEN et al., 2016).
Apesar do contínuo aumento do tempo gasto com mídias sociais no mundo, a conscientização sobre os impactos negativos sobre a saúde mental assistiu à ascensão da "desintoxicação digital". Alguns usuários estão deixando de ser "sempre ativos" em seus dispositivos para um uso mais consciente e "intencional", auxiliado por recursos que permitem aos usuários monitorar o uso (KEMP, 2019). Vale ressaltar que, no período analisado, os participantes estão longe de suas famílias e trabalhos, o que pode ter influenciado no maior uso noturno e maior uso do WhatsApp, aplicativo relacionado à comunicação.
Os resultados desta pesquisa evidenciam um padrão de uso de smartphone e internet problemático de acordo com a literatura discutida (MONTAG et al., 2015; CHOI et al., 2015; HAUG et al., 2015; CHEN et al., 2016; DUKE, MONTAG, 2017; HUSSAIN, GRIFFITHS, SHEFFIELD, 2017; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018; MITCHELL, HUSSAIN, 2018; SOHN et al., 2019). Em contrapartida, a maioria da amostra apresentou uma visão contrária ao se autoavaliar em relação à dependência de internet. Provavelmente, isso ocorreu porque o TDI trata-se de uma medida de autorrelato que pode sofrer influência da desejabilidade social (MONTANG et al., 2015), além de não ser capaz de estimar o uso real (ANDREWS et al., 2015; LIN et al., 2015; WILCOCKSON, ELLIS, SHAW, 2018; ELHAI et al., 2018; ROZGONJUK, SAAL, TÄHT, 2018). O uso excessivo foi relacionado à distorção do tempo de uso, ou seja, o indivíduo perde a noção do tempo gasto no smartphone e subestima seu uso (LIN et al., 2015); enquanto a mensuração do uso do smartphone ocorreu por gravação diretamente no smartphone (aplicativo UBhind), o que possibilitou uma medida real e avaliação mais confiável dos dados (MONTAG et al., 2015; MONTAG, WALLA, 2016).
Em relação à interferência da abordagem educativa, observou-se que a abordagem proposta não alterou o padrão de uso do smartphone no decorrer do tempo: a média de horas de uso e checagem se manteve; o período de pico de uso do smartphone, para a maioria, foi à noite, em todos os períodos avaliados; para os smartphones do tipo Android, o aplicativo mais usado continuou sendo o WhatsApp, seguido do Instagram – ambos do tipo mídia social –; e não houve mudança significativa no decorrer das avaliações do tempo de utilização do aplicativo mais utilizado e da internet, nem imediatamente (T1), tampouco após três meses (T2) da abordagem educativa. O nível de dependência de internet da amostra também não alterou na avaliação final, com a porcentagem de usuários problemáticos (14,3%) e não problemáticos (85,7%) mantida. Tal resultado pode ter sido obtido devido ao fato de a abordagem ter sido pontual, realizada apenas uma vez, não conseguindo alterar um padrão de comportamento. Além disso, vale ressaltar que, no período analisado, durante os módulos de aula, os participantes estavam longe de suas famílias e trabalho, o que pode ter influenciado no padrão de uso do smartphone.
Diversas pesquisas estudam os problemas relacionados ao uso das tecnologias, em especial, do smartphone que, devido à sua variedade de funções (SOHN et al., 2019), popularizou-se (MOK et al., 2014; CHOI et al., 2015). Na China e na Coréia do Sul, a dependência digital tornou-se uma questão de saúde pública; outros países, como EUA, Austrália, Itália e Japão, também reconhecem oficialmente o problema. A prevenção primária do uso problemático de smartphone é difícil, pois o seu uso é socialmente aceitável e amplamente disponível. No entanto, a conscientização dos riscos e prejuízos entre os usuários ou responsáveis, professores e profissionais de saúde pode ajudar a limitar a exposição. Dessa forma, políticas para delinear estratégias de redução de danos se fazem necessárias no âmbito da saúde pública (SOHN et al., 2019).
No Brasil, ao final do ano de 2018, uma importante empresa de telefonia móvel lançou uma campanha institucional intitulada “Tem Hora para Tudo”, com a proposta de levar o próprio consumidor à reflexão sobre o uso excessivo da internet e a sua relação com a tecnologia. Além disso, no Brasil, já existem centros de tratamento de uso abusivo de tecnologias (internet, jogos, celular), como o Ambulatório integrado do controle dos impulsos/PRO-AMITI (Instituto de Psiquiatria da USP) e o Instituto Delete (UFRJ) que se preocupam com temática contemporânea. Porém, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não oferece serviços específicos sobre questões mentais ligadas à tecnologia, o que torna o tema relevante, visto que se faz necessário estudar, discutir e, principalmente, propor formas de prevenção e controle do uso dessas tecnologias para toda a população; além de enxergar o problema como uma questão de saúde pública.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A internet, percebida enquanto suporte para informações, demanda uma linguagem própria para sua compreensão e abordagens de leitura. Quando inserida em ambientes educacionais, é proposta como base para uma nova linguagem para a aquisição e construção de conhecimentos. A tecnologia tem cada vez mais influência sobre a sociedade, e o uso de dispositivos móveis pode impactar na formação das diferentes profissões, pois o uso inadequado leva a interferências no aprendizado, distanciando os alunos das propostas educacionais.
O estudo evidencia mestrandos apresentando um padrão de uso problemático tanto do smartphone quanto da internet, no entanto, a percepção desse comportamento pelo próprio usuário é difícil. Além disso, o uso dessas tecnologias é aceito pela maioria como algo normal, e não relacionado a uma condição patológica/doença. No mundo, a conscientização dos riscos e prejuízos além de formas de tratamento começam a ser debatidas com a necessidade de desenvolver estratégias para reduzir o consumo dessas tecnologias e seus prejuízos.
Neste estudo, com a metodologia empregada, a abordagem educativa proposta de forma única e pontual não foi suficiente para alterar o padrão de uso do smartphone nem para reduzir a quantidade de usuários problemáticos de internet entre os mestrandos.
Embora todos os cuidados tenham sido tomados para que o voluntário não se lembrasse, a todo momento, que o aplicativo estava instalado, o simples fato de ele saber que estava sendo, de alguma forma, monitorado pode ter levado a uma inibição ou modificação do padrão de uso dos participantes. Sugerem-se novos estudos que utilizem novas propostas de coleta de dados comportamentais sem a necessidade de acesso direto ao smartphone dos participantes. A realização de uma pesquisa qualitativa para entender melhor o perfil de uso das tecnologias e, assim, elaborar uma abordagem educativa mais direcionada à problemática também se faz interessante.