1 CONTEXTUALIZAÇÃO INICIAL
Nas últimas décadas, têm sido significativos os estudos voltados para a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral, como aponta o Núcleo de Estudos, Tempos, Espaços e Educação Integral, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (NEEPHI/UNIRIO) e o grupo Territórios, Educação Integral e Cidadania, da Universidade Federal de Minas Gerais (TEIAS/UFMG), bem como políticas e propostas de Educação Integral nas redes de ensino no Brasil e no mundo. No entanto, nas leituras dessas produções é possível perceber que são incontáveis as diferentes formas de conceber a Educação Integral, todas implicadas nas formas pelas quais se compreende a educação, o papel da escola, o processo de ensino-aprendizagem, a relação de educador e educando e da articulação entre escola e comunidade, dentre outras implicações, todas sendo intensamente disputadas no campo social (RUA, 1998).
É a necessidade de compreender essas disputas em torno da significação da Educação Integral que mobilizou os estudos de doutorado, a partir da aproximação com aportes pós-estruturais, destacando-se as contribuições de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe e os operadores teórico-metodológicos que desenvolvem a Teoria do Discurso. Ao desenvolver reflexões a partir da compreensão do social funcionando como textualidade, esses autores oferecem ferramentas importantes para a compreensão da dinâmica de produção das políticas educacionais (LOPES, 2013).
Neste artigo são apresentadas algumas das reflexões suscitadas com base na apropriação dessas contribuições para o processo de compreensão das disputas em torno do nome Educação Integral.
Antes de prosseguir, cabe explicar que a Educação Integral como ‘nome’ se deve à compreensão de que o significante Educação Integral passou a representar a expressão máxima das políticas que objetivam a ampliação do tempo escolar, articulando argumentos de diferentes perspectivas políticas e filosóficas (CUNHA; LOPES, 2013). Dessa forma, a análise das teses e dissertações tem como objetivo identificar alguns dos sentidos articulados, entendendo que são tentativas de fixar o que a Educação Integral é. Com base na Teoria do Discurso, é possível afirmar que são tentativas de hegemonizar determinado sentido para a Educação Integral. Tentativas necessárias na e pela luta política, mas que não se realizarão plenamente. Argumentamos que as disputas em torno do nome Educação Integral podem ser entendidas como tentativas de estancamento do processo de significação de educação e de sujeito.
Nesse sentido, apresentamos inicialmente um panorama sobre a abordagem pós-estruturalista; na sequência, trazemos uma contextualização sobre diferentes correntes de pensamento político-filosófico que evidenciam diversas formas de significar o nome Educação Integral; logo em seguida, discorremos sobre o levantamento de dissertações e teses defendidas no âmbito do NEEPHI/UNIRIO, analisando-as numa perspectiva pós-estrutural, em especial a Teoria do Discurso desenvolvida por Ernesto Laclau e Chantal Mouffe; por fim, apontamos para a compreensão de que a discussão sobre Educação Integral está diretamente relacionada aos processos discursivos de significação.
2 PÓS-ESTRUTURALISMO: ALGUNS APONTAMENTOS
Segundo Peters (2000, p. 29), mais do que uma corrente de pensamento homogênea, o pós-estruturalismo deve ser compreendido como “uma complexa rede de pensamento - que corporifica diferentes formas de prática crítica. O pós-estruturalismo é, decididamente, interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes”. Um movimento de crítica àquilo que o estruturalismo de Lévi-Strauss (na Antropologia), de Louis Althusser (no Marxismo), de Jacques Lacan (na Psicanálise) e de Roland Barthes (na Literatura) ainda preservava como homogeneidade, singularidade ou unidade (PETERS, 2000). Para esse autor, trata-se mais de um aprofundamento radical do que um movimento de ruptura com o estruturalismo. E, nesse aprofundamento, assumir uma postura discursiva foi e continua sendo central (LOPES, 2013).
Trata-se de assumir, como afirmam Laclau e Mouffe (2015, p. 39), “que toda configuração social é significativa”. Nenhuma relação social é dada “pela mera materialidade referencial dos objetos, mas é socialmente construída” (idem). Uma construção que se realiza pela linguagem que, segundo Derrida (2008), é incapaz de representar, de forma plena e transparente, os fenômenos sociais ou o mundo material.
Derrida se dedicou a desconstruir o modelo representacional da linguagem em que se tem a pretensão de encarcerar a língua num sistema e numa estrutura fechados. O autor “rompe com o universalismo linguístico ao afirmar a impossibilidade de univocidade de qualquer nome, na medida em que qualquer nome só se torna inteligível como resultado de processos de tradução” (PEREIRA, 2017, p. 607). A perspectiva pós-estruturalista implica assumir que todo acesso ao que pode ser chamado de realidade é mediado pelo significante.
Essas reflexões nos levam ao questionamento sobre a existência de uma origem, ou marco zero, sobre a qual se possa estabelecer a veracidade de qualquer sentido sobre outros, a afirmar que não há uma verdade única, última e maior que se possa buscar e se fundar para compreender os processos sociais que fixam, provisoriamente, determinadas articulações discursivas num dado contexto. Nesse empreendimento teórico, a Teoria do Discurso tem sido produtiva para a compreensão dos processos de disputa por significação, em especial no que diz respeito ao processo de constituição de hegemonia.
Burity (2008) afirma que a Teoria do Discurso pode ser compreendida como uma teoria da hegemonia, visto que é assumida como uma operação discursiva em que sentidos são articulados como tentativas de fixação/universalização. Laclau (2011) rompe com a lógica essencialista em que a hegemonia implica a definição prévia e a fixação absoluta dos sentidos para pensar a constituição de hegemonia como processo sempre contingente e provisório, bem como são provisórias e contingentes as identidades produzidas nesses processos.
Para explicar essa operação, Laclau e Mouffe (2010) operam com a ideia de discurso como prática articulatória. Trata-se de explicar como diferentes demandas que estão dispersas no campo da discursividade são ordenadas em uma cadeia de equivalência. O que possibilitaria esse ordenamento?
Para os autores, esse ordenamento é possibilitado a partir do momento em que uma diferença passa a ser significada como um inimigo a ser combatido. Inimigo porque seria um obstáculo para o atendimento das demandas. Um inimigo a ser combatido, mas fundamental para a constituição da articulação. Um exterior constitutivo cujo combate torna necessário que demandas diferenciadas possam, provisoriamente, renunciar a seus conteúdos particulares para integrar formações discursivas diferentes em uma articulação que aspira à hegemonia (MOUFFE, 2001). Para Laclau e Mouffe (2010), a articulação de demandas diferenciadas se dá em torno de pontos nodais, um ponto de interseção contra o qual todas as identidades opostas a ele se unem. Quanto maior o número de demandas articuladas, mais ampla a hegemonia constituída; por outro lado, porém, será também mais precária, porque a formação da cadeia de equivalência, a articulação de demandas diferenciadas, não implica o apagamento das diferenças entre os elementos articulados. Barret (1996) ilustra esse processo ao afirmar que, em Laclau, o social funciona como
um corpo político cuja pele está permanentemente dilacerada, exigindo um plantão interminável na sala de emergência por parte dos cirurgiões da hegemonia, cuja sina é tentar fechar os cortes, temporariamente e com dificuldade (esse paciente nunca chega à sala de recuperação) (p. 249).
Quanto mais ampla a hegemonia, maior a articulação de sentidos diferenciados, maior a saturação do significante. Uma saturação que provoca o esvaziamento de significados anteriores e o desprendimento de qualquer referência anterior. É esse significante vago, porque esvaziado de sentidos, que Laclau (2011) chama de significante vazio e afirma a sua importância para a política. Um nome que passa a expressar a própria política.
Alertamos que o vazio a que Laclau faz referência não deve ser entendido como ausente de sentidos, muito pelo contrário. Vazio por estar saturado de sentidos. Daí a importância dos significantes vazios para a política, já que “a política é possível porque a impossibilidade constitutiva da sociedade só pode representar a si mesma por meio da produção de significantes vazios” (LACLAU, 2011, p. 78). Por sua vez, toda “hegemonia é sempre instável e penetrada por uma ambiguidade constitutiva” (idem). Hegemonia que produz um temporário “cancelamento de toda diferença" (p. 70) na medida em que é possível articular infinitas demandas diferenciadas em uma mesma cadeia de equivalência em lutas políticas por processos discursivos de significação.
Neste artigo, argumentamos que o significante Educação Integral pode ser entendido como vazio, visto que é carregado de sentidos, desde uma perspectiva mais instrumental em que o “integral” se resume a mais tempo na escola dedicado às atividades de ensino - uma Educação em Tempo Integral - até a perspectiva de uma educação mais holística, voltada para a formação integral dos sujeitos. Só para citar duas dimensões que não são necessariamente excludentes. Pelo contrário, as leituras realizadas até aqui deixam evidente que o nome Educação Integral está implicado em uma arena de disputas por significação; a cada nova política, as condições contextuais possibilitam novas configurações, sempre precárias e provisórias. Passamos então a apresentar os achados da investigação.
3 EDUCAÇÃO INTEGRAL: DISPUTAS EM TORNO DE UM NOME
A escolha pelas produções construídas no âmbito do Núcleo de Estudos, Tempos, Espaços e Educação Integral (NEEPHI), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), se deu por conta do prestígio social que ele possui para o Brasil - configurando-se em referência na discussão sobre a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral.
Criado em 1995, por Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho (UNIRIO); Ana Maria Villela Cavaliere (UFRJ) e Lúcia Velloso Maurício (UERJ), o Núcleo, de constituição interinstitucional, hoje tem mais de vinte anos de estudos, pesquisas e projetos de extensão sobre a ampliação da jornada escolar (tempo integral), associada ou não a uma concepção de educação mais ampliada (educação integral).
Neste momento histórico - em que a educação integral e as escolas de tempo integral vêm se tornando presentes cada vez mais nas políticas e redes de ensino do país - o grupo de pesquisadores do NEEPHI tem debatido essas presenças, a partir de questionamento dos princípios, fundamentos e práticas que as estruturam. Procura ainda analisar o arcabouço legal em que a escola de tempo integral se apoia, no Brasil contemporâneo, bem como as iniciativas locais baseadas nesse arcabouço e nas especificidades normativas e práticas existentes em âmbito municipal ou estadual (CAVALIERE; COELHO, 2017, p. 11-12, grifos das autoras).
Nesse contexto, foi realizado um levantamento de dissertações e teses defendidas entre 2006 e 2016 - os dez primeiros anos de pesquisas sobre a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral, por pesquisadores cujos orientadores têm vinculação direta ao referido núcleo, como podemos observar nos quadros a seguir.
Dissertações produzidas no âmbito do NEEPHI (2006-2016) | ||
Orientador(a) | Quantidade de Produções | Temporalidade |
Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho | 16 | 2006-2016 |
Ana Maria Villela Cavaliere | 07 | 2008-2015 |
Lúcia Velloso Maurício | 09 | 2011-2016 |
Janaína Specht Menezes | 09 | 2009-2016 |
Elisangela da Silva Bernado | 04 | 2016-2016 |
Total | 45 | (10 anos) |
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Teses produzidas no âmbito do NEEPHI (2006-2016) | ||
Orientador(a) | Quantidade de Produções | Temporalidade |
Lígia Martha Coimbra da Costa Coelho | 01 | 2016-2016 |
Ana Maria Villela Cavaliere | 02 | 2013-2016 |
Total | 03 | (3 anos) |
Fonte: Elaboração dos autores (2019).
Ao longo destes dez primeiros anos - nos quais foram produzidas dissertações e teses no âmbito do NEEPHI -, foram computadas 45 dissertações e 3 teses. Nenhuma dessas produções foi realizada a partir de aportes pós-estruturalistas.
Coelho (2009) apresenta um panorama da Educação Integral a partir de “diferentes correntes do pensamento político-filosófico” (p. 83), entendendo que elas engendram concepções e práticas diferenciadas de educação integral. Para a autora, a Educação Integral se relaciona com a busca pela “formação humana mais completa”, o que deve nos alertar para a necessidade de investigar o que está sendo significado como completude humana. A autora destaca que, no Brasil, a ideia de Educação Integral foi se consolidando com a contribuição de diferentes movimentos,
católicos [por meio da articulação entre atividades intelectuais, físicas, artísticas e ético-religiosas]; integralistas [pela vinculação ao nacionalismo cívico e à disciplina]; Anísio Teixeira [pela construção de um sistema público de ensino para o país “calcada em atividades intelectuais, artísticas, profissionais, físicas e de saúde” - visando o progresso e o desenvolvimento científico e tecnológico do país] (COELHO, 2009, p. 85-91).
São diferentes perspectivas político-filosóficas que mantêm alguns aspectos em comum, como a preocupação com um modelo de educação que dê importância aos aspectos intelectual; do corpo; do lúdico; do trabalho etc. Quando confrontamos as considerações da autora com a leitura das teses e dissertações, chegamos a um resultado muito próximo, como apresentamos a seguir.
A leitura das produções oportunizou a identificação de dez sentidos. Diferenciados por vezes, complementares em outras, divergentes e, noutras, misturando compreensões diferentes. Esses sentidos se associam com Proteção Social; Espaços Diferenciados e Outros Sujeitos; Novas Oportunidades Formativas; Formação e Trabalho Docente; Reparo de uma Dívida Histórica; Oferta de um Ensino Técnico; Gestão Democrática; Busca por um Currículo Diferenciado; Aumento dos Indicadores de Aprendizagem e Educação (em tempo) Integral, como se pode observar na ilustração a seguir.
PROTEÇÃO SOCIAL: Com base nas pesquisas de Lopes (2016) e Silva (2013b), é possível identificar o alinhamento da Educação Integral com a busca por maior proteção social, uma vez que a perspectiva do assistencialismo, do cuidado e do ato de tirar o educando da rua se evidencia. Esse foi um significado importante articulado nos discursos em defesa dos Centros Integrados de Educação Popular (CIEP), idealizados por Darcy Ribeiro no governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, na década de 1980. No entanto, a arquitetura e a proposta inicial dos CIEPs contemplavam espaços diferenciados, outro sentido identificado.
ESPAÇOS DIFERENCIADOS E OUTROS SUJEITOS: As produções de Rosa (2011), Santos (2010b) e Mota (2013) contribuem para o entendimento da importância da oferta de outros espaços educativos no processo de ensino-aprendizagem - como bibliotecas, salas de vídeo e quadras poliesportivas - bem como outros espaços socioeducativos fora dos muros escolares que, na perspectiva das cidades educadoras, afirmam que todos os espaços sociais se configuram em territórios socioeducativos, assim como as contribuições de Silva (2008) e Souza (2016a) evidenciam a inserção de outros sujeitos - como animadores culturais, oficineiros, mediadores de aprendizagem e facilitadores de aprendizagem - na construção de uma Educação Integral contemporânea.
NOVAS OPORTUNIDADES FORMATIVAS: Por meio das investigações realizadas na tese de Costa (2016b) e nas pesquisas de mestrado de Gomes (2011), Ferreira (2012), Matos (2011) e Santos (2010a), percebe-se a significação de Educação Integral como a busca por novas oportunidades formativas - quando se propõem aos estudantes outras oficinas pedagógicas, atividades pedagógicas extracurriculares e ações relacionadas à parte diversificada do currículo.
FORMAÇÃO E TRABALHO DOCENTE: As pesquisas de Araújo (2008), Almeida (2013), Melo (2014), Gnisci (2012), Oliveira (2014) e Vasconcelos (2016) potencializam a associação da Educação Integral com a necessidade de maior problematização da formação do professor que irá atuar nesse contexto de ampliação da jornada escolar dos educandos. São apontamentos que alinham o trabalho docente à busca por maior valorização e diminuição da precarização.
REPARO DE UMA DÍVIDA HISTÓRICA: Na certeza de que nossa sociedade possui profunda desigualdade social e uma dívida histórica para com os sujeitos das camadas empobrecidas da população, as contribuições de Souza (2015), Rocha (2010), Pereira (2008) e Figueiredo (2012) trazem uma reflexão potente sobre a construção de escolas para ricos e escola para pobres, a crescente evasão escolar e a necessidade de, por meio de luta política, reparar esta dívida histórica, feito este para o qual a Educação Integral tende a contribuir. Notam-se, aqui, rastros, na perspectiva derridiana, de um certo assistencialismo associado a uma visão salvacionista de educação.
OFERTA DE ENSINO TÉCNICO: Os aportes de Costa (2016a), Alves (2016), Maciel (2014) e Teixeira (2011) trazem novos olhares para a Educação Integral, significando-a como possibilidade de formação profissional, construção de um ensino para o mercado de trabalho e, ainda, de preparação para mão de obra qualificada.
GESTÃO DEMOCRÁTICA: Ao ampliar o tempo de permanência dos estudantes na escola, faz-se necessário ampliar processos de democratização das relações - que impactam diretamente no gerenciamento desse espaço educativo. Olhares importantes que Silva (2015), Brasil (2015), Diniz Junior (2016), Espírito Santo (2016) e Marques (2016) lançam sobre o conceito de Educação Integral construindo uma significação diferente relacionada à gestão democrática.
BUSCA POR UM CURRÍCULO DIFERENCIADO: Moreira (2014), Saboya (2012) e Freitas (2015) - bem como a tese de Rosa (2016) - cooperam para a reflexão da Educação Integral sendo significada como busca por um currículo diferenciado no espaço escolar, quer seja pela Pedagogia de Projetos, pelos Temas Geradores e/ou variadas formas outras de organização do conhecimento.
AUMENTO DOS INDICADORES DE APRENDIZAGEM: Pestana (2013), Costa (2011b) e Esteves (2014) apresentam contribuições importantes para o entendimento da tendência atual de significar Educação Integral como aumento dos indicadores de aprendizagem por meio de avaliações externas e padronizadas - que focam na Língua Portuguesa e na Matemática, como, por exemplo, a Provinha Brasil.
EDUCAÇÃO (EM TEMPO) INTEGRAL: Educação Integral é uma concepção de educação. No entanto, contemporaneamente, o conceito de Educação Integral vem sendo significado por Educação (em tempo) Integral em propagandas de governo, programas federais e diferentes redes de ensino. Uma mistura conceitual que revela intencionalidade política e demarca um novo sentido para o significante Educação Integral, como apresentam as pesquisas de Mól (2015), Silva (2009), Correa (2009), Moraes (2009), Portilho (2006), Kavai (2013), Costa (2011a), Pinheiro (2009), Souza (2016b) e a tese de Silva (2013a).
Cabe sinalizar que outras articulações discursivas poderiam ter sido identificadas na elaboração desses agrupamentos e que eles não são necessariamente estanques entre si - entendendo que a divisão foi uma tentativa de ilustrar, de forma didática, diferentes perspectivas de Educação Integral que ora se aproximam, ora se resvalam; ora se hibridizam e ora se contrapõem. Um movimento que expressa a multiplicidade de sentidos, as disputas por significação em torno de um nome (CUNHA; LOPES, 2013) como se ele pudesse abarcar tudo, dando conta de dizer, de forma definitiva, o que a Educação Integral é.
Entendemos o nome Educação Integral como um significante saturado de sentidos em disputa, e dessa perspectiva buscamos pensá-lo como um significante vazio (LACLAU, 2011).
Como já destacamos, significante vazio é um operador importante para a Teoria do Discurso; trata-se de um significante saturado de sentidos em disputa para fixar uma só significação. No caso da defesa de uma Educação Integral, pensamos em uma formação discursiva que articula demandas por uma formação de “melhor qualidade”. Uma qualidade significada como meta, um objetivo a ser alcançado ao fim de um caminho previamente traçado para ser percorrido no processo educacional. Meta que pode estar associada às condições socioeconômicas de vida, às relações interpessoais, à ideia de equidade social, de formação cidadã e solidária, assim como o significante qualidade da educação tem sido capaz de aglutinar diferentes demandas e constituir diferentes sujeitos que atuam em seu nome, contrapondo-se a uma ideia de escola sem qualidade. Assumimos que a defesa de uma Educação Integral passa a ser significada como um dos elementos que podem contribuir para que a qualidade da educação seja alcançada.
Queremos chamar a atenção para a possibilidade de a importância de uma Educação Integral estar sendo defendida por projetos que têm perspectivas muito diferentes sobre educação de qualidade. Com Laclau (2011), defendemos que esta é a forma de funcionamento do social: incessantes disputas por significação e tentativas de fixar/hegemonizar determinados significados sem que seja possível uma fixação completa e definitiva.
Dessa forma, não existe um sentido de negatividade atribuído ao esvaziamento. É nessas articulações discursivas e políticas que as hegemonias, sempre precárias e contingentes, são produzidas.
Dimensões que podem ser percebidas como diferentes, num primeiro momento, mas se articulam em cadeias discursivas para construir o nome “Educação Integral”. De certa forma, se fundamenta na concepção de um ser humano com uma profunda falta a ser suprida por meio de diferentes dimensões formadoras, que, sendo percebidas e trabalhadas - em espaços escolares e/ou não escolares - conseguirão alcançar a tão sonhada ‘totalidade’ na formação humana - Educação Integral.
É possível identificar mesclas entre os diferentes posicionamentos. O assistencialismo aparece de diferentes formas em vários deles, seja pela necessidade de proteger crianças e jovens dos perigos de suas comunidades, seja pela necessidade de garantir uma formação profissional considerada mais digna. Em todos esses posicionamentos, o que se expressa é uma concepção salvacionista de educação. Uma concepção de educação que nem sempre se distingue do ensino, como no caso em que a Educação Integral é concebida como aumento das atividades de ensino na escola, seja para proteção, seja para preparação profissional.
Tal desejo de completude reúne diferentes matrizes ideológicas que, supostamente, apagam as suas diferenças e se articulam, fundamentadas num ideal de ser humano em comum que carece de uma “Educação Integral” - impossível, diga-se de passagem.
Aqui retomamos os aportes pós-estruturalistas para problematizar a ideia de um ser cuja falta constitutiva (LACAN, 1997) pode ser definitivamente preenchida. O pensamento moderno tende a pensar o humano como positividade, como identidade plena e autorreferenciada. O pensamento educacional moderno, nas suas mais variadas vertentes político-filosóficas, se nutre dessa mesma lógica e anseia por uma educação que possa realizar essa utopia.
Por outro lado, os aportes pós-estruturais oferecem contribuições que possibilitam compreender a ilusão dessa pretensão, permitem pensar em uma subjetividade que “anseia pelo eu unitário e pela unidade com a mãe da fase imaginária, e esse anseio, esse desejo produz a tendência para se identificar com figuras poderosas e significativas fora de si próprio” (WOODWARD, 2000, p. 64). Uma subjetividade sempre incompleta e busca fora de si mesma as referências que podem suprir aquilo que ela deseja e não possui (PEREIRA, 2012).
Dessa forma, para além das disputas em torno das tentativas de fixar o que seja Educação Integral, argumentamos que todas operam na mesma lógica de um “bem comum”, de uma “melhor educação”, passível de ser compartilhada por todos para alcançar a construção de “um mundo melhor para todos”.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem nenhuma pretensão de fixar um sentido único/último para o significante Educação Integral, mas intensificar essas disputas por significados (exercício da democracia), é importante produzir reflexões que possam contribuir para processos de (des)sedimentação de certezas que acabam sendo naturalizadas sem problematização no campo educacional.
Isso não significa desconsiderar contribuições teóricas, experiências exitosas no campo da Educação Integral, mas sim apontar para a necessidade de aprofundamento sobre aquilo que é significado como desejável, evitando a sedução pelas metanarrativas redentoras, pelas soluções derradeiras e pela pretensão de querer resolver TUDO para TODOS e, com isso, desconsiderar o lugar da alteridade, do singular, do inesperado. Concordamos com Lopes (2013, p. 8) quando a autora lembra que
somos construções falidas, não controlamos plenamente os sentidos do que dizemos e muito menos sabemos o que somos, pois o que somos depende do outro, do contexto. Nem o eu, nem o outro, nem o contexto são identidades a priori. O sujeito - entendido como subjetivação - é um projeto inconcluso, um significante circulando a depender de uma significação sempre adiada.
Argumentamos que a defesa de uma Educação Integral, de fato e de direito, não pode prescindir dessa compreensão no processo de disputas pela significação do que é Educação e do que é Integral. Disputas que não estão neutras e que produzem efeitos na vida das pessoas.
O que se evidencia no estudo apresentado é a potência que a temática da Educação Integral e(m) Tempo Integral possui e os processos complexos de produção do próprio jogo político como tentativas de fixação de um sentido para a Educação Integral.