1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho consiste em mapear, em teses e dissertações brasileiras, estratégias metodológicas utilizadas em projetos/atividades/práticas educativas com adolescentes em programas de medidas socioeducativas.
Medidas socioeducativas (MSE) dizem respeito a um conjunto de ações voltadas à educação e inserção social do adolescente autor de ato infracional. As referidas medidas vão desde uma advertência, obrigação de reparar o dano e prestação de serviços à comunidade (PSC), a ações mais severas, como a liberdade assistida (LA), à inserção em regime de semiliberdade ou, em último caso, à internação. Ainda que desde a promulgação do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), as MSE estivessem prescritas e já fossem aplicadas, somente na forma da lei nº 12.594 (BRASIL, 2012), foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), com novas indicações para o trato da questão infracional antes da maioridade.
No presente artigo, objetivamos mapear estratégias metodológicas para o trabalho no contexto das MSE, por compreender que é preciso cultivar uma visão panorâmica acerca do conjunto de ações possíveis (agir com estratégia), para se traçar o caminho com respaldo científico (agir com metódo) (GONÇALVES, FERNANDES, 2017). Partilhamos da perspectiva de Fusari (1990), ao considerar tais estratégias como parte constituinte do planejamento das atividades de ensino, entendido como um processo de reflexão daquele que o faz. Para o autor, definir uma estratégia exige um processo de reflexão na busca por articular conteúdos, métodos, técnicas e meios de comunicação. O ato de planejar as atividades, assim como seus desdobramentos, é o próprio espaço da prática pedagógica do educador (FUSARI, 1990). No caso das MSE, esse espaço de planejamento deve ser compartilhado por uma equipe multidisciplinar, capaz de apoiar os adolescentes em suas necessidades formativas. Nessa perspectiva, consideramos, no presente estudo, estratégias metodológicas traçadas em práticas escolares e não escolares, as quais deveriam ser desenhadas de forma integrada nos Programas de MSE.
As estratégias metodológicas devem encontrar-se umbilicalmente relacionadas aos fins pretendidos. No presente caso, são imprescindíveis estratégias emancipatórias, para que a legislação seja efetivamente cumprida e os adolescentes que cometeram atos infracionais possam construir seus projetos de vida (COSTA, 2006). Na perspectiva de compilar contribuições para o desenvolvimento das referidas práticas educativas emancipatórias em Programas de MSE é que se situa o presente estudo.
O artigo está organizado da seguinte forma: inicialmente, situamos a questão dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil contemporâneo. Em seguida, indicamos o caminho metodológico adotado na investigação. Por fim, apresentamos o mapeamento das estratégias metodológicas das práticas focalizadas nas teses e dissertações identificadas.
2 ADOLESCÊNCIA(S), DESIGUALDADES E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
A seção apresenta considerações em torno da delimitação do período da adolescência. Em seguida, dados estatísticos e reflexões em torno da adolescência em um cenário marcado por intensas desigualdades sociais. Por fim, o papel das Medidas Socioeducativas diante dos adolescentes em conflito com a lei.
2.1. Acerca da delimitação do período da adolescência e início da juventude
É controverso em que ponto iniciam e findam a adolescência e a juventude devido à multiplicidade de fatores - biológicos, sociais, culturais, políticos e jurídicos - intervenientes e imbricados nesse recorte.
A Organização Mundial de Saúde, em documento intitulado Global Acceleration Action for the Health of Adolescents, considera a adolescência dos 10 aos 19 anos (WHO, 2017). O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) considera adolescentes os sujeitos entre 12 e 18 anos de idade. Já o Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013), considera adolescente a pessoa com idade entre 15 e 18 anos, no bojo de uma categoria mais ampla, a juventude, a qual compreenderia a faixa etária de 15 a 29 anos. Desse modo, o Estatuto da Juventude abarca a adolescência mais tardiamente, a partir dos 15 anos, mas já dentro da categoria juventude.
No Brasil, a questão da delimitação de etapas perpassa as acirradas disputas políticas em torno do rebaixamento e manutenção da maioridade penal. Real e Conceição (2013), ao analisarem as representações sociais dos parlamentares favoráveis a redução da maioridade penal, corroboram para o entendimento de que a correlação de forças entre os que culpabilizam os adolescentes pela escolha de um caminho delituoso e aqueles que situam a questão no contexto da privação do acesso aos direitos fundamentais se dá nas esferas política, jurídica, social e educacional.
2.2 Ser adolescente em uma sociedade marcada pela desigualdade
Projeções realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018) indicam que a população brasileira, em 2018, ultrapassou a casa dos 208 milhões, sendo 4,16% desse contigente formado por adolescentes/jovens de 15 a 19 anos do sexo masculino, 4,01% por adolescentes/jovens do sexo feminino; ou seja, aproximadamente, 17 milhões de sujeitos nessa faixa etária.
A Síntese de Indicadores Sociais 2017 (IBGE, 2017) revela que, entre 2014 e 2016, o percentual de jovens de 16 a 29 anos na condição de “nem nem” (nem estudavam nem estavam ocupados) no Brasil aumentou de 22,7% para 25,8%.
A Tabela 1 permite visualizar a situação na faixa etária de adolescentes de 16 a 17 anos, que interessa particularmente ao presente estudo:
Características | Só estuda | Estuda e está ocupado | Só está ocupado | Não estuda e não está ocupado |
---|---|---|---|---|
Homem branco | 68,4 | 17,0 | 5,3 | 9,4 |
Homem preto ou pardo | 67,0 | 15,6 | 7,2 | 10,2 |
Mulher branca | 72,3 | 11,9 | 3,2 | 12,6 |
Mulher preta ou parda | 72,1 | 8,5 | 2,9 | 16,5 |
Fonte: IBGE, 2017.
Seria desejável que os adolescentes entre 16 e 17 anos pudessem só estudar, mas, no Brasil, assim como em outros países empobrecidos, a necessidade de colaborar com o orçamento familiar impulsiona a busca por uma ocupação. É fato também que, no Brasil, entre as pessoas que só estudam, há tanto uma minoria que não precisa trabalhar, quanto os que não conseguem sequer uma ocupação. Preocupantes são também índices dos que só estão ocupados, por sua privação do direito à educação, com maior predominância do sexo masculino nesta condição: 7,2% do total de adolescentes pretos e pardos e 5,3% do total dos adolescentes brancos.
A baixa escolaridade os coloca em situação de maior vulnerabilidade. Além disso, há que se considerar que a inserção precoce no mercado de trabalho acaba por fazer com que milhares de adolescentes tenham perspectivas menos atrativas, má formação e que adentrem o mundo adulto com trabalhos precarizados. Todo esse processo os coloca em um círculo vicioso de abandono da escola para trabalhar, mas que dificulta a possibilidade de obter bons postos de trabalho, justamente por terem abandonado a escola.
Chama a atenção a condição dos “nem nem”, os que nem estudam nem estão ocupados. Há maior predominância das adolescentes do sexo feminino nesta condição: 16,5% das adolescentes pretas e pardas e 12,6% das adolescentes brancas. Entrevistas realizadas pelo referido estudo confirmaram que a questão cultural de incumbir as mulheres do cuidado de familiares e dos afazeres domésticos as afastam dos estudos e de oportunidades no mundo do trabalho. A Síntese de Indicadores Sociais 2017 (IBGE, 2017) ainda constata que situação das adolescentes negras no Brasil é especialmente desfavorável.
As dificuldades são acentuadas na vida dos adolescentes se considerarmos ainda dois aspectos: a pressão exercida pelas mídias e a cultura da violência. Veículos de comunicação os bombardeiam com apelos ao consumo de bens, acessíveis apenas a um pequeno recorte da população economicamente favorecida. Além da violência simbólica, a violência física é exercida por diversos atores sociais, sobretudo nas periferias. Nos contextos dos adolescentes em situação de vulnerabilidade, há o agravante de que o Estado encontra-se ausente ou não significa necessariamente segurança para as novas gerações.
Os dados apresentados no Mapa da violência: adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil (WAISELFISZ, 2015) confirmam a mortalidade violenta - homicídio, suicídio e acidentes de trânsito - como a maior causa de óbito na referida faixa etária. O estudo destaca que as mortes causadas por razões externas violentas somavam 8,1% na população não jovem. Já na população jovem, esse número chega a 62,9% das causas de morte, sendo 28,8% só de homicídios.
Diante de uma sociedade como a brasileira, com tantos contrastes sociais, com um dos piores sistemas de distribuição de renda do mundo e com uma história tão recente de escravidão, “a condição juvenil é vivida de forma desigual e diversa em função da origem social; dos níveis de renda; das disparidades sócio-econômicas entre campo e cidade, entre regiões do mesmo país, entre países, entre continentes, hemisférios” (NOVAES, 2007, p. 1).
Parafraseando Abramovay (2006), que fala de juventudes, devemos considerar as adolescências brasileiras, também, no plural, pois vivenciam diferentes condicionantes e tensões sociais; diferentes oportunidades de trabalho, estudo, lazer e formação ideológica.
O cenário apresentado indica a urgência de políticas públicas e ações afirmativas para os adolescentes privados de acesso a direitos fundamentais e expostos a diversas formas de violência. Conforme já afirmava Hamoy (2008, p. 43), o que fica "evidente é que esses meninos e meninas antes de praticarem ato infracional são, sim, vítimas da violência institucional que se apresenta de forma tão visível na sociedade brasileira".
2.3 Os adolescentes e os Programas de Medidas Socioeducativas
Ao contemplar a multiplicidade de aspectos e as desigualdades imbricadas na vida dos adolescentes que cumprem Programas de Medidas Socioeducativas, ficam evidenciadas suas experiências cotidianas de violência e a negação aos direitos fundamentais. Há adolescentes que ao viver os desafios dessa etapa da vida também vivenciam a experiência cotidiana da violência e da negação aos direitos humanos fundamentais.
Situações de privação de direitos fundamentais e de violência vão impactar diretamente na construção da personalidade e na significação dos espaços que os adolescentes ocupam. Faz-se necessário identificar como é permitido às novas gerações se relacionarem com o espaço social, além do impacto desse espaço e das pessoas ali presentes em sua formação cidadã (DÁVILA LEÓN, 2004).
A Psicologia Narrativa nos ajuda a refletir sobre as forças em conflito na construção identitária dos adolescentes. A configuração subjetiva do adolescente passa pela coordenação de fatores biológicos, associados à maturação sexual e mudanças físicas, fortemente marcados pela cultura, a ponto de, inclusive, poder acelerar ou retardar o início e extensão da vida reprodutiva, de modo que "o self adolescente, assim, é o arranjo que se produz na internalização/externalização ativa de experiências capitalizadas em diferentes esferas da vida cultural e se expressa nas práticas narrativas" (OLIVEIRA, 2006, p. 432). A privação de acesso aos bens de consumo e a violência corpórea e ideológica podem ocasionar a opção por vias conflituosas com a lei para a obtenção daquilo de que foi privado, configurando-se, assim, um ato delituoso.
Nesse sentido, as MSE devem se configurar como um conjunto de ações pedagógicas realizadas no âmbito do poder público, a partir de um ato delituoso. Essas ações são dever do Estado, no sentido de amenizar as situações de exclusão e vulnerabilidade social causadas por sua própria ausência.
Em consonância com o SINASE (BRASIL, 2012), é importante que a aplicação das MSE supere a esfera da punição como única resposta ao ato infracional. Propõem-se Medidas Socioeducativas para evitar novos delitos e, ao mesmo tempo, empreender ações que visem a superação da vulnerabilidade a que os adolescentes infratores estão expostos. As MSE visam viabilizar o processo de inserção social, uma vez que os adolescentes, ao se tornarem autores de atos infracionais, dão um passo a mais para a marginalidade se não forem estimulados a ocupar novos papéis na comunidade. Dessa forma, as MSE, como alternativa educativa, devem consolidar seu espaço no cenário social ao oferecer outras possibilidades para aspectos estruturais da vida ou da formação que, de alguma forma, influenciaram os adolescentes a cometer atos delituosos.
Garantir que as MSE sejam oportunizadas aos adolescentes e jovens em conflito com a lei significa cumprir a legislação, portanto, um dever ético. Faz-se necessário mover esforços para o seu aprimoramento, no intuito de que as estratégias utilizadas possam contribuir para novas formas de apreensão e de intervenção na realidade por parte desses sujeitos. Antonio Carlos Gomes da Costa (2006), a partir de sua longa experiência no campo da Socioeducação de adolescentes, assim apresenta as etapas desta interação entre o sujeito e a realidade:
a. Apreensão da realidade | O educando capta a realidade por meio de dados, informações, observações, práticas e vivências de todo tipo. O mundo externo vai sendo internalizado por ele; |
b. Comprensão da realidade | O adolescente vai distanciar-se desse conjunto de dados, informações, fatos e vivências para, a partir desse ponto, perceber os nexos, os enlaces, as relações entre eles, de modo a ter uma visão do quadro mais amplo no interior do qual cada um desses elementos ocupa um lugar e desempenha um papel; |
c. Significação da realidade | Valorizar alguma coisa é assumir diante dela uma atitude de não indiferença. Essa valoração pode ser positiva ou negativa, mas será sempre o ato de atribuir uma valência, um peso, uma ponderação a alguma coisa. Significar é atribuir valor, (res)significar algo é mudar a valoração antes atribuída, num ou noutro sentido. Os valores constituem a fonte do sentido que atribuímos aos fatos da nossa vida; |
d. Projeção da vida no interior da realidade | O projeto é a memória das coisas que ainda não aconteceram. Projetar é desdobrar as possibilidades contidas no presente numa linha de tempo, de modo a conferir direção e sentido às nossas ações cotidianas. O educando tem um projeto de vida quando é capaz de visualizar como será sua vida dentro de um determinado tempo e de agir nessa direção; |
e. Apreciação da realidade | A apreciação crítica da realidade ocorre quando o adolescente compara aquilo que é com o que ele pretendia que fosse, com base em seus valores e expectativas. A apreciação crítica é uma problematização da realidade. Ela indica ao educando suas dificuldades e possibilidades de realização do seu projeto. Ela permite identificar as variáveis que contam a favor e aquelas que atuam de forma contrária à realização do seu projeto; |
f. Ação diante da realidade | A ação sobre a realidade é o momento culminante do processo de interação do educando com o contexto onde se desenvolve a sua vida. É na ação que o ser humano define-se e realiza-se. É através da ação que os valores manifestam-se e que os projetos concretizam-se. |
Fonte: Costa, 2006, p. 81-82.
Se desejarmos que os adolescentes desenvolvam outras formas de atuação na sociedade, é preciso que tenham oportunidades de agir de forma diferente, já no contexto das MSE. Faz-se necessário não o confinamento, mas a condução de processos que possibilitem novas formas de ação no mundo.
Nesse contexto, a defesa de uma pedagogia da autonomia (FREIRE, 1996) não significa a desresponsabilização dos adolescentes pelos seus atos, mas a criação de oportunidades para que reflitam sobre sua trajetória, sua identidade e os caminhos capazes de conduzi-los à emancipação desejada. Nessa perspectiva, o mapeamento de estratégias metodológicas realizado visa contribuir para a oferta educativa junto aos adolescentes em cumprimento das MSE. Como veremos, as pesquisas apontam várias possibilidades metodológicas a fim de que as Medidas sejam efetivamente socioeducativas.
3 CAMINHO METODOLÓGICO
Para realização da pesquisa bibliográfica, percorremos etapas e procedimentos indicados por Salvador (1986), em consonância com o seu entendimento de que a compilação de dados dispersos em diversas publicações contribui para a construção de um quadro conceitual sobre o objeto de estudo. Segundo o autor, da definição do projeto da pesquisa, à coleta da documentação e até à análise explicativa das soluções, a leitura é a principal técnica. Foram seguidas as etapas indicadas, que vão desde a leitura de reconhecimento do material bibliográfico, exploratória e seletiva para a seleção das teses e dissertações pertinentes ao estudo, à leitura reflexiva e à interpretativa, indispensáveis para a produção da síntese integradora que visa solucionar o problema da pesquisa (SALVADOR, 1986).
Definido o projeto, a coleta de dados foi realizada em duas bases eletrônicas: o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), na busca por dissertações e teses publicadas, etapa concluída em 30 de abril de 2018. Não foi realizado um recorte temporal, a princípio, para o ano inicial da coleta. Como o primeiro trabalho pertinente à pesquisa foi localizado em 2003, o período ficou delimitado de 2003 a 2017, o que resultou na possibilidade de analisar dissertações e teses, sobre a temática, publicadas ao longo de quinze anos.
Como a tentativa de combinar descritores resultou na multiplicação inadequada e dispersão dos resultados nas buscas realizadas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, utilizamos, em ambas as plataformas, o termo socioeducativa para realizar a busca. O termo mostrou-se eficaz, pois nenhuma tese ou dissertação sobre Medidas Socioeducativas (MSE) deixaria de contemplá-lo e, ainda que ocasionasse a seleção de pesquisas que tratassem da socioeducação em outros contextos, essas poderiam ser facilmente excluídas pela leitura do título ou resumo do trabalho.
A coleta permitiu a constatação do crescimento do número de dissertações e teses relativas à Socioeducação. Foram identificados, inicialmente, 627 trabalhos no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES e 1155, na BDTD. Excluídas as repetições, pudemos identificar 1501 diferentes trabalhos. A leitura exploratória dos resumos, seguida pela leitura seletiva dos trabalhos, propiciou identificar 34 pesquisas de natureza empírica, voltadas especificamente a estratégias metodológicas utilizadas junto aos adolescentes em cumprimento de MSE.
Foram selecionadas pesquisas que investigaram sequências didáticas, projetos, jogos, atividades, oficinas, dinâmicas, aplicação de abordagens e técnicas, para atendimento individual ou grupal, com práticas escolares e não escolares desenvolvidas em MSE, tanto em meio aberto quanto em regime fechado, ou seja, em regime de internação, de privação de liberdade. Não foram selecionadas teses e dissertações que abrangessem única e exclusivamente pesquisas sobre perfis dos sujeitos, análises de caráter mais geral sobre contextos institucionais, formação de educadores e profissionais para atuar nos referidos programas.
A leitura reflexiva dos trabalhos permitiu sumarizar e ordenar as informações (SALVADOR, 1986), além de organizá-los em torno de eixos relacionados às estratégias metodológicas em foco. Por fim, a leitura interpretativa permitiu a tessitura da síntese integradora, que possibilita uma visão panorâmica dos trabalhos analisados.
4 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS FOCALIZADAS NAS TESES E DISSERTAÇÕES SELECIONADAS
Os 34 trabalhos foram organizados em torno de cinco eixos: Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si; Esporte; Educação profissional; Artes e Comunicação e Metodologias colaborativas/interdisciplinares.
Em torno do eixo Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si, encontram-se sete pesquisas sobre intervenções individuais ou grupais, realizadas por psicólogos e profissionais especialistas em áreas terapêuticas, mediante aplicação de projetos, programas, dispositivos, dinâmicas, técnicas voltadas à promoção de reflexão sobre as próprias atitudes e construção de novas posturas e valores, tendo em vista um melhor relacionamento consigo, com os outros e com a sociedade. No eixo Esporte e Lazer, estão alocados dois trabalhos voltados à análise de intervenções nesse campo, os quais apontaram as concepções assumidas acerca dos adolescentes e do esporte e lazer como um divisor de águas quanto aos resultados alcançados por tais ações. No eixo Educação profissional, encontra-se um trabalho voltado à análise de projeto de iniciação profissional, numa perspectiva crítica e propositiva. Em torno do eixo Artes e Comunicação, foram aglutinados 13 trabalhos que focalizam a presença das Artes e, em algumas pesquisas, também a questão da Comunicação, tendo em vista a possibilidade dos adolescentes se expressarem e comunicarem sentimentos, ideias, valores e sonhos. Neste eixo se propõe o fazer artístico, para além de uma mera utilização instrumental das Artes para aprendizagem de outros conteúdos. Por fim, em torno do eixo Metodologias colaborativas/interdisciplinares encontram-se reunidos 11 trabalhos que se debruçam sobre estratégias metodológicas utilizadas para mediar a apropriação de conhecimentos científicos e historicamente construídos, em contextos escolares ou não escolares, desenvolvidas, sobretudo, por professores da Educação Básica e também, em algumas situações, por profissionais das instituições responsáveis pelas MSE.
A Tabela 2 permite a visualização do quantitativo de trabalhos em cada eixo, por quinquênio, instituição e programa de pós-graduação de origem:
Eixo | 2003-2007 | 2008-2012 | 2013-2017 | Total |
---|---|---|---|---|
Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si | 2 UFSCar (Educ. Especial) UnB (Psicologia) |
1 UNIFESP (Educação e Saúde na Infância e na Adolescência) |
4 UEL(Análise do Comportamento) PUC-RIO (Psicologia) UnB (Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde) UFU (Psicologia) |
7 |
Educação profissional | 1 PUC-SP (Serviço Social) |
0 | 0 | 1 |
Esporte | 1 USP (Educação) |
0 | 1 UFPA (Educação) |
2 |
Artes e Comunicação | 0 | 6 USP (Artes Cênicas) UFRGS (Educação) UFPR (Educação) PUC-SP (Serviço Social) UNICAMP (Música) UFBA (Educação) |
7 UNESC (Educação) UFRJ (Música) UNICAMP (Educação) UFBA (Dança) UPF (Direito) UNESP (Música) UFPR (Educação) |
13 |
Metodologias colaborativas/ e inter disciplinares | 0 | 2 UFMG (Linguística aplicada) UFPI (Educação) |
9 UFG (Ed. em Ciências e Matemática), UNIBAN (Mestrado Prof. Adolescente em conflito lei) UFSM (Educação em Ciências) UnB (Mestrado Prof. em Ensino de Ciências [3]; Educação; Matemática; Direitos Humanos e Cidadania) |
11 |
Total | 4 | 9 | 21 | 34 |
Fonte: Elaborado pelos autores a partir das teses e dissertações selecionadas na BDTD e no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES.
Os 34 trabalhos foram desenvolvidos em 22 instituições de Ensino Superior, distribuídas da seguinte forma por região brasileira: no Sudeste (14 trabalhos): Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Universidade Bandeirante (UNIBAN), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pontifícia Universidade de Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO); no Centro-Oeste (9 trabalhos): Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade de Brasília (UnB); na região Sul (7 trabalhos): Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade de Passo Fundo (UPF); no Nordeste (3 trabalhos), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Piauí (UFPI) e na região Norte (1 trabalho): Universidade Federal do Pará (UFPA).
Como pode ser observado, há trabalhos em todas as regiões brasileiras, sendo que a região Sudeste apresentou a maior concentração deles, contando com 14 trabalhos. Destaca-se a Universidade de Brasília por ter sido origem de oito trabalhos: quatro dissertações de Programas de Mestrado acadêmico, três dissertações advindas de Programa de Mestrado profissional e uma tese. Cinco universidades contribuíram com dois trabalhos: USP, UNICAMP, UFBA, UFPR e PUC-SP, sendo que as demais apresentaram um trabalho defendido.
Destaca-se a multiplicidade das áreas de concentração e subáreas dos Programas de Pós-Graduação envolvidas: Educação [9] (Educação [8], Educação Especial [1]); Psicologia [5] (Psicologia [3], Análise do Comportamento [1], Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde [1]); Artes [4] (Artes Cênicas [1], Música [2], Dança [1]); Serviço Social [2]; Linguística aplicada [1]; Direito [1]; Matemática [1]; Multidisciplinar [8], (Educação em Ciências e Matemática [1], Ensino de Ciências e Matemática [1], Ensino de Ciências [3], Educação e Saúde na Infância e na Adolescência [1], Direitos Humanos e Cidadania [1], Adolescente em conflito com a lei [1]). Chama a atenção que um Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências de uma Universidade pública tenha produzido três trabalhos e a existência de um Mestrado Profissional denominado Adolescente em conflito com a lei, em uma Universidade privada, tenha produzido um trabalho.
Quanto à recorrência de trabalhos, verificamos que o eixo Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si é o único com trabalhos nos três quinquênios. Chama a atenção que, nos eixos Educação Profissional e Esporte, tenhamos encontrado, apenas um e dois trabalhos, respectivamente. Ambos os eixos apresentam relevante potencial para atuação junto aos adolescentes, mas têm sido pouco investigados em dissertações e teses. O eixo Artes e Comunicação destaca-se pela constância das publicações: 13 trabalhos nos dois últimos quinquênios, sendo relevante a diversidade dos Programas de Pós-Graduação envolvidos: seis em Educação, três em Música, um em Artes Cênicas, um em Dança, um em Serviço Social e um em Direito, a depender da trajetória profissional do autor. Por fim, no eixo Metodologias colaborativas/interdisciplinares, chama a atenção a produção de 11 trabalhos e seu crescimento no último quinquênio, possivelmente pelo incremento das reflexões sobre a educação escolar, a oferta obrigatória da Educação Básica, no contexto de espaços de privação e restrição de liberdade.
Na Tabela 3 é possível visualizar as pesquisas dispostas por eixos e focos de análise, regime de atendimento investigado, bem como as referências, sendo que as quatro teses foram destacadas com um asterisco.
Eixo Estratégia metodológica | Regime de atendimento | Total | ||
---|---|---|---|---|
Aberto | Internação | |||
Abordagens, técnicas voltadas ao conhecimento de si (7) | Resolução de problemas/ analítico-comportamental | Padovani (2003) Caleiro (2014) | 2 | |
Psicodrama/Socionomia | Tomasello(2006) | 1 | ||
Yoga | Volcov (2011) | 1 | ||
Projeto com famílias | Silva (2016) | 1 | ||
Grupo como dispositivo socioeducativo-dialógico | Rodrigues (2017)* | 1 | ||
Psicologia escolar e arte | Teixeira (2017) | 1 | ||
Ed.Profissional (1) | Gráfica-escola | Junho (2006) | 1 | |
Esporte(2) | Futebol | Silva (2006) | Nogueira (2016) | 2 |
Artes e Comunicação (13) | Teatro | Yamamoto (2009), Silva(2014) | 2 | |
Fotografia | Flores (2011) | 1 | ||
Música | Arruda (2012), Nascimento (2012) Fernandes(2012)*, Rocha (2013) Oliveira Jr (2016), Chiarini(2017) | 6 | ||
Rádio | Farias (2013), Ongaro (2011), Scholz (2017) | 3 | ||
Dança | Menezes (2014) | 1 | ||
Metodologias colaborativas/inter disciplinares (11) | Inglês e Memória | Reis (2011)* | 1 | |
Pedagogia crítica | Nunes(2012) | 1 | ||
Pedagogia de projetos | Santos (2013) | 1 | ||
Xadrez e escrita | Rezende Júnior (2014) | 1 | ||
Ensino de Ciências Educação Ambiental Química: experimentos Cinência | Santana (2013), Claudio (2015) Pessano (2015)*Marques (2016) Santos (2017) | 5 | ||
Matemática | Ito (2016) | 1 | ||
Leitura e Direitos Humanos | Silva (2017) | 1 | ||
Total | 4 | 30 | 34 |
Fonte: Os autores.
Quanto ao contexto pesquisado, destaca-se o fato de que, dos 34 trabalhos, 27 dissertações e três teses sejam sobre práticas escolares e não escolares com adolescentes em regime de internação e apenas três dissertações e uma tese pesquisem práticas em meio aberto.
4.1 Eixo temático Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si
Em torno do eixo Abordagens/técnicas voltadas ao conhecimento de si, encontramos práticas conduzidas por psicólogos ou profissionais especialistas em áreas terapêuticas. À exceção da prática focalizada por Teixeira (2017), se tratam de práticas realizadas fora do ambiente escolar.
Padovani (2003) e Caleiro (2014), em diferentes décadas, analisaram resultados de propostas de intervenção comportamental que buscavam auxiliar os adolescentes no controle de suas emoções e resolução de problemas. Tomasello (2006) analisou resultados de uma intervenção por meio de técnicas do psicodrama e tendo o rap como ferramenta projetiva. Já Volcov (2011) analisou o impacto pessoal e institucional da prática de Yoga com adolescentes dentro da Fundação CASA, a partir de referencial winnicottiano e foucaultiano. Silva (2016) analisou o projeto Golfinhos, em atuação com os adolescentes e suas famílias, na busca por estabelecer um diálogo que problematizasse seus contextos de vida e buscasse melhorias para eles. Teixeira (2017), a partir de aportes da Psicologia Escolar, analisou um processo de autoconhecimento dos adolescentes, por meio de encontros grupais, tendo como eixo mediador suas preferências artísticas (musicais, literárias, entre outros). Rodrigues (2017), a única tese e o único trabalho voltado à prática utilizada em regime aberto pertencente a esse primeiro eixo, analisou a potencialidade de grupos como dispositivo socioeducativo-dialógico, ora com os adolescentes, ora com os familiares, sobre temas transversais, com o intuito de ampliar as possibilidades de atendimento das MSE.
Os trabalhos desse primeiro eixo encontram-se referenciados em diferentes aportes da Psicologia, dois deles são articulados com preferências artísticas dos participantes e todos têm em comum o intuito de apoiá-los em processos de autoconhecimento, compreensão e busca de caminhos para superação de conflitos, identificação de limites e novas possibilidades quanto às relações estabelecidas nos diversos contextos. Os resultados das pesquisas apontaram para a pertinência de investimento na continuidade dos trabalhos diante dos ganhos gerados pelas intervenções, no tocante a questões identitárias e vislumbre de novas possibilidades de ação diante da realidade, em consonância com o que é indicado por Costa (2006).
4.2 Eixo temático Educação Profissional
Quanto ao eixo Educação Profissional, identificamos apenas a dissertação de Junho (2006), que analisou, a partir de referencial marxiano e gramsciniano, o impacto de propostas de iniciação profissional em um Projeto de Gráfica-escola, junto a adolescentes em LA, para a formação de uma consciência ética e social nos adolescentes. O autor identifica aprendizagens construídas pelos adolescentes para além da formação técnica, capazes de provocar mudanças que, como afirma, ainda que pontuais e focalizadas, são imprescindíveis diante de interesses coletivos e emancipatórios. Chamam a atenção os resultados da pesquisa, pelo seu viés crítico em relação aos limites do projeto numa sociedade capitalista e, ao mesmo tempo, aberto aos ganhos proporcionados pelo projeto em questão, análise que, no nosso entender, se coadunam à concepção freireana de inédito viável (FREIRE, 1987; 1992).
4.3 Eixo temático Esporte e Lazer
No eixo temático Esporte e Lazer, no primeiro quinquênio, temos a dissertação de Silva (2006), que investigou uma proposta inovadora intitulada futebol libertário, referenciada em Paulo Freire. A pesquisa de intervenção identificou que as vivências por meio do esporte podem fortalecer a construção de novas atitudes de cidadania pelos adolescentes, bem como sua tomada de consciência diante da sociedade e de si mesmos.
Uma década mais tarde, a dissertação de Nogueira (2016), por meio de entrevistas, análise documental e observações, analisou estratégias utilizadas quanto ao esporte e lazer em um centro de internação feminina, as quais, em direção oposta, se encaminhavam na ótica da heteronomia.
Compreendemos que ambos os resultados apontam para a importância da reflexão dos educadores e das instituições sobre a importância do esporte e lazer na vida humana, o absurdo de se pretender ganhos na socialização de adolescentes que vivenciaram situações de conflito com a lei mediante horas e horas de confinamento e o papel do trabalho com o esporte e lazer para a educação emancipatória dos e das adolescentes.
4.4 Eixo temático Artes e Comunicação
No eixo Artes e Comunicação, um ponto comum dos trabalhos é a proposição do contato com o fazer artístico, de modo que os adolescentes apreciassem, se apropriassem, produzissem e se comunicassem de alguma forma por meio das Artes. Há trabalhos em outros eixos que se utilizam das Artes em uma perspectiva instrumental para abordagem de questões psicológicas ou pedagógicas, mas a especificidade dos trabalhos que gravitam em torno deste eixo é o de vivenciar a Arte.
O trabalho mais antigo identificado nas bases on-line consultadas é o de Yamamoto (2009), que analisou como a prática e apreciação do teatro incide positivamente sobre os corpos e mentes dos adolescentes. Também no contexto do teatro, Silva (2014) analisou sua intervenção como arte educadora, a partir da qual emergiram as criações e representações dos adolescentes em contraponto com as possibilidades e impasses institucionais da Fundação CASA.
Menezes (2014) investigou a potencialidade da dança no desenvolvimento cognitivo e autoconhecimento corporal dos adolescentes. Já Flores (2011), identificou possibilidades de intervenções educativas, tomando como ponto de partida a representação dos adolescentes por meio da fotografia.
A maior recorrência de trabalhos com foco em Música chama a atenção e parece relacionar-se ao fato de ser uma arte muito acessível e incorporada à cultura dos adolescentes em restrição e privação de liberdade, conforme relatado nos trabalhos.
Arruda (2012), por meio da potencialidade da relação do adolescente com o rap e a poesia e Nascimento (2012), por meio do universo temático do samba, trazem em comum a perspectiva de problematizar questões estruturantes da vida dos adolescentes - tais como cultura da violência, exclusão, subalternidade e identidade - e possibilitar a expressão deles por meio da música. Rocha (2013) também verificou a influência positiva do trabalho com música afro-brasileira no contexto social, vivenciado por adolescentes em uma unidade de internação feminina e no ambiente escolar por elas frequentado. Já Oliveira Júnior (2016), identificou que o Projeto Banda Liberdade oferecia oportunidades educativas e, ao mesmo tempo, exigia que os adolescentes se responsabilizassem pelos seus atos, além de levar à compreensão de que era necessário que o Estado cumprisse seu papel, apoiando e promovendo ações dessa natureza (chamando a atenção o fato de o pesquisador ocupar tanto o papel de juiz da Vara da Infância e Adolescência quanto o de voluntário no referido projeto). Por sua vez, Chiarini (2017) identificou impasses e potencialidades no trabalho de educadores musicais do Projeto Guri em contextos de internação, indicando também a necessidade de formação e apoio institucional desses profissionais. Por fim, Fernandes (2012), única tese nesse eixo, concluiu que a não solidificação do vínculo afetivo, devido ao pouco tempo de convívio entre educador e educandos, dificultou que os objetivos formativos fossem alcançados e concluiu que os conhecimentos da sociologia e da psicologia são imprescindíveis para o sucesso do desenvolvimento da educação musical por meio do canto coral com adolescentes em cumprimento de MSE.
Outra expressão das Artes e Comunicação focalizada em três dissertações foi o rádio. Farias (2013), Ongaro (2011) e Scholz (2017) analisaram resultados alcançados por meio do trabalho com rádio, em diferentes contextos da região Sul, destacando-se que os dois últimos trabalhos investigam o Projeto Rádio Cense, no estado do Paraná, nascido de iniciativa voluntária de funcionário de uma das unidades do estado, ora encampada ora desassistida nas oscilações das políticas de governo. Os resultados das três pesquisas reconheceram limites nas propostas, os quais poderiam ser superados com mais investimentos e apoio. Apontam para o envolvimento dos adolescentes com a proposta, com destaque à oportunidade de expressão desses sujeitos por meio de suas produções e locuções, que se configuravam como uma ponte entre o que fizeram e o que pretendiam fazer após a reconquista da liberdade, mais uma vez em consonância com o pretendido pela socioeducação nesse contexto das MSE (COSTA, 2006; BRASIL, 2012).
4.5 Eixo temático Metodologias colaborativas/interdisciplinares
Por fim, os trabalhos que gravitam em torno do eixo Metodologias colaborativas/ interdisciplinares investigaram estratégias metodológicas desenvolvidas tendo em vista a aprendizagem de conteúdos programáticos escolares.
Reis (2011) analisou a prática de uma professora de inglês no contexto de internação e como essa prática favorecia ou não a aprendizagem e motivação dos alunos, com indicação da importância da valorização da memória dos adolescentes para um ensino mais significativo de língua estrangeira.
Nunes (2012), por meio de uma pesquisa de intervenção colaborativa com professoras em um centro de internação masculino de Teresina, analisou de que forma e com quais sentidos eram desenvolvidas as práticas pedagógicas dessas profissionais e como tais práticas contribuíam para reduzir o analfabetismo e a evasão dos alunos. A partir de aportes da pedagogia crítica, a autora contrastou o fazer docente e a concepção desse fazer por parte das professoras, chegando a um entendimento de que: mesmo que elas tenham consciência do que é uma pedagogia crítica, há muita dificuldade de se pôr tais conceitos em prática.
Santos (2013), ao analisar a própria experiência enquanto professora de uma unidade da Fundação CASA, explorou e analisou a potencialidade do trabalho com metodologia de projetos articulados aos conteúdos curriculares no contexto de salas multisseriadas, destacando que essa estratégia favoreceu a compreensão e ressignificação do conteúdo por parte dos adolescentes que tiveram acesso a diferentes materiais e formas de aprender. A autora destaca também que os bons resultados fizeram com que a instituição adotasse tal estratégia para intervenções posteriores.
No tocante à Matemática, Ito (2016), por meio de entrevistas com professores, avaliações diagnósticas, e levantamentos bibliográficos, identificou as defasagens e as necessidades do estabelecimento de novas práticas no contexto do ensino da disciplina. O autor elencou diversos planos de aula já utilizados por ele, que partem de uma perspectiva lúdica e tornam mais prazeroso o ensino dessa disciplina. Nesse sentido, Ito (2016) destaca que os alunos, além de terem menos resistência ao conteúdo, pautam-se menos nos seus fracassos e obtêm um rendimento maior.
Chama atenção a presença de seis trabalhos voltados a metodologias para o ensino e aprendizagem de conteúdos na área de Ciências.
Santana (2013), por meio da observação e participação colaborativa nas aulas de ciências em um centro de internação de Goiânia e do diálogo com os adolescentes, expõe as contradições existentes entre a sanção e a educação na unidade e no próprio sistema socioeducativo. Assim, mesmo destacando a potencialidade de atividades participativas nas quais os adolescentes têm a oportunidade de vivenciar concretamente as experiências científicas e terem sua curiosidade estimulada por meio de processos de indagação, a autora questiona a posição tradicional dos profissionais e os limites impostos pela instituição, muito ligados à questão da segurança no uso dos materiais.
Nessa mesma direção, Claudio (2015), ao investigar, também, o contexto das aulas de ciências em uma unidade de Brasília, verificou, entre limites e potencialidades, que quanto mais o tema das aulas se relaciona às vivências, mais significativo se torna o aprendizado. Entretanto, a autora destaca também os limites impostos pela unidade de internação com relação ao uso de recursos materiais devido à segurança.
Na mesma linha de atividades científicas experimentais, porém, no contexto específico das aulas de Química, Marques (2016), na condição de pesquisadora e regente principal das aulas, destacou que as atividades práticas propostas favoreceram uma relação positiva entre alunos, professor e objetos de estudo, intensificando a participação dos adolescentes em seu processo de aprendizagem.
Tanto Santana (2013) quanto Claudio (2015) e Marques (2016) elencaram as limitações institucionais como um dos principais empecilhos na elaboração de uma aula de Ciências que desperte a curiosidade e investigação dos adolescentes. Contudo, Claudio (2015) e Marques (2016), além de questionarem a situação, propuseram atividades viáveis neste contexto.
Ainda no tocante ao ensino de conhecimentos da área de Ciências, Pessano (2015) buscou, com os professores e a partir de uma temática baseada no Rio Uruguai (principal expoente econômico e cultural da região em que se desenvolveu a pesquisa), a integração dos conteúdos de diversas disciplinas, propondo uma abordagem interdisciplinar dos conteúdos. Os resultados apontaram que essa metodologia interdisciplinar, partindo de algo significativo no contexto em que a escola está inserida, colaborou tanto para os processos formativos dos docentes, quanto para o aproveitamento da aprendizagem dos discentes, favorecendo o compartilhamento de saberes e produção coletiva do conhecimento.
Já Santos (2017), ao mediar encontros durante o período de aula em uma unidade do Distrito Federal, aplicou o projeto Cinência, no qual utilizou-se da linguagem cinematográfica com o intuito de expandir o conhecimento científico dos adolescentes. Os filmes exibidos, além de proporcionar momentos de lazer e diálogo, estimulavam a discussão de temas relacionados a conceitos científicos. A autora indica que as intervenções proporcionaram aos adolescentes relacionar os filmes com seus desejos pessoais e histórias de vida, além de aproximar esses educandos dos conhecimentos científicos. O projeto teve desdobramentos posteriores com a produção escrita dos adolescentes, nas quais a pesquisadora pode comprovar a tomada de consciência sobre a sociedade que os rodeia e sua própria condição dentro desta sociedade.
Já o trabalho de Rezende Júnior (2014), pesquisou o desenvolvimento de uma atividade interdisciplinar escolar entre Educação Física e Língua Portuguesa que articulava a prática do xadrez e a produção textual, o que se revelou capaz de contribuir para o desenvolvimento de habilidades de escrita e raciocínio dos adolescentes, bem como para sua tomada de consciência social e desenvolvimento de novos valores a partir das relações entre as situações do jogo e a vida real.
Por fim, Silva (2017) analisou o projeto de leitura “A arte do saber”, prática não escolar voltada para conteúdos escolares: aprimoramento do conhecimento instrumental da escrita e Direitos Humanos. Trata-se de iniciativa de funcionários que atuam em unidade de internação, que se expandiu, no caso, para outras unidades do Distrito Federal. O projeto, além de incentivar os adolescentes a emprestar livros da biblioteca, também contemplava a solicitação e valorização de uma produção textual livre, narrativa ou poética, a partir da leitura realizada. Tanto Rezende Júnior (2014) quanto Silva (2017), em diferentes contextos (respectivamente escolar e não escolar), destacam a diminuição da resistência dos alunos em produzir textos, sendo que Silva (2017) relaciona, inclusive, os avanços possibilitados pelo projeto analisado a bons resultados no ENEM e ingresso posterior de três adolescentes no Ensino Superior.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O levantamento e análise das dissertações e teses brasileiras, no período de 2003 a 2017, indicam a existência de estratégias metodológicas exitosas nos Programas de Medidas Socioeducativas.
As estratégias metodológicas, ainda que esbarrassem em diversas dificuldades, colaboraram para que os adolescentes tivessem oportunidades de reflexão e aprendizado que priorizavam o caráter educativo das medidas em detrimento do punitivo. Os adolescentes envolviam-se com o conteúdo e a ressignificação do espaço escolar e institucional na medida em que as propostas traziam possibilidades: de diálogo com a trajetória de vida dos educandos; de reflexão sobre suas relações com os outros e o mundo; de apropriação de conhecimentos científicos, artísticos e culturais valorizados pela sociedade; de resolução de problemas e de transformação da realidade.
Merece destaque o papel das Artes, pois a área esteve presente nos 13 trabalhos voltados a Artes e Comunicação e perpassou estratégias metodológicas alocadas em torno de outros eixos, seja como instrumento para a reflexão sobre si, as relações com o outro e o mundo, seja para aprendizagem de conteúdos curriculares. Salvo os três trabalhos com foco em rádio, que se relacionam à questão da comunicação, chama a atenção a ausência de propostas específicas de inclusão e letramento digital, de integração das tecnologias da informação e comunicação às atividades propostas.
Os trabalhos analisados sugerem que o sistema socioeducativo carece de apoio institucional e governamental para a efetiva educação dos adolescentes em conflito com a lei. A descontinuidade de propostas exitosas por ausência de verbas ou mudança de gestão governamental, também sinaliza um dado preocupante, uma vez que o Estado, por vezes, priva pelas ações políticas ou corte de verbas em detrimento do cuidado, proteção e educação de uma população que tem um percurso de exclusão e falta de oportunidades antes mesmo de serem atendidos pelas políticas socioeducativas. Esse apoio impacta de forma igual na formação inicial ou continuada de funcionários e docentes, bem como na sobrecarga de trabalho.
Merece destaque, ainda, o fato de encontrarmos neste estudo escassas produções acerca do atendimento feminino na socioeducação, sendo que a minoria dos trabalhos analisava contextos de internação ou restrição de liberdade de adolescentes. Ainda que a porcentagem de meninas presentes no sistema socioeducativo seja menor em relação ao de meninos, a produção de pesquisas nesse âmbito impede que ações direcionadas às meninas sejam conhecidas e discutidas, uma vez que apenas a pesquisa de Rocha (2013) abordou o contexto de internação feminino.
Algumas pesquisas abordavam, no máximo, contextos socioeducativos mistos e, entre elas, destaca-se a dissertação de Ongaro (2011), que analisou o uso da rádio em uma unidade socioeducativa mista, na qual as meninas ficavam excluídas porque a atividade era desenvolvida nas aulas de artes e elas não participavam desta disciplina. Ainda que a autora tenha dedicado poucas linhas à análise dessa questão, vale destacar que a exclusão das meninas nesse contexto, aliada às escassas produções encontradas, pode revelar indícios preocupantes no cuidado e formação das meninas no sistema socioeducativo. Dessa forma, se o sistema socioeducativo carece de apoio institucional e governamental e sofre com ações descontínuas, podemos inferir que é mais acentuado no caso do atendimento das meninas.
A contradição entre as sanções punitivas ao ato infracional e as ações educativas se mostrou presente na maioria dos contextos analisados nas pesquisas, principalmente naqueles em que se vive o regime de internação. Nesses ambientes, pode-se perceber que o confinamento dos adolescentes em celas, dormitórios ou “módulos”, atrelado à ausência de propostas educativas, estruturas e rotinas rígidas que caracterizam a privação de liberdade, não colaboram para a emancipação dos socioeducandos e muito menos para a construção de projetos de vida em que assumam protagonismo na sociedade.