1 INTRODUÇÃO
O Curso de Medicina em análise utiliza, desde 2006, estratégias ativas de ensino/aprendizagem, valorizando a capacitação do indivíduo para a busca de soluções de problemas, com grande estímulo ao exercício da educação continuada (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018). Seu projeto pedagógico, alinhado às Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCN) e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 1990; 2001; 2014), aborda, além dos tradicionais enfoques morfopatológicos, fisiopatológicos e clínicos das doenças, as suas particularidades sociais, humanísticas e éticas e a formação do médico mais voltado à integralidade da atenção à saúde e às necessidades do sistema de saúde do país (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
No modelo atual, nos três primeiros anos, o curso está organizado em três eixos anuais: mecanismos regulatórios fundamentais da vida humana; manutenção da espécie e ciclo da vida. Cada eixo comporta módulos temáticos horizontais e verticais, cujos objetivos de aprendizagem se complementam e integram conteúdos de várias áreas, em uma proposta de aprendizagem significativa e interdisciplinar, baseada na resolução de problemas relacionados às questões clínicas, sociais e coletivas. A interdisciplinaridade é o principal instrumento de integração curricular entre módulos (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
Os módulos horizontais, com duração de dez semanas, contemplam os conteúdos teóricos e utilizam a aprendizagem baseada em problemas (ABP) como estratégia de ensino-aprendizagem, com duas sessões tutorias semanais, de três horas; sustentações aplicadas, quatro horas semanais e sustentações teóricas, uma hora semanal (SANTOS, 1994; PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018). Três módulos verticais, que se estendem ao longo dos três primeiros anos, complementam a matriz curricular: Prática de Atenção à Saúde (PAS), com quatro horas semanais, que utiliza a problematização como estratégia de ensino-aprendizagem com inserção do aluno em atividades da Atenção Primária à Saúde (BERBEL, 1998; PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018); Habilidades Clínicas, com quatro horas semanais, que utiliza a aprendizagem baseada na prática; e, a partir da reforma de 2018, Estudos Orientados, duas horas semanais, baseado no mentoring (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018; SENGER et al., 2021).
Os três últimos anos do curso correspondem ao internato, estágio curricular obrigatório de treinamento em serviço, nas áreas de clínica médica, cirurgia, ginecologia-obstetrícia, pediatria, saúde coletiva e saúde mental, respeitando as orientações de trinta por cento da carga horária na Atenção Básica e Serviços de Urgência e Emergência do SUS determinados pelas DCN (BRASIL, 2014; PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
Ao longo de todo percurso de formação, a organização curricular busca garantir a contínua relação entre a teoria e a prática, diminuindo a distância entre elas, e os alunos são distribuídos em pequenos grupos, para que o professor possa ajudar o aluno no processo de construção do conhecimento, criando os desafios e levando o aluno a refletir sobre os desafios propostos, respeitando o nível de desenvolvimento do aluno. Para contribuir com esse processo, nos três primeiros anos do curso, a matriz curricular preserva três períodos semanais de quatro horas como áreas do aluno, utilizados para estudo autodirigido e demais atividades complementares, segundo a escolha dos alunos (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
A mudança do paradigma Flexneriano, que estruturava o curso desde 1971, para o paradigma da integralidade, a partir da reforma de 2006, foi motivada pela percepção da comunidade acadêmica da necessidade de rever a maneira de ensinar (FLEXNER, 1910; LAMPERT, 2008; PAVAN; SENGER; MARQUES, 2017). Para isso, além do incentivo Institucional, recebeu recursos dos Ministérios da Educação e da Saúde por meio do Projeto de Incentivo a Mudanças Curriculares em Cursos de Medicina (PROMED) (BRASIL, 2002; PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
A reforma curricular implementada em 2006 exigiu extensas mudanças para o seu funcionamento, como a capacitação dos docentes para as metodologias ativas, a adequação da estrutura física, considerando instalações e equipamentos, e os ajustes na estrutura administrativa, com o crescimento do papel da coordenação e dos colegiados do curso. Além disso, buscou estreitar a relação entre o currículo, o SUS e o profissional que se pretende formar, ampliando os cenários de prática, incluindo a inserção do aluno em diversas atividades do sistema de saúde, desde o início do curso (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018).
Neste processo, cumpre lembrar o alerta de Feuerwerker (2002) de que as mudanças nas práticas diárias geradas por novas propostas pedagógicas nem sempre são absorvidas por todos os membros da comunidade acadêmica com o mesmo entusiasmo, exigindo inúmeras estratégias para que sejam implantadas e se mantenham, e é através dos docentes que as mudanças curriculares podem ocorrer efetivamente, ou não, sendo o protagonismo docente crucial para que uma reforma dessa natureza se efetive.
Neste sentido, o conhecimento referente à aceitação, convencimento e adoção de novas estratégias de ensino, sob a ótica dos docentes, pode trazer informações valiosas para a continuidade e a atualização contínua do currículo, com a participação ativa daqueles que efetivamente operam as mudanças, os docentes. Além disso, essas informações podem trazer subsídios críticos importantes para reformulações que se fizerem necessárias na própria Instituição e até mesmo para outras Instituições que tenham essas perguntas em aberto.
2 OBJETIVO
Avaliar a percepção dos docentes sobre o currículo em prática em um curso de medicina e sobre os fatores que favorecem ou dificultam o andamento do currículo.
3 MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho é parte de uma tese de doutorado construída a partir da contextualização da reforma curricular implementada no curso de medicina e sua inserção no momento político social do país; sua adequação ao conceito da saúde como um direito, garantido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e pelas diretrizes do SUS (BRASIL, 1990); seu compromisso com a formação de recursos humanos previstos nas DCN (BRASIL, 2001; 2014) e pelo Projeto Pedagógico Institucional (PPI) (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2004). Tem como referencial teórico a relação dialógica entre educador e educando na construção do conhecimento, a partir da aprendizagem significativa (FREIRE, 1975; PELIZZARI et al., 2002).
Trata-se de uma pesquisa exploratória, transversal, com variáveis quantitativas e qualitativas.
Os dados foram obtidos através de um questionário semiestruturado, com 10 questões fechadas em escala Likert, bipolar, com cinco opções de respostas e, no final, duas questões abertas. Depois de testado, o questionário foi enviado aos 178 docentes em atividade no curso de medicina, para ser respondido “online”, através do sistema Google Drive(. O sistema não permitia identificar o respondedor, buscando preservar o anonimato para garantir a qualidade e a fidedignidade das informações. Os docentes foram convidados, pessoalmente, pela pesquisadora, que não exercia qualquer função na Instituição, exceto ser egressa do curso em análise, antes da reforma curricular. O projeto foi apresentado à Instituição e aprovado em todas as instâncias acadêmicas e administrativas cabíveis.
O questionário foi organizado levando em consideração obter a opinião dos docentes sobre o currículo em prática e sua influência sobre a satisfação do docente com o curso, a motivação do docente com o próprio trabalho, a qualidade do curso e do médico formado pela Instituição, a organização das atividades de ensino e aprendizagem, as instalações físicas e equipamentos disponíveis; bem como a opinião dos docentes sobre os fatores que poderiam influenciar positivamente e negativamente o andamento do currículo.
Os dados, obtidos através das questões fechadas (em escala Likert), serão apresentados a partir de uma análise descritiva dos resultados. Para a avaliação da consistência interna das respostas em escala Likert, utilizou-se o coeficiente de correlação (r), que relaciona a resposta de cada questão às demais respostas do mesmo participante, criando um valor de "r" que pode variar de zero a um, sendo considerado consistente quando superior a 0,15 (MORAES, 2006). Para o conjunto de respostas de cada uma das assertivas é calculado valor de "r". O valor de "r" para todas as assertivas foi superior a 0,70, o que garante a sua consistência interna. Para a avaliação da confiabilidade do conjunto do questionário em escala Likert, aplicou-se o teste Alfa de Cronbach, com resultado 0,94, mostrando excelente confiabilidade (>0,9) (BLAND; ALTMAN, 1997).
Em relação às questões abertas, as perguntas “Em sua opinião, qual o fator mais importante que vem facilitando o andamento do currículo atual?” e “Em sua opinião, qual o fator mais importante que vem dificultando o andamento do currículo atual” traziam limitação do espaço para resposta (80 caracteres), numa tentativa de identificar os pontos mais relevantes. Para a análise das respostas dos docentes às questões abertas do questionário, fez-se uma sistematização de agrupamento das citações por semelhança do conteúdo. Elas foram categorizadas de acordo com o conteúdo das próprias respostas. Não havia uma categorização prévia (GOMES, 2011).
O projeto de pesquisa e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Sorocaba (CAAE 20027213800005500). Os próprios pesquisadores arcaram com os custos do estudo.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 178 docentes em atividade, 102 responderam o questionário (57,3%). Entre os docentes que responderam o questionário, 73 (71,6%) já exerciam suas atividades no curso de medicina antes da reforma curricular de 2006. Os demais (29) iniciaram as atividades depois de 2006, ou seja, após o a implantação do atual modelo curricular. Essa proporção é semelhante à observada no total de docentes em atividade no curso de medicina no período do estudo.
Os docentes do curso de medicina em análise podem distribuir sua carga horária entre os diferentes anos do curso, bem como nos programas de residência médica. Há um número maior de professores com atividades nos últimos anos do curso. Isto se deve à maior diversidade de atividades propostas para esse período. Essa mesma variação de distribuição foi observada entre os docentes que responderam ao questionário, reforçando a adequação da amostra.
4.1 Satisfação e motivação com a atividade docente
Em relação à satisfação dos docentes com o curso de medicina, pode se considerar que a avaliação foi positiva. Assim, para a pergunta “Considerando o currículo atual, quão satisfeito você está com o curso de medicina?”, 56,8% dos docentes declararam-se satisfeitos e 6,9% declararam-se muito satisfeitos; 25,5% nem satisfeitos/nem insatisfeitos; 10,8% declararam-se insatisfeitos e não houve respostas para “muito insatisfeito”. O mesmo se verificou em relação à motivação dos docentes com as atividades acadêmicas, em que também se observou uma avaliação positiva. Diante da pergunta “Considerando o currículo atual, quão motivado você se sente em relação às suas atividades como professor do curso de medicina?”, 53,9% dos docentes responderam motivados e 15,7% muito motivados com as suas atividades; 19,6% nem motivados/nem desmotivados; 9,8% desmotivados e 0,9% muito desmotivados.
Considerando que “em sua forma pura, a motivação manifesta-se como uma potencialidade humana, sujeita às contingências situacionais e contextuais, além da influência dos recursos pessoais, afetivos e cognitivos disponíveis” (DAVOGLIO; SANTOS, 2017, p. 788), a satisfação proporcionada pela atividade docente pode compensar possíveis dificuldades enfrentadas e favorecer que o docente se mantenha motivado para as suas atividades, embora aqui não deva ser o único fator, uma vez que, de maneira geral, os docentes parecem mais motivados que satisfeitos com o curso em análise.
4.2 Qualidade do curso e do médico formado
Na Tabela 1 estão apresentados os dados das respostas dos docentes para as perguntas “considerando o currículo atual, qual sua opinião sobre a qualidade do curso?” e “qual sua opinião sobre a qualidade do médico formado pelo curso de medicina?”. Em relação à qualidade do curso, 63,7% consideram o curso bom e apenas 9,8% consideram o curso ruim. Entretanto, em relação à qualidade do médico formado, essa avaliação é um pouco menos positiva, pois 57,8% dos professore responderam considerar bons os profissionais formados pela Instituição e 9,8% responderam que consideram os médicos formados ruins. Chama a atenção que 32,4% dos docentes não se posicionaram em relação à qualidade do profissional formado, respondendo “Nem bom/Nem ruim”. Somados aos que explicitamente avaliam o profissional formado como "Ruim", essa proporção chega a 42.2%.
Pode-se considerar que, de certa forma, essa é uma avaliação negativa, pois a Instituição tem entre os seus objetivos a formação de bons profissionais. Os dados do trabalho não permitiram caracterizar esse grupo de docentes que responderam “Nem bom/Nem ruim”, exceto pelo dado de que eles estão mais insatisfeitos com as instalações físicas (p< 0,05).
Respostas Perguntas |
Muito bom | Bom | Nem bom/Nem ruim | Ruim | Muito ruim |
---|---|---|---|---|---|
Qualidade do curso de medicina | 6 (5,9%) | 59 (57,8%) | 27 (26,5%) | 10 (9,8%) | 0 (0,0%) |
Qualidade do médico formado | 8 (7,8%) | 51 (50,0%) | 33 (32,4%) | 10 (9,8%) | 0 (0,0%) |
Fonte: Pavan, Senger, Marques, pesquisa de campo.
A dificuldade em relação ao posicionamento diante das perguntas descritas acima pode estar relacionada à própria formação médica, que, de maneira geral, precisa de dados objetivos para dar suporte às suas respostas. Embora a literatura seja farta em relação ao uso de metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação médica, ela também mostra resultados variados, dependendo das competências que são avaliadas em cada um dos estudos, e são poucos os dados sobre os médicos formados pela Instituição aqui referida e isso pode gerar dúvidas aos respondedores (GOMES et al., 2009; GOMES; REGO, 2011; MILLAN et al., 2012;NOUNS et al., 2012; PREETI; ASHISH; SHRIRAM, 2013, LEON; ONOFRIO, 2015; SCHAUBER et al., 2015; QIN; WANG; FOLDEN, 2016; TEOFILO; SANTOS; BADUY, 2017; POLES et al., 2018).
4.3 Organização das atividades de ensino e aprendizagem
Com relação à pergunta “No currículo atual do curso de medicina, o estudante é inserido desde o primeiro ano em atividades na atenção primária à saúde. Em sua opinião, quanto a inserção do estudante de medicina em atividades na atenção primária (através de atividades realizadas nas unidades de saúde, envolvimento com a comunidade e participação em projeto de intervenção) é importante para a formação do futuro médico?”, pode-se considerar uma avaliação muito positiva dos docentes, pois foi considerada muito importante para 53,9% e importante para 36,3% dos docentes.
Um estudo recente, realizado na própria Instituição, mostrou que os alunos do último ano e profissionais recém-egressos do curso de medicina também fazem uma avaliação positiva da inserção dos alunos na atenção primária à saúde desde o início do curso e entendem que isso os capacita para as atividades médicas na atenção primária (POLES et al., 2018). Outros autores também observaram esse efeito positivo da inserção do aluno no sistema de saúde e na comunidade (GOMES; REGO, 2011; RICARDO et al., 2014; TEOFILO; SANTOS; BADUY, 2017).
Outra mudança importante na organização curricular, gerada pela escolha do uso de metodologias ativas como método de ensino, foi a distribuição dos alunos em pequenos grupos para as tutoriais, as sustentações aplicadas e as atividades práticas nos diferentes cenários.
Na Tabela 2 estão apresentados os dados para a pergunta “No currículo atual do curso de Medicina, os alunos estão organizados em pequenos grupos. Em sua opinião, qual o efeito desta organização sobre a aprendizagem do estudante, a interação professor e aluno e a atividade do professor?” Como se pode observar, os docentes fazem uma avaliação positiva sobre a organização das atividades de ensino e aprendizagem. Perto de 95% dos docentes, ou seja, a grande maioria considera essa distribuição dos alunos em pequenos grupos altamente positiva.
Respostas Perguntas |
Muito positivo | Positivo | Nem positivo/Nem negativo | Negativo | Muito negativo |
---|---|---|---|---|---|
Sobre a aprendizagem do aluno | 54 (52,9%) | 43 (41,7%) | 5 (4,9) | 0 (0,0%) | 0 (0,0%) |
Sobre a interação professor/aluno | 61 (59,8%) | 36 (35,3%) | 3 (2,9%) | 2 (2,0%) | 0 (0,0%) |
Sobre a atividade como professor (a) | 48 (47,1%) | 48 (47,1%) | 4 (3,9%) | 2 (1,9%) | 0 (0,0%) |
Fonte: Pavan, Senger, Marques, pesquisa de campo.
De fato, o projeto pedagógico do curso, sintonizado com as demandas do sistema de saúde vigente no país, com as DCN e com o PPI, orienta a formação de um profissional com mais autonomia, com capacidade de gestão do seu tempo, de comunicação, de relação interpessoal, de entender e valorizar as diferenças sociais e culturais na relação médico-paciente, sempre respeitando as questões éticas que norteiam o trabalho médico (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO, 2018). Os dados de revisão da literatura mostram benefício no ganho dessas competências com as metodologias ativas de ensino, principalmente quando são associadas à inserção precoce do estudante em atividades práticas da atenção primária à saúde, como demonstrado por Gomes et al. (2009), Gomes e Rego, (2011); Leon e Onofrio (2015).
Entretanto, como os docentes do curso são formados pelo método tradicional de ensino, isso parece gerar insegurança em relação às novas práticas educacionais e sobre sua avaliação a respeito do profissional formado pela Instituição. Neste sentido, cabe a reflexão sobre a importância da apropriação do método por aqueles que o executam e a clareza dos objetivos a serem alcançados.
4.4 Instalações físicas e equipamentos
Quando questionados sobre “Quão adequadas estão as instalações físicas disponibilizadas para o curso, levando em consideração a estrutura atual do curso de medicina?”, 50% dos docentes responderam considerar as instalações físicas adequadas e apenas 1% muito adequadas. Entretanto, um quarto deles considerou “inadequadas” e uma proporção semelhante foi neutra, julgando as instalações como “nem adequadas, nem inadequadas” (Tabela 3). Pode-se dizer que a metade dos professores considerou as instalações adequadas, entretanto, a outra metade faz restrições ou manifesta explicitamente que as considera inadequadas.
Respostas Perguntas |
Muito adequada | Adequada | Nem adequada/Nem inadequada | Inadequa-da | Muito Inadequada |
---|---|---|---|---|---|
Quão adequadas estão as instalações físicas disponibilizadas para o curso? | 1 (1,0%) | 51 (50,0%) | 24 (23,5%) | 25 (24,5%) | 1 (1,0%) |
Quão adequados estão os equipamentos disponibilizados para o curso? | 2 (2%) | 39 (38,2%) | 35 (34,3%) | 23 (22,6%) | 3 (2,9%) |
Fonte: Pavan, Senger, Marques, pesquisa de campo.
A mesma pergunta foi feita em relação aos equipamentos disponibilizados para o curso e, como também pode ser visto na Tabela 3, as respostas são semelhantes. Ou seja, apenas 40,2% consideram adequados os equipamentos disponibilizados para o curso. Mais uma vez, é grande o número de docentes que os consideram inadequados (22,6%) e 2,9% responderam que são muito inadequados. Também para essa pergunta é grande a proporção dos docentes que manifestaram uma opinião dúbia, pois 38,6% dos participantes responderam “nem adequado/nem inadequado”. Mais uma vez, pode-se considerar que a balança pende para uma avaliação negativa dos docentes em relação aos equipamentos disponibilizados para as suas atividades.
Para tentar entender melhor onde poderiam estar as dificuldades enfrentadas em relação à estrutura física e aos equipamentos, foram analisadas as respostas separando os dados dos 102 professores de acordo com os anos do curso em que exercem suas atividades acadêmicas. Assim, foram analisadas as respostas entre aqueles que têm atividade nos primeiros anos do curso, do 1º ao 3º ano (n=27), aqueles que desenvolvem suas atividades apenas nos últimos anos, do 4º ao 6º ano (n=42) e aqueles que têm atividades durante todo o curso, do 1º ao 6º ano (n=33). Optou-se por essa distribuição porque as atividades de ensino do 1º ao 3º ano do curso diferem em relação aos três últimos anos, que são eminentemente práticas, com poucas atividades dependentes da estrutura do prédio central da faculdade.
A proporção de professores que consideraram as instalações físicas adequadas ou muito adequadas foi diferente entre aqueles que atuam do 1º ao 3º ano (30%) e os que atuam do 4º ao 6º ano (64%), p<0,01 (teste Z para comparação entre duas proporções). Da mesma forma, com relação aos equipamentos, observamos diferença estatisticamente significante quando comparamos a proporção de professores que atuam do 1º ao 3º ano e consideraram adequados ou muito adequados os equipamentos (19%) e aqueles que atuam do 4º ao 6º ano (52%) ou do 1º ao 6º ano (42%), p<0,01 e p<0,05, respectivamente.
Essa análise mostrou que a insatisfação em relação às instalações físicas e aos equipamentos disponibilizados para as atividades de ensino foi maior entre os docentes que atuam exclusivamente nos primeiros anos do curso. Posteriormente a este estudo, o curso de medicina passou por uma avaliação periódica feita pelo Ministério da Educação. Embora essa avaliação externa tenha sido muito positiva e auferido a nota final máxima, 5 (cinco), os quesitos específicos de equipamentos e instalações físicas tiveram nota 4 (quatro), portanto, em acordo com a avaliação feita pelos docentes. A mesma análise, separando-se os docentes pelos anos de atuação, foi feita para as demais variáveis e não se observou diferenças estatísticas, mesmo quando se avalia satisfação com o curso e motivação para o trabalho.
Na avaliação dos docentes que estão em atividade no curso de medicina em análise desde antes da reforma curricular, não houve mudança em relação aos equipamentos e instalações físicas em função da reforma, sugerindo que essa dificuldade tem se mantido ao longo do tempo, e a insatisfação era mais comum em relação às atividades realizadas nos cenários de prática, ou seja, dependentes de instalações e equipamentos (PAVAN, SENGER, MARQUES, 2019).
Alves et al. (2013) mostraram que as dificuldades em relação à falta de estrutura física foram encontradas em oito escolas beneficiadas pelo PROMED, sendo a segunda dificuldade mais frequente. Entre elas, também foi apontada a falta de condições adequadas para o ensino das Unidades Básicas de Saúde, mostrando que o incentivo às mudanças, embora tenham proporcionado um estímulo inicial, não foram capazes de suplantar as dificuldades próprias do sistema de saúde, que carecem cronicamente de recursos.
4.5 Fatores que favorecem e fatores que dificultam o andamento do curso
Na avaliação das respostas para a pergunta “em sua opinião qual o fator mais importante que vem facilitando o andamento do currículo atual?” emergiram várias categorias de respostas, a maioria relacionada aos aspectos que já haviam sido considerados nas perguntas em escala Likert do questionário. As repostas categorizadas como “o modelo pedagógico” foram as mais frequentes, com 30 citações, seguidas pelas respostas que se agruparam na categoria “compromisso do corpo docente” com 25 citações. As respostas que compuseram a categoria “participação ativa dos alunos” receberam 14 citações. A categoria “atividades práticas desde o início do curso”, recebeu oito citações, assim como as categorias “distribuição dos alunos em pequenos grupos” e “interação entre professor e aluno”.
A pergunta “em sua opinião qual o fator mais importante que vem dificultando o andamento do currículo atual?” provocou respostas aflorando aspectos que, certamente, vêm preocupando os professores. Os fatores mais citados espontaneamente foram categorizados como: “dificuldade na avaliação dos alunos”, com 18 citações; a “falta de envolvimento dos docentes”, com 18 citações, sendo estas divididas em “falta de motivação” e “falta de comprometimento” dos docentes, não sendo sempre possível identificar essa diferença; o “modelo pedagógico” recebeu 18 citações; a “deficiência na estrutura física”, 13 citações, e a “falta de capacitação continuada dos docentes” foram mencionadas 10 vezes.
Como indicam as respostas às questões abertas, o próprio modelo pedagógico é apontado como motivo primordial facilitador do bom andamento do curso e foi menos citado entre os fatores que dificultam o andamento do curso, reforçando a avaliação positiva dos docentes quanto ao modelo pedagógico em prática.
As facilidades e dificuldades citadas pelos docentes não se restringem ao curso de medicina aqui apresentado. Como demonstrado por Rego e Batista (2012); Almeida e Batista, (2013); Machado et al. (2017), elas têm sido discutidas por outras instituições de ensino que utilizam a ABP como estratégia de ensino, mostrando a dificuldade na avaliação e importância do comprometimento e da capacitação contínua do docente.
As dificuldades na avaliação do estudante parecem ter relação com a falta de capacitação contínua dos docentes, habituados com a avaliação baseada em questões objetivas, predominantemente focadas na avaliação cognitiva, utilizadas no modelo tradicional de ensino. Como discutido por Panúncio-Pinto e Troncon (2014), nos últimos anos houve uma grande mudança nos instrumentos de avaliação, que exigem conhecimento, transdisciplinaridade e trabalho em equipe. Além disso, o grande valor da avaliação está no “feedback” para o aluno, ou seja, um trabalho individualizado. As avaliações também devem ser condutoras de informações relativas ao curso e à atividade docente e os objetivos só vão ser alcançados se os instrumentos de avaliação forem usados corretamente, desde a sua construção.
Mclean, Cilliers e Van Wyk (2008), no AMEE Guide No 36, da Association for Medical Education in Europe, discutem alguns fatores que podem dificultar o desenvolvimento do corpo docente, entre eles a liderança não favorável, a resistência à mudança, a falta de motivação do corpo docente e a falta de reconhecimento das próprias deficiências em seus conhecimentos e habilidades para o ensino. Somado a isso, pode haver a falta de apoio institucional.
Os dados do presente estudo indicam que na instituição há motivação dos docentes e reconhecimento das suas deficiências como educadores, podendo ser fatores facilitadores para o engajamento em um programa de desenvolvimento docente.
Atenta às demandas dos professores e aos dados que emergiram nesse estudo, a Instituição vem promovendo, de forma regular, oficinas de capacitação docente, em particular sobre a avaliação do estudante, acreditando que um dos principais benefícios da avaliação institucional é promover as mudanças e ajustes necessários rumo ao aperfeiçoamento do processo educacional.
5 CONCLUSÕES
O estudo mostrou que os docentes se mostram motivados para o trabalho, satisfeitos com o modelo pedagógico escolhido e com o curso oferecido pela Instituição. Mas, fazem ressalvas à infraestrutura e à avaliação do estudante e apontam a capacitação docente como um fator a ser observado para o bom andamento do curso.