1 INTRODUÇÃO
Segundo o Plano Plurianual da União para o período 2012-2015, a juventude é considerada uma etapa importante para o jovem realizar escolhas e buscar a inserção na vida social (BRASIL, 2012). As instituições escolares contribuem significativamente para essa inserção, possibilitando que os jovens compreendam a necessidade de participar dos processos relacionados à organização da sociedade, a partir de debates acerca da representatividade e da complexidade que envolve a participação política, o exercício da cidadania e da democracia.
Nesse contexto, os Grêmios Estudantis expressam importante força política de mudança, pois constituem espaços consultivos e deliberativos que favorecem a democratização da gestão escolar e proporcionam o desenvolvimento da consciência crítica dos estudantes, por possuir um caráter democrático representativo, destinado tanto ao fortalecimento da democratização da gestão escolar como à transformação da sua realidade. É um espaço que oportuniza experiências distintas de atuação cívica frente aos diversos processos de relações sociais que permeiam o cotidiano escolar (DAYRELL, 2006).
Os direitos dos Grêmios estão assegurados, atualmente, pela Lei Nº 7.398, de 4 de novembro de 1985 (BRASIL, 1985), que garante a organização desse colegiado como entidade autônoma e representativa dos interesses dos estudantes secundaristas, com “[...] finalidades educacionais, culturais, cívicas esportivas e sociais” (BRASIL, 1985, n.p.); pela Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990); e pela Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Esses instrumentos legais objetivam o aumento da participação dos estudantes nas atividades escolares, com o intuito de criar e de fortalecer canais de diálogo e de atuação desses sujeitos.
Historicamente, a origem desse colegiado relaciona-se a momentos em que o envolvimento político dos estudantes foi imprescindível para transformar a realidade brasileira e organizar a participação democrática dos estudantes, especialmente no que se refere às mudanças políticas deles decorrentes.
Seguindo a linha cronológica traçada por Poerner (1979), é possível destacarmos alguns momentos da participação dos movimentos populares nas questões políticas, sociais e econômicas do país. Em 1710, ocorreu a primeira manifestação estudantil brasileira, quando estudantes de conventos e de colégios religiosos se revoltaram contra os franceses que haviam invadido o Rio de Janeiro. Em 1901, surgiu a Federação de Estudantes Brasileiros e, em 1917, teve início a Liga Nacionalista, que organizou a juventude em campanhas de cunho cívico e social. Com a Revolução Constitucionalista de 1932, os estudantes integraram-se à Juventude Comunista e à Juventude Integralista. Com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1937, o movimento estudantil, que até então congregava tanto os secundaristas quanto os universitários, ganhou corpo e marcou sua preocupação com os problemas nacionais.
A partir de 1948, com a criação da entidade nacional secundarista, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), os estudantes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio passaram a ter sua representação própria. Os secundaristas, termo que abrangia os estudantes de 1º e 2º graus, conforme denominação dada pela LDB de 1961 - Lei Nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (BRASIL, 1961) -, engajados nesse trabalho, envolveram-se em programas de alfabetização de adultos, em movimentos populares, de artes plásticas, de cinema, de música, em festivais de cultura etc. (PESCUMA, 1990).
Em 1964, com o golpe militar, teve início uma implacável perseguição aos movimentos sociais - incluindo o movimento estudantil - cujos principais líderes acabaram presos ou exilados. Os estudantes, então, novamente se mobilizaram e partiram para a luta armada, mas, assim como a UNE e a Ubes, os Grêmios Estudantis também foram fechados e as escolas passaram a contar com o Centro Cívico Escolar (CCE), promulgado pelo Decreto Nº 68.065, de 14 de janeiro de 1971 (BRASIL, 1971), que representava apenas burocraticamente os estudantes dentro e fora da unidade escolar. Em maio de 1979, a UNE voltou à cena com a realização do 31º Congresso da União Nacional dos Estudantes em Salvador, na Bahia, que marcou, finalmente, sua saída da ilegalidade (GONÇALVES; ROMAGNOLI, 1976).
A década de 1980 foi marcada pela redemocratização das relações sociais e políticas no país. Com a anistia política e a promulgação da Constituição Federativa de 1988 (BRASIL, 1988), estabeleceu-se uma nova visão de direitos e de deveres, tanto do cidadão quanto do estado nacional (ABRANCHES, 2003). Fruto dessa nova realidade e da necessidade da reconstrução do movimento secundarista, surgiu, em 1984, a União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (Umes-SP), que iniciou um trabalho de reorganização do movimento estudantil secundarista, reivindicando o fim do Centro Cívico Escolar por não atender aos anseios e às necessidades reais dos estudantes, que objetivava o controle do Regime Militar sobre todas as atividades estudantis. Extinguindo definitivamente o antigo Centro Cívico Escolar, o Grêmio Estudantil foi instituído pela Lei Nº 7.398/1985 e confirmado como importante colegiado pela LDB Nº 9.394/1996.
O breve histórico de constituição das agremiações estudantis evidencia que a consolidação de uma sociedade mais democrática se efetiva por meio da participação e do diálogo, o que demanda a criação de mecanismos de participação por meio de práticas concretas, cuja finalidade seja o desenvolvimento da consciência crítica, capaz de arrancar os sujeitos da condição de espectadores passivos, fazendo-os assumir a condição de autores sociais ativos (LUIZ; NASCENTE, 2013). Nesse contexto, a atuação das agremiações deve ocorrer de forma independente, sempre respeitando sua autonomia relativa (BARROSO, 2004), o que implica que suas propostas sejam coletivamente debatidas e aprovadas pelos demais colegiados da escola.
Mediante tais colocações, o presente artigo visa apresentar os resultados de uma pesquisa de natureza quanti-qualitativa, cujo objetivo foi analisar o processo de normatização das agremiações estudantis desenvolvido por uma Diretoria de Ensino da rede pública estadual paulista no período de 2013 a 2015, a fim de verificar quais as mudanças decorrentes desse processo no que se refere ao incentivo da participação política dos Grêmios Estudantis, do protagonismo juvenil e da democratização da gestão escolar.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo teve como objeto as agremiações pertencentes a duas escolas da rede estadual paulista localizadas no interior do Estado. O problema de pesquisa teve o seguinte questionamento: A necessidade de constituir os Grêmios Estudantis nessas escolas partiu dos estudantes ou foi uma política pública definida pela Diretoria de Ensino em prol dos projetos da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo? A seleção dessas escolas relacionou-se à disponibilidade dos gestores e dos estudantes em compartilhar suas experiências, além de terem sido escolas que se destacaram, tanto positiva quanto negativamente, durante o processo de dinamização das agremiações organizado por essa Diretoria de Ensino.
A pesquisa empírica foi dividida em quatro fases: a primeira constituiu-se no levantamento de dados quantitativos referentes aos Grêmios Estudantis pertencentes à referida Diretoria. A segunda consistiu na análise documental (legislações e/ou estatutos, atas, projetos e planos de trabalho) das duas escolas selecionadas. Na terceira fase, foi aplicado um questionário aberto aos membros da equipe gestora das duas unidades de ensino. E, na quarta e última fase, foram realizados dois grupos focais com estudantes gremistas das escolas selecionadas, cada um com três encontros de uma hora para discussão e reflexão sobre o assunto.
A utilização da técnica do grupo focal permitiu uma aproximação da população pesquisada e a compreensão dos símbolos, dos significados e dos significantes utilizados na apreensão do processo vivenciado. Além disso, promoveu uma interação verbal explícita entre os participantes, a qual possibilitou a revelação de pontos de vista específicos a respeito das ações desenvolvidas (MORGAN, 1996). A organização do material levou em conta o agrupamento dos registros por meio das falas contextualizadas dos participantes.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Em maio de 2013, a Diretoria de Ensino em questão, por meio de um levantamento sobre os Grêmios Estudantis atuantes, constatou que a maioria das escolas não possuía agremiações constituídas ou ativas: apenas 30% das 45 escolas pertencentes a essa jurisdição realizavam eleição anual dos Grêmios. A partir de então, teve início um conjunto de ações que envolveu agentes públicos, supervisores, gestores, Professores Mediadores Escolares e Comunitários (PMEC) e Professores Coordenadores do Núcleo Pedagógico (PCNP), a fim de que as escolas recebessem orientações técnicas sobre os trâmites necessários para a constituição e a dinamização das ações das agremiações escolhidas democraticamente.
Durante esse processo, foram desenvolvidos mecanismos de socialização das ações realizadas pelos estudantes, para que estes pudessem compartilhar suas ideias, incentivando o surgimento de novos projetos. Dessa forma, a Diretoria de Ensino passou a realizar encontros regionais dos Grêmios das escolas que faziam parte da sua jurisdição, com vistas a promover tanto o compartilhamento de ações quanto a reflexão coletiva sobre o papel dos Grêmios Estudantis e a importância da sua representatividade no interior das instituições de ensino.
No entanto, durante esses encontros, a Diretoria de Ensino divulgava programas e projetos oferecidos pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE/SP), solicitava que os estudantes colaborassem com sua divulgação e promovia ações de sensibilização da comunidade escolar, para incentivar o seu envolvimento e a sua participação nessas ações. Um dos programas mais divulgados nesses encontros foi o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), a partir do qual as agremiações recebiam orientações específicas que implicavam o desenvolvimento de ações diretas de melhoria em termos de comprometimento e, consequentemente, de rendimento dos estudantes nas avaliações referentes a esse programa.
Havia, portanto, um direcionamento das ações das agremiações, de tal forma que o trabalho autônomo e a criatividade dos estudantes acerca de seu papel enquanto gremistas foram, aos poucos, descaracterizados em função dos encontros e das orientações técnicas promovidas por essa Diretoria de Ensino. Nas falas dos participantes da pesquisa, foi possível identificarmos as consequências desse direcionamento decorrente do discurso normatizador da Diretoria, que provocou o cerceamento da autonomia das agremiações nas escolas:
[...] o direcionamento fez com que os estudantes não percebessem a realidade da escola, talvez por isso muitos deles acabavam desanimando. Porque quando o trabalho é muito direcionado ele foge do contexto (Professor Mediador de Conflitos, grifo nosso).
Para mim não faz diferença esses encontros. Os organizadores ficavam tentando controlar as nossas posições no auditório, mas a gente não respeitava muito. Eles [Diretoria de Ensino] escolhiam as escolas que se apresentavam, e a gente nunca foi escolhido para nada (Estudante gremista, grifo nosso).
Eu fui a dois encontros e achei extremamente repetitivo, com as mesmas apresentações. A gente mostrava um vídeo com as ações do ano inteiro, todos os vídeos muito parecidos... a mesma coisa, porque a Diretoria de Ensino passava o que a gente tinha que fazer (Estudante gremista, grifo nosso).
As falas revelam que as ações desenvolvidas pela Diretoria de Ensino representavam uma forma de regulação e de controle do que as agremiações deveriam desenvolver no interior das unidades de ensino, evidenciando que os Grêmios estavam sendo instituídos muito mais como um órgão de tutela dessa Diretoria, do que como um colegiado de fato. Ademais, as falas revelam que, quando não existe espaços reflexivos de democratização das decisões nas instituições de ensino, com maior participação de estudantes, a percepção acerca da própria função do sistema escolar fica prejudicada.
Conforme ressalta Barroso (2004), espaços reflexivos proporcionam o processo de autonomia relativa nas escolas. Mesmo tendo que atender às demandas de políticas macro educacionais, as instituições de ensino podem pensar em suas especificidades, em espaços coletivos de decisão, a fim de possibilitar melhorias na educação. Para tanto, o processo de autonomia relativa deve ser construído e não decretado. Assim, não basta instaurar colegiados e grupos que possibilitem a participação, mas é necessário que o coletivo da escola acredite na importância de fortalecer práticas de deliberações coletivas, rompendo com princípios e regulamentos impostos de forma vertical e homogeneizante.
Além desses encontros, a Diretoria de Ensino solicitava que os estudantes gremistas elaborassem uma espécie de Plano de Ação. A análise desses planos permitiu traçar um perfil da atuação dos Grêmios na região: 30% programava atividades esportivas; 29% voltava-se à organização da rádio escolar e a festas comemorativas; 27% visava a promoção de eventos culturais; e 14% promovia atividades de melhoria do ensino.
Para além desses encontros, em meados de 2014, a referida Diretoria de Ensino realizou o I Congresso Gremista, a fim de que os estudantes avaliassem um novo projeto que seria oferecido na rede pública estadual paulista: o Currículo+1. Todavia, os estudantes aproveitaram a ocasião para encaminhar à SEE/SP um abaixo-assinado solicitando melhorias nos centros de informática, principalmente com relação à qualidade da conectividade e dos computadores disponíveis nas escolas.
Ao final de 2014, a Diretoria iniciou uma nova ação envolvendo as escolas que ofereciam, exclusivamente, o Ensino Fundamental - anos iniciais. O objetivo era que nessas unidades fossem constituídos os chamados “greminhos”, cuja finalidade era colaborar para o desenvolvimento do projeto intitulado Cartilha da Justiça2, com o objetivo de promover um contato direto entre os estudantes e o Poder Judiciário, levando noções de cidadania e de justiça para o interior da escola. Os estudantes dessas unidades de ensino foram orientados pelos seus respectivos professores a elaborarem uma carta para as agremiações já constituídas nas escolas que ofereciam o Ensino Fundamental - anos finais e o Ensino Médio. A melhor carta seria escolhida para ser lida pelos próprios autores durante o primeiro encontro regional dos Grêmios em 2015. Parte do conteúdo da carta selecionada dizia o seguinte:
Nós somos do 5º Ano estamos escrevendo esta carta porque admiramos o trabalho que vocês fazem nas escolas. Por isso, queremos dizer que vocês têm que continuar sempre lutando e defendendo os alunos, assim como os políticos que querem o melhor para a população. Por isso que existe a democracia! Para votarmos em quem é sincero e melhoram o nosso país. O Grêmio é quem faz a história da escola como também realiza os sonhos de melhorá-la, lutando e reconhecendo os direitos e deveres que precisa ser feito na escola (Estudantes da escola selecionada, grifos nossos).
A partir de 2015, a Diretoria de Ensino passou a realizar um novo conjunto de Orientações Técnicas, agora voltadas especificamente aos PMEC, a fim de debater os fatores que mais dificultavam a atuação das agremiações nas escolas. Dentre os fatores apontados pelos PMEC, os principais foram: orientar os estudantes em relação à representatividade conquistada por meio das eleições das chapas, uma vez que alguns deles entendiam que possuíam privilégios pelo fato de serem gremistas; promover debates sobre representação política; promover esclarecimentos acerca de quais as atribuições de cada membro das agremiações; desenvolver ações para conquistar o apoio por parte dos professores, no que se refere ao incentivo da atuação dos Grêmios nas escolas. Os PMEC destacaram, também, que estavam enfrentando dificuldades para mediar os conflitos entre as chapas, especialmente após o processo de eleição.
Em 2015, durante o processo de realização das eleições das chapas, os professores deflagraram greve, o que, de acordo com os participantes desta pesquisa, comprometeu todo o processo de eleição democrática das chapas, visto que os gremistas foram escolhidos pelos gestores e pelos PMEC. Na fala de um dos professores mediadores de conflitos:
A formação do grêmio durante o ano de greve foi lamentável porque eu não tinha estudantes frequentando a escola, mas tinha prazo para entregar a constituição das chapas e resultado das eleições na Diretoria de Ensino. Então eu peguei os estudantes e montei o grêmio. Então esse ano a atuação do grêmio foi péssima até por conta da própria constituição da agremiação (Professor Mediador de Conflitos, grifo nosso).
Além da indicação dos estudantes para a composição da agremiação, houve, também, o direcionamento em relação à função que cada estudante deveria assumir:
Eu sou a presidente do grêmio... Eu fui “votada” como presidente pela própria coordenação da escola... Eu fui escolhida pelos gestores da escola porque teve greve e não teve tempo pra fazer chapa pra fazer a eleição... Vieram poucos estudantes, então os melhores estudantes estavam vindo pra ver quem queria participar e como a gente que vinha com mais frequência e se ocupava de mais coisas ele [o PMEC da escola] colocou a gente em cargos mais importantes (Estudante gremista, grifo nosso).
De forma geral, os estudantes atuavam apenas para atender às solicitações da equipe gestora da escola, que, por sua vez, sofria pressão por parte da Diretoria de Ensino para que os programas e os projetos da SEE/SP fossem incentivados por esses estudantes no interior das unidades.
Os estudantes chegaram a relatar que tinham receio de não conseguir atender as expectativas, tanto da direção e dos colegas de escola como da própria Diretoria de Ensino.
Se a gente entrar novamente no grêmio, coisa que não sei se vai acontecer, a gente seria cobrado muito mais... A gente vê na cara dos coordenadores do grêmio que eles querem que a gente faça alguma coisa... Porque eles mesmos têm medo, pois chega ordem para eles... E eles passam para a gente... Aí a gente fica frustrado (Estudante gremista, grifo nosso).
Para combater esse sentimento de frustação entre os estudantes, a Diretoria de Ensino realizou uma solenidade de diplomação dos presidentes das agremiações, a fim de ratificar a escolha desses estudantes. Segundo o juiz de direito e diretor do Fórum do município em que está localizada a Diretoria em questão, a cerimônia contribuiu para a formação desses jovens:
Toda vez que nós acreditamos no jovem, nós damos a ele a chance de se tornar um grande cidadão. Então, nós precisamos apostar, acreditar, trabalhar, estar juntos. E esta pessoa que está na escola, que está se elegendo presidente de um grêmio, no futuro ela vai ter uma bagagem, uma experiência muito grande para ser um grande cidadão que poderá atuar com decisão de forma importante no destino do país (SÃO PAULO, 2015, n.p., grifo nosso).
Sobre essa cerimônia de diplomação, um estudante destacou:
Estivemos no fórum quando recebemos o diploma, a certificação para quem já era do grêmio, uma cerimônia de posse. Eu achei importante a entrega de certificados porque me senti orgulhoso por fazer parte do grêmio... Eu senti alguma coisa, mas para a escola mesmo não representa muita coisa. Não representa muita coisa para eles mesmos [os demais estudantes] a gente mostrando aquilo que recebemos... Eles acabam não dando bola e a gente acaba desanimando de mostrar os eventos (Estudante gremista, grifo nosso).
Ao analisar as atas e os estatutos das escolas selecionadas, em especial após as ações desenvolvidas em 2015, foi possível constatarmos que nenhuma delas possuía registro formal sobre as reuniões e/ou as deliberações das agremiações ocorridas desde o início dos trabalhos em 2013. Questionados sobre a ausência desses registros, os gestores justificaram que não havia uma cultura de realizar qualquer tipo de anotação sobre as ações desenvolvidas nas escolas, a não ser aquelas solicitadas pela Diretoria de Ensino para a organização dos encontros regionais. Ademais, nenhuma das duas escolas forneceu cópia do estatuto vigente do Grêmio, o que evidencia que as orientações técnicas oferecidas pela Diretoria de Ensino não surtiram efeito real nas escolas.
Como ressaltam Martins e Dayrell (2013), a não formalização das ações das agremiações parece ser uma situação muito comum nas instituições de ensino. Isso porque:
Quando se fala em grêmio, logo somos levados a pensar em reuniões marcadas por um calendário pré-estabelecido e com horário pré-determinado, com pauta para assuntos a serem discutidos, ata durante a reunião, sala própria para encontros, discussões e guarda dos documentos em locais apropriados, pré-requisitos básicos ao se tratar de uma entidade convencional que funciona na lógica do adulto. Qual não foi nossa surpresa ao percebermos que muitas dessas premissas das entidades convencionais não são apropriadas pelos jovens no grêmio. Ao que parece os jovens tendem a se afastar de práticas que não reflitam suas vivências, assim, tendem a desconsiderar a burocracia [...]. Pelo que vimos, a lógica dos jovens tende a não se enquadrar em uma lógica burocratizada, mas as coisas realmente acontecem, mesmo assim. Ou seja, os jovens criaram um ritmo particular, uma dinâmica e organização próprias (MARTINS; DAYRELL, 2013, p. 1269-1270).
Para Bordignon e Gracindo (2001), a compreensão da escola como organização hierárquica resulta de um paradigma positivista-racional, no qual as relações entre os sujeitos se caracterizam por relações de dominação e de poder, propiciando um ambiente autoritário. Nesse sentido, a maneira como foi realizado o processo de formação dos estudantes nas escolas pesquisadas comprometeu a participação e a representatividade das agremiações. A falta de articulação entre os estudantes, adicionada à pouca experiência com práticas democráticas e ao direcionamento das ações por parte da Diretoria de Ensino, resultou em ações pouco planejadas e efetivas no interior das unidades pesquisadas.
Conforme afirma Bordenave (1992), essa ilusão de participação significa estar à margem da sociedade, visto que essa é uma necessidade humana em que os sujeitos adquirem uma posição ativa. Em oposição ao ato de participar, existe a não participação, que tem como fenômeno a marginalidade. O processo participativo só acontece quando existe entendimento do que significa participação, que, por sua vez, requer aprendizado. Por esse motivo, Libâneo (2001) ressalta que a participação deve acontecer como uma prática constante na cultura organizacional da instituição escolar.
Sobre a participação, um dos estudantes afirmou:
Com o grêmio nós somos a voz dos estudantes. É um caso assim: se o aluno está com problema antes ele falar com a diretoria da escola ele vem falar com a gente... como nós somos uma voz maior, nós podemos passar isso adiante. Se não tivesse o grêmio, quem seria a voz dos estudantes? (Estudante gremista, grifos nossos).
Para Lück (2008), é fundamental aumentarmos a capacidade de decisão dos estudantes, para, consequentemente, melhorar a força de suas ações, de aprendizagem e de alterações da realidade.
Esta pesquisa revelou que a participação dos estudantes gremistas após as ações desenvolvias pela Diretoria de Ensino poderia ser classificada de diferentes formas: ora o que se identificou foi uma participação de forma concedida, que, embora seja considerada potencialmente transformadora e democrática, tem como princípio a ideologia dominante, cujo objetivo é criar uma ilusão de participação; ora foi uma participação provocada, pois a formação das agremiações foi induzida e dirigida por agentes externos, com a finalidade de realizarem objetivos que não aqueles do próprio grupo; ora foi uma participação imposta, pois os estudantes se viam obrigados a executar algumas ações; ora raramente foi uma participação voluntária ou espontânea (BORDENAVE, 1992).
Sim, houve uma cobrança para que os estudantes do grêmio realizassem as comandas da Diretoria, muitas vezes provocando um distanciamento dos problemas enfrentados na escola que poderiam ter uma participação mais efetiva do grêmio. Os estudantes têm interesse em participar, gostam de ir na DE [Diretoria de Ensino] e aparecer no Face e no site da DE, mas não consigo perceber uma mudança significativa na participação deles na escola (Estudante gremista, grifo nosso).
No final o grêmio fica cumprindo “tarefas” da Diretoria e muitas vezes apenas um ou dois estudantes se envolvem nas atividades. O responsável pelo grêmio na escola é cobrado pela DE e o resultado fica mais pela ação desta pessoa do que pela participação espontânea dos integrantes do grêmio. A discussão da participação e real função do grêmio na escola ficam em segundo plano (Gestor).
A participação efetiva ocorre a partir do momento que a unidade escolar muda suas relações, tanto em seu interior como fora dela, envolvendo a comunidade local, abandonando aos poucos o autoritarismo, para ceder espaço para que todos os envolvidos com o processo educativo tenham oportunidade de dialogar e de refletir coletivamente sobre os problemas identificados. Entretanto, para que esse tipo de participação se concretize, é preciso que cada educador tenha consciência do quão importante é aprender a exercer a cidadania por meio da participação, em todos os âmbitos, entendendo, principalmente, que esse exercício pode começar na escola (ARROYO, 2005).
Os conceitos de descentralização, de participação e de autonomia, conforme destaca Abranches (2003), representam o reconhecimento e a aproximação por parte do poder público das demandas da sociedade. Apesar das discussões e das lutas pela igualdade de oportunidades e por uma organização escolar voltada à formação da cidadania, esta tem sido ainda uma realidade que está longe de se concretizar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os colegiados, como os Grêmios Estudantis, são mecanismos essenciais para garantir o comprometimento e a responsabilidade da comunidade escolar com seu processo de gestão, dada a condição de representantes dos interesses comuns e prioritários de seus pares que eles inauguram, o que os torna um importante espaço de troca de opiniões, de críticas e de propostas, possibilitando a ampliação das relações pessoais e sociais, a fim de incentivar a participação política nas escolas.
Esta pesquisa revelou que vários são os desafios que envolvem a participação efetiva desse colegiado nos processos decisórios da escola, uma vez que as ações desempenhadas pela Diretoria de Ensino não garantiram transformações relevantes no interior das instituições analisadas, nem colaboraram para promover uma atuação politizada por parte dos gremistas.
O processo de dinamização e de regulamentação estimulado por essa Diretoria não propiciou, concretamente, garantias de ampliação da representatividade política dos estudantes; ao contrário, as relações de poder decorrentes desse tipo de organização e normatização, ainda que tenham possibilitado a manifestação dos sujeitos no interior das unidades escolares, fizeram com que estes seguissem regulamentações externas com vistas à internalização e à obediência às leis estabelecidas, o que contradiz a essência do próprio conceito de participação política e de protagonismo inerente aos Grêmios Estudantis, posto que direciona e controla os estudantes para aquilo que deverão fazer, tornando-se meros cumpridores de tarefas.
Ao refletirmos sobre as relações de poder que envolvem os Grêmios Estudantis, verificamos que a participação dos estudantes deveria ter como princípio possibilitar novas formas de produção e de relação social, de modo a oportunizar situações de atuação política capazes de fazê-los opinar e ter voz ativa frente aos planejamentos e às tomadas de decisões da escola, tornando-se, dessa forma, protagonistas de fato. No entanto, as ações desenvolvidas evidenciaram como o poder constituído na escola e fora dela dificulta a participação dos seus diferentes segmentos, o que proporciona pouco entendimento em relação à representatividade, transformando-se em normas que estabeleceram a dinâmica de atuação dos Grêmios, o que colaborou muito mais para definir e impor limites do que para estimular a promover a participação desse colegiado.
Vale ressaltarmos que a participação faz parte de um processo democrático e representa um desafio cotidiano que envolve tanto o estabelecimento de normas e de regras como de novas formas de ação dos sujeitos. Entretanto, embora as ações de normatização da Diretoria de Ensino tenham provocado vários tipos de participação nas escolas, ainda falta um vasto percurso para que essa participação aconteça de forma democrática.
A análise acerca desse processo revelou que o Grêmio Estudantil teve pouco poder de decisão e/ou de voz ativa nos diferentes espaços da escola, o que representou um entrave para o funcionamento propositivo das agremiações. Assim, quando o jovem não tem a oportunidade de participar e/ou de deliberar, ele se torna um mero cumpridor de tarefas, com pouca ou quase nenhuma consciência sobre sua representatividade política.
É muito difícil mensurarmos todas as influências das ações desenvolvidas por essa Diretoria para os estudantes, para os professores e para os gestores, assim como as implicações subjetivas dessa experiência para os gremistas e para a comunidade escolar como um todo. Todavia, foi essencial podermos verificar que essas ações instigaram reflexões acerca de questões fundamentais na escola, como a representatividade política dos estudantes e a descentralização da gestão escolar.
Não foi possível encontrarmos, nesse caso, um protagonismo juvenil que despontasse para uma autonomia em suas relações, articulações ou atuações. O que verificamos foi que não basta instaurar grupos ou colegiados no interior das instituições de ensino sem que toda a comunidade compreenda a importância de fortalecer práticas de deliberações colegiadas e construídas em conjunto.
Concluímos convencidos de que a instauração de agremiações ativas e representativas contribui significativamente para inibir a possibilidade de uma administração centralizadora e externa à escola. Assim sendo, faz-se necessário promover uma articulação concreta entre todos os colegiados, a fim de que as demandas reais das instituições de ensino possam ser discutidas coletivamente, rompendo com a falsa sensação de participação democrática em seu interior.