Os futuros acontecimentos já estão lançando sua sombra sobre o presente… (Bogdanov, 2020, p. 75)
Introdução
À sombra de um futuro utópico, como posto na epígrafe acima, uma sociedade com amplo avanço científico, tecnológico, social e artístico é tema da obra Krasnaya Zvezda (Russo: Кра́сная звезда́, Estrela Vermelha). Escrito por Aleksandr Bogdanov (1873-1928), o romance narra a história de um terráqueo revolucionário russo, personagem chamado Lenny, que por convite de um camarada marciano, ascende ao planeta Vermelho. A obra bogdanoviana foi escrita no início do século XX, publicada primeiramente em 1908, período de muitas transformações na Rússia, como a morte de Alexandre III e a ascensão ao trono de Nicolau II (Jensen, 1944).
A obra já estava disponível no ocidente desde 1984, em versão na língua inglesa, publicada sob o título de “Red Star: The First Bolshevik Utopia”, traduzido por Charles Rougle (Bogdanov, 1984). O romance também possui uma tradução para o espanhol (Bogdanov, 2010) e, agora, para o português, por Paula Vez de Almeida e Ekaterina Vólkova Américo. Publicado no pandêmico ano de 2020, com base na primeira edição russa de Krasnaya Zvezda, dos idos de 1908. Segundo Gerould (1987), o livro inaugura a ficção científica soviética, na qual ciência, tecnologia e arte dão voz aos ideais socialistas, trazendo da ciência uma inspiração para a criação de obras artísticas.
O uso de elementos artísticos - cinema, literatura, fotografia, pintura, dança, música, performance, entre outros - aplicados ao ensino e à educação, vem sendo foco de estudos diversos na literatura (Eisner, 2004; Feitosa, 2021; Roberts, 2006). Com foco em propostas de aproximação entre a arte e as ciências naturais/humanas, alguns autores sugerem que a aprendizagem bem-sucedida no século XXI exige a conexão horizontal entre as áreas do conhecimento, demandando novas políticas de educação e práticas de ensino (Eldred, 2016; Feitosa, 2019). A literatura vem mostrando que essa imbricação ciência-arte, conhecida como Sci-Art (ou SciArt), vem rendendo bons frutos nas áreas de educação e no próprio trabalho de cientistas. Dentre essas imbricações, no Brasil, é notório o uso da chamada ficção científica como elemento articulador entre arte e ciências, em especial as ciências da natureza (Biologia, Física e Química), como mostram as pesquisas de Agostinho e Casaleiro (2015), Andrade et al. (2007), além de Guimarães (2000) e Feitosa (2021). Essas pesquisas apontam para a importância de incluir o debate sobre a Sci-Art na educação em seus múltiplos espaços (formal, informal e não formal), sobretudo no que diz respeito ao ensino de ciências da natureza, campo educativo que vem sendo criticado por, tradicionalmente, ser conduzido com foco na memorização não reflexiva de termos acadêmicos e pouco contextualizado com o cotidiano dos estudantes (Feitosa, 2021; Guimarães, 2000).
O ensino de ciências da natureza carece de uma visão mais ampla e que correlacione o saber do referido campo com outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, Feitosa (2019) aponta a falta de uma visão educativa que busque por uma totalidade e um ensino crítico-reflexivo como fator limitante do ensino hegemônico em nossas instituições de ensino, desde a educação básica à pós-graduação. Totalidade, entendida como a síntese de muitas determinações do mundo concreto, essencial para uma compreensão precisa dos fenômenos; já o ensino crítico-reflexivo mira uma práxis educativa emancipatória que desenvolva humanos que sejam capazes de analisar seu concreto sócio-histórico-cultural, abrindo espaço para transformá-lo. Nesse sentido, parece ser relevante investigar potencialidades críticas para a articulação de saberes artísticos e científicos, tal visão aqui chamada de relação arte-ciência, como alavanca de superação ao ensino hegemônico-tradicional da área de ciências da natureza (Andrade et al., 2007; Feitosa, 2019).
Analisando a literatura supraindicada, pode-se notar a existência de investigações e práticas que vislumbram conexões entre arte-ciência, tema relevante para a presente reflexão, pois agregam aspectos educativos que buscam (re)aproximar arte-ciência, tanto no ensino formal, como no não-formal e informal, como nas investigações de Andrade et al. (2007) e Feitosa (2021). A presente investigação apresentada neste manuscrito seguirá por esse caminho artístico-científico, haja vista que focará nas contribuições da obra literária “Estrela Vermelha” e no seu potencial uso nas salas de aula de ciências da natureza (seja no ensino básico ou superior).
Expondo esse contexto de articulação entre arte e ciência, indaga-se: Quais potencialidades a obra Estrela Vermelha (Krasnaya Zvezda) apresenta para o ensino de ciências da natureza?
Para responder a essa questão, utilizamos como mecanismo metodológico a pesquisa bibliográfica de trabalhos relacionados ao tema da biografia de Aleksandr Bogdanov (Adams, 1989; Gare, 1994; 2000; Gerould, 1987; Huestis, 2007; Jensen, 1944; 1982; Miguel, 2008), bem como textos de pesquisadores no campo da arte-educação ou formação docente (Agostinho & Casaleiro, 2015; Andrade et al., 2007; Eisner, 2004; Feitosa, 2021; Guimarães, 2000; Roberts, 2006), além, é claro, das edições de Krasnaya Zvezda (Bogdanov, 1984; 2010; 2020), com especial atenção a recente edição em português.
Realizamos uma pesquisa do tipo revisão da literatura, seguindo as proposições de Fink (2019). Partimos de uma busca por material bibliográfico e documental relacionado ao tema pesquisado, principalmente buscando colaborações para possíveis respostas à questão acima. Em seguida, fizemos uma leitura profunda deste material e buscamos suas interconexões. Assim, nossa pesquisa de revisão de literatura também seguiu aquela indicada por Meth e Williams (2006) na busca por publicações sobre o médico-cientista e artista-literata Aleksandr Bogdanov.
A título de exposição dos resultados desta pesquisa de revisão de literatura, uma espécie de pesquisa bibliográfica e documental, este manuscrito, que muitas vezes se assemelha a um ensaio, será dividido em duas partes: a primeira traz uma breve descrição da vida de Bogdanov, enfocando sua relação entre revolução, ciência e arte; a segunda apresenta alguns aspectos da relação arte-ciência em Estrela Vermelha, visando elencar argumentos em torno das contribuições da obra para o ensino de ciências da natureza, dentro de suas áreas do conhecimento (biologia, física e química).
Bogdanov: um artista-cientista e/ou cientista-artista
Acreditamos ser relevante analisar a correlação entre a obra tema da presente investigação com a vida de seu artista-cientista, com a esperança de enxergar na biográfica de Bogdanov, que vemos imbuída em Estrela Vermelha, uma ajuda para sabermos um pouco mais sobre os sentidos de seu romance.
De início, é relevante destacar que Krasnaya Zvezda (Bogdanov, 1984) vem sendo, já há algumas décadas, tema de discussão entre literatas, analistas históricos, filósofos e cientistas (Gare, 1994; 2000; Gerould, 1987; Huestis, 2007; Miguel, 2008). Segundo Jensen (1982), Bogdanov vem sendo redescoberto de maneira tardia na sociedade ocidental devido à limitação da difusão de obras de cunho socialista, em especial soviéticas, após a Primeira e Segunda Guerra Mundial.
A característica de sua redescoberta é o desejo de analisar se o homem era um gênio ou um louco, um intelectual genuinamente inovador fin de siècle ou apenas o era em sua própria imaginação e na imaginação de outros, um visionário ou um obscurantista, um esquerdista infantil ou um teórico socialista sério, etc. (Jensen, 1982, p. 1, tradução livre[1])
Do ponto de vista historiográfico, Estrela Vermelha pode ser considerado como um precursor do movimento artístico proletarskaya kultura (Russo: пролетарская культура), que significa "cultura proletária", surgido na Rússia revolucionária de 1917 (Adams, 1989; Miguel, 2008). Este pensamento é explicitado por Jensen (1982, p. 2, tradução livre [2] ): “[...] Estrela vermelha deve ser livro, visto que é um dos primeiros, se não o mais antigo, exemplo de literatura proletkult”.
Academicamente, Bogdanov ingressou no início da década de 1890 no Departamento de Ciências Naturais da Universidade de Moscou, contudo não pôde concluir o curso, após sua filiação ao Grêmio Estudantil local. Devido a sua atuação política na instituição, foi expulso da universidade e exilado. Em seguida, o revolucionário soviético adentrou como estudante estrangeiro na Universidade Nacional da Carcóvia, onde se formou como médico em 1899.
Em sua atuação política, Bogdanov esteve como partícipe desde a fundação do partido Operário Social-Democrata Russo e permaneceu como um de seus membros ativos, tomando posição junto aos bolcheviques (Jensen, 1944; 1982). Participou da Revolução de 1905, desencadeada após o trágico Domingo Sangrento (1905), como um dos dirigentes do Soviete de São Petersburgo (Adams, 1989).
Sua atuação política e seu pensamento socialista deixam claro que a obra bogdanoviana é de inspiração marxista, haja vista que aborda com algum detalhe uma sociedade marciana pós-revolucionária, tratando também da cultura e organização do trabalho (Adams, 1989; Jensen, 1982; Gare, 1994). Mesmo que o tema primordial da presente investigação relatada neste manuscrito seja a conotação de ficção científica de Estrela Vermelha, é oportuno ressaltar a seguinte correlação: “Embora minha preocupação aqui seja com o trabalho de Bogdanov sobre a ciência, isso não pode ser inteiramente abstraído de seu contexto sociopolítico e de sua filosofia social mais ampla” (Gare, 2000, p. 231, tradução livre [3] ).
De acordo com Gare (1994; 2000), tanto a obra artística como a científica bogdanoviana caminham junto do materialismo histórico e dialético de base marxista, propondo uma filosofia natural que objetivou uma visão unificada do mundo. Bogdanov concebeu uma teoria geral de sistemas e processos. “Ele nomeou esse tratado de três volumes por Tektologiia: A ciência organizacional universal [4] ” (Jensen, 1982, p. 20, tradução livre [5] ). Esse tratado congrega que “[...] sua teoria geral das organizações não apenas prenunciou o desenvolvimento da cibernética, teoria geral dos sistemas e praxiologia, mas as combinou e foi além de qualquer coisa alcançada pelas tradições clássicas da cibernética e da teoria dos sistemas” (Gare, 2000, p. 232, tradução livre [6] ).
Tektologiia trata da organização da natureza, desde os átomos, os elementos inorgânicos, as células vivas, os organismos, a sociedade, o cosmo e os corpos celestes, apresentando o universo como uma representação da totalidade auto-organizada (Jensen, 1944; 1982; Gare, 1994; 2000). Bogdanov desenvolveu ideias originais sobre a ciência, propondo uma transformação radical da ciência como base para uma transformação igualmente radical da sociedade.
Outro destaque relevante advém da vida do próprio médico-cientista, especialista no assunto clínico do estudo de sangue e transfusão, tema o qual buscou na ciência a inspiração para parte de sua obra literária (Adams, 1989; Gare, 1994; 2000). Bogdanov atuou como médico no front de combate da Primeira Guerra Mundial e, anos mais tarde, em 1926, organizou e presidiu o vanguardista instituto de transfusão de sangue, o primeiro do gênero no mundo. Inclusive, de maneira trágica, foi uma malsucedida autotransfusão sanguínea o motivo de seu falecimento (Huestis, 2007; Jensen, 1982).
O romance Estrela Vermelha narra a aventura de dois personagens principais: o jovem terráqueo socialista russo Lenny e o experiente engenheiro marciano Menny. Além desses, outro personagem que merece destaque, cuja apresentação é feita na obra por Menny, é a jovem médica marciana Netty. Além da profissão dominante, a personagem é apresentada como tendo apenas dezesseis anos de idade, fato que surpreende Lenny. Porém, nosso aventureiro terráqueo denota:
Naquele momento, não notei Menny, de propósito, não me lembrou que a idade dos marcianos equivale, em duração, a quase o dobro da nossa: a rotação de Marte em torno do Sol leva 686 dias terráqueos, dezesseis anos de Netty equivaleriam a trinta anos na Terra. (Bogdanov, 2020, p. 49)
Note-se que tal excerto já porta consigo uma inclinação científica que pode ser aproveitada por educadoras e educadores da área de ciências: é sabido que a translação é movimento planetário em torno do Sol, e uma volta completa corresponde ao período de um ano, sendo que tal “ano” varia de planeta para planeta. Aqui no planeta Azul, a frequência de translação corresponde a uma temporada de 365 dias, entretanto, no planeta Vermelho é de 687 dias (Barroso & Borgo, 2010).
O romance de ficção científica bogdanoviano narra da seguinte forma como Lenny recebeu o convite de Menny para ingressar numa aventura espacial em direção a Marte, planeta que continha uma sociedade comunal avançada. Primeiramente, o marciano tenta convencer o camarada terráqueo da tecnologia vanguardista usada para tal fim.
Menny tirou do bolso um frasco com um líquido metálico que tomei por mercúrio. Estranhamente, porém, esse líquido, que preenchia não mais que um terço do frasco, não se encontrava em seu fundo, mas na parte de cima, desde perto do gargalo até a própria rolha. Menny virou o frasco, e o líquido correu para o fundo, ou seja, diretamente para cima. Menny soltou o frasco das mãos, e ele ficou flutuando no ar. Era inacreditável, mas indubitável e evidente.
- Este frasco é de um vidro ordinário - explicou Menny -, mas seu líquido é repelido pelos corpos do Sistema Solar. [...] É por meio desse mesmo método que construímos todos os aparelhos voadores: são feitos de materiais ordinários, mas contém em si um reservatório preenchido pela quantidade suficiente de “matéria de tipo negativo”. (Bogdanov, 2020, p. 36)
Dessa forma Lenny é convencido e se enche de coragem para encarar o desafio: ir até Marte, conhecer sua civilização avançada, e retornar à Terra trazendo conhecimento do novo mundo, servindo de guia para o avanço da sociedade terráquea rumo à sociedade comunal utópica. A “matéria de tipo negativo”, também denominada em outras passagens do romance como “matéria menos”, é a responsável pela flutuação da eteronave (nave para a viagem no éter) marciana. Essa entonação estética, uma mistura de ficção e argumentos científicos, é a tônica da obra bogdanoviana. Todos os acontecimentos são narrados e os conhecimentos de várias ciências (astronomia, biologia, física, geologia, geografia, química etc.) são usados para explicar os eventos que ocorrem no livro.
Assim, nos parágrafos que se seguem, iremos destacar alguns trechos do livro que podem ser interessantes para que professoras e professores de ciências possam incluir o material em suas aulas, servindo de contextualização para início de mote histórico para os temas abordados e, até mesmo, ao estudo sistemático dos conteúdos científicos. Para a organização da exposição, decidimos elencar os pontos relacionados às disciplinas escolares ligadas ao campo das ciências da natureza, iniciando pela Física, passando pela Química, e, finalmente, adentrando na Biologia.
Contribuições da obra bogdanoviana para o ensino de ciências da natureza
Iniciamos nossa reflexão adentrando nas searas da física, campo do saber muito explorado em Estrela Vermelha, sobretudo nas passagens que narram a viagem do grupo, junto de nosso aventureiro Lenny, saindo da Terra e avançando no espaço em direção ao Planeta Vermelho.
O primeiro trecho que pode servir de inspiração para os entusiastas da física e da mecânica, em especial aos educadores para atuação junto aos seus estudantes, trata da narração feita por Lenny sobre a velocidade e aceleração da nave. Assim conta o personagem: “A eteronave(sic) partiu da terra rumo a Marte seguindo um movimento silencioso, lento e gradual, perfazendo [...] dois centímetros de aceleração” (Bogdanov, 2020, p. 45). A explicação física para o enredo é de interesse do campo do ensino de ciências, haja vista que o terráqueo Lenny explica da seguinte maneira o seu significado prático:
No primeiro segundo, percorreríamos apenas um centímetro, no segundo, três, no terceiro, cinco, no quarto, sete centímetros; a velocidade seria o tempo todo alterada, aumentando continuamente em progressão aritmética. Em um minuto, alcançaríamos a velocidade de uma pessoa caminhando, em 15 minutos, a de um trem expresso - e assim por diante. (Bogdanov, 2020, p. 45)
Seguindo o mesmo padrão científico, a ficção bogdanoviana também destaca a física da queda dos corpos e objetos em gravidade zero. Num excerto de diálogo entre Menny e Lenny, os viajantes falam sobre as adversidades a serem superadas pelos astronautas em tarefas até mesmo simples, como, por exemplo: "Também será difícil lidar com a água e outros líquidos, os quais, ao menor sobressalto, vão escapar dos frascos e se espalhar por toda parte em forma de enormes gotas esféricas”. (Bogdanov, 2020, p. 47). A passagem destacada parece ser comum para os amantes do gênero de ficção científica contemporânea, cujos filmes hollywoodianos enchem nossos olhos de cenas desse tipo nos filmes blockbusters, seguindo a descrição do trecho do romance acima. Contudo, do ponto de vista da historiografia da ciência, uma obra que já tratava em antever dificuldades de cosmonautas e fenômenos dessa natureza no espaço, no prelúdio do século XX, deve ser visto como algo inovador e vanguardista, evitando os anacronismos históricos (Andrade et al., 2007; Gare, 1994; 2000).
Outra tratativa interessante advinda de Estrela Vermelha são os aspectos da astronomia e cosmologia. Durante a viagem dentro da eteronave, Lenny se dedicou a estudar a língua e a história natural/social/cultural do povo marciano. Nos tratados e livros advindos do planeta Vermelho, nosso camarada se encanta pela bela descrição dos fatos evolutivos dos corpos celestes, como no trecho: “A história do desenvolvimento dessas nebulosas, da cristalização, a partir delas, de sóis e planetas, era apresentada de maneira semelhante à nossa teoria da origem dos mundos de Kant e Laplace, mas com maior definição e em maior detalhe.” (Bogdanov, 2020, p. 66). O autor lança as redes da ciência de seu tempo, fisgando os pensadores clássicos da filosofia natural e científica, para dar cabo de uma narrativa ficcional, mas imbuída de argumentos científicos. Essa característica é típica da ficção científica com conotação steampunk (Miguel, 2008). Certamente, para se evitar o anacronismo, é oportuno indicar que Bogdanov usa a ciência disponível na Rússia da virada do século XIX para o XX. Portanto, a educadora ou o educador interessada(o) em utilizar o referido livro bogdanoviano deve ficar alerta para o risco de uma valoração equivocada da ciência do período, evitando avaliar um determinado tempo histórico à luz de valores que não o pertencem, pois já sabemos que existem outras visões contemporâneas sobre a cosmologia. Contudo, essa temática científica é bem fundamentada em Estrela Vermelha, possuindo valor intrínseco como texto artístico-científico.
Em adição, o tema da físico-química de substâncias também é explorado na obra. Menny e outros tripulantes mostram algumas peculiaridades do funcionamento e da constituição do motor-propulsor marciano: “A força motriz da eteronave é uma das substâncias irradiantes(sic) que conseguimos minerar em grandes quantidades. Encontramos um meio de acelerar o decaimento de seus elementos [...]. Dessa maneira, é liberada uma grande quantidade de energia”. (Bogdanov, 2020, p. 46). Bogdanov utiliza o termo “substâncias irradiantes” numa referência ao estudo de propriedades e do decaimento de substâncias radioativas. Mais uma vez, o caráter temporal do saber científico é exposto em Estrela Vermelha, haja vista que os resultados de pesquisa com esse tipo de material eram pouco conhecidos na região russa, com destaque para a obra de Marie e Pierre Curie (Pasachoff, 1996).
O excerto acima indica uma potência para mostrar que o saber científico é mutável, incluindo seus conceitos e terminologias. Isso, por sua vez, abre espaço para se pensar a ciência enquanto produção humana e social, fugindo de uma visão tradicionalista na qual o campo é feito por heróis e gênios, não permitindo seu acesso para as “pessoas comuns” (Barroso & Borgo, 2010; Feitosa, 2019; Guimarães, 2000). A inclinação para um ensino que inclua uma história da ciência contextualizada faz do romance bogdanoviano uma ferramenta potente, em especial quando se soma a isso a perspectiva de uma educação totalizante e interdisciplinar de arte-ciência, imbuída de questões históricas relevantes sobre o desdobramento das ciências da natureza (Feitosa, 2021).
No mesmo sentido, Estrela Vermelha traz discussões sobre aspectos científicos em voga na Rússia do fim do século XIX e início do XX, onde circulavam tratados de química com explicações de autores entusiastas dos grandes nomes dessa área, desde os clássicos como Lavoisier e Berthollet, até os mais contemporâneos, explorados nos três volumes do Tektologiia de Bogdanov (Jensen, 1944; 1982). Esse espírito investigativo experimentalista da ciência emerge no romance bogdanoviano, no qual o narrador, em um dos momentos de descrição das partes que compõem a eteronave, relata como era a denominada “sala do oxigênio”, lócus que guardava os equipamentos responsáveis pela troca gasosa na atmosfera da nave.
Nela, estavam armazenados os suprimentos de oxigênio em forma de 25 toneladas de sal de Berthollet, do qual se podiam extrair, se fosse preciso, 10 mil metros cúbicos de oxigênio. [...] ali mesmo armazenavam-se os suprimentos de barita e de potassa cáustica para absorver o dióxido de carbono do ar [...]. (Bogdanov, 2020, pp. 51-52)
Sem dúvida, um educador da área de ciências da natureza pode explorar com propriedade essa passagem para contextualizar e sistematizar as reações químicas envolvendo o conteúdo do excerto acima. Em adição, ele e seus educandos podem, por exemplo, explorar aspectos históricos dos compostos acima indicados, seus usos e aplicações comerciais, além de estudar os produtos oriundos da respiração dos seres vivos.
Bogdanov parece beber na fonte da ciência difundida entre os séculos XVIII e XX, trazendo para sua arte literária os atributos científicos que ganharam destaque na historiografia da filosofia natural e do empirismo, precursores da denominada ciência moderna, e que contribuíram para o desenvolvimento e à consolidação da química enquanto ciência, além de sua aplicação na manufatura com uso de diferentes tipos de álcalis, como o [KClO.] estudado por Claude-Louis Berthollet (1748-1822), a Barita [Ba(OH).] e potassa cáustica (KOH) (Luna, 2008).
Outra área que emerge no romance bogdanoviano é a ciência que estuda os seres vivos e suas interrelações. Várias passagens narradas em Estrela Vermelha resgatam conhecimentos biológicos do período de sua publicação. Um deles, a título de exemplificação, é a explicação do fenótipo anatômico dos marcianos, traço que chamava a atenção de Lenny, em especial, a cabeça larga que acomodava os olhos enormes, com pupilas “[...] dilatadas mesmo em relação à grandeza antinatural dos próprios olhos, o que lhes conferia uma expressão quase medonha”. (Bogdanov, 2020, p. 38).
Seguindo a linha de aproximação entre arte-ciência, típica da literatura de ficção científica, o autor também se utiliza das leis da natureza, no caso, da biologia, para explicar esse aspecto fisiológico, da seguinte forma: O Sol [na Terra] também é mais brilhante; muito mais felizes que nós [marcianos]. “O mundo de vocês é duas vezes mais iluminado que nosso: é por isso que vocês não precisam de olhos como estes, de pupilas grandes para captar os raios fracos do nosso dia e da nossa noite” (Bogdanov, 2020, pp. 58-59). Novamente, a representação de alienígenas que no nosso século XXI é corriqueira, fazendo parte de nosso imaginário coletivo a respeito de seres extraterráqueos, com cabeças protuberantes e olhos grandes, já estava representada e justificada cientificamente no romance bogdanoviano. Tal característica pode servir de mote para uma aula de ciências da natureza ou de biologia, emergindo algumas indagações que o/a educador(a) pode fazer para seus alunos, as quais podem ser sistematizadas no decorrer das aulas: Qual é a função primordial dos olhos? Como ocorre o processo fisiológico da percepção da luz? Que mecanismos biológicos e bioquímicos estão envolvidos? Existem adaptações de estruturas anatômicas de olhos (ou similares) de seres vivos aqui no planeta Terra? Certamente, tais questionamentos merecem respostas mais completas e aprofundadas, não sendo possível discutir em exaustão dentro do espaço de um artigo, mas podemos indicar alguns caminhos para correlacionar esse assunto. Como indicam Helene e Helene (2011), o olho e as estruturas de visão (ocelos, olhos simples e olhos compostos) têm função sensorial, possuindo receptores que captam estímulos luminosos e os encaminham ao sistema nervoso, que responde ao estímulo recebido. Ao serem estimulados, os receptores de luz transmitem o impulso nervoso através de mecanismos bioquímicos (troca de ânions e cátions entre a membrana celular). O olho é uma estrutura que surgiu várias vezes ao longo do processo evolutivo, de maneira independente, havendo animais que têm sistemas de múltiplas lentes, outros com efeito câmara escura e, até mesmo, seres tão simples que apenas conseguem perceber a presença de iluminação (Helene & Helene, 2011).
Seguindo a estética do romance, outro tema que surge a partir da narrativa de Estrela Vermelha é a evolução dos seres vivos e sua filogenia (relações de parentesco). O personagem Lenny relata da seguinte maneira o que percebeu como fruto dos seus estudos sobre a literatura marciana, tanto dentro da eteronave, como em leituras feitas por ele nas bibliotecas do próprio planeta Vermelho.
O quadro do desenvolvimento posterior da vida reduzia-se à escala do progresso dos seres vivos ou, mais precisamente, a sua árvore genealógica comum; dos protistas até as plantas superiores, por um lado, e até o ser humano, por outro - além de todo tipo de desvios laterais. A comparação com a linha “terráquea” de desenvolvimento revela que, no caminho da célula primária ao ser humano, a série dos primeiros elos da cadeia era quase igual e as diferenças nos últimos elos eram insignificantes, enquanto nos elos intermediários as distinções eram bem maiores. (Bogdanov, 2020, p. 67)
O romance bogdanoviano, como no excerto acima, também se utiliza do saber da biologia em seu enredo. A comparação da evolução dos seres vivos dos planetas Azul e Vermelho pode potencializar uma discussão interessante nas aulas de ciências da natureza. Como destacam Corrêa et al. (2010), a inserção de textos de apoio com o tema evolução biológica, indo além dos manuais e livros didáticos já utilizados nas aulas de ciências da natureza, pode ser uma estratégia interessante para a construção do conhecimento desse campo, abrindo espaço para que os estudantes possam perceber que o saber científico se modifica ao longo do tempo, não é estanque. Essa visão vai ao encontro da abordagem arte-ciência proposta por Andrade et al. (2007), bem como de Feitosa (2021). O uso de obras artísticas, como as de literatura, permite agregar ao ensino elementos éticos e estéticos pouco explorados nas instituições de ensino, como exposto por Eisner (2004).
O tema da evolução dos seres vivos igualmente foi estudado por autores clássicos do marxismo, incluindo um dos fundadores do materialismo histórico e dialético - Friedrich Engels. O filósofo alemão também elaborou alguns textos sobre o assunto, agrupados num tratado sobre as ciências e as matemáticas em voga no seu tempo (fim do século XIX), publicado postumamente com o nome de Dialética da Natureza (Engels, 2020). Na referida obra, Engels aborda o desenvolvimento da filosofia e da ciência natural de maneira histórica, com vistas a apontar a dialética integrante em suas múltiplas determinações. O conhecimento biológico sobre a origem e o desenvolvimento dos seres vivos era tema de discussão nos círculos marxistas desse período, ao qual ganhou destaque a discussão das obras de Jean-Baptiste de Lamarck, Charles Darwin, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Moritz Wagner, entre outros (Engels, 2020). Assim, o estudo da evolução biológica não se restringe apenas ao materialismo vulgar, isto é, à manifestação mais tradicional da visão de mundo das ciências naturais (positiva ou neopositiva, mecânica, empirista e neutra), sendo Bogdanov (1984; 2010; 2020) e Engels (2020) exemplos de uma visão dialética e histórica sobre o saber científico.
A utilização do romance bogdanoviano nas aulas de ciências da natureza pode significar uma ampliação do olhar sobre a epistemologia da ciência, dando espaço para outras visões sobre as metodologias das ciências e do desenvolvimento do pensamento científico, saindo da restrição comumente encontrada nos manuais e livros didáticos de ciências da natureza de um “método científico” (único, universal, notadamente, hipotético-dedutivo). A ciência exposta em “Estrela Vermelha”, como contido no tema da evolução dos seres vivos, se baseia numa ciência dialética, visão que pode colaborar para discussões interessantes no ensino de ciências da natureza (Feitosa, 2019).
Assunto correlato à biologia, a problemática ambiental também foi abordada de maneira central no romance bogdanoviano, tema relevante para o nosso atual século XXI e, consequentemente, para o presente ensino de ciências da natureza. Lenny descobre que um dos fatores primordiais para a construção histórica da sociedade comunal do planeta Vermelho foi a severa crise ambiental causada pelo desenvolvimento das formas produtivas de Marte, onde em seu passado, houve uma primeira transformação: “Na agricultura, o pequeno campesinato foi muito precocemente substituído pelos grandes latifúndios capitalistas e, logo depois disso, ocorreu a nacionalização de toda a terra.” (Bogdanov, 2020, p. 70). Certamente, aqui não há dúvida sobre a conotação crítica do autor soviético à exploração natural/humana no capitalismo rural.
Como consequência dessa primeira transformação social, houve uma implicação séria para os arados marcianos, resultando numa segunda mudança na história de Marte, a qual é narrada da seguinte maneira:
A razão consistia no ressecamento do solo, que só aumentava, e o qual os pequenos proprietários de terra não tiveram forças para combater. A crosta do planeta absorvia profundamente a água e não a envolvia. Era a continuação daquele processo espontâneo, devido ao qual os oceanos que outrora existiram em Marte secaram e transformaram-se em mares relativamente isolados. Tal processo de absorção também ocorre em nosso planeta, mas nele, porém quanto, não foi muito longe; em Marte, planeta duas vezes mais antigo que a Terra, a situação se tornou séria já há mil anos, uma vez que, com a diminuição dos mais, naturalmente ocorreu em paralelo a diminuição das nuvens e das chuvas, acarretando a seca dos rios e dos riachos. (Bogdanov, 2020, pp. 70-71)
Qualquer semelhança com o nosso planeta Azul não é mera coincidência. A literatura do fim do século XIX, ao qual influenciou Bogdanov, já denunciava as consequências nefastas do uso irracional do solo e da substituição da vegetação nativa para abrir espaço para as monoculturas. Engels (2020, pp. 347-348) criticou o sistema e os serviçais de capitalistas que saqueavam as florestas “[...] para obter terreno cultivável nem sonhavam que estavam lançando a base para a atual desertificação dessas terras, retirando delas, junto com as florestas, os locais de acúmulo e reserva de umidade [...]”.
Em Estrela Vermelha, para resolver o problema ambiental, além da socialização comunal do solo, os marcianos desenvolveram uma série de canais responsáveis por levar água potável para as lavouras racionalizadas e para as cidades, gerando prosperidade ao povo daquele planeta. Somando-se a isso, ocorreu a socialização dos meios de produção, de indústrias e fábricas, resultando na nacionalização das empresas sociais e no posterior desenvolvimento de uma sociedade de trabalho comunal. A ocupação laboral passou a ser escolhida por cada marciano, considerando a necessidade social e a inclinação pessoal dos próprios trabalhadores. O romance bogdanoviano também explica a organização das horas de trabalho dos camaradas marcianos e a livre oferta de produtos sociais gerados pela sociedade comunal. Assim, fica evidente a conotação utópica, delineada por um norte marxista, da sociedade do planeta Vermelho. “Acho que alguém estaria errado em supor que, na visão de Bogdanov, a agricultura socialista era outra coisa senão coletivista e industrializada”. (Jensen, 1982, p. 17, tradução livre [7] ).
Ainda a respeito dos aspectos biológicos abordados no romance, o personagem Lenny descreve em Estrela Vermelha a flora marciana, aspecto que o impressionou “[...] e com a qual foi mais difícil me habituar, foi a cor vermelha das plantas” (Bogdanov, 2020, p. 77). Como é marcante na estética bogdanoviana (Miguel, 2008), segue uma explicação de base científica para esse fenótipo vegetal, descrito pelo viajante terráqueo da seguinte maneira (Bogdanov, 2020, p. 77): “Sua substância corante, cuja composição é muito próxima a da clorofila das plantas terráqueas, desempenha uma função totalmente análoga na economia vital da natureza: cria os tecidos dos vegetais graças ao dióxido de carbono e a energia dos raios solares”.
O tema anatômico e fisiológico dos vegetais marcianos também pode ser explorado por educadoras e educadores nas aulas ligadas às ciências da natureza e, é claro, à biologia. Com isso, cria-se oportunidade para se discutir a função biológica dos pigmentos vegetais, a relevância das plantas no sequestro de carbono e, até mesmo, do aquecimento global. A coloração típica dos vegetais de Marte trouxe para Lenny, além de surpresa, uma lembrança da utopia terráquea almejada pelo camarada: “- Esta é a cor de nossa bandeira socialista - eu disse. - Então, devo me acostumar com a natureza socialista de vocês”. (Bogdanov, 2020, p. 77). Aqui, podemos acentuar, novamente, que Estrela Vermelha permite uma discussão ampla sobre vários campos do saber, indo desde as ciências da natureza, passando pelas humanas e das linguagens. Essa perspectiva vem sendo conclamada por Feitosa (2019), ao resgatar a ideia de totalidade para o ensino. Assim, o uso de “Estrela Vermelha” nas instituições de ensino parece ser uma via de contribuição à execução prática de tal propositura, uma vez que os excertos aqui analisados do livro bogdanoviano indicam que é possível ensinar-aprender sobre conceitos das ciências da natureza (fisiologia e anatomia dos marcianos e terráqueos), da história-filosofia (socialismo). As plantas têm papel fundamental na troca gasosa do ar, agindo no sequestro de dióxido de carbono e na devolução do oxigênio para a atmosfera. Destarte, os vegetais auxiliam na redução da temperatura, o que contribui para a redução da temperatura planetária.
A longevidade de vida dos marcianos também é alvo de análise no romance bogdanoviano. Esses seres aplicavam a “renovação” da vida, a técnica que emprega “a troca de sangue” que os terráqueos estavam estudando nos idos do início do século XX: o processo de transfusão sanguínea e estudos celulares de seu plasma, temas de pesquisa médica do próprio cientista-artista (Adams, 1989; Gare, 1994; 2000; Huestis, 2007; Jensen, 1982).
O autor explica da seguinte forma esse processo, através da voz do marciano Menny, quando o engenheiro dialoga com o camarada Lenny, como exposto no excerto a seguir.
Por fim, vocês já conhecem a aplicação do soro sanguíneo para transmissão dos elementos de vitalidade de um ser para outro, por exemplo, na forma do aumento da resistência a uma ou outra doença. Já nós vamos além, e empregamos a troca de sangue entre dois seres humanos, dos quais cada um pode passar a outro uma série de condições para a elevação da vitalidade. (Bogdanov, 2020, p. 109, grifo do autor)
Essa troca de sangue é apontada em “Estrela Vermelha” como um fenômeno material e filantrópico, no qual um jovem doa seus fluidos aos mais necessitados e/ou enfermos, “[...] uma troca de vida camarada não só na existência ideológica, mas também na fisiológica [...]” (Bogdanov, 2020, p. 110). Do ponto de vista da ficção, a mistura sanguínea nos vasos e órgãos dos seres traz uma profunda renovação a todos os seus tecidos, sendo responsável pela longevidade dos marcianos. Assim, o autor soviético propõe uma espécie de comuna biológica, na qual a interação social entre os seres da sociedade marciana chega a um nível biológico profundo de suas existências. Aqui, ressalta-se a abstração artística dessa proposição bogdanoviana, não correspondendo literalmente ao saber científico do tema, algo comum em obras de ficção científica (Adams, 1989; Barroso & Borgo, 2010; Miguel, 2008).
A narrativa do romance a respeito da troca de sangue parece ser resultado do pensamento do médico-artista soviético, pois como apontou Huestis (2007), Bogdanov via na transfusão de sangue não apenas uma terapia de reposição, mas também um estimulante corporal. O revolucionário começou a investigar os mecanismos médicos ligados ao tema ao estabelecer um instituto de transfusão de sangue em 1926, o primeiro do mundo. Seus cientistas/médicos sucessores colocaram a Rússia na vanguarda do desenvolvimento de serviços estatais de transfusão de sangue. Tragicamente, faleceu exatamente em consequência de uma reação hemolítica à transfusão.
Considerações Finais
O futuro utópico vislumbrado pela narrativa de Estrela Vermelha parece continuar distante de nosso planeta Azul. Contudo, o sonho de uma sociedade comunal, onde as ciências e a cultura servem aos interesses gerais da sociedade e não apenas ao lucro acumulado por uma minoria que explora a maioria, tampouco à exploração desenfreada na natureza, ainda continua em marcha pelo nosso cosmo. A sombra do alerta ambiental, que se lança sobre o presente e o futuro do século XXI, já era presente na utopia bogdanoviana.
Como é explícito ao longo de todo o romance, podemos encontrar vários elementos que são relevantes para o ensino de ciências da natureza, como resumidos a seguir. A narrativa parte do planeta Azul, de sociedade primitiva, rumo ao Planeta Vermelho, de sociedade avançada e coletivista, numa viagem que é permeada pelos saberes da astronomia, biologia, cosmologia, engenharia, física, mecânica, medicina e química. Ressalta-se que a utilização de ferramentas artísticas como mote gerador dos temas a serem usados nas aulas de ciências (tanto na educação básica, quanto na superior) vem sendo encarada como articuladora do ensino, potencializando uma práxis interdisciplinar.
Estrela Vermelha permite a professoras e professores, alunas e alunos, uma vasta gama de comparações com o mundo terráqueo atual, além de uma visão histórica datada do início do século XX, período de lançamento do romance. A obra adentra no cosmo das ciências da natureza, passando pelas humanas e linguagens. A articulação arte-ciência na obra bogdanoviana permite uma aproximação com a categoria marxista totalidade, e não se restringe apenas ao campo das ciências da natureza, haja vista que a obra permite abordagens à sociologia do trabalho, arte proletária, ética, estética, filosófica, histórica etc.
Tendo como base a análise da obra, feita através de uma jornada que mescla a pesquisa bibliográfica e documental do tema pesquisado, encontramos elementos relevantes para entender o contexto histórico soviético do início do século XX, bem como da biografia de Bogdanov. Isso exposto, é importante denotar que o romance bogdanoviano não é, de forma alguma, uma aposta na tecnocracia cientificista, pois o desenvolvimento histórico da sociedade marciana não é narrado como um sistema ideológico de governo, no qual as decisões são tomadas com base nas ciências; foram as transformações sociais revolucionárias ao longo do tempo, resultantes de necessidades históricas, que permitiram raiar as luzes rubras do modelo comunal daquele planeta.
Essa utopia bogdanoviana é bem-vinda, uma vez que parece haver no século XXI um sentimento de vazio de sonhos, ampliado pela trágica pandemia de Covid-19 que enfrentamos, onde brotam, em sucessão, obras distópicas, ou seja, arte composta pela presença do sofrimento humano em sociedades regidas por regimes autoritários. É imperativo que a utopia lance sua sombra sobre o presente!