Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar o projeto “Museu da História e Cultura Afro”, bem como refletir sobre suas possibilidades didáticas no que tange à educação para as relações étnico-raciais. O projeto foi desenvolvido em uma escola pública da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais, com alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental, em 2019, no mês de novembro, na semana da Consciência Negra. Logo, foi realizada uma exposição de objetos e imagens narrando a história e a cultura da população negra no Brasil e em outros países, em uma perspectiva decolonial.
No que se refere ao conceito de decolonial adotado pelo projeto, importa ressaltar que, enquanto o conceito de colonialidade se refere às dinâmicas sociais que reprimem, dentre outras coisas, os modos de produção de conhecimento e o mundo simbólico dos povos que foram colonizados, impondo as visões de mundo do colonizador, o conceito de decolonialidade se refere à visibilidade das lutas contra a colonialidade e suas práticas opressivas no campo epistêmico, social, cultural, político e econômico. Nesse sentido, o conceito de decolonialidade também se refere à reconstrução radical do ser, do poder e do saber. Visa um reordenamento da geopolítica do conhecimento. Esses conceitos são desenvolvidos por autores como Catherine Walsh e Walter Mignolo (OLIVEIRA; CANDAU, 2010). Diante disso, o Museu de História e Cultura Afro, compreendendo um projeto multidisciplinar, na perspectiva de uma educação decolonial, foi realizado a partir de um espaço construído em conjunto pelos sujeitos envolvidos, isto é, professores, alunos e comunidade escolar.
Segundo a definição do Conselho Internacional de Museus (ICOM), o museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público. Seu propósito é adquirir, conservar, investigar, comunicar e expor o patrimônio material e imaterial da humanidade, com fins de pesquisa, educação e deleite. Desde 2019, o ICOM discute uma conceituação mais abrangente, visando a compreender os museus como espaços democratizantes, inclusivos, dialógicos, polifônicos e colaborativos que devem reconhecer e enfrentar criticamente as relações entre passado, presente e futuro, salvaguardando memórias para as gerações mais jovens. Assim, os museus visam coletar, investigar, interpretar e expor objetos que remetem à memória dos povos. Igualmente, devem possibilitar o acesso ao patrimônio cultural dos povos, expandindo os conhecimentos sobre o mundo, contribuindo com a justiça social e a dignidade humana (ICOM, 2019).
No projeto Museu de História e Cultura Afro, os conceitos oficiais de museus foram ressignificados através de uma transposição didática (FORQUIN, 1996). Neste sentido, o projeto adota a perspectiva da construção e reconstrução dos conhecimentos escolares, na complexa transformação do conhecimento científico com fins de ensino e divulgação, considerando a escola como um espaço diferenciado de produção de saberes, assim como os museus (MARANDINO, 2004). Dessa forma, projetou-se um museu temporário, cuja exposição buscou reunir imagens e objetos relacionados à história e cultura afro, emprestados por professores, alunos e comunidade escolar, os quais foram contextualizados histórica e culturalmente durante a atividade e as aulas que antecederam e sucederam a prática.
Desse modo, o projeto teve como objetivo a educação para as relações étnico-raciais, conforme as leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008, que versam sobre o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana nas escolas públicas e privadas de educação básica de todo o país (BRASIL, 2003; 2008). Para a realização do projeto, foi adotada uma metodologia participativa, envolvendo alunos, professores e equipe pedagógica. Diante disso, o projeto Museu de História e Cultura Afro, apresentado neste artigo, teve como objetivo geral transformar objetos presentes no cotidiano em fontes de conhecimento histórico e cultural, tendo o professor como mediador entre o acervo e os estudantes, em um espaço multidisciplinar, construído coletivamente. Os objetos e imagens reunidos para o uso pedagógico, portadores de informações sobre arte, costumes, ritos e crenças que perpassam a história e cultura da população negra, tiveram como propósito ilustrar o patrimônio cultural afro. Assim, o objetivo específico deste artigo é refletir sobre como a simulação de uma exposição museológica na escola pode contribuir didaticamente para o ensino da história e cultura afro, na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais.
O potencial educativo dos museus e a questão do acesso
O potencial educativo dos museus se destaca desde o início dessa instituição que, por excelência, coleciona as histórias e memórias dos povos, as quais devem ser preservadas e transmitidas às gerações mais jovens, garantindo a aprendizagem sobre o passado e o presente. Seus acervos e exposições permitem a construção social da memória coletiva e a percepção crítica da sociedade. As exposições museológicas constituem-se narrativas criadas com a intenção de salvaguardar e comunicar ideias, conceitos e informações aos visitantes, através de objetos, imagens, documentos e afins. A importância educativa dos museus em seus aspectos cognitivos e afetivos vem sendo discutida e reafirmada há décadas, por muitos historiadores, antropólogos, pedagogos e outros (ALMEIDA, 1997).
Historicamente, foi na Europa, a partir do final do século XIX, na esteira dos ideais modernos e de afirmação das identidades nacionais, que a missão educativa dos museus ganhou destaque, configurando-se, muitas vezes, em seu foco principal. No Brasil, a ação educativa em museus foi influenciada pelos Pioneiros da Educação Nova - um grupo da elite intelectual que, apesar dos distintos posicionamentos políticos e ideológicos dos membros, na década de 1930, no contexto da intensificação da modernização do país, defendia uma educação laica, gratuita e obrigatória para a população. Desde então, a ideia de visita a museus como complemento ou ilustração das questões da sala de aula permanece até os dias de hoje (ALMEIDA, 1997).
Nesse processo, por um lado, muitas escolas passaram a levar seus alunos em visitas a museus. Atualmente, conforme indicam diversas publicações encontradas no site do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), nota-se a participação de escolas públicas e privadas em projetos educativos desenvolvidos em museus espalhados por todo o país. Esse fato viabiliza as possibilidades de uma educação patrimonial, definida como o ensino centrado nos bens culturais, com metodologia que adota esses bens como ponto de partida para desenvolver a tarefa pedagógica. Portanto, a educação patrimonial fortalece a preservação da memória cultural, evidenciando a capacidade criadora dos seres humanos ao longo do tempo, contribuindo em processos de ensino e aprendizagem (ALMEIDA, 1997).
Por outro lado, considerando a realidade dos sistemas públicos de ensino do país, é importante destacar que nem sempre é possível levar os alunos das escolas públicas, principalmente das redes municipais e estaduais, para visitarem museus, devido a questões de verba e logística. Por exemplo, recursos para o deslocamento interno, quando há museus na própria cidade em que os estudantes habitam, e recursos para o deslocamento intermunicipal ou interestadual, já que muitas cidades, sobretudo do interior dos estados, ainda contam com poucos, ou nenhum, espaços museológicos e culturais institucionalizados.
Assim, apesar de haver projetos e programas da iniciativa pública, privada e do terceiro setor que direcionam recursos financeiros para levar alunos de escolas públicas para visitar museus e participar de projetos educativos, a escassez, a insuficiência, a descontinuidade ou mesmo a burocracia para acessá-los representam grandes empecilhos para a concretização dessas experiências. Cabral e Guimarães (2020), por exemplo, investigaram por que as escolas públicas municipais, situadas em bairros próximos, ainda não haviam levado os alunos para visitar o Museu da Vida, localizado dentro da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no bairro de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Segundo os autores, as principais dificuldades relatadas pelas escolas para a realização de atividades complementares no espaço extraescolar são a falta de transporte, verba reduzida e a violência urbana.
Posto isso, o projeto Museu de História e Cultura Afro se inspirou na metodologia sugerida por Ramos (2004), que defende que a alfabetização museológica se desenvolva por meio de objetos geradores, podendo ocorrer tanto no museu quanto na escola. O propósito é perceber a vida nos objetos, entender e sentir que eles expressam traços culturais. Segundo Ramos (2004), na sala de aula, como exemplo da metodologia do objeto gerador, pode ser solicitado aos alunos que levem de casa um objeto para ser compartilhado com o grupo, no intuito de criar condições para dialogarem com o mundo das coisas, partindo do cotidiano dos próprios alunos. Ao tornar-se peça do museu, cada objeto entra em uma reconfiguração de sentidos, promovendo uma reflexão histórica, que significa necessariamente lidar com tensões e conflitos (RAMOS, 2016).
De acordo com Meneses (1994), na perspectiva museológica, qualquer objeto pode funcionar como documento. Ao evidenciar seus atributos, sua matéria-prima, processamento, tecnologia, condições sociais de fabricação, sua função e significado, os objetos transformam-se em documentos históricos. A historicidade dos objetos reside no tempo, nas marcas do uso ou da falta de uso (RAMOS, 2004). Quando um objeto é retirado do seu contexto e passa a fazer parte de um acervo museológico, ele ganha um novo significado. Desse modo, a função da exposição museológica é dispor os objetos ao público, de forma a compor um argumento crítico, relacionando os objetos expostos a problemas históricos e sociais (MENESES, 1994).
É importante destacar que os museus se tornaram importantes espaços educativos, que zelam pela memória, a história e a cultura dos grupos sociais, também sendo permeados por conflitos e silenciamentos. Nesse sentido, embora diversos movimentos sociais lutem constamente pela democratização dos espaços museológicos e culturais, esses ainda permanecem relativamente distantes da realidade da maioria da população brasileira, sobretudo das camadas sociais mais pobres. Como aponta a pesquisa de Cazelli (2005), muitas crianças e adolescentes das camadas populares, estudantes das redes públicas de ensino, cujas famílias possuem baixo capital econômico e cultural, na maioria das vezes, visitam museus apenas com a escola (quando a escola tem recursos para levá-los). Diante disso, apesar do grande potencial educativo dos museus, o acesso dos estudantes mais probres segue limitado, em muitos casos, dependendo principalmente da escola, para que as crianças e jovens tenham acesso a esses espaços. A escola, por sua vez, tendo essa responsabilidade, precisa de muita articulação com vários atores para proporcionar aos alunos esta vivência.
Os museus como espaço de memórias, conflitos e silenciamentos
Ao se adotar o museu como ferramenta didática, é preciso desnaturalizá-lo e concebê-lo como resultado da cultura e de seus conflitos. Como bem observado por Ramos (2004), quando entramos em um museu, entramos em um tribunal, onde várias falas se apresentam, com algumas vozes eloquentes e outras silenciadas, havendo disputas por lugar de fala, réplicas e tréplicas. Os museus nacionais, por exemplo, tiveram a sua origem no final do século XVIII, na França, no contexto de formação do Estado moderno e na produção de narrativas sobre os mitos fundantes. As grandes coleções reais, burguesas e eclesiásticas, de caráter científico, histórico e artístico passaram a ser colocadas à disposição do público. Os museus nacionais espalharam-se por toda a Europa, sendo exportados, entre o século XIX e o século XX, para outros países, principalmente aqueles considerados de “terceiro mundo” (SANTOS, 1996).
No Brasil, até o século XIX, as tradições culturais que deveriam ser preservadas nos museus eram as do Império, momento em que a simbologia da nação apelava para a exuberância dos trópicos, do ouro, das florestas e dos índios. Uma historiografia oficial foi sendo construída para guardar a memória dessa nação que surgia, visando dar conta dos brancos, índios e negros. Ao final do século XIX e início do século XX, com o advento da República, buscava-se moldar a imagem de um povo homogêneo. Nesse sentido, a miscigenação que, inicialmente, era um problema, posteriormente, tornou-se uma virtude, na qual residia a alma do povo brasileiro (SANTOS, 1996).
Assim, a história dos negros no Brasil foi silenciada por muito tempo, construindo-se uma narrativa de um povo homogêneo, miscigenado e amigável. Ressalta-se que silenciar está relacionado às tentativas de calar as vozes de sujeitos historicamente oprimidos, tais como negros e outros grupos. Esses grupos são silenciados no que tange ao reconhecimento do seu protagonismo na história, sua memória e sua narrativa. No caso da população afrobrasileira, ao romper o silêncio sobre a tragédia da escravidão, por exemplo, busca-se evidenciar a resistência das vítimas da escravatura que jamais deixaram de resistir; a redefinição das próprias noções de liberdade, dignidade e humanidade na perspectiva dos direitos universais; a valorização da sua herança no que tange ao patrimônio cultural criado pela diáspora. Romper com o silêncio da escravidão é uma forma de lutar contra o racismo (MATTOS; ABREU; GURAN, 2014).
No Brasil, entre o final do século XIX e as primeiras três décadas do século XX, se, por um lado, as tradições culturais dos negros permaneciam perseguidas pelas autoridades policiais, por outro, tornava-se crescente o interesse pelas culturas negras e populares, em particular a religião, a música e a culinária, estando essas no centro das pesquisas de intelectuais como Nina Rodrigues, Edison Carneiro, Artur Ramos e outros. Se os intelectuais reconheciam a contribuição e originalidade da cultura afro-brasileira, frequentemente acreditavam na transformação ou diluição dos traços africanos, raciais e culturais, no caldeirão mestiço que constituía a essência da sociedade brasileira (ASSUNÇÃO; ABREU, 2018).
Na primeira metade do século XX, foi fortalecida entre a sociedade brasileira uma concepção de cultura popular associada à ideia positiva da mestiçagem, na perspectiva de uma “democracia racial” (ASSUNÇÃO; ABREU, 2018). A ideia de democracia racial foi concebida a partir da construção de uma narrativa histórica e cultural baseada em uma suposta harmonia entre a casa grande e a senzala1, isto é, nas relações consensuais entre senhores e escravizados. Trata-se de uma narrativa que dissimulou e ajudou a silenciar a violência da escravidão, a resistência dos negros e, no período pós-abolição, forjou o argumento de que as instituições sociais dispensariam o mesmo tratamento a negros e brancos e de que as oportunidades de ascensão social estariam igualmente acessíveis a todos. Este foi um discurso que ocultou as evidentes desigualdades sociais entre negros e brancos, além de todo o racismo institucional e estrutural da sociedade brasileira. Esse argumento passou a ser enfaticamente combatido ao final dos anos 1950, especialmente após a publicação do estudo “A integração dos negros na sociedade de classes”, de Florestan Fernandes, que expôs as desigualdades raciais na sociedade capitalista brasileira. Nesse contexto, destacam-se as lutas dos Movimentos Negros para denunciar a falaciosa democracia racial, exigindo seus direitos sociais.
A partir da década de 1980, com o fim da ditadura militar (1964-1985) e o fortalecimento dos Movimentos Negros no Brasil, o combate sistemático ao mito da democracia racial, ou da suposta igualdade de oportunidades sociais e de tratamento institucional aos distintos grupos de cor, ganhou mais forças. Nesse cenário, a defesa da cultura negra entrou em destaque, inclusive sendo apoiada pela Constituição Federal de 1988. Assim, os conceitos de cultura negra e cultura afro-brasileira passaram a cumprir o papel tanto de enfatizar as contribuições africanas como de argumentar que estas haviam sido dominantes na maioria das manifestações consideradas “tipicamente brasileiras”, como o samba e a capoeira (ASSUNÇÃO; ABREU, 2018).
No campo internacional, como bem apontado por Assunção e Abreu (2018), na segunda metade do século XX, a cultura dos grupos considerados subalternos atraiu a atenção de historiadores, antropólogos, sociólogos e afins, vide os trabalhos de E. P. Thompson, Carlo Ginzburg, Peter Burke, Giovanni Levi, entre outros, que passavam a enfatizar a construção da chamada “história vista de baixo”, buscando romper com as grandes narrativas e silenciamentos históricos. Entrava em evidência a relação entre culturas populares (ou subalternas) e culturas dominantes, bem como as formas de dominação e autonomia em termos culturais, construídas pelos sujeitos sociais e históricos concretos. Novas abordagens passaram a criticar a tendência de definições essencializadas da cultura negra, argumentando o quanto as identidades culturais são políticas e dependentes das lutas mais amplas contra o racismo e em prol de políticas de reparação, vide autores como Stuart Hall e Paul Gilroy, cujo conceito de “Atlântico Negro” introduziu a ideia de negritude transatlântica e de diáspora africana (ASSUNÇÃO; ABREU, 2018).
Por conseguinte, “a cultura negra pode ser vista como uma particularidade cultural construída historicamente por um grupo étnico/racial específico, não de maneira isolada, mas no contato com outros grupos e povos” (GOMES, 2003, p. 77). Refletir sobre a cultura negra é considerar as lógicas simbólicas construídas ao longo da história por um grupo sociocultural singular: os descendentes de africanos escravizados e seus modos de sentir, pensar e agir. A cultura afro, em toda a sua diversidade, diz respeito à consciência cultural, à estética, à corporeidade, à musicalidade, à religiosidade, à vivência da negritude, marcadas por um processo de africanidade e recriação cultural (GOMES, 2003). No combate aos preconceitos e às desigualdades raciais, e visando ao devido reconhecimento do legado da população negra ao país, os elementos da cultura afro devem ser utilizados na educação para as relações étnico-raciais, nos espaços escolares e não escolares, como os museus.
Diante disso, torna-se fundamental discutir criticamente sobre os museus como lugares de memórias, conflitos e silenciamentos, buscando propor ações que visem a ressignificação desses espaços, que precisam se abrir às narrativas dos povos subalternizados e abrigá-las, ampliando e contrapondo criticamente seus acervos. No que tange à cultra afro, como bem observado por Fonseca (2017), em uma nação cuja população se considera em sua maioria negra (54%, segundo pesquisa do IBGE, 2016), torna-se fundamental contar com a existência de museus que se dediquem a coletar, preservar e divulgar provas da imensa participação da população negra na história e cultura do país, valorizando sua presença.
Nesse sentido, Fonseca (2017) sublinha a importância do Museu Afro Brasil, instalado no Pavilhão Manoel de Nóbrega, no Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, no qual todo o espaço é dedicado à valorização da memória negra. Este é um exemplo de museu que busca destacar o lugar de fala e as narrativas da população negra brasileira, visando romper com os silenciamentos, valorizando a memória, a história e a cultura afro-brasileira. O acervo permanente do Museu Afro Brasil é dividido em seis partes: África e suas Diversidades e Permanências; Trabalho e Escravidão; Religiões Afro-brasileiras; O Sagrado e o Profano; História e Memória; A Mão Afro-brasileira (FONSECA, 2017). Apesar de toda a importância e representatividade do Museu Afro Brasil, permanece muito difícil levar os alunos de escolas públicas para conhecerem, principalmente estudantes de outros estados e municípios, considerando as questões de verba e logística, para fazer uma visitação a esse espaço tão rico.
A educação para as relações étnico-raciais e os museus
A cultura diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, à variabilidade de formas de interpretar e dar significado ao mundo, às particularidades e semelhanças construídas pelos seres humanos ao longo da história. Os seres humanos, por meio da cultura, estipulam regras, convencionam valores e significações que possibilitam a comunicação dos indivíduos e dos grupos. A escola, enquanto instituição social responsável pela organização, transmissão e socialização de conhecimentos e da cultura, revela-se como um dos espaços em que as representações negativas sobre o negro são amplamente difundidas e por isso, ela também é um importante local onde essas representações podem ser superadas (GOMES, 2003).
Nesse sentido, conforme apontado por Gomes (2003), torna-se relevante que os educadores entendam o conjunto de representações sobre o negro existente na sociedade e na escola, buscando enfatizar as representações positivas construídas politicamente pelos Movimentos Negros ao longo da história. Nesta direção, algumas licenciaturas já têm incluído no currículo pelo menos uma disciplina sobre a história e cultura afro-brasileira, além da ampliação de cursos de pós-graduação por todo o país. A construção de práticas pedagógicas que se posicionem contra a discriminação racial é indispensável na formação inicial e continuada de professores. No caso específico da educação escolar, ao tentar compreender, debater e problematizar a cultura negra, considerando a existência do racismo e da desigualdade entre negros e brancos em nossa sociedade, o professor está assumindo uma postura política (GOMES, 2003).
Nessa direção, o projeto Museu da História e Cultura Afro foi realizado com o respaldo da lei nº 10.639/2003, que prevê a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de educação básica de todo o país. Em 2004, essa medida foi reforçada pelas “Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e da cultura afro-brasileira e africana”, que tem por princípios a consciência política e histórica da diversidade; o fortalecimento de identidades e direitos (BRASIL, 2004); bem como ações educativas de combate ao racismo e a discriminações. Em 2008, a lei nº 10.639/2003 foi ampliada pela lei nº 11.645/2008, que passou a prever o ensino da “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”.
Além disso, o projeto Museu de História e Cultura Afro se baseia nas principais competências da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), especialmente no que diz respeito a valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos; exercitar a curiosidade intelectual, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade; valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais; bem como participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural, utilizando diferentes linguagens, atuando com respeito aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, suas identidades, suas culturas e suas potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
É essencial ressaltar que, através do projeto Museu de História e Cultura Afro, buscou-se exercitar uma educação decolonial e antirracista. O pensamento decolonial é um projeto epistemológico, ético e político, a partir de uma crítica à modernidade ocidental em seus postulados históricos, filosóficos, sociológicos, políticos e culturais. Trata-se de uma construção epistemológica alternativa ao conhecimento considerado legítimo. No processo colonial, a modernidade europeia afirmou suas teorias, seus conhecimentos e seus paradigmas como verdades universais, o que invisibilizou e silenciou os sujeitos que produzem conhecimentos outros, que, diante disso, passaram a reivindicar um novo projeto epistemológico que evidencie os saberes subalternizados (OLIVEIRA; CANDAU, 2010).
No que se refere às possibilidades dos museus para educação das relações étnico-raciais, Gil e Meinerz (2017) propõem uma reflexão interessante sobre os espaços de memória, monumentos, arquivos, museus e memoriais, à luz do conceito de colonialidade do poder, desenvolvido por Aníbal Quijano e ampliado por Walter Mignolo. Assim, os autores buscam pensar o patrimônio cultural indígena e afro-brasileiro na perspectiva dos processos de dominação e opressão pós-colonial, enquanto chave de leitura para compreender o lugar, ou o não lugar, da memória de tais grupos nas instituições museais espalhadas pelo país. No Brasil, os museus, enquanto espaços privilegiados de preservação cultural, reafirmam uma memória nacional baseada em um quadro de referências culturais branco, cristão, heterossexual e europeu (GIL; MEINERZ, 2017).
Nesse processo, como bem observam Gil e Meinerz (2017), as expressões culturais de grupos populares, historicamente marginalizados, ficaram invisibilizadas na construção do projeto de nação e na salvaguarda da memória. Nesse sentido, com o aporte da Constituição Federal de 1988, as lutas dos Movimentos Sociais e a presença mais intensa de instituições públicas e privadas de preservação do patrimônio cultural é que os diversos grupos sociais, como a população negra brasileira, têm conquistado mais espaços nos locais oficiais de proteção e divulgação do seu legado histórico e cultural, como os museus, especialmente no início do século XXI.
A simulação de exposições museológicas na escola e suas possibilidades didáticas
No ensino da história na educação básica, como evidencia Zarbato (2015), é fundamental que o professor estabeleça um diálogo com os alunos buscando valorizar suas experiências, as distintas formas de apreensão do conhecimento, bem como a produção de saberes em diferentes espaços, possibilitando uma revisão e renovação dos conhecimentos, considerando os sujeitos históricos e suas histórias. Para tanto, é importante utilizar diferentes fontes (como mapas, fotografias, jornais, objetos etc.) na aprendizagem em sala de aula. Assim, concorda-se com Zarbato (2017), que defende uma construção de práticas educativas conscientizadoras e coletivas, com a finalidade de provocar o envolvimento dos alunos na apreensão do conhecimento histórico e cultural, valorizando e reconhecendo a diversidade (ZARBATO, 2017).
Diante disso, torna-se crucial evidenciar que a metodologia de simulação de museus junto aos alunos da educação básica tem se destacado nos últimos anos em processos de ensino e aprendizagem. É possível encontrar diversos artigos científicos que narram e problematizam o desenvolvimento desta atividade, que se mostra muito promissora para as várias disciplinas escolares, no ensino fundamental e médio, desde as ciências naturais, exatas e humanas, no que tangem às formas inovadoras de ensinar. Logo, muitos professores têm construído junto com os educandos museus e exposições nas escolas, ainda que temporários, sobre variados temas, com resultados muito satisfatórios nos processos didáticos.
Pessoa (2016), por exemplo, buscou levar à sala de aula o debate sobre os museus e a utilização destes como uma ferramenta educacional, visando à reflexão sobre temáticas como o patrimônio e a memória social. A autora realça que a realidade e as condições financeiras de escolas públicas rurais e de cidades interioranas, geralmente distantes de centros urbanos que oferecem espaços museológicos e culturais, juntamente com a falta de projetos e auxílios para o deslocamento dos estudantes, representam aspectos que dificultam a possibilidade de levar os alunos para conhecerem museus. Deste modo, constatando que a maior parte dos seus alunos nunca havia visitado um museu e que na cidade onde moravam não existiam instituições para a salvaguarda da memória local, Pessoa (2016) organizou com os alunos de uma escola pública no município de Douradina, em Mato Grosso do Sul, uma exposição temporária, visto que a escola não possuía espaço para a realização de um museu permanente.
Assim, segundo Pessoa (2016), foi pensada uma exposição que possuísse características semelhantes às de um museu, reunindo objetos dos próprios alunos, como moedas, cédulas de papel, fotografias de familiares, secadores de cabelo, panelas, pilões, televisores, fitas cassete, toca discos, celulares, máquinas de costura, relógios, ferro a brasa, ampulheta, máquina de escrever, máquinas fotográficas, entre outros. Pessoa (2016) conclui que a constituição do museu foi significativa, pois contribuiu para que educandos, professores e comunidade pudessem se observar à medida que observavam os objetos que estavam expostos (PESSOA, 2016).
Vendramin e Hahn (2013) montaram um museu na escola junto aos alunos do 2º ano do ensino médio de uma escola pública, enquanto um espaço de produção de conhecimentos. O tema do museu foi a história do município de Nova Cantu, no Paraná, local onde a escola está situada, entre as décadas de 1939 e 1963. Com a colaboração dos alunos, foi reunido um acervo de documentos escritos, imagens e objetos do período histórico estudado. Foram organizadas e planejadas exposições para as demais turmas da escola e para a comunidade. Segundo os autores, essa atividade proporcionou o repensar e o planejamento de novas metodologias de ensino para a sala de aula (VENDRAMIN; HAHN 2013).
Barcellos (2012) apresentou uma experiência da construção participativa de um museu de ciências, com alunos do ensino fundamental, em uma escola particular no município de Cachoeirinha, Rio Grande do Sul. Os resultados obtidos indicam que o “Museu da Natureza” mostrou-se uma ferramenta confiável para alfabetização científica, proporcionando aprendizados significativos, momentos de pesquisa e convivências que fogem do ensino conteudista e instrutivista. Os resultados obtidos apontaram para a intensa participação dos alunos envolvidos na instalação do museu, com entusiasmo, seriedade, autonomia e competência surpreendentes para o ensino fundamental, tratando-se de crianças e adolescentes na faixa entre 10 e 16 anos (BARCELLOS, 2012).
Conforme observa Perrenoud (2000), torna-se importante reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados. Para o autor, “competência é a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação” (PERRENOUD, 2000, p. 16). De acordo com Perrenoud (2000), espera-se uma maior eficácia dos sistemas educativos, ao mesmo tempo em que os orçamentos diminuem, as condições de trabalho se precarizam e o público aumenta. As novas competências exigidas estão relacionadas tanto às didáticas pontuais, baseadas nas ciências cognitivas, quanto a enfoques transversais, que visam criar e manter o desejo de aprender, o sentido dos saberes, o envolvimento do sujeito na relação pedagógica e na construção de projetos.
Nesse sentido, buscando ressignificar os processos de ensino e aprendizagem, considerando o perfil das gerações mais jovens, nos últimos anos, muitos educadores e pesquisadores têm argumentado sobre a importância de metodologias ativas nos processos educacionais inovadores. Metodologias ativas, conforme Bacich e Moran (2018) visam valorizar o protagonismo e a participação efetiva dos alunos na construção do conhecimento e no desenvolvimento de competências, possibilitando que aprendam em seu próprio ritmo, tempo e estilo, por meio de diferentes formas de experimentação e compartilhamento, dentro e fora da sala de aula. Assim, metodologias ativas têm como objetivo uma aprendizagem mais significativa para os estudantes, através de uma inter-relação entre educação, cultura, sociedade, política e escola, sendo desenvolvida por meio de métodos ativos e criativos, centrados na atividade do aluno.
O projeto Museu de História e Cultura Afro
O projeto Museu de História e Cultura Afro foi realizado em uma escola pública estadual situada na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. A exposição aconteceu no mês de novembro de 2019, no contexto de uma série de atividades desenvolvidas em torno do dia da Consciência Negra. O projeto foi idealizado no âmbito da disciplina Ensino Religioso2, contando com a participação de professores de outras disciplinas, como história e geografia, da coordenação pedagógica, da bibliotecária e dos alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental. Desse modo, buscou-se envolver a comunidade escolar, que foi convidada para participar da atividade e levar objetos relacionados à temática afro, os quais foram previamente analisados e selecionados para compor a exposição.
Assim, projetou-se uma exposição apresentando a história e cultura afro a partir de objetos artísticos, fotográficos, científicos, históricos e documentais. Tal empreendimento insere-se no campo de ações que visam à promoção da igualdade racial, ao combate à discriminação e a intolerâncias, bem como de ações em prol da divulgação do patrimônio histórico e cultural como instrumento de educação para a diversidade e cidadania. O projeto Museu de História e Cultura Afro também teve como objetivo proporcionar aos alunos uma experiência, ainda que simulada, de visitação a uma exposição museológica, uma vez que boa parte dos estudantes nunca frequentou museus, galerias de arte etc.
No dia e hora marcados para a realização da exposição, foi possível contar com os objetos emprestados, os desenhos e cartazes feitos pelos alunos, bem como a ajuda dos estudantes para esvaziar uma sala de aula, retirando mesas e cadeiras para a execução da atividade, portanto buscou-se organizar a exposição de modo que fizesse alusão à experiência de visita a um museu, contando com a colaboração de alunos, professores e demais funcionários da escola. Dessa forma, foram expostos objetos como máscaras, tecidos, instrumentos musicais, mapas, fotografias, imagens, quadros, livros, artesanatos, desenhos etc., relacionados ao patrimônio histórico e cultural africano e afro-brasileiro.
Nesta direção, ressaltam-se os benefícios do uso de imagens como recursos educativos. Dentro do contexto escolar, muitas vezes, os professores encontram dificuldades em obter a atenção dos alunos. Também pairam dúvidas sobre como trabalhar determinadas questões cotidianas. Como observam Meira e Silva (2013), a cultura visual permite criar uma maior interação entre os alunos, a escola e os professores. As imagens são textos visuais com mensagens impactantes. Dessa forma, formulou-se uma exposição que pudesse integrar a cultura visual dentro da escola.
Hernández (2007) destaca a relevância que as representações visuais têm nas construções de sentido e das subjetividades no mundo contemporâneo. Segundo Maffesoli (1995), a cultura visual tornou-se um referencial que implica a conduta das pessoas, influenciando toda uma rede de elementos simbólicos da atualidade. O autor recomenda reconhecer na cultura visual um saber direto, uma partilha de experiências, de modos de vida e maneiras de ser. A cultura visual é vetor de conhecimento, empática e agregadora, fazendo parte da construção dos processos identitários. A forma como as pessoas lidam e interagem com as imagens é intensa, altamente significativa e revela muito do pertencimento identitário dos seus produtores e interlocutores (SILVA, 2015). Desse modo, buscamos inserir o tema da cultura visual dentro de uma exposição na escola. Conforme Franco (2018), uma exposição nasce da intenção de comunicar uma ideia e/ou um tema, através de um conjunto de artefatos, uma coleção inusitada, enfim, abrange ações de selecionar, pesquisar, organizar, exibir e difundir.
Assim, foram realizadas visitas guiadas com as turmas, com duração de cerca de 25 minutos, buscando apresentar a história e cultura afro para os alunos a partir das imagens e objetos expostos, contando também com a participação e liberdade de interpretação dos estudantes. A exposição ocorreu nos turnos da manhã e tarde. As turmas do ensino fundamental e médio visitaram a exposição, bem como professores e demais funcionários da escola. Para a realização do projeto, foi de grande importância a colaboração da coordenação pedagógica, principalmente na organização das turmas de modo que fosse possível esvaziar uma sala de aula por um dia, durante manhã e tarde, considerando que se trata de uma escola de grande porte, que atende aproximadamente 1600 alunos, oferecendo ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos, funcionando em três turnos. Infelizmente, não foi possível estender a atividade aos alunos do período noturno.
Na figura 1, a seguir, podem-se ver dois objetos que tiveram grande impacto visual entre os alunos durante a exposição. O primeiro objeto é uma canga com uma imagem do orixá Iansã, parecendo estar em movimento, em uma dança. O vermelho é a cor que representa esse orixá. Na imagem, ela carrega consigo três de seus símbolos: a espada, o eruexim e o chifre de boi. No Candomblé, Iansã domina os ventos e o fogo. O segundo objeto é um tecido pintado à mão e vindo da África do Sul; no seu centro, podemos ver o Baobá, árvore que é símbolo do continente africano, recorrente na oralidade e nas histórias contadas pelos griots - sábios e contadores de histórias. Assim, essa árvore é símbolo de identidade e força de diversos povos do continente africano.
Como dito inicialmente, a exposição contou com objetos variados, emprestados por professores, alunos e comunidade escolar, demonstrando-se uma experiência promissora devido à participação e criatividade dos sujeitos envolvidos. O projeto buscou instigar a curiosidade dos alunos e relacionar a percepção visual daquilo que estudaram nas disciplinas de ensino religioso, história e geografia. Foi também uma forma de compreender o que os estudantes já conheciam sobre o tema, quebrar tabus e preconceitos, utilizando diversos objetos interessantes.
A seguir (figura 2), veremos outros objetos que enriqueceram o projeto Museu de História e Cultura Afro e despertaram a atenção dos alunos. Primeiramente, têm-se quadros, cartões postais, imagens de orixás, além de desenhos, estes produzidos pelos próprios alunos, que se empenharam em participar da atividade. Os alunos se interessaram pela diversidade de deuses e deusas, pelas cores das roupas e pelo fato de serem deuses negros. Em seguida, destacaram-se os instrumentos musicais, por exemplo, afoxé, agogô, reco-reco, caxixi e tambores. Determinados instrumentos eram conhecidos por alguns, principalmente aqueles adeptos das religiões afro-brasileiras, ou que participavam de grupos de capoeira, ou aqueles amantes de ritmos como samba e pagode. Ao mesmo tempo, muitos desconheciam tais instrumentos.
Outros objetos expostos também provocaram sensações nos alunos, tais como um quadro com a intelectual norte-americana, militante do movimento negro e feminista, Angela Davis, além de uma camisa com uma estampa de uma mulher negra e seus adornos étinicos. A exposição também contou com livros da escola, organizados com a ajuda da bibliotecária, que selecionou aqueles relacionados à temática afro para compor a exposição. Os alunos se surpreenderam com os livros, sendo que a maioria não sabia da existência dessa literatura na biblioteca da escola, informação relevante para pensar sobre a divulgação desses livros entre os alunos e o lugar do tema afro na biblioteca escolar.
Para fortalecer e também compor o projeto, os alunos fizeram cartazes informativos e desenhos abordando a cultura africana, afro-brasileira, os símbolos religiosos e seus significados, a representatividade e o silenciamento da população negra. Na figura 3, a seguir, observam-se cartazes elaborados pelos alunos do 5º ano do ensino fundamental, com a ajuda da professora regente e da bibliotecária. Os cartazes ficaram expostos até o final do mês de novembro e início de dezembro de 2019, na biblioteca, salas de aula e corredores da escola, como parte do projeto. Durante a atividade, a exposição e o destaque dado à cultura visual se mostraram como veículos essenciais de extroversão do conhecimento, como ferramentas que possibilitaram uma interação contínua com os alunos (CUNHA, 2010). Também na figura 3 podem-se ver alguns desenhos de máscaras de vários povos africanos, que foram coloridas pelos alunos do 6º ano3. Esses alunos fizeram e coloriram desenhos que representavam as carrancas - figura humana e animal, que remete à proteção, cuja função é a de espantar mal, estando relacionada à cultura afro e ao trabalho artesanal. Desse modo, com as diversas colaborações, o projeto contou com a participação de grande parte da comunidade escolar.
Por fim, concordamos com Cunha (2010), o qual defende que expor é revelar, comungar e evidenciar elementos que se desejam explicitar. Neste sentido, as exposições nos colocam diante de distintas concepções e abordagens do mundo. Portanto, expor é também propor. Exposições são traduções de discursos, realizados por meio de imagens, referências espaciais e interações. Uma exposição é um local onde se concentram e circulam ideias, e sua produção resulta da manipulação de conceitos e referências. Destacamos o que foi dito por Hernández (2000), quando o autor enfatiza que, em relação ao conhecimento artístico, a aproximação com a cultura visual estimula os estudantes em todas as formas, sejam os sentidos, a mente, as capacidades de discernir, valorizar, interpretar, compreender, representar e imaginar.
O projeto Museu de História e Cultura Afro teve uma boa adesão dos alunos. Para Hernández (2000), atuar por meio de projetos é mais que uma metodologia didática, mas uma forma de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão. O uso de imagens, fotografias e demais objetos proporcionou uma experiência sensorial diferenciada para os alunos, que muitas vezes estão habituados a uma sala de aula repleta de cadeiras enfileiradas, onde a cultura visual fica limitada às páginas dos livros didáticos. Essa observação fica muito clara nos desenhos de orixás produzidos por diversos alunos. Muitos desses estudantes tinham muito preconceito em relação às religiões afro, mas ficaram atraídos pelas belezas e formas dos orixás, deuses e deusas ao visualizar as imagens durante a exposição, fazendo, em seguida, belíssimos desenhos e pinturas. Como afirma Silva (2015), a educação em cultura visual não se restringe a um repertório único ou instituído pelas belas-artes; muito ao contrário, é de repertório amplo, que questiona aspectos da vida cotidiana e reinventa as imagens que povoam o dia a dia.
Considerações finais
Este artigo apresentou o projeto “Museu de História e Cultura Afro”, buscando refletir sobre suas possibilidades didáticas no que tange à educação para as relações étnico-raciais. O projeto consistiu na simulação de uma exposição museológica, reunindo objetos e imagens que fazem parte da história e da cultura da população negra, os quais foram emprestados por professores e alunos. Foi desenvolvido em uma escola pública, envolvendo a participação de alunos do 5º ao 9º ano do ensino fundamental e da comunidade escolar. Através desse projeto, buscou-se trazer a historicidade e os aspectos culturais de diversos objetos e imagens presentes no cotidiano dos sujeitos, relacionados à temática afro.
Diante disso, neste artigo, foi apresentado o projeto Museu de História e Cultura Afro, que foi tomado como base para discutir sobre as possibilidades dos museus concernentes à educação para as relações étnico-raciais, bem como a experiência de uma simulação de exposições museológicas na escola e suas possibilidades didáticas para trabalhar temas afro. Assim, foi possível observar que o projeto se mostrou promissor em vários aspectos, entre os quais o uso de metodologias ativas e criativas nos processos de ensino e aprendizagem, especialmente visando à educação para as relações étnico-raciais.
Nessa direção, projetos envolvendo a simulação de museus junto aos alunos mostram-se promissores ao proporcionar experiências e levantar questionamentos relevantes para a aprendizagem, envolvendo motivação, colaboração, seleção, interpretação, comparação, organização e prática, ou seja, capacidades múltiplas. É possível encontrar vários artigos que narram projetos de simulação de museus para ensinar história, ciências naturais e outros temas. Desse modo, atividades como essas podem ser replicadas em outras escolas, em qualquer momento do ano letivo, com perspectivas positivas sobre o resultado.
Por fim, considerando a história e a cultura afro, esse projeto mostrou sua importância na representatividade, uma vez que um pouco mais da metade da população brasileira é formada por pretos e pardos. Também se mostrou importante no combate ao racismo, na divulgação de saberes diversos, na salvaguarda da memória, na aproximação com a realidade dos alunos. Obviamente, essa atividade poderia ter alcançado resultados ainda melhores, caso tivéssemos mais instituições museológicas e culturais voltadas à história e cultura da população negra, espalhadas por todo o país e se as escolas públicas tivessem mais condições financeiras de levar os alunos em excursões para visitação. Todavia, enquanto se luta por providências públicas nesse sentido, a solução é usar a criatividade para tornar mais acessíveis aos alunos os vários conhecimentos, através de metodologias criativas e participativas.