Introdução
Esta pesquisa foi realizada no contexto da celebração dos 100 anos da criação da Revista Pedagogium1 da Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN). Publicada pela primeira vez em julho de 1921, a Pedagogium era consagrada aos interesses do magistério público e particular do estado e se constituiu no período como um importante espaço de circulação de ideias educacionais (AZEVEDO, 2019).
Ao nos depararmos com a iniciativa da celebração do centenário de criação do impresso, identificamos a necessidade de fazer memória da Revista Pedagogium. Essa memória não é a voluntária mas “transformada por sua passagem em história”, conforme aponta Nora (1993, p. 14). Esse mesmo autor nos apresenta outro conceito que adotamos na produção desse estudo, uma vez que percebemos a Pedagogium como um “lugar de memória”.
Para Nora (1993), os lugares de memória são investidos pela imaginação de uma aura simbólica ao mesmo tempo em que buscam garantir a cristalização da lembrança. Na visão do autor,
[...] se é verdade que a razão fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizar a morte, materializar o imaterial para [...] prender o máximo de sentido num mínimo de sinais, é claro, e é isso que os torna apaixonantes: que os lugares de memória só vivem de sua aptidão para a metamorfose, no incessante ressaltar de seus significados e no silvado imprevisível de suas ramificações (NORA, 1993, p. 22).
A concepção do autor adequa-se claramente às intenções que nortearam tanto a organização da celebração do centenário, quanto a produção deste texto, uma vez que são ações permeadas pela tentativa de destacar a importância do impresso, evitar o seu esquecimento e monumentalizar a data. Nessa perspectiva, reconhecemos a Revista Pedagogium como um lugar de memória da História da Educação Potiguar.
Notadamente, o impresso também se configura enquanto documento para os historiadores e a utilização dessa fonte tem sido explorada na historiografia2. Tania Luca (2008), em seu texto “História dos, nos e por meio dos periódicos” apresenta que, a partir da década de 1970, é possível identificar a imprensa como objeto e fonte para a História. A autora aponta uma diversidade de temas e enfoques associados aos periódicos na pesquisa histórica como, por exemplo, as relações da imprensa com o trabalho, a cidade, a literatura, a política, entre outros.
Apreendemos a partir de Certeau (1982) que a história é uma prática e que o historiador “trabalha sobre um material para transformá-lo em história” (1982, p. 78). Para o autor, o trabalho do historiador “começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira” (1982, p. 80). É a partir destes objetos que ele constitui sua pesquisa, recortando-os de seus usos. Destacamos assim que, por meio da Pedagogium, diversos trabalhos em História da Educação têm sido constituídos.
Entre os trabalhos desenvolvidos sobre a Pedagogium, ou a tomando como fonte principal, apontamos os de Ribeiro (2003, 2020), como sua dissertação intitulada “Revista Pedagogium: um olhar sobre a educação no Rio Grande do Norte (década de 1920)” e sua tese “A Associação de Professores em ação pelo projeto educativo da Escola Nova no RN (1920 - 1932)”, e o de Fernandes (2020), com a sua dissertação “A Associação de Professores do Rio Grande do Norte e as ideias pedagógicas difundidas no Grupo Escolar Antônio de Souza (1920-1930)”. Entretanto, consideramos que muitos outros usos e olhares sobre a revista podem ser suscitados.
Ao nos debruçarmos sobre o impresso pedagógico, uma questão permeia toda a construção deste trabalho: qual é a relevância da revista Pedagogium para a História da Educação? Desse modo, este estudo apresenta como fio condutor as potencialidades da revista como objeto e fonte para a pesquisa em História da Educação, contribuindo para a construção deste estudo as produções da historiografia da educação potiguar, com destaque para os trabalhos de Ribeiro (2003, 2020). As contribuições de Michel de Certeau (1982), por sua vez, também são essenciais para compreendermos a escrita da História, bem como a discussão sobre a imprensa e seu uso historiográfico abordada por Zicman (1985) e Bastos (2015).
Para além de apresentar aquilo que já foi produzido no campo da historiografia potiguar por meio do impresso e sobre ele, nosso intuito é fomentar futuras pesquisas na área. Assim, organizamos este trabalho em duas partes. Inicialmente, abordaremos a história do impresso, situando a instituição à qual estava vinculado, além de discorrer sobre elementos relacionados à sua materialidade.
Em seguida, apresentaremos um quadro geral das temáticas presentes na Pedagogium ao longo dos períodos em que foi publicada. Com base nessa discussão, traremos, na parte final do estudo, alguns apontamentos sobre as potencialidades e as possibilidades de pesquisa no campo da História da Educação.
A Revista Pedagogium
Em julho de 1921 foi publicada a primeira edição da Revista Pedagogium, criada pela Associação de Professores do Rio Grande do Norte (APRN). Para compreendermos o papel desse impresso pedagógico no campo educacional potiguar, é necessário entendermos também o percurso de construção da Associação.
A APRN foi fundada em 4 de dezembro de 1920, mesma data em que era celebrado os 10 anos de formação da primeira turma da Escola Normal de Natal, criada em 19083. A Revista Pedagogium nos fornece os elementos para conhecermos a história dessa instituição, uma vez que, em seu primeiro número, o impresso a apresenta brevemente. São apresentados como propulsores da ideia de criação da Associação os professores normalistas Amphilóquio Carlos Soares da Câmara, Francisco Ivo Filho, Luís Correia Soares de Araújo e Luiz Antônio dos Santos Lima (PEDAGOGIUM, 1921).
A iniciativa contou com o apoio das principais autoridades políticas e administrativas relacionadas ao campo educacional. Estavam também presentes na solenidade, realizada no salão nobre do Palácio do Governo, o então governador Antônio de Souza, o diretor geral de instrução pública Manoel Dantas e o diretor da Escola Normal de Natal, Nestor dos Santos Lima, além de outros membros da sociedade. Do mesmo modo, não faziam parte da APRN apenas os professores que atuavam na capital potiguar mas também aqueles do interior do estado.
A ata da fundação da Associação, transcrita na Pedagogium (1921, p. 05), destaca a presença dos professores primários “Amphilóquio Câmara, Luís Soares, Luís Antônio, Severino Bezerra, Chiquita Câmara, Ecila Cortez, Maria Carmelita Mesquita, Maria Nazareh Wanderley, Clotilde Lima, Luciano Garcia, além outros que já haviam aderido à ideia”. E apresenta a primeira diretoria: Amphilóquio Câmara (presidente), Francisco Gonzaga Galvão (vice-presidente), Júlia Alves Barbosa (1ª secretária), Oscar Wanderley (2º secretário), Stella Ferreira Gonçalves (adjunta), Luís Soares de Araújo (orador), Djanira Leite (vice-oradora), Francisco Ivo Cavalcanti (tesoureiro), Luís Antônio dos Santos Lima (adjunto), Braz Caldas (bibliotecário), Anna da Silva Araújo (adjunta).
A Associação é apresentada como um “núcleo social para defender, numa acção synergica, os interesses do ensino e da nobre classe do magistério” fruto da “necessidade de arregimentação de energias, de unidade de vistas e de harmonia de acção” (PEDAGOGIUM, 1921, p. 03). Luís Soares, em seu discurso como orador da APRN, indica também, como missão da instituição, desenvolver
um vasto programma de combate ao analphabetismo, publicando-se o “Boletim Pedagógico” com o intuito de levar ao collegas do interior do Estado tudo quanto interessar ao ensino; fazer a união da classe, prestando uns aos outros os seus serviços, de maneira a dar melhor desenvolvimento ao ensino official do Estado (PEDAGOGIUM, 1921, p. 27).
Com essa ambiciosa missão, a APRN inicia a sua trajetória, que seria transformada ao longo das décadas seguintes, culminando com a sua reorganização em Sindicato dos Trabalhadores de Educação (SINTE-RN) no final da década de 1980, conforme é investigado por Santos (2008). De acordo com Fernandes (2020), entre as ações da Associação na sociedade potiguar, destaca-se a criação do Grupo Escolar Antônio de Souza, do Jardim de Infância Aurea Barros e da Faculdade de Filosofia de Natal.
Na perspectiva da autora, a APRN se configura como um espaço de divulgação de ideias pedagógicas na Primeira República. Azevedo (2020), por sua vez, destaca a Revista Pedagogium como espaço privilegiado de fala e de circulação das ideias dos intelectuais educadores do período.
Apreendemos, a partir do discurso de Luís Soares, que o interesse em publicar um impresso pedagógico nasceu junto com a ideia da criação da instituição. Nos seus estatutos consta como primeira forma de atender aos objetivos traçados para a APRN a “publicação de um orgam de publicidade, de feição pedagógica” (PEDAGOGIUM, 1924, p. 47).
Assim, o “Boletim Pedagógico”, referido pelo intelectual, começa a ser publicado com o nome de Pedagogium. Não encontramos menções à escolha desse nome, entretanto é importante destacar que, na então capital federal, havia sido criado um estabelecimento de formação que atuava, sobretudo, por meio de seu museu pedagógico, com o mesmo nome da revista e que funcionou até o ano de 1919. O Pedagogium possuía também um impresso denominado “Revista Pedagógica” (BRASIL, 1890).
De acordo com Bastos (2000), o Pedagogium foi implantado na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1890 como uma iniciativa do governo republicano e buscava, inspirando-se na França, “o modelo a ser seguido, com o objetivo de estimular a discussão educacional e a renovação pedagógica” (2000, p. 94). Acreditamos que a existência do Pedagogium da capital federal influenciou a escolha da APRN tendo em vista a afinidade dos objetivos relativos à educação e os termos escolhidos pela Associação ao designar seu impresso.
Ribeiro (2003) indica que a revista passou por três fases de publicação, com intervalos significativos: a primeira, da sua criação até o ano de 1927; a segunda, retornando em abril de 1940; a terceira, no ano de 1948. De acordo com a autora, a última edição encontrada refere-se ao ano de 1953. Os exemplares físicos da revista dos quais temos conhecimento atualmente não se encontram disponíveis para a pesquisa uma vez que a sua instituição de guarda, nomeadamente o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, passa por um processo de reorganização do acervo.
Desse modo, para a constituição deste trabalho recorremos ao conhecimento construído, sobretudo, com base na investigação de Ribeiro (2003) e às edições digitalizadas presentes no Repositório de História e Memória da Educação (RHISME/UFRN), as quais correspondem à primeira fase. Em relação aos números publicados a partir da década de 1940, recorremos a fontes hemerográficas e aos trabalhos historiográficos já realizados.
A partir do repositório4, tivemos acesso a dezoito números da revista, correspondentes ao período entre 1921 e 1925. Integra o corpus documental deste o estudo o número comemorativo publicado no ano de 1927 decorrente da celebração do Centenário da Lei de 15 de outubro de 1827. No Quadro 1, apresentamos os números analisados.
Ano | Números |
---|---|
1921 | 01 e 02 |
1922 | 03 e 05 |
1923 | 07, 08, 09 e 10 |
1924 | 11, 12, 13, 14 e 15 |
1925 | 17, 19 e 20 |
1927 | Número comemorativo |
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Embora a pesquisa não contemple todos os números publicados ao longo do recorte investigado, consideramos que os dezoito exemplares fornecem elementos significativos para o estudo. Podemos destacar nesse sentido, o objetivo do periódico, os sujeitos que a construíram, as temáticas contempladas e forma de organização, além de outros aspectos relativos à sua materialidade, sobre a qual passaremos a discorrer. Ao analisarmos as revistas, percebemos que a capa permaneceu praticamente a mesma (Figuras 1 e 2).
A descrição apresentada por Ribeiro (2003, p. 32) nos auxilia a compreender a materialidade das Revistas:
Elas têm formato de um caderno pequeno, medindo quatorze centímetros de largura por vinte e um centímetros de comprimento. A capa é de papel reciclado com gramatura de 120 gramas, aproximadamente, ilustrada com desenho de um livro volumoso. Os textos são impressos em material que se assemelha ao que atualmente chamamos de papel jornal, cuidadosamente datilografados em aproximadamente cinquenta páginas.
Os números correspondentes ao período de 1921 a 1925 foram publicados por meio da Empreza Typographica Natalense. O número comemorativo de 1927, por sua vez, foi publicado pela tipografia da Imprensa Diocesana e possuía o dobro da quantidade de páginas que geralmente compunham o impresso. Além da identificação do nome da revista e a sua apresentação como publicação da Associação, nas capas observamos tanto o número, ano e mês (ou meses) correspondentes quanto a tipografia e o destaque para o diretor do impresso.
A partir do número 11 de 1924, a imagem do livro que figurava anteriormente passa a não ser inserida na capa da revista, e outra alteração que pode ser identificada diz respeito aos membros da redação da revista: os que em números anteriores apareciam como secretários da redação na página final do impresso passam a ser apresentados na capa como comissão da redação. É possível inferir que essa mudança decorreu da alteração na direção da revista (Quadro 2).
Período | Diretor | Redação |
---|---|---|
1921 a 1923 | Nestor dos Santos Lima | 1. Júlia Alves Barbosa (todas do período) 2. Oscar Wanderley (09 e 10) |
1924 | Amphilóquio Câmara | 1. Oscar Wanderley (11 a 15) 2. Adaucto Câmara (11 a 15) 3. Antônio Gomes da Rocha Fagundes (11 a 15) |
1925 | Luís Soares | 1. Oscar Wanderley (17) 2. Antônio Estevam da Silva (17, 19, 20, 21, 22) 3. Israel Nazareno (17, 19, 20, 21, 22) 4. Carolina Wanderley (19, 20, 21 e 22) |
1927 | Francisco Veras | *Informação ilegível |
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Ao analisarmos a composição da equipe editorial, identificamos que ela era composta de professores que atuavam, sobretudo, no ensino normal e no primário da cidade de Natal. Os nomes de Nestor Lima e de Amphilóquio Câmara se destacam, uma vez que no período estes intelectuais potiguares ocupavam também outras funções de destaque no campo educacional potiguar.
Nestor Lima foi professor e diretor da Escola Normal de Natal ao mesmo tempo em que ocupava a direção do Grupo Escolar Modelo Augusto Severo, além de ser o primeiro diretor do Departamento de Educação do Estado, cargo que, ao assumir em 1924, o fez deixar a direção do periódico. Amphilóquio Câmara, por sua vez, foi o primeiro presidente da Associação e permaneceu no cargo durante treze anos. Foi inspetor de ensino e escolhido como representante do estado na Exposição do Centenário da Independência. Foi nomeado ainda como Secretário Geral do Estado em 1925.
As duas mulheres, a professora e poetisa Carolina Wanderley e a professora da Escola Normal Júlia Alves Barbosa, figuravam também entre as poucas mulheres que escreveram artigos na Pedagogium. De acordo com Ribeiro (2003, p. 92), Júlia Alves “juntamente com Carolina Wanderley participou da articulação do movimento sufragista pelo direito do voto feminino, e foi representante, no estado potiguar, da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”.
Os demais membros, Luís Soares, Francisco Veras, Oscar Wanderley, Adaucto Câmara, Antônio Estevam, Antônio Fagundes e Israel Nazareno se destacam no período pela sua atuação na Associação, refletida na sua participação no impresso, seja na equipe editorial, seja escrevendo artigos publicados no periódico. Cabe ressaltar ainda que, de acordo com os Estatutos da Associação, o corpo redacional era nomeado pelo seu presidente.
Notadamente, cada um destes intelectuais, sobre os quais discorremos brevemente, poderia ser estudado, ou já foi, no campo da historiografia da educação potiguar e mereceria estudos direcionados apenas a ele, o que não é nosso intuito. Ao abordar simples traços de suas trajetórias, interessa-nos mostrar que a Pedagogium era pensada e construída por intelectuais da educação que possuíam papéis de destaque e eram reconhecidos como educadores na sociedade potiguar. A Pedagogium se revela como um impresso pedagógico construído por professores para outros professores.
Na contracapa (Figura 2), encontramos outros elementos que nos ajudam a compreender a organização e a estrutura da revista. O primeiro diz respeito ao objetivo do periódico, sempre destacado como “revista consagrada aos interesses do professorado público e particular do Estado”. Uma vez traçado o seu público, a revista também destacava que “acceita colaboração de qualquer procedência sujeita ao exame da direcção”.
Em relação a esse ponto, o Estatuto da APRN, ao discorrer sobre o Pedagogium, apontava que caberia ao presidente “autorizar a publicação dos escritos dirigidos à revista ou rejeitar os que não achar conveniente” (PEDAGOGIUM, 1924, p. 49). Desse modo, entendemos que os textos deveriam passar por uma avaliação para poderem ser publicados apesar de a revista receber alguns de outros sujeitos que não integravam a sua equipe editorial.
Ao indicar o endereço de correspondência em todos os números do impresso, inferimos que o objetivo era permitir a comunicação entre os professores que não residiam na capital com a revista. Entendemos que a Pedagogium circulava pelas cidades do interior do estado. No número 11 de 1924, a revista traz a informação de que “toda a correspondência deve ser endereçada à Praça João Maria, nº 5”. Existia então uma interação com os leitores, seja por meio de respostas ou sugestões para publicação.
Em relação à periodicidade de publicação, identificamos que esta é modificada ao longo de sua história. Inicialmente pretendia-se publicar três números ao ano; em 1922, o número aumenta para quatro e, no ano de 1924, passa a seis vezes por ano. Outro elemento sempre presente diz respeito à identificação do Conselho diretor da Associação, apresentado em cada revista. Essas modificações na periodicidade demonstram a necessidade percebida pela direção da revista, e, desse modo, também da APRN, de aumentar o número de publicações bem como apontam o aumento do fluxo de artigos produzidos e de sua circulação entre os professores do estado.
Não identificamos, nos números analisados, a presença de propagandas e anúncios de empresas que pudessem colaborar para a manutenção do periódico. Os valores eram expostos na contracapa, e os sócios fundadores e efetivos tinham direito, conforme estatuto, a um desconto de 50% do valor em todas as publicações. Além das mensalidades dos sócios, compunham o fundo social para as despesas da APRN as doações recebidas e as subvenções concedidas pelo Governo do Estado (PEDAGOGIUM, 1924). Compreendemos, assim, que a manutenção do impresso era possibilitada por meio destes recursos e da venda dos exemplares.
Excetuando o pequeno livro que figurava nos primeiros números do impresso, identificamos que, em sua composição gráfica, predominava os textos escritos. As imagens encontradas, no número 14 de 1924 e no número comemorativo de 1927, correspondem à fotografias de Manoel Dantas, em homenagem ao seu falecimento em junho de 1924; de José Augusto Bezerra de Medeiros, presidente do estado, apresentado como “grande paladino da educação nacional e invicto bemfeitor da instrucção no Rio G. do Norte”; (PEDAGOGIUM, 1927); de Nestor Lima, diretor do Departamento de Educação e responsável pela celebração do Centenário; e de Amphilóquio Câmara, presidente da APRN.
Essas fotografias ocupavam toda uma página do periódico e se constituem como uma forma de homenagear e demonstrar a relevância destes intelectuais, não somente para a Instituição mas para o campo da educação e da sociedade potiguar, conferindo-lhes o estatuto de autoridade. A escolha de incluir as fotografias destes, e não de outros, representa indícios das relações existentes ao denotar o interesse daqueles que produziam o impresso.
Nossa análise se baseia na concepção de Le Goff (1990) de documento enquanto monumento, na qual o autor ressalta a importância da crítica ao documento e da compreensão de que este é permeado por intencionalidades e relações de força. Para o autor, “só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa (LE GOFF, 1990, p. 545).
Em relação à segunda e à terceira fase do periódico, Ribeiro (2003) apresenta em sua dissertação as capas dos primeiros números correspondentes (Figuras 3 e 4).
Ao analisarmos as duas capas, percebemos similitudes, as fontes textuais utilizadas se aproximam, ambas passam a ideia de sobriedade, o uso de molduras para demarcar a capa, a descrição como órgão oficial da Associação permanece. Embora não diga respeito propriamente a composição da revista, a indicação escrita com endereçamento ao Instituto Histórico e Geográfico do RN denota a relação entre essas instituições, uma vez que congregavam, muitas vezes, os mesmos sujeitos (VIEIRA; AZEVEDO; MEDEIROS NETA, 2019).
Pelas capas, identificamos que a primeira foi publicada pela Artes Gráficas, e a segunda pela tipografia Galhardo. A capa de 1948 já apresenta o sumário, diferentemente da de 1940, e as duas trazem informações sobre a equipe editorial. Na segunda fase, sob a direção de Luís Antônio, acompanhado por Manoel Varela e Clementino Câmara; na terceira fase, sob a direção de Luís Soares, acompanhado por Rodrigues Alves.
Interessante notar que, na capa de 1948, os editores optaram por ressaltar se tratar de 3ª fase do impresso. Essa escolha pode estar relacionada à intenção de demonstrar que o periódico já possuía uma história associada à educação potiguar e de que esta estaria sendo apresentada naquele contexto de uma forma nova.
Corrobora com essa compreensão a nota da redação presente no primeiro número do referido ano, intitulada “Um roteiro certo”, na qual se lê:
Volta, assim, a Associação de Professores, do Rio Grande do Norte, a trilhar a antiga senda das suas atividades literárias, prestigiando com seu nome, uma publicação que reflete o pensamento e as expressões culturais do magistério do Estado. Com esta oportunidade do reaparecimento de PEDAGOGIUM, passam os professores a possuir um órgão de publicidade, veículo de ideias sãs, ao serviço de uma classe, sob quem pesam as responsabilidades morais e cívicas de preparar as gerações moças, para os encargos futuros da Pátria (PEDAGOGIUM, 1948, p. 05).
Percebemos, nesse trecho, que está explícito o objetivo do impresso, o qual aparece também indicado na contracapa como “revista dedicada aos interesses do Magistério e à divulgação da cultura pedagógica” (PEDAGOGIUM, 1948). Do mesmo modo, permanece o intuito de receber colaborações produzidas por professores da capital e interior do estado, elementos da circulação da revista. Isso é expresso pela indicação de que
as colunas da PEDAGOGIUM estão franquiadas aos professores. Publicaremos, com muito prazer, todo e qualquer artigo que se relacione com a instrução e a educação.
CORRESPONDÊNCIA
Toda correspondência deve ser dirigida ao Prof. F. Rodrigues Alves - Departamento de Educação - Natal - Rio G. do Norte (PEDAGOGIUM, 1948, contracapa).
Encontramos ainda indícios sobre a organização e elementos da publicação nos jornais disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira. Nesse sentido, ressaltamos a importância do método indiciário na construção da pesquisa, uma vez que Ginzburg, ao discorrer sobre o método, exorta que “se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la” (2007, p. 177).
Nessa perspectiva, nos deparamos com algumas menções ao periódico que corroboram com o exposto por Ribeiro (2003, 2020) de que a revista teria voltado a circular no ano de 1940. No jornal A Ordem, de 24 de abril de 1940, encontramos um breve artigo intitulado “Pedagogium”, no qual se lê “reapareceu o órgão oficial da Associação de Professores - ‘Pedagogium’. É dirigida essa revista pelos Drs. Luiz Antônio e Manoel Varela e prof. Clementino Câmara. Traz variada colaboração e promete vida longa. Gratos pela remessa de um exemplar” (A ORDEM, 1940, p. 1).
Nesse mesmo jornal, encontramos outras menções ao impresso referente aos números de 30 de setembro de 1940 e de junho de 1941. Infelizmente não encontramos pistas que expliquem o motivo da nova interrupção na publicação. Conseguimos localizar uma nova notícia sobre a Pedagogium apenas em 17 de julho de 1948, informando que “vai voltar a circular a revista ‘Pedagogium’, órgão da Associação de Professores do Rio Grande do Norte” (A ORDEM, 1948, p. 8).
Em relação ao que seria então a terceira fase do impresso foi possível identificar indícios das publicações nos jornais A Ordem, Diário de Natal e Poti, como apresentamos a seguir.
Jornal | Data | Indício |
---|---|---|
A Ordem | 27-07-1948 | Início da 3ª fase, direção de Luiz Soares, redator-secretário F. Rodrigues Alves. |
A Ordem | 13-10-1948 | Comemorações do Dia do Professor pela APRN, circulação da Revista. |
A Ordem | 01-07-1949 | Circulação do 5º número da Revista. |
A Ordem | 23-05-1950 | Circulação de mais um número. |
A Ordem | 05-04-1951 | Circulação do 9º número da Revista, com trabalhos de Assis Silva, Otto Guerra, Mario Cavalcanti, Abelardo Melo, R. Nonato, Luís da Câmara Cascudo, Raimundo Guerra, Antônio Estevam da Silva e outros. |
A Ordem | 17-07-1951 | Apresenta a Revista Pedagogium como detentora de recursos que permitiam a sua circulação. |
A Ordem | 15-01-1952 | Cita a existência da Revista. |
Diário de Natal | 22-07-1948 | Circulação da 3ª fase. |
Diário de Natal | 15-10-1948 | Comemorações do Dia do Professor, distribuição de exemplares da edição especial da Revista. |
Diário de Natal | 31-10-1948 | Circulação do número 2, com colaboração de Câmara Cascudo, Roque José da Silva, Waldemar de Almeida, R. Nonato, Clementino Câmara, Rivaldo Pinheiro, R. Nunes, Acrísio Freire, Mario Cavalcanti, Isabel Bessa, e outros. Informa que a revista tem 52 páginas e continha saudação do Diretor de Educação Severino Bezerra. |
Diário de Natal | 17-04-1949 | Circulação de número 4 da Revista. |
Diário de Natal | 10-07-1949 | Circulação do número 5 da Revista. |
Diário de Natal | 05-02-1950 | Circulação do número 7, correspondente ao mês de janeiro, com colaboração de Severino Bezerra, Raimundo Guerra, Raimundo Nonato, Guedes de Miranda, Roque José da Silva, F. Rodrigues Alves, Lídio Freire da Rocha, Mario Cavalcanti, Adauto da Câmara e outros. |
Diário de Natal | 26-02-1950 | Menção à revista número 3, referente a novembro/dezembro de 1948. |
Diário de Natal | 11-06-1950 | Circulação do 8º número da Revista, indica que esta era uma publicação trimestral. Colaborações de Antônio E. da Silva, Raimundo Guerra, R. Nonato, F. Rodrigues Alves, Roque José da Silva, Ana Anita de Melo, M. do Carmo Fagundes, Sinhazinha Wanderley e Mario Cavalcanti. |
Diário de Natal | 22-07-1951 | Mesma reportagem publicada no jornal A Ordem de 17 de julho de 1951. |
Diário de Natal | 13-01-1952 | Apresenta balanço da APRN com a despesa referente ao impresso. |
Diário de Natal | 14-02-1953 | Menção ao número correspondente a outubro de 1952, com texto de Clementino Câmara. |
O Poti | 28-09-1969 | Menção ao artigo “Escolas de Aprendizes” de Rivaldo Pinheiro, publicado no número referente a setembro de 1948. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Os dados apresentados corroboram com as informações apresentadas por Ribeiro (2003) e apresentam novos elementos que nos ajudam a compreender a terceira fase, embora indiquem algumas lacunas que ainda necessitam ser preenchidas. Apesar de encontrarmos uma menção à revista dizendo que ela seria publicada trimestralmente, identificamos que não existia nessa fase uma organização sistemática dessa periodicidade, pois a quantidade de publicações não era atingida. Como exemplo, temos a publicação dos números 7 e 8 no primeiro semestre de 1950, e apenas em abril de 1951 encontramos referência ao número 9.
Em relação à quantidade de páginas, observamos que permanece por volta de cinquenta páginas. Mais uma vez encontramos sinais de que a APRN possuía recursos próprios para a produção da revista, o que suscita o questionamento do motivo pelo qual existiram as interrupções nas publicações.
Entre as reportagens elencadas, destacamos a que encontramos no Diário de Natal, de 22 de julho de 1948, que traz o artigo intitulado “Circulou ‘Pedagogium’, em sua terceira fase”. O texto aponta que a direção do impresso era atribuída a Luís Soares de Araújo, tinha como redator e secretário o professor Francisco Rodrigues Alves e como colaboradores os professores Raimundo Nonato, Mario Cavalcanti, Roque José da Silva, Acrísio Freire, Antônio E. da Silva e Raimundo Soares. De acordo com a reportagem, “em sua nova fase, ‘Pedagogium’ apresenta excelente formato, e os artigos e comentários que inclue neste primeiro número, todos abordando sugestivas questões ligadas à educação e ao ensino, são assinados por elementos de relevo do nosso magistério”.
Ao olhar para os nomes dos sujeitos que integravam o periódico ao longo de suas décadas de criação, percebemos a permanência de alguns intelectuais e o surgimento de novos nomes, mas sempre “elementos de relevo do nosso magistério”, conforme apresenta a reportagem do Diário de Natal (1948, p. 6).
Portanto, discorremos, até o momento, sobre a materialidade do periódico e sobre os elementos que nos fazem compreender, sobretudo, a sua organização gráfica. Passaremos a seguir a folhear as revistas, conhecendo um pouco sobre as temáticas e as seções que a compunham.
Pedagogium, elementos para a pesquisa em História da Educação
Sobretudo a partir da perspectiva da História Cultural, a imprensa tem sido utilizada cada vez mais nas pesquisas no campo da História. Zicman (1985, p. 89) aponta que isso se deve ao fato de que a imprensa, “para alguns períodos, é a única fonte de reconstituição histórica, permitindo um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas condições de vida, de manifestações culturais e políticas”.
Do mesmo modo, Campos (2012), ao explorar a utilização da imprensa como fonte para a História da Educação, aponta os jornais como sujeitos da história que discutem, comentam e registram as coisas do mundo. A autora destaca o papel da imprensa, sobretudo nos séculos XIX e XX, no processo civilizador do Brasil o que auxilia a compreensão da construção do homem no período, da sua história e, consequentemente, da história da sua educação.
De acordo com Campos (2012, p. 66), os impressos se configuram como “fontes fragmentadas e parciais por natureza. Cumpre se apropriar de tais características não como uma vulnerabilidade da fonte, mas como um traço de sua identidade”. O pensamento de Zicman (1985) corrobora com o exposto, uma vez que, para a autora, é essencial que o pesquisador realize a crítica interna do documento, acrescentando a necessidade de ele compreender que cada jornal organiza os seus conteúdos a partir de um filtro particular, de uma escrita própria. Zicman (1985) embora se refira em seu texto à imprensa cotidiana, indica que a discussão realizada pode ser aplicada a outros tipos e categorias de imprensa, integrando, assim, a imprensa pedagógica.
A concepção apresentada por Bastos (2015) também corrobora com a percepção acerca da potencialidade do uso dessas fontes nas pesquisas, uma vez que a autora considera a imprensa como um
[...] corpus documental de vastas dimensões, pois é um testemunho vivo dos métodos e concepções pedagógicas de uma época e da ideologia moral, política e social de um grupo profissional. É um excelente observatório, uma fotografia da ideologia que preside. Nessa perspectiva, é um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar o pensamento pedagógico de um determinado setor ou de um grupo social (BASTOS, 2015, p. 21-22, grifo do autor).
Nessa perspectiva, evidencia-se que, nas páginas dos impressos pedagógicos, jornais e revistas, podemos encontrar sinais, pistas e vestígios que nos auxiliam a compreender, por exemplo, a constituição do campo, os sujeitos envolvidos, suas ideias, os indícios sobre as práticas educacionais e traços da cultura escolar. Fazendo uso dos termos utilizados pela autora, assumimos que o impresso pode ser este lugar a partir do qual se observa a construção do campo educacional em suas nuances, ao mesmo tempo em que, enquanto fotografia, refere-se a uma percepção do real.
Assim, ao nos debruçarmos sobre os impressos pedagógicos e, especialmente, sobre a Revista Pedagogium, norteamo-nos pelo esquema apresentado por Zicman (1985) que organiza o estudo da imprensa em três campos: o “atrás”, o “dentro” e o “em frente”. O “atrás” diz respeito aos aspectos que contribuem para a realização e controle do impresso. No caso da Pedagogium, contempla a Associação de Professores e a equipe editorial. O “em frente” diz respeito ao público-alvo, notadamente os professores. O “dentro” se refere às características da publicação, aos elementos que compõem a parte redacional, a organização dos artigos e as tendências de publicação.
Nesta perspectiva, resta-nos ainda contemplar mais elementos acerca do que havia “dentro” das revistas. Não é nosso objetivo analisar minuciosamente os textos publicados ou as temáticas contempladas, mas apresentar um quadro geral que suscitem novas pesquisas no âmbito da História da Educação.
Embora não tenhamos acesso aos números da terceira fase, recorremos à capa (Figura 4) e aos indícios encontrados na imprensa natalense. Assim, o sumário do número 1 é composto por 14 textos, sendo eles: Palavras aos professores - Severino Bezerra; Um roteiro certo - Redação; Missão e não profissão - Antônio E. da Silva; Círculos de Pais e Mestres - A. Freire; Aspectos da disciplina Escolar - F. Rodrigues Alves; Educação Moral - Osvágrio Rodrigues; Velhos Professores de Mossoró - R. Nonato; Retalhos Filológicos - Aristarco; Municípios da Zona Oeste - J. Jacinto; Velhos e novos Rumos do Ensino Industrial - Rivaldo Pinheiro; Escolas Rurais - Raimundo Soares; Fale, Professor - Waldemar de Almeida; A disciplina na Escola Antiga - Luiz Paulo; e Educação Física - Roque da Silva.
Na imagem da capa, observamos, ao final do sumário, a inscrição “parte oficial” que inferimos ser informações relativas à atuação do Departamento de Educação e Governo do Estado, ações e normativas. Corrobora com essa hipótese, a menção no Jornal A Ordem, de 7 de julho de 1949, de que comporia o número em circulação, uma parte oficial de interesse para o magistério potiguar.
No Jornal O Poti (1969) menciona-se o artigo de Rivaldo Pinheiro sobre a Escola de Aprendizes e Artífices como presente na edição de setembro de 1948, que entendemos se referir ao número 2 do periódico. No jornal Diário de Natal, por sua vez, Raimundo Soares cita que fez “a reconstituição do Ginásio Norte-Riograndense, guiado por meu pai [Teódulo Soares]” (1950, p. 8). Percebemos, dessa forma, uma diversidade de temáticas abordadas, desde o ensino primário, o ensino rural ao ensino profissional, elementos da filosofia, informações sobre diferentes regiões do estado, visões dos professores e sobre ser professor até reminiscências sobre a educação natalense.
A Pedagogium é apresentada na imprensa como revista “dedicada aos interesses do Magistério e à divulgação da cultura pedagógica” (A ORDEM, 1951, p. 4), com o objetivo de “divulgar a cultura pedagógica entre nós. Contando com a colaboração de elementos dos mais estudiosos e cultos do magistério” (A ORDEM, 1950, p. 04).
Referente à segunda fase, notadamente a mais curta da história do impresso, as informações são ainda mais escassas. No Jornal A Ordem, de 26 de junho de 1941, encontramos o sumário do número correspondente à edição de junho da Pedagogium
A missão do professor primário, por Tobias dos Santos; Uma explicação, Prof. Acrísio Freire; Formulário Sintético, por Gentil de Camargo; Decreto n. 693; Curso Anti-Alcoolico, por João Alvares; A Escola Primária Célula-martir da Unidade Nacional, por Acrísio Freire; Cursos de Anti-alcoolismo; A unificação do ensino primário, por Mario Cavalcanti; Rapida Ideia Histórica, por Maurilo Lira; A mulher e a Educação, por P.E; A questão do infinito verbal, por Mons. Alves Landim; Parafrases, por Fontoura Xavier; Sobre “Normas Pianísticas”, de Valdemar de Almeida, por M.L; Caixa de Previdencia da Associação de Professores; A Louça de Casa, por Zé Guri; Registro Funebre; Movimento Financeiro da Associação de Professores (A ORDEM, 1941, p. 04).
Ribeiro (2003, p. 42), ao abordar esta fase, afirma que a revista “continua consagrada aos interesses do professorado público e particular do estado, mantendo sua característica de qualificação docente, tanto no que se refere às áreas do conhecimento como de procedimento técnico pedagógico”. Analisando brevemente o sumário exposto, acrescentaríamos ao apontado pela autora, as questões sociais e de interesse político e econômico dos professores e da Associação. Destacamos ainda, a diversidade e amplitude das temáticas contempladas.
Chegamos, por fim, ou voltamos, à primeira fase da Pedagogium, sobre a qual temos mais elementos. Optamos por apontar apenas um texto de cada número, embora múltiplas fossem as possibilidades de escolha, no intuito de explicitar a diversidade das temáticas abordadas (Quadro 4).
Núm./ano | Título | Autor |
---|---|---|
1 - 1921 | Synthese do nosso movimento Pedagógico | Nestor Lima |
2 - 1921 | A acção social e educativa da Escola Domestica | Manoel Dantas |
3 - 1922 | Escolas Rudimentares | Severino Bezerra |
4 - 1922 | Hygiene Escolar (Inspecção médico-escolar) | Luís Antônio dos S. Lima |
5 - 1922 | Acção da Maçonaria na Independência | Adauto Câmara |
07 - 1923 | A co-educação na América do Norte | Cristovam Dantas |
08 - 1923 | Arvores em festa (versos) | Carolina Wanderley |
09 - 1923 | Elementos de História Pátria | Ivo Filho |
10 - 1923 | Estudo de Portuguez | Clementino Câmara |
11 - 1924 | Os índios (Anchieta) | Antônio Fagundes |
12 - 1924 | Direito Usual | J. Ferreira de Souza |
13 - 1924 | Estatutos da Associação de Professores | Redação |
14 - 1924 | Nos domínios da Instrucção | João B. do Nascimento |
15 - 1924 | A organização do Ensino Público | Amphilóquio Câmara |
17 - 1925 | Discurso - colação de grau da 1ª Turma da Escola Normal de Mossoró | Antônio de Souza |
19 - 1925 | A Filosofia | Monsenhor Alves Landim |
20 - 1925 | Administração e escrituração da escola | Elyseu Viana |
21 - 1925 | A missão da Mulher | Júlia Medeiros |
22 - 1925 | Creanças Anormaes (conferência Curso de Férias) | Aluísio da Câmara |
1927 | No Brasil só há um problema nacional: a educação do povo (conferência Associação Brasileira de Educação) | Miguel Couto |
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Versos, artigos, discursos, entrevistas, abordam conteúdos, tratam de história, geografia, normas do português, defendem a escola primária, defendem a organização da educação nacional em moldes modernos e higienistas, nos apresentam a Associação de Professores e a história da organização do ensino e do magistério potiguar. Trazem relatos do interior do estado e da educação nos Estados Unidos.
Os artigos nos apresentam indícios da organização educacional potiguar, remetendo à organização de eventos locais como o Primeiro Congresso Pedagógico, realizado em janeiro de 1922 e organizado pela APRN, ou o Curso de Férias, realizado pelo Departamento de Educação em 1925. Encontramos na revista, transcrições de artigos publicados na imprensa cotidiana potiguar e nacional, além de artigos que circularam em outros impressos pedagógicos, a exemplo da revista “A Educação” do Rio de Janeiro, publicação da Associação Brasileira de Educação.
Entre tantos homens que construíram a revista, destacamos, ainda mais uma vez, Carolina Wanderley, Júlia Alves Barbosa e Júlia Medeiros. A participação pouco expressiva, mas constante no periódico, denota o interesse e necessidade de que as mulheres ocupassem os espaços, sobretudo de fala, na sociedade potiguar; assim como Júlia Medeiros aponta em seu artigo, “abrindo novos horizontes à atividade da mulher contemporânea” (PEDAGOGIUM, 1925, p. 25).
Notadamente poderíamos realizar aqui a análise minuciosa de cada um desses textos, mas interessa-nos, sobretudo, compreender a organização interna da revista. A seleção dos artigos publicados na revista competia ao seu diretor e, ao analisarmos os sumários, deparamo-nos com vários títulos repetidos, a exemplo de “Nos domínios da instrucção” publicado nos números 12, 13 e 14 de 1924. Nesses textos, produzidos por João Batista do Nascimento, encontramos pistas de que os redatores também solicitavam artigos para serem publicados, como indicado na maneira como o autor inicia um de seus textos: “Meu caro Oscar - Quando recebia o teu recado, solicitando meu humilde e desvalioso concurso para o teu apreciado ‘Pedagogium[...]’”.
Encontramos outros sujeitos escrevendo para a revista contribuições específicas, como Cristovam Dantas, que apresentou ao menos quatro artigos abordando elementos da organização educacional que pôde observar nos Estados Unidos no período de 1922 a 1923. De outro modo, percebemos a estratégia da equipe editorial atuante no ano de 1924 de construir séries temáticas, a exemplo da produzida por Antônio Fagundes, intitulada “Rio-grandenses notáveis”, na qual ele apresenta aos leitores traços biográficos de Felipe Camarão, Frei Miguelinho, André de Albuquerque Maranhão e Nísia Floresta, nos números de 12 a 15 daquele ano.
As revistas publicadas em 1924 diferenciam-se também pela existência de seções produzidas pela redação intituladas “Pelo Magistério” e “Pelas Escolas”. A primeira trazia as ações políticas e administrativas relativas à educação potiguar; já a segunda apresentava informações referentes às escolas do estado, como uma lista das escolas subvencionadas e a relação de grupos escolares e escolas isoladas criadas pela legislação estadual.
Excetuando-se essas estratégias concernentes à equipe editorial sob a direção de Amphilóquio Câmara, de um modo geral os demais números do período traziam artigos diversos, mas as temáticas eram sempre direcionadas à formação dos professores, a conteúdos de ensino e em favor do magistério potiguar. O número especial publicado em 1927 traz majoritariamente artigos relativos à celebração da Lei de 1827 associados a outros textos. Essa diversidade demonstra o potencial do impresso como fonte e objeto para a pesquisa em História da Educação.
Possibilidades de pesquisa, considerações
Publicada pela primeira vez em 1921, a Revista Pedagogium da Associação de Professores passou por três fases, constituindo-se como espaço propício para a circulação de ideias pedagógicas na capital e interior do estado. Neste estudo, buscamos apresentar elementos que nos fazem compreender a organização e produção da Revista Pedagogium. Abordamos a materialidade do impresso e a sua organização interna.
Evidenciamos que o estudo sobre os impressos pedagógicos pode representar um lócus privilegiado para o desenvolvimento de pesquisas no campo da História da Educação. Ao analisarmos o impresso, destacamos a diversidade de temáticas abordada nos artigos que abrange a multiplicidade de aspectos que permeia a educação.
Acreditamos que, na sua construção, novos estudos podem ser realizados de modo focalizado a partir dos autores ou das temáticas, por exemplo. Como exemplos de trabalhos5 construídos nesse formato, temos a tese defendida por Ribeiro (2020), em que a autora se debruça sobre a temática da Escola Nova tomando a Pedagogium como objeto e fonte. Outro exemplo é a investigação realizada por Azevedo (2019) sobre a atuação do intelectual Nestor Lima na Pedagogium. Cada exemplo de temática que trouxemos neste estudo pode representar um campo de investigação por meio do impresso. Para isso, é necessário um olhar atento, sensível e criativo do pesquisador diante da fonte.
Diversos intelectuais potiguares passearam pelas páginas da revista, escrevendo, compondo a equipe editorial ou dirigindo o impresso. Quem eram esses sujeitos? Quais papéis e qual relevância possuíam na sociedade potiguar que os autorizava a escrever sobre educação? Do mesmo modo, destacamos nesse estudo a participação das mulheres no impresso e muitos aspectos merecem ser explorados nesse sentido. Quem eram essas mulheres? O que elas escreviam na revista? Que lugares ocupavam na Associação?
Destacamos que a Pedagogium se revela como um espaço de fala e de circulação das ideias educacionais no período. Igualmente, é possível perceber as redes de sociabilidade constituídas e que podem ser investigadas de forma aprofundada, por exemplo, inclusive sobre a própria constituição das equipes editoriais.
Demonstramos características diferenciadas da atuação da equipe editorial que atuou em 1924. Outras análises podem ser realizadas de modo a investigar os diferentes projetos editoriais construídos, em cada fase, ou vinculados aos novos diretores que assumiram o cargo.
Compunham a direção de honra da Associação, por força de seus Estatutos elaborados em seus primeiros anos, os principais personagens que ocupavam os cargos políticos e administrativos: Presidente do Estado, Diretor Geral de Instrução Pública e Diretor da Escola Normal. Isso denota a relação que a APRN constrói com a administração pública e que suscita outros questionamentos. Como essa relação era materializada na Pedagogium? Essa relação se modificou ao longo da segunda e terceira fases do impresso?
Na Pedagogium, podemos encontrar indícios sobre a história dos intelectuais que atuaram no campo educacional potiguar, na interface com a história política do período. O impresso pode fornecer elementos para a compreensão acerca da organização da escola, em suas práticas e orientação das disciplinas, relacionando-se, assim, aos estudos sobre cultura escolar, história das disciplinas e história das instituições.
Como citado, o trabalho de Ribeiro (2020) investiga as ideias da Escola Nova no impresso, mas que outras influências podemos encontrar em suas páginas? Quais eram essas ideias e de que modo circulavam no estado? Ressaltamos, nesse sentido, os textos escritos por Cristovam Dantas sobre a educação nos Estados Unidos, ou o sobre a Higiene Escolar no México de Antônio Fagundes, ou ainda os relatos sobre as viagens pedagógicas de Nestor Lima aos estados do Sul do país, à Argentina e ao Uruguai6. Qual espaço essas ideias estrangeiras ocupavam na Pedagogium?
Do mesmo modo, é possível identificar a presença de textos extraídos e transcritos de outros impressos publicados no país. Essa opção das equipes editoriais revelam o intuito de fazer circular no estado as ideias publicadas em outras localidades do país. Esse dado pode se constituir como um ponto de partida para o estudo sobre a circulação desses impressos nacionais no território potiguar. Aqui, percebemos ainda as intencionalidades presentes na escolha dos textos, o filtro particular que orienta a organização do impresso (ZICMAN, 1985).
Encontramos menções nas páginas da Pedagogium ao ensino primário, grupos escolares, escolas rudimentares, ensino secundário, ensino normal e ensino profissional. Isso demonstra que a revista também pode fornecer elementos relevantes e que contribuam para a compreensão acerca da organização e da estrutura do ensino nessas instituições potiguares.
Notadamente, o caráter pedagógico sobressai-se na revista. Este interesse em contribuir para o aspecto formativo dos professores é demonstrado na apresentação de conteúdos de ensino e das noções que deveriam nortear as práticas. Esse aspecto ainda necessita ser aprofundado nas pesquisas sobre a Pedagogium.
Muitos questionamentos podem emergir a partir deste estudo, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas no conhecimento sobre a Pedagogium. É preciso pensar as continuidades e as rupturas que compõem a sua história. Sobre como a APRN e a sua revista se adequavam ao contexto social e político em cada período, a cada novo contexto, novas necessidades surgiam tanto no aspecto formativo, quanto de informação e de reinvindicações do grupo de professores. Nesse sentido, destacamos o impresso enquanto lugar de memória da História da Educação potiguar e da história da Associação em particular, uma vez que contribui para a materialização do imaginado e do construído (NORA, 1993).
Os trabalhos produzidos no campo da historiografia têm contemplado majoritariamente a primeira fase. Notadamente, um dos limites da pesquisa a partir do impresso, diz respeito à falta de acesso a outros números da revista das três fases. No entanto, as abordagens utilizadas têm permitido a construção de trabalhos significativos para a área. Desse modo, ressaltamos que é possível a constituição de uma história da educação potiguar através da Pedagogium.
Ao assumirmos a revista Pedagogium enquanto lugar de memória, conferimos ao impresso o status de locus privilegiado para a compreensão da organização do ensino e do magistério no estado na primeira metade do século XX. Esperamos que este trabalho contribua para o fomento de pesquisas na área e suscite novas pesquisas.