INTRODUÇÃO
A literatura apresenta relatos sobre a relação de influência das disparidades étnicas e raciais na assistência médica1. Tais disparidades são movidas por preconceitos e estereótipos que, consequentemente, interferem de modo negativo na qualidade e nos resultados da assistência dos serviços prestados à população1.
Nesse contexto, retomamos os conceitos de competência cultural, que é um conjunto de comportamentos, atitudes e políticas congruentes presentes em um sistema, uma organização ou entre profissionais, que possibilita um trabalho eficaz em situações transculturais2. Já a cultura refere-se aos padrões integrados do comportamento humano, que incluem a linguagem, os pensamentos, as ações, os costumes, as crenças e as instituições de grupos raciais, étnicos, sociais ou religiosos2. Portanto a demonstração da competência cultural implica a capacidade do/a profissional ou das instituições em lidar com as crenças, práticas e necessidades culturais apresentadas pelos pacientes e por suas comunidades3.
Há relatos, na literatura, de que o treinamento de médicos/as em competência cultural pode melhorar a comunicação entre prestadores/as de serviços de saúde e os/as pacientes4),(5, além de aperfeiçoar o atendimento centrado no paciente6),(7 e a qualidade da assistência em saúde8. No entanto, a revisão sistemática de Beach et al.9 mostrou que não havia métodos de ensino específicos com conteúdos eficazes para a construção da competência cultural.
Dessa forma, como o/a estudante de Medicina pode demonstrar a competência cultural - a compreensão sobre a maneira como pessoas de diversas culturas e crenças percebem a saúde e o processo da doença (disease)10 e respondem aos sintomas, à experiência da doença (illness)10 e a tratamentos? A busca pela resposta a esse questionamento foi motivação para que a Association of American Medical Colleges (AAMC) reunisse especialistas em competência cultural para desenvolver o Tool for Assessing Cultural Competence Training (TACCT)11. Essa ferramenta é composta por itens que representam os objetivos de aprendizagem dos domínios e as áreas de treinamento de competência cultural a serem necessariamente desenvolvidas pelos/as estudantes de Medicina ao longo do seu período de formação pré-internato11.
Um dos objetivos da AAMC é assegurar que o TACCT, seus domínios e itens sejam traduzidos e adaptados culturalmente nos idiomas mais falados em todo o mundo e que os itens traduzidos tenham propriedades psicométricas semelhantes às medidas originais12. Dessa forma, a globalização e a padronização de um conjunto comum de medidas direcionadas pelo TACCT permitirão a comparabilidade dos resultados de pesquisas e intervenções educacionais das escolas médicas em diversos países.
Existem diferentes recomendações metodológicas para a realização de tradução e adaptação cultural de instrumentos e questionários elaborados em idiomas diferentes da língua-alvo. Essas diretrizes seguem as normas internacionais de tradução de instrumentos, que propõem uma abordagem composta por múltiplas etapas, que têm como finalidade evitar versões inadequadas por não serem capazes de avaliar os construtos originais, comprometendo sua veracidade13),(14. A utilização de uma metodologia rigorosa, minuciosamente documentada e com sucessivas etapas visa garantir a qualidade do processo de tradução e adaptação cultural, sendo considerada a melhor forma de atingir as equivalências pretendidas entre as versões original e traduzida13),(14.
Nesse sentido, o estudo de Boardman12 delineou os processos metodológicos apropriados para garantir as propriedades psicométricas do TACCT (validade e confiabilidade). Portanto, este estudo teve com objetivos traduzir, adaptar transculturalmente e avaliar psicometricamente o TACCT para o português falado no Brasil, para que ele possa ser disponibilizado como proposta de uma matriz da competência cultural nos currículos das escolas médicas brasileiras.
MÉTODOS
Estudo e participantes
O estudo de adaptação transcultural e validação psicométrica foi realizado com estudantes da fase pré-clínica do curso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), de Minas Gerais, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa dessa instituição (nº 2.088.832). O estudo foi realizado após permissão da AAMC. Os/as estudantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que permitiu a resposta do instrumento e gravações de áudio na etapa do pré-teste.
Tamanho da amostra
Para o pré-teste optamos, por utilizar uma média de aplicação de cinco itens para cada estudante15. Como a versão de competências do TACCT apresenta 67 itens, contamos com a participação de dois/duas estudantes, sendo o/a representante de turma e seu/sua colega substituto/a de cada um dos oito períodos pré-clínicos. Portanto, a amostra total da etapa de pré-teste contou com 16 participantes. Esses/as representantes seriam excluídos caso desistissem de continuar participando.
Para o processo de análise estrutural do TACCT, no qual utilizamos a análise fatorial (AF), baseamo-nos nas recomendações de Clark e Watson16 que recomendam o uso de amostras apropriadamente heterogêneas que representem a população-alvo. Ademais, Comrey e Lee17 classificam, em relação a esse tipo de análise, amostras de 50 como muito inferiores, de 100 como inferiores, de 200 como razoáveis, de 300 como boas, de 500 como muito boas e de mil ou mais como excelentes. Portanto, utilizamos por sorteio 40 estudantes representantes de cada um dos oito períodos da fase pré-clínica do curso de Medicina, que concordassem em participar do estudo, totalizando uma amostra de 320 participantes. Caso esses/as estudantes desejassem se retirar após serem incluídos/as, seria feito novo sorteio.
Instrumento
O TACCT é uma matriz desenvolvida pela AAMC para avaliar o treinamento de competência cultural nas escolas de Medicina. Essa matriz é apresentada por meio dos componentes “visão geral” e “competências”. O formato de “visão geral” apresenta cinco domínios e 22 itens11. Os domínios são os seguintes: “fundamentação, contexto e definição”, que tratam dos conceitos de raça, etnia e cultura (três itens); “aspectos-chave da competência cultural”, que aborda as tradições e estratégias de cura dos pacientes (quatro itens); “compreensão do impacto dos estereótipos nas decisões médicas”, que avalia o preconceito, a discriminação e o racismo (três itens); “disparidades e fatores influenciadores da saúde”, que aborda a história da discriminação de cuidados de saúde e epidemiologia das disparidades em saúde (cinco itens); e “intercâmbio cultural e habilidades clínicas”, que enfatiza conceitos de diferentes valores, culturas e crenças (sete itens)11. Cada um desses domínios é avaliado no componente das competências do aprendizado, considerando os componentes de conhecimento, habilidade e atitude. Portanto, a matriz por competências contempla os 67 itens11.
O TACCT finaliza-se em 67 itens com respostas dicotômicas que, no caso de uma competência cultural que não foi abordada, o/a respondente replica como “não ofertado” (NO), e a esse item atribui-se valor 0 - àqueles que foram abordados e adequadamente discutidos, atribui-se o escore 1 (“sim”). Posteriormente, é feita uma soma da frequência das respostas “sim”, e uma média é calculada dividindo-se o resultado total pelo número de possibilidades de respostas11. A fim de uma análise mais precisa, também são calculados os escores dos componentes individuais de conhecimento, habilidade e atitude11.
Métodos analíticos dos dados qualitativos e quantitativos
Os apêndices 1 e 2 estão disponibilizados como material suplementar para que o leitor possa seguir de maneira sumarizada a nossa proposta de metodologia de análise de dados.
Equivalência semântica
Adaptação transcultural
Essa adaptação foi realizada de acordo com as diretrizes internacionais18),(19 (Apêndice 1). Na primeira etapa - tradução inicial -, dois tradutores nativos no português brasileiro e experts em inglês produziram duas traduções independentes do instrumento, do inglês para o português do Brasil. Na segunda etapa - reconciliação -, uma profissional de saúde bilíngue, nativa no português brasileiro, realizou a conciliação das traduções anteriores. Na terceira etapa - retrotradução -, um tradutor nativo no inglês norte-americano e fluente em português traduziu a versão reconciliada de volta para a língua original. Na quarta etapa, uma coordenadora de linguagem fez comentários sobre a versão reversa, que foi encaminhada para os desenvolvedores. Na quinta etapa, a metodologia Delphi, expressões, sentenças ou palavras identificadas como sem equivalência semântica, idiomática, experimental ou conceitual em qualquer etapa do processo de tradução foram encaminhadas para a coordenadora de linguagem, que avaliou, com cinco revisores/as bilíngues nativos/as do português brasileiro, com experiência no processo de tradução de medidas de resultados, todas as etapas anteriores para escolher a melhor opção traduzida para o instrumento. A técnica Delphi modificada20),(21 foi utilizada para se chegar a um consenso entre os/as revisores/as em rodadas eletrônicas iterativas organizadas por dois coordenadores de pesquisa, por meio de questionários semiestruturados no site Google Forms. Para o recrutamento dos/as especialistas, convidamos quatro profissionais da saúde, com experiência comprovada - por meio de publicações na literatura científica - em tradução, adaptação transcultural e validação de instrumentos de medida, além do domínio de educação médica e competência cultural.
Aplicamos a versão traduzida e adaptada transculturalmente para a fase de pré-teste com a participação de dois/duas estudantes de cada um dos oito períodos pré-clínicos. Durante a aplicação dos itens, observamos se eles/as estavam utilizando espontaneamente a sondagem verbal e o parafraseamento dos itens, a fim de validar as equivalências semântica, conceitual, operacional e funcional ou propor mudanças consistentes com os itens originais22),(23. Mostramos essas etapas no Apêndice 1 (Equivalência semântica - adaptação transcultural do TACCT).
Análise psicométrica
Estatística descritiva
a. Análise de itens
Utilizamos a estatística descritiva para caracterizar a população da fase de validação do estudo, o que foi feito por meio de um questionário semiestruturado. Adotamos o software SPSS 24.0 e RStudio 3.6.1. Consideramos um nível de significância de 5%.
Padrões e frequência de dados ausentes foram examinados para identificar a probabilidade de padrões sistemáticos ou aleatórios e não deveriam ultrapassar 20% do total24.
Não se forneceu uma explicação detalhada do conteúdo de itens individuais do TACCT no momento de sua aplicação. Os/as entrevistados/as foram solicitados/as a interpretar cada item pelo valor nominal como o entenderam e não verificar os itens que não entenderam ou que não foram ensinados no currículo exigido. Nosso objetivo foi o entendimento linguístico do instrumento.
Análise da escala
Confiabilidade
Para fornecermos informações relacionadas à homogeneidade do conjunto de itens do TACCT, utilizamos a confiabilidade da consistência interna calculada no software SPSS 24.0. Nela, consideramos o coeficiente para medidas dicotômicas de Kuder-Richardson (KR-20) que, embora seja semelhante ao coeficiente alfa de Cronbach, é específico para respostas binárias, com valores acima de 0,70 como mínimo aceito e ideal para 0,80, referentes às medidas do nível de grupo25.
a. Validade de construto
Utilizamos a análise fatorial confirmatória (AFC) e assumimos que todos os itens do TACCT possuíam carga fatorial de apenas um fator, o que representa uma estratégia confirmatória da modelagem de equações estruturais usada para explicar a relação entre os itens e o fator ou construto geral associado ao instrumento avaliado26. O método de estimação que utilizamos foi o dos mínimos quadrados ponderados com ajustes para média e variância (weighted least square mean and variance adjusted - WLSMV) em função da natureza categórica dos nossos dados27. Os índices de ajuste analisados foram: índice de ajuste comparativo (comparative fit index - CFI; ideal quando > 0,90), aproximação do erro quadrático médio da raiz (root mean square error of approximation - RMSEA; < 0,08 ajuste adequado, < 0,06 ajuste satisfatório) e o índice de Tucker-Lewis (TLI; ideal quando > 0,90) e weighted root mean square residual (WRMR; < 0,9 adequado)26. Para esta análise, utilizamos os pacotes Polycor, MASS, GPA rotation e Parallel do software R que são específicos para AFC de dados binários.
RESULTADOS
Equivalência semântica: adaptação transcultural
Tradução inicial
O termo clinicians (domínio I, item C) apresentou discrepância entre os dois tradutores brasileiros. O tradutor 1 considerou como “profissionais da saúde”, e o tradutor 2, como “clínicos”.
A palavra bias, presente nos componentes “visão geral” (domínio III, item B) e “componentes específicos” (domínio I, item A1; domínio III, itens K2, K3, de S1 a S3, de A1 a A5; domínio IV, item S4; e domínio V, itens S5 e A2), também teve divergência nas traduções. Um dos tradutores a considerou como “enviesamento”, e o outro, como “preconceitos”.
Nos componentes “visão geral” (domínio IV, item A), houve discrepância, entre os tradutores brasileiros, sobre a palavra history, que foi traduzida como “história” e “histórico”. Além disso, ambos os tradutores mantiveram a expressão Healthy People 2010, como na versão original.
Reconciliação
O termo clinicians foi considerado como “profissionais da saúde”, e bias, como enviesamento. Quanto à palavra history, houve um consenso de que a tradução mais adequada seria “história”.
Retrotradução
No componente “visão geral”, no domínio III, item C, da versão original, a expressão effects of stereotyping foi transformada em consequences of stereotyping. Nos componentes específicos pré-clínicos, no domínio II, item A2, da ferramenta original, a expressão listen nonjudgmentally to health beliefs foi considerada, na versão retrotraduzida, como listen to health beliefs without bias.
Comparação entre a versão retrotraduzida e a versão original
A coordenadora de linguagem sugeriu que os itens clinicians e bias, bem como as expressões effects of stereotyping/consequences of stereotyping e listen nonjudgmentally to health beliefs/listen to health beliefs without bias”, fossem rediscutidos na etapa Delphi.
Delphi
Os/as revisores/as independentes foram unânimes ao considerarem que, na versão reconciliada, a expressão “profissionais da saúde” não condizia especificamente ao contexto da ferramenta, que é avaliar a competência cultural nos currículos médicos. Dessa forma, julgaram que o termo adequado à versão pré-teste de clinicianspara a cultura brasileira seria médicos/as. Os/as avaliadores/as da etapa Delphi foram unânimes ao considerarem que a palavra bias deveria ser adaptada para “preconceito”.
Pré-teste e revisão final
Participaram da etapa de pré-teste 16 estudantes, dois/duas de cada um dos oito períodos pré-clínicos do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFU (Famed-UFU). O teste do qui-quadrado para análise de proporção entre a variáveis não mostrou significância (p < 0,005) para: os gêneros feminino (9; 56,3,0%) e masculino (7; 43,8%), autodeclarados como pardos (9; 56,3%), pretos (4; 25%) e brancos (3; 18,8%), com média de idade de 21,9 ± 0,53 anos (mínimo de 18 e máximo de 25 anos), todos/as solteiros/as e sem filhos; residentes com a família (8; 50%), com amigos (31,3%) e sozinhos/as (3; 18,8%); católicos/as (5; 31,3%), evangélicos/as (4; 25%), espíritas (4;25%), sem religião (2; 12,5%) e religião indefinida (1; 6,3%); não praticantes da religião (10; 62,5%), com doenças crônicas e uso de medicação (9; 56,3%). Houve significância pelo teste do qui-quadrado (p < 0,005) para a declaração de renda: 75% dos participantes (12) se recusaram informar esse dado.
Todos/as os/as participantes da fase de pré-teste consideraram os itens não ofensivos, importantes e de fácil entendimento. Todos/as os/as participantes concordaram, durante os dois grupos focais, que a expressão Healthy People 2010 deveria ser substituída por “Datasus”, a fim de adaptar a ferramenta à realidade brasileira, pois a expressão original poderia tornar o item incompreensível. A versão do pré-teste e a versão final do TACCT estão disponíveis integralmente nos quadros 1 e 2.
Domínio | Versão norte-americana | Versão brasileira |
---|---|---|
I - Fundamentação, contexto e definição | A. Definition of cultural competence | A. Definição de competência cultural |
B. Definitions of race, ethnicity, and culture | B. Definições de raça, etnia e cultura | |
C. Clinicians' self assesment and reflection | C. Autoavaliação e reflexão médica | |
II - Aspectos-chave da competência cultural | A. Epidemiology of population health | A. Epidemiologia da saúde populacional |
B. Patients’ healing traditions and systems | B. Tradições e sistemas de cura de pacientes | |
C. Institutional cultural issues | C. Questões culturais institucionais | |
D. History of the patient | D. História do paciente | |
III - Compreendendo o impacto do estereótipo na tomada de decisão médica | A. History of stereotyping | A. A história do estereótipo |
B. Bias, discrimination, and racism | B. Preconceitos, discriminação e racismo | |
C. Effects of stereotyping | C. Consequências da estereotipagem | |
IV - Disparidades em saúde e fatores que a influenciam | A. History of health-care discrimination | A. História da discriminação em saúde |
B. Epidemiology of health-care disparities | B. Epidemiologia das disparidades com cuidados de saúde | |
C. Factors underlying health-care disparities | C. Fatores subjacentes às disparidades nos cuidados com a saúde | |
D. Demographic patterns of disparities | D. Padrões demográficos das disparidades | |
E. Collaborating with communities | E. Colaborando com comunidades | |
V - Habilidades clínicas transculturais | A. Differing values, cultures, and beliefs | A. Diferenciando valores, culturas e crenças |
B. Dealing with hostility/discomfort | B. Lidando com a hostilidade e o desconforto | |
C. Eliciting a social and medical history | C. Elicitando o histórico social e médico | |
D. Communication skills | D. Habilidades de comunicação | |
E. Working with interpreters | E. Trabalhando com intérpretes | |
F. Negotiating and problem-solving skills | F. Habilidades de negociação e de resolução de problemas | |
G. Diagnosis and patient-adherence skills | G. Habilidades para o diagnóstico e a adesão de pacientes. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Domínio | Versão norte-americana | Versão brasileira |
---|---|---|
Fundamentação, contexto e definição de competência cultural | K1. Define race, ethnicity, and culture. | C1. Definir raça, etnia e cultura. |
K2. Identify how race and culture relate to health. | C 2. Identificar como raça e cultura relacionam-se à saúde. | |
K3. Identify patterns of national data on disparities. | C 3. Identificar padrões de dados nacionais sobre disparidades. | |
K4. Describe health data with immigration context. | C 4. Descrever os dados de saúde no contexto da imigração. | |
S1. Discuss race & culture in the medical interview. | H1. Discutir raça, etnia e cultura numa entrevista médica. | |
S2. Use physician assessment tools. | H 2. Utilizar ferramentas de avaliação médica. | |
S3. Concretize epidemiology of disparities. | H 3. Constituir a epidemiologia de disparidades | |
A1. Describe own cultural background and biases | A1. Descrever o próprio histórico cultural e preconceito. | |
A2. Value link between communication & care. | A2. Valorizar a conexão entre comunicação e cuidado. | |
A3. Value importance of diversity in health care. | A3. Valorizar a importância da diversidade no cuidado em saúde. | |
Aspectos-chave da competência cultural | K1. Describe historical models of health beliefs. | C1. Descrever os modelos históricos de crenças em saúde. |
K2. Recognize patients’ healing traditions & beliefs. | C2. Reconhecer tradições e crenças de cura dos pacientes. | |
K3. Describe cross-cultural communication challenges. | C3. Descrever desafios da comunicação transcultural. | |
K4. Demonstrate knowledge of epidemiology. | C4. Demonstrar conhecimento sobre epidemiologia. | |
K5. Describe population health variability factors. | C5. Descrever os fatores de variabilidade da saúde da população. | |
S1. Outline a framework to assess communities. | H1. Delinear um modelo para avaliar comunidades. | |
S2. Ask questions to elicit patient preferences. | H2. Fazer perguntas para identificar preferências do paciente. | |
S3. Elicit information in family-centered context. | H3. Extrair informações relacionadas ao contexto familiar. | |
S4. Collaborate with communities to address needs. | H4. Obter informações relacionadas ao contexto familiar para o mapeamento de necessidades. | |
S5. Recognize institutional cultural issues. | H5. Reconhecer questões culturais institucionais. | |
A1. Exhibit comfort when discussing cultural issues. | A1. Demonstrar conforto ao discutir questões culturais. | |
A2. Listen nonjudgmentally to health beliefs. | A2. Ouvir sem julgamento sobre crenças em saúde. | |
A3. Value & address social determinants of health. | A3. Valorizar e abordar determinantes sociais de saúde. | |
A4. Value curiosity, empathy, and respect. | A4. Valorizar a curiosidade, a empatia e o respeito. | |
Impacto do estereótipo na tomada de decisão médica | K1. Describe social cognitive factors. | C1. Descrever os fatores cognitivos sociais. |
K2. Identify physician bias and stereotyping. | C2. Identificar enviesamento e estereotipagem médica. | |
K3. Recognize physicians’ own potential for biases. | C3. Reconhecer o potencial do médico aos próprios preconceitos. | |
K4. Describe the physician-patient power imbalance. | C4. Descrever o desequilíbrio na relação de poder entre médico e paciente. | |
K5. Describe physician effect on health disparities. | C5. Descrever a influência de médicos nas disparidades em saúde. | |
K6. Describe community partnering strategies. | C6. Descrever as estratégias de parceria com a comunidade. | |
S1. Demonstrate strategies to address/reduce bias. | H1. Demonstrar ter estratégias para abordar/reduzir preconceitos dos outros. | |
S2. Describe strategies to reduce physician biases. | H2. Descrever estratégias para reduzir preconceitos de médicos. | |
S3. Show strategies to address bias in others. | H3. Demonstrar ter estratégias para abordar preconceitos nos outros. | |
S4. Engage in reflection about own beliefs. | H4. Refletir sobre suas próprias crenças. | |
S5. Use reflective practices when in patient care. | H5. Utilizar práticas reflexivas para o cuidado do paciente. | |
S6. Gather and use local data as in HP2010. | H6. Coletar e utilizar dados do Datasus. | |
A1. Identify physician biases that affect clinical care. | A1. Identificar preconceitos médicos que afetam cuidados clínicos. | |
A2. Recognize how physician biases impact care. | A2. Reconhecer como preconceitos médicos influenciam o cuidado. | |
A3. Describe potential ways to address bias. | A3. Descrever formas de lidar com o preconceito. | |
A4. Value the importance of bias on decision-making. | A4. Atribuir valor à importância do preconceito na tomada de decisão. | |
A5. Value the need to address personal bias. | A5. Valorizar a necessidade de lidar com seus próprios preconceitos. | |
O impacto do estereótipo na tomada de decisão médica | K1. Describe factors that impact health. | C1. Descrever fatores que impactam a saúde. |
K2. Discuss social determinants on health. | C2. Discutir determinantes sociais sobre a saúde. | |
K3. Describe systemic & medical encounter issues. | C3. Descrever questões de sistêmicas e médicas. | |
K4. Identify and discuss key areas of disparities. | C4. Identificar e discutir as principais áreas de disparidades. | |
K5. Describe elements of community experiences. | C5. Descrever elementos sobre experiências comunitárias. | |
K6. Discuss barriers to eliminating health disparities. | C6. Discutir barreiras à eliminação das desigualdades em saúde. | |
S1. Critically appraise literature on disparities. | H1. Avaliar criticamente a literatura sobre desigualdades. | |
S2. Describe methods to identify community leaders. | H2. Descrever métodos para identificar líderes comunitários. | |
S3. Propose a community-based health intervention. | H3. Propor uma intervenção de saúde baseada na comunidade. | |
S4. Strategize ways to counteract bias. | H4. Traçar estratégias para combater preconceitos. | |
A1. Recognize disparities amenable to intervention. | A1. Reconhecer disparidades passíveis de intervenção. | |
A2. Realize the historical impact of racism. | A2. Compreender o impacto histórico do racismo. | |
A3. Value eliminating disparities. | A3. Valorizar a eliminação de disparidades. | |
Habilidades clínicas transculturais | K1. Identify community beliefs & health practices. | C1. Identificar crenças e práticas em saúde na comunidade. |
K2. Describe cross-cultural communication models. | C2. Descrever modelos de comunicação transculturais. | |
K3. Understand physician-patient negotiation. | C3. Compreender a negociação entre paciente e médico. | |
K4. Describe the functions of an interpreter. | C4. Descrever as funções de um intérprete. | |
K5. List effective ways of working with interpreter. | C5. Listar maneiras eficazes de trabalhar com intérpretes. | |
K6. List ways to enhance patient adherence. | C6. Listar maneiras de melhorar a aderência do paciente. | |
S1. Elicit a culture, social, and medical history. | H1. Elicitar o histórico médico, social e cultural. | |
S2. Use negotiating and problem-solving skills. | H2. Utilizar habilidades de negociação e de solução de problemas. | |
S3. Identify need for & collaborate with interpreter. | H3. Identificar a necessidade de intérpretes e colaborar com eles. | |
S4. Assess and enhance patient adherence. | H4. Avaliar e melhorar a adesão de pacientes. | |
S5. Recognize and manage the impact of bias. | H5. Reconhecer e gerenciar o impacto de preconceitos. | |
A1. Respect patient’s cultural beliefs. | A1. Respeitar as crenças culturais dos pacientes. | |
A2. Acknowledge the impact of physician biases. | A2. Reconhecer o impacto de preconceitos médicos. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Validação psicométrica
Participaram dessa etapa 320 estudantes, representantes dos oito períodos pré-clínicos do curso de Medicina da UFU, e a Tabela 1 mostra suas principais características.
Variável | Medida | X2 (GL); P- valor |
Idade, média (DP) | 22,2 ((3,7) | na |
Sexo, n (%) | ||
Feminino | 152 (47,9) | 0,54 (1); 0,465 |
Masculino | 165 (52,1) | |
Renda familiar, em salário mínimo, n (%) | 571,21 (5); 0,000 | |
Não informada | 206 (65) | |
Até 1 | 3 (0,9) | |
De 1 a 2 | 16 (5) | |
De 3 a 4 | 39 (12,3) | |
Acima de 4 | 53 (16,8) | |
Cor, n (%) | ||
Pardo | 120 (37,9) | 418,5 (4); 0,000 |
Preto | 13 (4,1) | |
Amarelo | 4 (1,3) | |
Branca | 179 (56,5) | |
Indígena | 1 (0,3) | |
Estado civil, n (%) | ||
Solteiro/a | 306 (96,5) | 865,58 (3); 0,000 |
Casado/a | 9 (2,8) | |
Divorciado/a | 2 (0,7) | |
Filhos, n (%) | ||
Nenhum | 311 (98,1) | 598,59 (2); 0,000 |
Um | 5 (1,6) | |
Dois | 1 (0,3) | |
Moradia, n (%) | ||
Sozinho/a | 89 (28,2) | 341,24 (6); 0,000 |
Pais | 126 (39,7) | |
Cônjuge | 9 (2,8) | |
Parentes | 13 (4,1) | |
Amigos | 77 (24,3) | |
Alojamento estudantil | 3 (0,9) | |
Religião, n (%) | ||
Católica | 103 (32,5) | 161,45 (6); 0,000 |
Evangélica | 57 (18) | |
Espírita | 42 (13,2) | |
Ateu/ateia | 68 (21,5) | |
Indefinida | 37 (11,7) | |
Não declarada | 10 (3,1) | |
Prática religiosa, n (%) | ||
Sim | 119 (37,5) | 19,69 (1); 0,000 |
Não | 198 (62,5) | |
Doença crônica, n (%) | 10 (66,7) | |
Sim | 41 (12,9) | 174,21 (1); 0,000 |
Não | 276 (87,1) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Consistência interna do item
A consistência interna do TAACT apresentou o KR-20 de 0,95. Esse resultado mostra que grande parte da variação dos domínios está sendo explicada pelos itens que os compõem.
Validade de construto
A estrutura fatorial do TACCT foi confirmada por meio de uma AFC. Os resultados de ajuste foram favoráveis à sua estrutura fatorial (χ2(GL= 2211) = 13513,75; p < 0,001; CFI = 0,88; TLI = 0,529; RMSEA = 0,06. A Figura 1 apresenta os cinco construtos do TAACT, as correlações moderadas entre os construtos (0,4 e 0,5) e as cargas fatoriais acima de 0,3.
DISCUSSÃO
Realizamos um estudo transversal metodológico com o objetivo de disponibilizar a versão norte-americana do TACCT para o português falado no Brasil e optamos por manter a mesma sigla da língua inglesa. Para isso, o instrumento foi traduzido e adaptado transculturalmente e teve suas propriedades psicométricas de validade e confiabilidade confirmadas pela participação de estudantes dos períodos antecedentes à fase de internato do curso de Medicina da Famed-UFU.
O TACCT é uma matriz importante para avaliar quais áreas da competência cultural representadas nesse instrumento foram ensinadas durante os primeiros quatro anos da Faculdade de Medicina. Esse instrumento pode servir como disparador para que as escolas médicas brasileiras possam, por meio da proposta dessa matriz, aprimorar seus currículos, a fim de que os/as estudantes possam realmente alcançar seu aprendizado relacionado à competência cultural, com o objetivo de eliminar as disparidades raciais e étnicas na área da saúde. Isso se faz necessário para que se atenda ao princípio constitucional e doutrinário do Sistema Único de Saúde (SUS) de universalidade do acesso à saúde, que prevê, a toda a população imigrante, o direito à atenção à saúde de maneira humanizada e qualificada28. Nesse sentido, destacamos que a atenção primária à saúde (APS) é um cenário possível para o aprimoramento da competência cultural, pois envolve a identificação das necessidades de diferentes grupos populacionais, de acordo com suas características étnicas, raciais e culturais, no contexto de suas representações sobre o processo saúde-adoecimento-cuidado29. Nesse sentido, com a disponibilização do TACCT, considerando-se os objetivos de aprendizagem em relação às abordagens culturais e étnico-raciais, é possível abordar o que deve ser esperado do/a estudante ao fim do curso de Medicina. Os resultados fornecem um panorama geral do currículo de graduação em Medicina, por exemplo, se faltam materiais de apoio que contemplem esses conteúdos30. Em suma, os/as estudantes podem avaliar se tiveram contato com esses conteúdos ou não, mensurando todos os conceitos e concepções dos itens dos domínios - que representam o resultado daquilo que se espera de um/a discente que finaliza a graduação no curso de Medicina em relação a esses construtos avaliados31.
Vale ressaltar que o TACCT foi projetado para fornecer uma visão geral da competência cultural dos currículos nas escolas médicas dos Estados Unidos e, como tal, não se destina a examinar o currículo de competência cultural com um alto nível de especificidade ou a perguntar sobre estratégias de ensino usadas para alcançar os objetivos de aprendizagem nos domínios11. Destacamos que o TACCT é uma ferramenta útil para obter uma visão instantânea do currículo de competência cultural, a fim de orientar o processo de identificação de lacunas no ensino e na aprendizagem11. Ademais, o TACCT também não foi projetado para abordar o currículo informal, que pode ter uma influência poderosa, mas indeterminada, na aprendizagem dos/as alunos/as ou na forma como eles/as são avaliados/as11.
Um fator favorável para a testagem da tradução e a adaptação transcultural foi o fato de que os/as estudantes tinham um contexto curricular semelhante, o que favoreceu o processo de responder ao TACCT. Além disso, como descrevem Lie, Boker et al.11, faltam-nos dados sobre as experiências educacionais dos/as alunos/as entrevistados/as em relação às vivências deles/as antes de ingressarem na Faculdade de Medicina e ao fato de elas terem afetado as respostas dadas. Como o nosso objetivo era testar o entendimento dos itens e as propriedades psicométricas do TACCT, a fim de disponibilizarmos essa matriz para as escolas médicas brasileiras, não consideramos que isso tenha comprometido o trabalho empreendido.
O objetivo do nosso estudo foi estabelecer a viabilidade do uso do TACCT quanto à sua equivalência semântica e às suas propriedades de medida em relação ao instrumento original, a fim de que ele funcione como um norteador para o planejamento curricular nas escolas médicas brasileiras. As análises psicométricas confirmaram a validade dessa matriz de competências, o que possibilitou certificar a sua estrutura fatorial, identificando os itens correspondentes aos cinco domínios. Além disso, a confiabilidade do instrumento foi confirmada.
Examinar as próprias crenças sobre como a medicina é ensinada e praticada é um ponto-chave para entender e aceitar a cultura do paciente31. Apenas incluir os temas de maneira longitudinal, como normalmente é proposto em saúde coletiva, será insuficiente se professores/as e estudantes não entenderem que o ponto de partida é uma matriz de competência cultural que garanta o aprendizado que inclui a forma de avaliação do/a estudante para checagem e garantia dessa formação. Isso se faz necessário porque uma boa parcela dos/as estudantes vê a competência cultural como uma ciência que não precisa de treinamento e atribui menor valor a ela do que aos aspectos biológicos da doença32.
CONCLUSÃO
O TACCT é um instrumento que avalia amplamente muitas facetas do ensino sobre competência cultural. A sua versão para o português falado no Brasil é válida e confiável e tem potencial para ser utilizada tanto na fase de implantação de novos conteúdos curriculares quanto no processo de revisão e aprimoramento de currículos das escolas médicas brasileiras.