INTRODUÇÃO
A saúde mental consiste no bem-estar psicológico ou ajustamento adequado, em particular quando tal ajustamento está de acordo com os padrões de relações humanas aceitos pela comunidade. Algumas características de saúde mental são: razoável independência, autoconfiança, auto-orientação, capacidade de fazer um trabalho, capacidade de assumir responsabilidade e fazer esforços necessários, confiabilidade, persistência, capacidade de relacionar-se e trabalhar com outras pessoas, cooperação, capacidade de trabalhar sob autoridade, entre outras1.
Apesar do caráter subjetivo e transcultural da saúde mental2, um aspecto imutável é o fato de ela ir além da simples ausência de perturbações psicológicas. Nesse sentido, diversas síndromes e variados transtornos mentais podem ser classificados em diferentes níveis, desde os mais graves até os mais brandos, de modo que a avaliação deve ser multiaxial considerar todos os aspectos de saúde e situação social do indivíduo3. Ademais, o adoecimento mental promove consequências para diversos âmbitos da vida: individual (baixa autoestima, dificuldade de concentração, distúrbios do sono, entre outros), ocupacional, organizacional (absenteísmo e presenteísmo) e social4.
Quando se observa a relação dos determinantes sociais no processo de adoecimento psíquico, tem-se como ponto inicial a relação de causalidade desses transtornos com a fase de formação e atuação profissional. Alguns cursos universitários, bem como determinadas atividades laborais, podem desencadear ou agravar esse processo, a exemplo do curso de Medicina, tornando-se uma das preocupações de instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS),Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e Organização Pan-Americana de Saúde (Opas)5. Isso ocorre, entre outros fatores, pelo fato de o curso de Medicina exigir grande dedicação, esforço, sacrifício e resistência física e emocional dos alunos, sendo considerado um dos mais desafiadores de cursar. Além disso, durante a formação médica, outros fatores potencialmente estressantes podem agravar essa situação e contribuir para o adoecimento mental,como o primeiro contato do estudante com o paciente e com a doença, a mudança brusca de domicílio, prolongado percurso curricular e aspectos de incerteza profissional6.
Outro fator que pode estar relacionado à situação da saúde mental dos alunos de Medicina corresponde ao modelo de ensino adotado pela universidade para o curso. Nesse quesito, destaca-se o modelo tradicional, pautado no estudante como mero recipiente da informação transmitida pelos professores, cuja desvantagem principal relaciona-se ao elevado número de conceitos novos para assimilação e memorização7. De forma alternativa, as metodologias ativas se caracterizam por colocarem os discentes no centro do processo ensino-aprendizagem, de modo a torná-los os atores sociais principais do processo de aquisição de conhecimento. Nesse sentido, torna-se essencial evidenciar o protagonismo de metodologias ativas, como a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) preconizada nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (DCN). Tal metodologia, criada no Canadá, no final da década de 1960, pela Universidade McMaster,consolida o professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem, bem como fomentador do projeto pedagógico que deve buscar a formação integral e adequada do estudante por meio de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência8.O principal objetivo desse recurso metodológico é fomentar um maior número de aulas práticas nos anos iniciais do curso por meio de sessões teórico-clínicas, aulas práticas em laboratório e aulas tradicionais com professores especialistas no conteúdo ministrado9),(10. Dessa forma, o método possibilita ao aluno a percepção de maior aplicabilidade dos conceitos abordados teoricamente no cotidiano médico.
Considerando os potenciais riscos de adoecimento mental de discentes em cursos de nível superior em saúde11),(12),(13),(14, principalmente de Medicina durante o percurso curricular, metodologias como a ABP tornam-se fundamentais como método alternativo ao sistema tradicional unilateral e verticalizado. Nos últimos anos, diversos estudos têm evidenciado os potenciais benefícios da ABP na saúde mental de estudantes de Medicina. Entretanto, mesmo com a crescente produção de literatura científica acerca dessa metodologia, nenhum estudo de qualidade de evidência e efetividade dessa intervenção foi identificado até o momento. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão sistemática de estudos que avaliaram a saúde mental de estudantes de Medicina submetidos ao método ABP.
MÉTODOS
O protocolo de execução desta revisão sistemática foi publicado na Plataforma Prospero (CRD42020152445), e todo o percurso metodológico dela está em consonância com premissas do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Prisma)15.
Fontes de dados e pesquisa
Uma busca de alta sensibilidade foi realizada em vários bancos de dados eletrônicos para identificar todos os estudos relevantes que avaliaram a saúde mental de alunos do curso de Medicina submetidos ao método ABP. As bases de dados foram: Cochrane Library, Medline via PubMed, Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Eric e Embase.
Critérios de inclusão e exclusão de estudos
Incluíram-se ensaios clínicos randomizados e não randomizados, assim como estudos observacionais, que apresentassem de forma integral seus respectivos conteúdos. Os critérios de elegibilidade foram estudos que avaliaram a saúde mental em discentes de Medicina submetidos ao método ABP e que os compararam com métodos tradicionais ou quaisquer outros métodos de aprendizagem. Definiram-se como método ABP estudos com abordagens pedagógicas capazes de desenvolver a habilidade de “aprender a aprender”, em que o discente seja desafiado a agir no intuito de transpor um obstáculo e realizar uma aprendizagem por meio da resolução de uma situação-problema com recorte de uma realidade, de um cenário complexo, de algo que é dinâmico9, assim como as metodologias que abrangeram sessões tutoriais, atividades em laboratórios, apresentações científicas e o uso de filmes10. Não houve restrição idiomática nem temporal quanto aos estudos obtidos. Todos os estudos que não obedeceram a esses critérios de inclusão foram excluídos, como os artigos que não avaliaram a saúde mental, aquelesem que a amostra não foi submetida à metodologia de ensino ABP,assim como artigos de revisão literária, relatos de caso e caso de séries.
Extração de dados e síntese da dados
Exportaram-se as referências recuperadas nas estratégias de pesquisa para um arquivo Mendeley®, e os resultados foram resumidos no diagrama de fluxo Prisma (Figura 1). Dois pesquisadores independentes (KCC e MR) selecionaram títulos e resumos, e os textos completos em potencial foram avaliados quanto aos critérios de elegibilidade. Nos casos em que houve desacordos, um terceiro pesquisador independente (MH) resolveu as discrepâncias. Na revisão sistemática, adotaram-se os seguintes tipos de estudo: observacional, transversal e longitudinal.
Para extração dos dados, dois pesquisadores independentes (KCC e MR) utilizaram um formulário preestabelecido para a coleta das informações sobre as características dos estudos: dados dos estudos (autores, nome do periódico, país e cenário do estudo, ano de publicação), dados sociodemográficos dos alunos de Medicina (sexo, faixa etária, estado civil, ocupação e renda familiar) e informações metodológicas (objetivo do estudo, desenho, tamanho da amostra total, aspecto ou variável da saúde mental avaliada e instrumentos usados para avaliá-la).
Inicialmente, havia a expectativa de realizar a síntese da dados a partir de dados numéricos, de forma dicotômica ou contínua. Entretanto, após a constatação de que havia uma ampla descrição dos resultados dos estudos selecionados, percebeu-se a inviabilidade desse critério sintético. Assim, executou-se a sumarização de dados extraídos por meio de uma descrição sumária dos principais achados dos estudos filtrados. Não foi possível realizar a síntese metanalítica em função de contrastes metodológicos nos estudos selecionados.
Avaliação da qualidade
Todos os estudos incluídos nesta revisão foram avaliados quanto à qualidade de evidência. Para isso, utilizou-se o Risk of Bias in Non-Randomized Studies-of Interventions (Robins), ferramenta da Cochrane para avaliação da qualidade de estudos observacionais. Tal instrumento avalia estudos de coorte e de caso-controle para revisões sistemáticas de intervenção, além de estimar os riscos de viés desses estudos. Essa ferramenta é composta por sete domínios: os três primeiros (confundimento, seleção dos participantes e aferição da intervenção) podem ser considerados como domínios pré-intervenção, específicos para estudos observacionais; os outros quatro (não recebimento da intervenção, perdas, aferição dos desfechos e relato seletivo dos desfechos) são pós-intervenção, podendo ser também, conceitualmente, potenciais vieses em ensaios clínicos randomizados. Foi elaborado um quadro para o preenchimento das características dos estudos e para a geração do gráfico e sumário de risco de viés. Também seutilizouo Microsoft Excel 2019 para a disposição dos dados em quadros.
RESULTADOS
Identificaram-se 1.261 estudos por meio de cinco plataformas eletrônicas de dados: 489 referências do Medline, 134 do Embase, 133 do Eric, 382 do Cochrane e 123 do Portal Regional da BVS. Após a exclusão de 108 duplicatas, realizou-se a análise detalhada de 1.153 títulos e resumos. Recuperaram-se artigos em texto completo para os 20 registros restantes, dos quais dezforam excluídos por não avaliarem a saúde mental. Por fim, encontraram-se dez estudos elegíveis para inclusão nesta revisão (Quadro 1). A Figura 1 apresenta o diagrama Prisma.
Primeiro autor | País | Duração do estudo | Desenho do estudo | Variável da saúde mental estudada | Instrumento utilizado para medir a variável |
Lewis et al.23 | Reino Unido | Não informada | Observacional e transversal | Gostar do curso e o estresse relacionado a ele; insegurança pela expectativa dos docentes por um currículo confuso; preocupação com o aprendizado médico; competição e método educacional; insuficiência da educação; falta de apoio docente e tempo para estudos curriculares e extracurriculares; senso de isolamento social e anonimato entre os alunos; conformidade com o esperado do curso | Questionário de autorrelato avaliado pelo the Perceived Medical Student Stress scale (PMSS) e Higher Education Stress Inventory (HESI). |
Barbosa et al.22 | Brasil | Não informada | Observacional e transversal | Burnout | Questionário abordando as três dimensões da síndrome de burnout: exaustão emocional, descrença e eficácia profissional. |
Bahar-Özvarişetal.16 | Turquia | Não informada | Observacional e longitudinal de caso-controle | Satisfação com o aprendizado cooperativo proporcionado pela ABP | Questionário sobre satisfação, |
Lucchetti et al.24 | Brasil e Estados Unidos | Seis meses | Observacional, transversal e intercultural | Depressão, ansiedade e estresse, empatia, abertura à espiritualidade, bem-estar, burnout e qualidade de vida | Escala de Ansiedade e Estresse (DASS-21), Pesquisa sobre Empathy, Spirituality, and Wellness in Medicine survey (ESWIM), Oldenburg Burnout Inventory (Olbi) e The World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref). |
Trappler17 | Estados Unidos | Não informada | Observacional e transversal | Satisfação do aluno com a mudança do módulo de neurociência para o modelo ABP | Questionário sobre satisfação. |
Yan et al.18 | China | Não informada | Observacional, transversal e de coorte | Satisfação com a metodologia de ABP | Questionário de satisfação e exame avaliativo. |
Holen et al.21 | Estados Unidos, Nepal e Noruega | Não informada | Observacional transversal | Tipo de personalidade relacionado com a satisfação com o método ABP | Os traços de personalidade foram aferidos pela versão curta do NEO Five-Factor Inventory (NEO-FFI). |
Jiménez-Mejías et al.19 | Espanha | Não informada | Observacional longitudinal de caso-controle | Satisfação dos alunos com a implementação da ABP | Questionário anônimo cujos itens foram escolhidos entre o Questionário de Avaliação do Ensino para Participação do Aluno e o Questionário de Avaliação Didática de Implicação do Aluno. |
Schauber et al.25 | Alemanha | Vinte e quatro meses | Observacional, longitudinal e prospectivo | Percepção dos alunos sobre o ambiente de aprendizagem, crenças de autoeficácia, afeto positivo relacionado ao estudo, apoio social, indicadores de aprendizado autorregulado e desempenho acadêmico | Medidas de autorrelato, Lista de Avaliação de Suporte Interpessoal (adaptada), Escala Geral de Autoeficácia de Schwarzer e Jerusalém, Estrutura de Pekrun e Achievement Emotion Questionnaire. |
Alimoglu et al.20 | Turquia | Vinte e quatro meses | Observacional, longitudinal e prospectivo | Satisfação com a ABP e tipos de satisfação | Adotou-seo Revised Ways of Coping Questionnaire (RWCQ) para investigar os componentes e determinantes de situações estressantes. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Estudos incluídos
Esta revisão contém somente artigos não randomizados, sendo seis transversais e quatro longitudinais (incluindo dois estudos prospectivos e dois caso-controle), totalizando um espaço amostral de 4.155 pacientes. Em relação à representação geográfica dos estudos incluídos, avaliamos estudos das Américas (quatro), da Europa (três) e da Ásia (três). Nenhum estudo da África e Oceania foi incluído. Informações adicionais sobre os estudos incluídos estão no Quadro1. Os anos de publicação variaram de 1998 a 2018, e todos os estudos foram publicados em língua inglesa.
Estudos excluídos
Dentre os artigos completos avaliados para elegibilidade, dez foram excluídos. Oito estudos não avaliavam a saúde mental do estudante. Um estudo era uma revisão de literatura. O último estudo excluído não avaliava a saúde mental dos estudantes de Medicina submetidos ao método ABP, e sim ao método tradicional. Os estudos estavam em língua portuguesa ou em língua inglesa e foram devidamente traduzidos antes da efetiva exclusão.
Variáveis de saúde mental investigadas
As variáveis de saúde mental analisadas pelos estudos foram: gostar do curso, insegurança por um currículo confuso, preocupação com o aprendizado médico no âmbito do desempenho e ambiente, competição relacionada ao método, preocupação com a insuficiência da educação, falta de apoio e feedback docente, falta de tempo para estudos curriculares e extracurriculares, isolamento social, expectativa com o curso, burnout, satisfação com o método ABP, depressão, ansiedade, estresse, empatia, abertura à espiritualidade, bem-estar e qualidade de vida.
Resultados dos estudos incluídos na revisão sistemática
Primeiro autor | Resultados dos estudos no âmbito de saúde mental |
Lewis et al.23 | Os alunos submetidos ao método ABP, em detrimento dos alunos submetidos ao ensino tradicional, relataram que gostam do curso e não sabem o que o corpo decente espera deles. Além disso, apontaram os seguintes aspectos: presença de um currículo pouco claro, preocupação em não conseguirem dominar todo o conteúdo médico, percepção de que a educação recebida não prepara para a atividade clínica, falta de tempo para estudar outros assuntos acadêmicos e praticar outras atividades acadêmicas, falta de tempo para atividades extracurriculares, falta de apoio dos colegas e decepção com as expectativas criadas pelo curso. |
Barbosa et al.22 | Os alunos submetidos à metodologia ABP foram diagnosticados com uma taxa de burnout de 12% da amostra (n =399), classificada como baixa. |
Bahar-Özvarişetal.16 | Os alunos que foram submetidos ao método ABP, com a aplicação de aprendizagem cooperativa, relataram que os membros do grupo instigavam uns aos outros a dominar o conteúdo e também se ajudavam. Além disso, mencionaram que foi agradável trabalhar em grupo. |
Lucchetti et al.24 | Os alunos brasileiros submetidos ao método ABP, em comparação com os alunos norte-americanos submetidos ao mesmo método, relataram significativamente mais depressão, maiores níveis de estresse, menor bem-estar, maior exaustão e menor qualidade de vida ambiental. |
Trappler17 | Os alunos submetidos à ABP relataram que o método foi bastante eficaz nos seus objetivos. No entanto, mencionaram, majoritariamente, que não o preferem. |
Yan et al.18 | Os estudantes tiveram contato com a ABP em apenas um módulo, e a maioria concordou que o método proporcionou maior satisfação, visto que permitiu o desenvolvimento de algumas habilidades autodirecionadas, bem como a possibilidade de lidar melhor com o estresse. |
Holen et al.21 | Há uma relação entre personalidade e satisfação com a ABP, e os estudantes menos sociaveis, mais introspectivos e timidos são os que apresentam menor grau de satisfação. |
Jiménez-Mejíaset al.19 | O método ABP promove não só uma maior satisfação dos estudantes, mas também maior desempenho. |
Alimogluet al.20 | Os estudantes que desenvolveram estratégias de enfrentamento com foco nos problemas (maioria dos estudantes) foram os mais satisfeitos com as atividades relacionadas à ABP (práticas), bem como obtiveramos melhores resultados nas avaliações. |
Schauber et al.25 | A interação entre as emoções dos estudantes, as avaliações, as percepções e os resultados depende do contexto educacional. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Risco de viés nos estudos incluídos
A Figura 2 mostra as características dos estudos incluídos e orisco de viés, e a Figura 3 apresentao sumário de risco de viés: julgamentos do autor da revisão sobre cada item de risco de viés nos estudos incluídos.
De acordo com a ferramenta Robins-I, na Figura 3, três dos estudos - Bahar-Özvariş et al.16, Trappler17) e Yan et al.18 -que avaliaram a satisfação tiveram um risco crítico de viés, outros três estudos - Alimogluet al.20, Holenet al.21 e Lewis et al.23) -tiveram um risco moderado de viés, com exceção do estudo de Jiménez-Mejíaset al.19 que apresentou risco grave. Os dois estudos - Barbosa et al.22 e Lucchettiet al.24) - que avaliaram burnoute distúrbios psicológicos tiveram um grave risco de viés. Um dos estudos - Schauberet al.25 -que avaliou o apoio social e ambiente de aprendizagem apresentou risco crítico de viés.
Autor (ano) | Confundimento | Seleção dos participantes | Aferição da intervenção | Não recebimento da intervenção atribuída | Perdas | Aferição dos desfechos | Relato seletivo dos desfechos |
Lewis et al., 2009 | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Baixo risco | Sem informação | Risco moderado | Baixo risco |
Barbosa et al., 2018 | Grave risco | Risco moderado | Baixo risco | Baixo risco | Sem informação | Risco moderado | Baixo risco |
Bahar-Özvariş et al., 2006 | Grave risco | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Sem informação | Baixo risco | Risco crítico |
Lucchetti et al.,2018 | Grave risco | Grave risco | Baixo risco | Baixo risco | Sem informação | Risco moderado | Baixo risco |
Trappler, 2006 | Risco crítico | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Sem informação | Risco moderado | Baixo risco |
Yan et al., 2017 | Risco crítico | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Baixo risco | Risco moderado | Risco moderado |
Holen et al., 2015 | Risco moderado | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Sem informação | Baixo risco | Baixo risco |
Jiménez-Mejías et al., 2015 | Grave risco | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Sem informação | Baixo risco | Risco moderado |
Alimoglu et al.,2011 | Risco moderado | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco |
Schauber et al., 2015 | Risco crítico | Risco moderado | Baixo risco | Baixo risco | Risco moderado | Risco moderado | Baixo risco |
Fonte: Elaborado pelos autores.
DISCUSSÃO
Dentre os dezestudos finais analisados, Bahar-Özvariş et al.16, Trappler17, Yan et al.18, Jiménez-Mejíaset al.19) e Alimogluet al.20) relacionaram a ABP com um melhor desempenho dos estudantes, ou seja, o método foi capaz de promover o desenvolvimento de habilidades auto direcionadas, bem como uma aprendizagem cooperativa. Nesse sentido, alguns estudos relataram resultados melhores em avaliações de grupos sob a metodologia ABP em comparação com grupos submetidos ao método tradicional. Esse fator pode estar atrelado a um maior grau de satisfação em relação à ABP, visto que algumas características relevantes para uma boa saúde mental podem ser adquiridas no decorrer do método, como a autoconfiança, a persistência, a cooperação e a capacidade de lidar melhor com o estresse.
É importante destacar também o fato de as características pessoais interferirem na satisfação do estudante em relação à ABP. Nessa perspectiva, Alimogluet al.20) e Holenet al.21) demonstraram que tanto alunos capazes de desenvolver estratégias de enfrentamento eficazes com foco seus problemas quanto aqueles mais extrovertidos são os mais satisfeitos com o método. Isso decorre do fato de haver uma exposição constante desses estudantes, reforçada por sessões tutoriais, seminários e maior contato com a prática ainda nos primeiros semestres do curso. Desse modo, a personalidade é uma variável capaz de alterar a percepção acerca da metodologia, bem como contribuir para uma maior probabilidade do adoecimento mental em estudantes tímidos e mais introvertidos.
Ademais, Barbosa et al.22) analisarama taxa de burnout e constataram um índice considerado baixo: 12% da amostra analisada. Por sua vez, Trappler17) observou que a maioria dos participantes mostrou maior preferência pelo método tradicional. Isso pode estar relacionado a algumas percepções individuais sobre o método relatadas por Lewis et al.23: não saber o que o corpo docente espera dos estudantes, presença de um currículo pouco claro, preocupação em não conseguir dominar todo o conteúdo médico, perceber que a educação recebida não prepara para a atividade clínica, falta de tempo para estudar outros assuntos acadêmicos e praticar outras atividades acadêmicas, falta de tempo para atividades extracurriculares, falta de apoio dos colegas e decepção com as expectativas criadas pelo curso, entre outras. Por fim, o estudo de Lucchetti et al.24, que comparou os alunos brasileiros de Medicina com os norte-americanos, revelou que os brasileiros têm significativamente mais depressão, maiores níveis de estresse, menor bem-estar, maior exaustão e menor qualidade de vida ambiental. Isso pode ser explicado por alguns fatores: diferenças culturais (pessoas latinas tendem a ser mais emotivas), imaturidade (possibilidade, no Brasil, de ingresso de estudantes muito jovens nas universidades), qualidade de vida (os Estados Unidos superam o Brasil nesse quesito) e tamanho das classes (no Brasil, há, em geral, muitos alunos nas salas de aula)24.
Os artigos selecionados para a revisão sistemática convergem no sentido de que todos admitem que os estudantes de medicina submetidos ao método de ensino ABP apresentam estressores específicos desse tipo de metodologia, que, dependendo do estressor, é superior, ou não, à metodologia tradicional; no entanto, é fato que, em ambos, há diversos estressores que prejudicam a saúde mental dos estudantes. Desse modo, a metodologia da APB requer constante participação e exposição do discente, fato que promove a insatisfação dos alunos tímidos20),(21. Ademais, a falta de tempo para o lazer, a falta de estrutura física, a solidão e a insegurança quanto ao método são fatores agravantes para a saúde mental dos alunos23. Como consequência disso, há a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em estudantes de Medicina, fatores que promovem uma redução no rendimento da aprendizagem e nas tarefas cotidianas e a ocorrência de baixa autoestima e insegurança24.
De forma geral, os achados da presente revisão sistemática mostraram-se ambíguos, ora favorecendo a ABP, em detrimento do modelo tradicional, ora o contrário. Além disso, constataram-se prejuízos mentais e fisiológicos pela deteriorada saúde mental que esses estudantes apresentam. Sobre as limitações, entende-se que a estratégia de inclusão não investigou artigos em todos os bancos de dados existentes. Além disso, os estudos revisados são de natureza observacional, o que já aumenta exponencialmente alguns riscos de viés, como o viés de confundimento. Por fim, sugerem-se pesquisas de estudo prospectivo longitudinal, com cegamento dos avaliadores, análise multivariável, considerando possíveis fatores limitantes, amostragem relevante e intervenção sistematizada baseada na literatura preexistente.
CONCLUSÃO
Esta revisão sistemática, pautada no método Cochrane, objetivou relacionar três fatores: estudantes de Medicina, saúde mental e ABP. Os resultados obtidos são importantes porque podem ser utilizados para definir diretrizes para o curso de Medicina, com o objetivo de melhorar a formação do profissional e, por conseguinte, a sua atuação no mercado de trabalho. De forma geral, os achados do presente estudo mostraram-se predominantemente em favor da ABP como a metodologia que promove melhor resultado no que concerne à saúde mental, o que não significa, contudo, a inexistência de transtornos mentais entre os participantes do modelo ABP, mas, sim, uma menor taxa em comparação com o modelo tradicional. Os artigos selecionados para a revisão sistemática convergem no sentido de que todos admitem que os estudantes de Medicina submetidos ao método de ensino ABP apresentam estressores específicos desse tipo de metodologia. No entanto, é fato que, em ambos, há diversos estressores que prejudicam a saúde mental dos estudantes.