INTRODUÇÃO
Os Cuidados Paliativos (CP), de acordo com a Organização Mundial da Saúde, referem-se ao conjunto de terapias assistenciais em saúde promovidas por uma equipe multidisciplinar, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes (adultos e crianças) e de seus familiares, diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida. Por meio dos CP, é possível prevenir e aliviar o sofrimento, identificar precocemente as necessidades do paciente, realizar uma avaliação impecável e tratar da dor e dos demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais1. São evidentes a importância desses cuidados e a magnitude de pacientes em fase terminal que podem ter o sofrimento reduzido com a assistência paliativa estruturada diante de doenças incuráveis.
Os saberes envolvidos nos CP podem ser elencados em três níveis. O primeiro consiste na abordagem paliativa, que é o conhecimento que todo profissional de saúde, incluindo o médico, deveria receber na graduação e, portanto, poderia ofertar aos pacientes portadores de doenças incuráveis na trajetória de enfrentamento do adoecimento, quando não existem sintomas complexos. O segundo nível é denominado cuidados paliativos gerais, que consistem nos saberes dos profissionais que lidam frequentemente com pessoas com necessidades paliativas, como a oncologia e a terapia intensiva, mas não são especialistas em CP, ou seja, incluem a atenção em CP com a especialidade primária. No terceiro nível, estão os cuidados paliativos especializados, que tratam do conjunto de abordagens ofertadas pelos especialistas em CP e atendem pacientes com demandas de maior complexidade2),(3.
Dessa maneira, compreende-se que as competências envolvidas na abordagem paliativa deveriam ser conhecidas por todos os médicos generalistas, e, por esse motivo, o ensino deveria ser ofertado na graduação4. Trata-se de temática básica, não especializada, em que se abordam a dor e outros sintomas desconfortáveis, a comunicação de más notícias, o acolhimento e apoio na organização familiar, o trabalho em equipe multidisciplinar, as questões relacionadas com a bioética da terminalidade, entre outros aspectos2),(3.
Todavia, de acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, apenas 14% dos cursos de Medicina do Brasil ofertam disciplina direcionada para os CP na grade curricular. No caso dos CP, não cabe a expressão “bom senso”, pois eles exigem aprendizado, assim como outras áreas da medicina. Se forem ofertados de maneira estruturada, haverá melhora da qualidade de vida dos pacientes adoecidos, diminuição dos sintomas desconfortáveis e redução de custos desnecessários5),(6.
Assim, há um problema a ser abordado na formação médica: a capacitação dos futuros médicos para cuidar de pessoas portadoras de sofrimentos relacionados com a terminalidade da vida. O ensino não se dá apenas no currículo formal, mas também em todas as aulas, atividades e vivências do estudante de Medicina relacionadas com pacientes portadores de doenças potencialmente fatais. Não basta ofertar conteúdo, é preciso avaliar a eficiência do ensino, ou seja, verificar se ele proporciona a aquisição das competências necessárias aos estudantes, que são definidas pelo conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes2),(3),(7)-(10.
Diante da pandemia da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - Sars-CoV-2), o ensino médico, desde 2020, precisou se adaptar ao ensino mediado por tecnologias (EMT), sem práticas ambulatoriais ou em enfermarias e com redução do contato informal entre estudante e estudante e entre eles e os docentes11. Assim, questionou-se como ocorreria a aquisição de competências nessa modalidade de ensino.
Experiências prévias de EMT mostraram que a educação em CP foi eficaz nas escolas médicas. As vantagens encontradas foram a flexibilidade do tempo de acesso do estudante e o controle sobre o ambiente de aprendizagem pelo professor. No entanto, impõe papel ativo ao estudante na busca pelo saber por meio da execução das tarefas e menor interação entre os atores. Ao professor compete o preparo das atividades de maneira extremamente planejada e intencional para o alcance dos objetivos de ensino propostos, com menor chance de adaptações em tempo real12)-(15.
Diante do contexto apresentado, este estudo teve como objetivo avaliar a aquisição de competências em CP, no nível da abordagem paliativa, entre estudantes de Medicina matriculados em uma disciplina de CP mediada por tecnologias.
MÉTODO
Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e está registrado na Plataforma Brasil - Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 99340218.0.0000.0102. Todos os participantes foram orientados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo ocorreu de outubro a dezembro de 2020.
Todos os 45 estudantes de Medicina matriculados na disciplina de CP foram convidados para participar. A disciplina foi especificamente desenvolvida para o EMT, com carga horária de 40 horas, distribuídas ao longo de sete semanas. A ementa propunha atividades como aulas síncronas e assíncronas, leitura dirigida, problematização em casos clínicos e simulações.
O plano de ensino abordou introdução e conceito dos CP; manejo de sintomas desconfortáveis, como dor, respiratórios, digestivos e delirium; comunicação de más notícias; apoio psicossocial ao paciente e cuidador(es) não remunerados; abordagem da espiritualidade e anamnese espiritual; bioética em fim de vida e processo ativo de morte.
Os estudantes responderam individualmente ao instrumento de pesquisa PalliComp16 na semana que antecedeu o início das atividades da disciplina e, novamente, após a finalização das atividades e antes da divulgação das notas finais. O instrumento foi apresentado aos participantes por meio de formulário eletrônico Google Forms com preenchimento individual e anônimo. Pediu-se que não fossem consultados outros materiais durante o preenchimento.
O instrumento de pesquisa escolhido foi o PalliComp, que é um questionário validado para aferição de competências em CP entre estudantes de Medicina. Trata-se de um questionário de 25 itens na língua portuguesa, com as respostas dispostas em escala Likert de cinco pontos, e o participante assinala a alternativa mais adequada para cada afirmativa, com tempo de preenchimento estimado de 20 minutos16.
Extraíram-se os dados obtidos em planilha eletrônica, e cada item recebeu a pontuação: +1 (totalmente correto), +0,5 (correto), 0 (alternativa neutra), -0,5 (incorreto) e -1 (totalmente incorreto). Atenção foi dada à correção de afirmativas propositalmente incorretas, que tiveram a pontuação invertida. A pontuação obtida foi agrupada em cada uma das dez competências e transformada em escores. Os escores foram calculados pela fórmula = (variável - nota mínima)/(nota máxima - nota mínima) e transformados numa escala 0 a 100. Compararam-se os escores antes e depois da intervenção. Submeteram-se os dados à análise estatística pelo software Estatístico R, versão 3.6.3 (R Core Team). O nível de significância estatística adotado foi de 0,05. Aplicaram-se os testes de Mann-Whitney para amostras independentes.
RESULTADOS
Dos 45 estudantes matriculados na disciplina de CP, dois não puderam ser incluídos porque eram auxiliares de pesquisa, e 37 aceitaram participar da coleta de dados inicial (antes da disciplina) e 32 da final (após a disciplina).
A amostra de estudantes foi caraterizada por 68,9% de mulheres e 31,1% de homens, com idade média de 23,9 ± 3,5 anos (mínimo 20 e máximo 37). Estavam matriculados no ciclo básico 12 estudantes (32,4%) e 25 (67,6%) no ciclo clínico. Apenas quatro alunos (10,8%) participaram anteriormente de atividade extracurricular na área de CP, com duração superior a seis meses, como liga acadêmica ou projeto de extensão.
O estudo das competências pode ser observado na Tabela 1 e Gráfico 1, com a comparação dos escores antes e depois da disciplina de CP. Exceto a competência 9 (comunicação), as restantes mostraram elevação dos escores antes e depois da disciplina. Entretanto, apenas as competências 1, 2, 3, 6 e 7 (respectivamente: conceito, manejo de sintomas físicos, psicoemocionais, família e bioética) apresentaram elevação estatisticamente significativa. Da mesma maneira, o escore geral de aquisição de competências mostrou elevação estatisticamente significativa.
Competências | Estudo inicial (n = 37) | Estudo final (n = 32) | Valor de p |
---|---|---|---|
Escore ± desvio padrão | Escore ± desvio padrão | ||
Competência 1 | 61,1 ± 29,0 | 86,2 ± 23,5 | < 0,001 |
Competência 2 | 46,7 ± 22,3 | 64,6 ± 29,6 | 0,004 |
Competência 3 | 58,1 ± 24,3 | 81,2 ± 23,2 | < 0,001 |
Competência 4 | 75,7 ± 26,8 | 85,9 ± 26,1 | 0,07 |
Competência 5 | 64,9 ± 24,6 | 70,3 ± 33,3 | 0,13 |
Competência 6 | 79,0 ± 23,2 | 87,5 ± 25,4 | 0,03 |
Competência 7 | 66,9 ± 27,7 | 78,9 ± 26,3 | 0,05 |
Competência 8 | 52,7 ± 28,7 | 55,5 ± 34,6 | 0,67 |
Competência 9 | 55,2 ± 23,1 | 54,9 ± 26,9 | 1,00 |
Competência 10 | 79,3 ± 29,8 | 84,4 ± 36,9 | 0,13 |
Competência geral | 63,9 ± 14,7 | 74,9 ± 14,6 | 0,001 |
Teste Mann-Whitney para amostras independentes; diferença estatisticamente significativa em negrito.
Competência 1. Aplicar os constituintes centrais dos CP no ambiente próprio e mais seguro para os doentes e as famílias; Competência 2. Aumentar o conforto físico durante as trajetórias de doença dos doentes; Competência 3. Atender às necessidades psicológicas dos doentes; Competência 4. Atender às necessidades sociais dos doentes; Competência 5. Atender às necessidades espirituais dos doentes; Competência 6. Responder às necessidades dos cuidadores familiares em relação aos objetivos do cuidar em curto, médio e longo prazos; Competência 7. Responder aos desafios da tomada de decisão clínica e ética em CP; Competência 8. Implementar uma coordenação integral do cuidar e um trabalho de equipe interdisciplinar em todos os contextos em que os CP são oferecidos; Competência 9. Desenvolver competências interpessoais e comunicacionais adequadas aos CP; Competência 10. Promover o autoconhecimento e o contínuo desenvolvimento profissional.
DISCUSSÃO
A pandemia da Sars-Cov-2 trouxe desafios superlativos à sociedade em geral e à saúde pública na maior parte do mundo. A educação médica, que consistia em atividades essencialmente presenciais, enfrentou desafios para se adaptar. No curso avaliado, as atividades tiveram que ser rapidamente adaptadas ao EMT e sem a certeza do sucesso da aquisição de competências educacionais. Os estudantes, apesar de pertencerem à geração nativa digital, não tinham familiaridade com a plataforma de ensino adotada pela universidade e o ensino regular nessa modalidade.
É importante ressaltar que o conceito de competências utilizado neste estudo foi aquele definido por Perrenoud et al.10 em 2002, que consiste na capacidade de o “educando agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiado pelos conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (p.141). Segundo os autores, a escola, de fato, encarrega-se de transferir conhecimentos, mas nem sempre é capaz de ligar esses saberes com a própria vida do estudante ou com a realidade profissional. Assim, o estudo pode ficar dissociado da realidade. Recomenda-se que a escola trabalhe para a aquisição de proficiência, ou seja, que o estudante domine as habilidades necessárias para o desempenho de uma determinada profissão e seja capaz de agir eticamente em direção às atitudes profissionais desejáveis2),(3),(9),(10.
Este estudo demonstrou que a estratégia adotada para o ensino foi razoavelmente bem-sucedida, uma vez que a competência geral dos estudantes se elevou de maneira significativa, mas que poderá ser aprimorada para que todas as competências apresentem melhores escores no futuro. Possivelmente, as atividades práticas no ambiente assistencial poderiam estimular os estudantes especialmente naquelas competências em que o aprendizado se dá com a instrumentalização seguida da interação humana, como a comunicação e o trabalho em equipe.
Os discentes adquiriram familiaridade com a definição e os princípios dos CP, e a abordagem de sintomas físicos desconfortáveis e do sofrimento psicoemocional, o que pode ser demonstrado pela elevação significativa dos escores nas competências 1, 2 e 3. Trata-se de saberes importantes para a prática assistencial do futuro médico generalista, mas não são suficientes de maneira isolada. A abordagem dos sofrimentos social e espiritual também faz parte das competências essenciais voltadas para a saúde integral de pessoas adoecidas, contudo, por falta de preparo dos profissionais de saúde, raramente é inserida nos cuidados17),(18. Infelizmente, a elevação observada nos escores das competências 4 e 5 foi pequena e não apresentou diferença estatisticamente significativa, o que indica a necessidade de revisão da estratégia de ensino para essas competências.
A aquisição de competências para abordar os familiares dos pacientes e apoiar o planejamento dos cuidados e a tomada de decisão ética em CP mostraram elevação significativa dos escores nas competências 6 e 7. No entanto, não houve elevação dos escores de competências relacionadas com o trabalho em equipe, comunicação e autodesenvolvimento (competências 8, 9 e 10), que são competências adquiridas essencialmente na prática, com interação entre os estudantes, os pacientes e a supervisão docente.
Neste estudo, a competência da comunicação, infelizmente, mostrou pequena redução dos escores, sem diferença estatística significativa, apesar de a temática ter sido abordada na disciplina de maneira teórica, seguida de prática, discussão em equipe e debriefing. O EMT proporcionou o contato dos estudantes com a temática, mas possivelmente não foi capaz de permitir, de fato, o treinamento desejável sobre os CP. A aquisição de competências ocorre gradualmente, de acordo com a exposição do estudante aos desafios e às necessidades impostas no processo de ensino2),(3),(9, e a obrigatoriedade do distanciamento físico provocada pela pandemia, apesar de necessária, resultou em algum prejuízo ao ensino médico11.
Pode-se supor que o EMT tenha sido frágil para o desenvolvimento da segurança entre os estudantes em habilidades práticas desafiadoras, nas quais o processo de aprendizado leva tempo e ocorre por meio das próprias experiências. É provável que, num primeiro momento, o estudante tenha se conscientizado do que não sabia, ou seja, tenha passado do estágio da incompetência inconsciente para a incompetência consciente e possivelmente para a competência consciente. Todavia, o aprendizado se mostrou superficial e frágil. Apesar do contato com a oportunidade do aprendizado, é compreensível que o discente fique inseguro em avaliações precoces19),(20.
A pesquisa de satisfação dos estudantes com a modalidade de ensino consistiu em uma roda de conversa por videoconferência e feedback voluntário no final do curso, e, infelizmente, não foi quantificada. A maioria relatou satisfação, mas alguns apontaram que o método foi exigente e desafiador, e os alunos não estavam seguros do aprendizado, pois tratava-se da primeira experiência de aprendizado on-line. Estudantes de medicina norte-americanos e alemães obtivem ganhos equivalentes de conhecimento com o EMT e o ensino tradicional, entretanto aqueles mostraram menor satisfação no EMT13 e estes apresentaram maior satisfação15.
A satisfação é uma experiência subjetiva e envolve variáveis que nem sempre podem ser aferidas ou controladas. A discrepância da satisfação com relação ao EMT pode ser atribuída, entre outros fatores, à dificuldade de adaptação às metodologias on-line e ao grau de experiência tanto de docentes como de discentes12),(15. Esse fato deve ser levado em consideração apesar da falta de opções de ensino durante a pandemia. Os estudantes e os docentes tiveram que aprender e se adequar ao método de ensino, apesar da ausência de experiência prévia em EMT na universidade avaliada.
A metodologia inserida no EMT inclui diversas formas de ensino anteriormente empregadas no ensino presencial. A ementa didática da disciplina avaliada neste estudo foi composta com as temáticas essenciais dos CP, como introdução e conceito dos CP; manejo de sintomas desconfortáveis (por exemplo: dor, dispneia, constipação e delirium); comunicação de más notícias; apoio psicossocial ao paciente e cuidador(es) não remunerados; abordagem da espiritualidade e anamnese espiritual; bioética em fim de vida e processo ativo de morte. A mesma temática era ofertada no ensino presencial anterior à pandemia, mas que, curiosamente, não havia sido qualificada.
Não é possível separar totalmente as competências avaliadas neste estudo, visto que sua aquisição ocorre de maneira simultânea em várias áreas do saber10. De maneira geral, para as questões técnicas optou-se por aulas expositivas, leitura dirigida e problematização por meio de casos clínicos. Para as questões humanas, optou-se por discussão em grupo e simulação, com debriefing. E para as questões relacionais, tentou-se a resolução de tarefas em equipe, após reflexão individual.
O que se pode observar é que as competências essencialmente objetivas e claramente relacionadas com o trabalho do médico, como o conceito de CP e o manejo de sintomas, apresentaram notável aquisição de competências. Em relação às competências subjetivas e, talvez, mais distantes da percepção estudantil de que fazem parte do trabalho convencional do médico - como a abordagem social e espiritual -, não mostraram elevação significativa dos escores. Ou seja, a aquisição de competências objetivas foi notável, o que não ocorreu com as subjetivas. Já as competências relacionais, com o trabalho em equipe e a comunicação, apesar de abordadas, não mostraram ganhos.
A complexidade do ensino médico nos CP foi abordada por Boland et al.12. Ensino, vivência e treinamento são imprescindíveis para que o futuro médico compreenda as necessidades assistenciais dos pacientes em fim de vida. O EMT poderá ofertar conhecimentos e aquisição de algumas habilidades, mas possivelmente não substituirá o contato humano e o aprendizado a ele relacionado. Estudantes turcos que foram submetidos ao ensino de CP por EMT também mostraram aumento de competências em relação aos controles14. Pode-se compreender que ofertar EMT é uma estratégia educacional válida e que merece atenção nos cursos de Medicina, mas possivelmente é essencial incluir práticas ambulatoriais e hospitalares para formar futuros médicos competentes nas questões do fim de vida. Também é possível que o amadurecimento das estratégias educacionais, após esse o período inicial de experimentação docente e discente, mostre resultados mais favoráveis.
Apesar de diversas competências fundamentais aos CP estarem implícitas no ensino médico, a subjetividade necessária à humanização está fortemente vinculada à interação humana. Em estudos que avaliaram o desenvolvimento específico da comunicação com alunos de Medicina, verificou-se, de maneira geral, a exigência de maior carga horária de treinamento prático, de vivência e de reflexão em grupo21. Ainda, os estudantes podem subestimar a própria capacidade ou superestimá-la de acordo o grau de confiança depositado na experiência de ensino, o que não necessariamente está relacionado com a aquisição real de competências14),(21),(22.
A relação da subjetividade na aquisição de competências também esteve presente em outros estudos. Em 2017, Hagiwara et al.23 observaram que a dificuldade de abordagem de questões espirituais e religiosas estava relacionada com diferenças culturais e a diversidade de interpretações entre profissionais de saúde e pacientes. Em 2014, Anneser et al.24 perceberam que a experiência pessoal do estudante tem influência sobre a aprendizagem. As emoções mal elaboradas ou não reconhecidas sobre o pesar e a morte podem interferir na capacidade dos futuros médicos de lidar de forma adequada com os medos e as necessidades dos pacientes e familiares no final da vida. Sendo assim, cada estudante é singular, traz uma bagagem de experiências, e esses fatores tem influência sobre a percepção dos CP, assim como na aquisição de competências.
Ainda, vale ressaltar que todas as competências listadas estão fortemente entrelaçadas. Descrevê-las de maneira separada é uma facilitação didática, mas que não corresponde ao mundo real. A comunicação qualificada é essencial para a interação médico-paciente, médico-família e médico-equipe, e aumenta a possibilidade de o profissional escutar pessoas com empatia, dividir informações sobre terapêuticas, diagnóstico e prognóstico, trabalhar em equipe, acolher familiares e ter decisões éticas3),(23)-(26.
O aprendizado referente à comunicação e ao trabalho em equipe é essencial ao futuro médico generalista que se propõe ao atendimento humanizado, especialmente quando se trata de pessoas na fase final de vida e vulneráveis. O distanciamento físico imposto pela pandemia pode ter sido um dificultador para a melhora dos escores dessas competências, mas tal condição poderá resultar em um ensino mais bem estruturado no futuro diante das necessidades atuais.
Reconhecer o que se sabe e o que carece de aprimoramento é parte do desenvolvimento profissional, e, infelizmente, a amostra avaliada ainda não adquiriu a competência de maneira satisfatória, demonstrada pela competência 10. O profissionalismo refere-se ao potencial do indivíduo para realizar o trabalho de forma competente e plausível, desenvolver práticas médicas seguras, compreender os limites das próprias habilidades e agir motivado pelos melhores interesses dos pacientes2),(3),(27),(28.
Como limitação ressalta-se que a disciplina ofertada foi o primeiro contato formal em CP da maioria dos estudantes avaliados. O sucesso na aquisição de competências era desejado, e houve esforço no desenho da estratégia de ensino, mas não se pode atribuir grande expectativa a uma disciplina no seu primeiro ciclo de oferta mediado por tecnologia e sem práticas assistenciais. Há necessidade de mais estudos para se concluir de maneira definitiva a melhor forma de ensinar CP no curso de Medicina. Felizmente, os estudantes vivenciarão outros momentos de aprendizado nos estágios práticos.
O EMT possui fragilidades, assim como o ensino anteriormente desenvolvido. É necessário avaliar a aquisição de competências independentemente da metodologia ofertada, sobretudo em temáticas emergentes que não têm ementa didática predefinida. O EMT não pode ser reduzido a aulas por videoconferências síncronas ou assíncronas, mas deveria agregar a tecnologia existente para levar o estudante à formação desejável ao médico generalista e definida nas Diretrizes Curriculares Nacionais29.
Na pandemia, professores e estudantes precisaram adquirir competências tecnológicas de ensino e aprendizagem. Interesse, estudo, dedicação, reavaliação dos métodos de ensino e aferição da aquisição de competências representaram o começo desse processo. Não se deveria reduzir o estudo da aquisição de competências apenas ao período da pandemia, uma vez que as ferramentas de ensino incorporadas são atemporais. O EMT traz um universo de novas perspectivas pouco utilizadas no ensino médico brasileiro, como a possibilidade do ensino híbrido, a gamificação, entre outros.
Os resultados deste estudo permitem compreender que o ensino ofertado permitiu aquisição parcial das competências em CP no nível da abordagem paliativa entre os estudantes de Medicina avaliados. O desempenho foi satisfatório nas competências relacionadas com o conceito de CP, as abordagens física e emocional, a família e a tomada de decisão ética. Não houve desempenho satisfatório nas competências relacionadas com as abordagens social e espiritual, o trabalho em equipe, a comunicação e o autodesenvolvimento.
CONCLUSÃO
Em plena pandemia, ensinar CP aos estudantes de Medicina foi um processo desafiador. Por conta da suspensão das atividades presenciais, houve a necessidade de adequar o ensino ao EMT, sem experiência tecnológica anterior tanto dos docentes como dos discentes. A estratégia de ensino ofertada mostrou que o escore geral de competências em CP aumentou de maneira significativa. Conclui-se que houve aquisição de competências em CP no nível da abordagem paliativa com EMT entre estudantes de Medicina e que a estratégia de ensino se mostrou válida, porém, a partir deste estudo, deve-se revisar a proposta didática para direcionar o aprendizado a cada uma das competências desejáveis aos futuros médicos.