INTRODUÇÃO
O sono é um estado fisiológico que se dá de forma cíclica em grande quantidade de seres vivos do reino animal, tendo sido analisados comportamentos de repouso e atividade, que compõem um ciclo vigília-sono. O sono tem natureza não homogênea, visto que algumas fases dele apresentam características semelhantes às da vigília quando analisadas no eletroencefalograma (EEG), à medida que outras etapas demonstram ondas lentificadas no exame1. Desse modo, encontra-se dificuldade em definir de forma simplista o estado de sono.
A regulação do ciclo vigília-sono é feita nos núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo, que controlam o ritmo circadiano no corpo2. Os núcleos recebem informação da quantidade de luz do ambiente. Essa informação permite sincronização do organismo com as 24 horas do dia geográfico3.
Geralmente o sono apresenta cinco fases: estágios I, II, III, IV (sono não-REM) e sono REM (rapid eye movement)4. No sono NREM, o indivíduo apresenta redução progressiva de movimentos corporais, aumento de ondas lentas no EEG e ausência de movimentos oculares rápidos. No sono REM, o indivíduo apresenta hipotonia ou atonia muscular, sonhos, movimentos oculares rápidos e movimentos físicos5.
Estudos realizados com seres humanos com privação de sono ou com distúrbios do sono demonstram comprometimento da atenção e de outras atividades cognitivas6. Longos períodos de privação do sono podem levar a delírios, desorganização do ego e alucinações7.
No Brasil, estima-se que de dez a 20 milhões de pessoas possuam distúrbios do sono8. Os distúrbios de maior prevalência na população geral são a insônia e a síndrome da apneia obstrutiva do sono9.
Os acadêmicos de Medicina, mesmo antes de adentrarem a universidade, enfrentam grande concorrência nos vestibulares e sofrem com alterações em atividades básicas como sono e alimentação10. Na universidade, os alunos de Medicina se deparam com falta de tempo e com exaustão nos primeiros períodos de estudo, visto que o curso possui carga horária integral.
Os discentes, ao buscarem uma boa qualificação profissional, complementam suas formações médicas com cursos extracurriculares deixando atividades básicas cada vez mais para o final do dia, o que os leva a desenvolver distúrbios do sono11.
Após a etapa inicial do curso, o aluno adentra a fase profissionalizante, na qual se depara com o paciente, a doença e a morte, seguida do ciclo de internato, período em que o estudante passa pela transição entre a vida acadêmica e de profissional médico, o que exige dedicação integral e dificuldade de controle do tempo12. Diversas publicações sobre privação de sono e consequente queda no rendimento profissional têm sido descritas na literatura13),(14.
Além disso, no início do ano de 2020, os estudantes de Medicina foram expostos a um surto de doença causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda severa 2, acoronavirus disease 2019(Covid-19). Rapidamente, o vírus se espalhou pelo mundo todo, tornando-se a primeira pandemia por coronavírus15.
A pandemia de Covid-19 provocou inúmeras mudanças na dinâmica de interação social, como isolamento social, receio de transmissão do vírus e adoção de novos métodos de ensino (alterações das atividades acadêmicas presenciais para remotas)16. Estudos indicam que tais mudanças geram consequências psicológicas, como maior índice de transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de humor depressivo, baixa qualidade de sono, uso nocivo de drogas e menor bem-estar mental, sobretudo quando se considera a população que não foi exposta à pandemia15),(17.
O abuso do uso de medicamentos psicotrópicos sofre uma crescente no Brasil, sendo encontrado também entre os estudantes universitários18. Antidepressivos e ansiolíticos estão presentes de forma frequente no cotidiano dos acadêmicos que buscam induzir e manter o sono para aumentar o rendimento em atividades cotidianas e nos estudos. Portanto, torna-se necessário investigar como esses alunos estão dormindo, já que eles serão os futuros profissionais da saúde19 e o sono possui grande influência nas funções psíquicas do ser humano.
Diante do apresentado, os objetivos desta pesquisa incluem avaliar a qualidade do sono em alunos de Medicina de uma Faculdade de Medicina do sul de Minas Gerais, do primeiro ao sexto ano, e relacionar tal qualidade com alguns fatores possivelmente condicionantes (gênero e ano cursado).
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de estudo transversal descritivo realizado no período de janeiro a fevereiro de 2021. A população-alvo envolveu estudantes de graduação do curso de Medicina, do primeiro ao sexto ano de graduação, de ambos os sexos, devidamente matriculados no curso de Medicina de uma Faculdade de Medicina do sul de Minas Gerais. Foram critérios de exclusão para participação da pesquisa: estudantes do primeiro ao sexto ano da faculdade com menos de 18 anos, aqueles que estavam com a matrícula do curso trancada e discentes que não concordaram em participar do estudo.
Este estudo transversal envolve apenas os dados sobre qualidade do sono dos estudantes no início do semestre letivo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da instituição, sob o protocolo número 4.464.464. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi feito o cálculo amostral baseado em uma fórmula estatística em que o erro amostral é de 5% e o nível de confiança de 95%, chegando assim a um valor amostral mínimo de 169 formulários a serem aplicados.
A pesquisa foi realizada individualmente com os estudantes de Medicina de uma Faculdade de Medicina do sul de Minas Gerais, via plataforma Google Forms, respeitando as necessidades de distanciamento social impostas pela pandemia da Covid-19. Na plataforma, os estudantes responderam a dois questionários autoaplicáveis. O primeiro englobava perguntas sobre gênero e ano de graduação, e o segundo, denominado Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (Pittsburgh Sleep Quality Index - PSQI), avaliou a qualidade de sono. O link para preenchimento dos formulários foi enviado por meio de plataforma digital para os estudantes. Após o esclarecimento da pesquisa e obtenção do TCLE, os discentes responderam aos dois questionários.
O PSQI apresenta especificidade de 86,5% e sensibilidade de 89,6%. Quando validado e traduzido para língua portuguesa, o PSQI apresentou uma especificidade discretamente menor, de 68,8%, no entanto mantém uma significativa sensibilidade (80%)20. O questionário é formado por dez questões, das quais duas são objetivas (5 e 10), e quatro (1, 2, 3 e 4), abertas.
O entrevistado tem a opção de escrever comentários no final das questões 5, 9 e 10, caso ele julgue pertinente. A interpretação do PSQI é feita a partir de um escore que apresenta sete componentes, e cada um recebe uma pontuação de zero a 3. A pontuação máxima desse escore é de 21 pontos, na qual os escores superiores a 10 pontos são indicativos de distúrbio do sono; escores com resultados de 5 a 10 pontos, indicativos de qualidade ruim no padrão de sono21; e escores com resultados de zero a 4 pontos, indicativos de boa qualidade no padrão de sono.
Os componentes do PSQI são mensurados da seguinte maneira: o primeiro item compete à percepção individual a respeito da qualidade do sono, ou seja, refere-se à qualidade subjetiva do sono; o segundo trata da latência do sono, concernente à mensuração do tempo do momento que o estudante se deita no leito até iniciar o sono. O terceiro corresponde à duração do sono (tempo que o entrevistado permanece dormindo); o quarto avalia a eficiência habitual do sono, verificado pela relação entre o número de horas em permanência na cama e o número de horas dormidas.
O quinto item do PSQI verifica os distúrbios do sono. Nesse momento, analisam-se a frequência com que o estudante apresentou problemas de sono porque despertou no meio da noite ou de madrugada e a frequência com que teve problemas no sono por uma causa não descrita no questionário. O sexto item analisa o uso de medicação para dormir; o sétimo é referente aos distúrbios durante o dia e à sonolência diurna. No sétimo item, analisam-se a frequência com que os entrevistados apresentaram dificuldades em permanecer acordados enquanto dirigiam, faziam as refeições ou estavam envolvidos em atividades, e o grau de entusiasmo no último mês ao realizarem as atividades cotidianas no último mês.
Os dados recolhidos foram processados no banco de dados Excel 365, no qual foi realizada dupla digitação com o objetivo de corrigir os erros de transcrição, quando necessário. Além disso, realizou-se a confecção de gráficos e tabelas a partir desse programa. A análise estatística foi obtida com auxílio do programa Bioestat 5. Na análise dos dados quantitativos, utilizaram-se medidas do qui-quadrado e o teste de resíduo. Os valores foram considerados estatisticamente significantes quando p = 0,05/intervalo de confiança de 95%.
RESULTADOS
Dos 269 estudantes que participaram deste estudo, 58 eram integrantes do primeiro ano de Medicina (21,60%), 37 eram do segundo ano (13,8%), 42 integravam o terceiro ano (15,6%), 40 eram do quarto ano (14,9%), 48 eram do quinto ano (17,8%) e 44 estavam no sexto ano (16,3%). Além disso, 103 estudantes que participaram do estudo se autodeclararam do sexo masculino (38,29%) e 166 do sexo feminino (61,71%).
Por meio do questionário PSQI, analisou-se que os estudantes demoravam, em média, 34,24 minutos para pegar no sono, com progressão do tempo com a crescente dos anos da graduação. A duração média do sono na amostra foi de 6,85 horas. Observou-se que 44,2% (n = 119) dos estudantes classificaram a qualidade do seu sono no período do último mês como boa, 29,0% (n = 78) a classificaram como ruim, 15,6% (n = 42) a classificaram como muito boa e 11,2% (n = 30) a classificaram como muito ruim (Tabela 1).
Qualidade do sono | N | % |
---|---|---|
Muito boa | 42 | 15,6 |
Boa | 119 | 44,2 |
Ruim | 78 | 29 |
Muito ruim | 30 | 11,2 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A análise dos componentes do PSQI apontou que 47,2% (n = 127) dos discentes da amostra apresentavam qualidade ruim no padrão de sono, com diferentes prevalências entre os anos de formação médica do estudante, enquanto 32,3% (n = 87) demonstravam qualidade boa no padrão de sono e 20,5% (n = 55) tinham distúrbio de sono. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na qualidade do sono entre os sexos (p = 0,5079), e, portanto, segundo o teste qui-quadrado de partição, tem-se que a qualidade de sono não está associada ao sexo (Tabela 2). Analisou-se o pré-requisito e verificou-se que todos os valores esperados são maiores que 5, o que demonstrou ser possível utilizar o teste qui-quadrado.
Qualidade do sono | Feminino | Masculino | Total geral |
---|---|---|---|
Freq. (%) | Freq. (%) | Freq. (%) | |
Boa | 51 (30,7) | 36 (35,0) | 87 (32,3) |
Ruim | 83 (50,0) | 44 (42,7) | 127 (47,2) |
Presença de distúrbio do sono | 32 (19,3) | 23 (22,3) | 55 (20,5) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No entanto, foram observadas diferenças estatisticamente significantes na qualidade do sono entre os estudantes de diferentes anos da graduação (p = 0,0038), e, portanto, segundo o teste qui-quadrado de partição, tem-se que a qualidade de sono está associada ao ano de graduação, o que demonstrou ser possível utilizar o teste qui-quadrado (Tabela 3). Analisou-se o pré-requisito e verificou-se que todos os valores esperados são maiores que 5, o que demonstrou ser possível utilizar o teste qui-quadrado.
Qualidade do sono | 1° ano | 2° ano | 3° ano | 4° ano | 5° ano | 6° ano | Total geral |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Fr (%) | Fr (%) | Fr (%) | Fr (%) | Fr (%) | Fr (%) | Fr (%) | |
Boa | 17 (29,3) | 15 (40,5) | 21 (50,0) | 8 (20,0) | 15 (32,3) | 11 (25,0) | 87 (32,3) |
Ruim | 33 (56,9) | 18 (48,7) | 19 (45,2) | 19 (47,5) | 17 (35,4) | 21 (47,7) | 127 (47,2) |
Distúrbio de sono | 8 (13,8) | 4 (10,8) | 2 (4,8) | 13 (32,5) | 16 (33,3) | 12 (27,3) | 55 (20,5) |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Segundo o teste de resíduo, o terceiro ano apresentou uma boa qualidade de sono quando comparado aos outros anos com 95% de confiabilidade. Já o quarto e quinto anos apresentaram mais distúrbio de sono quando comparados aos outros anos com 95% de confiabilidade. Em relação ao sono ruim, não foi observada diferença significativa em relação aos anos (Tabela 4).
1° ano | 2° ano | 3° ano | 4° ano | 5° ano | 6° ano | |
---|---|---|---|---|---|---|
Boa qualidade de sono | -0.5573 | 1.1480 | 2.6631 | -1.8086 | -0.1784 | -1.1384 |
Presença de distúrbio do sono | -1.4185 | -1.5648 | -2.7436 | 2.0487 | 2.4424 | 1.2277 |
Qualidade de sono Ruim | 1.6682 | 0.1885 | -0.2789 | 0.0396 | -1.8060 | 0.0749 |
Nível alfa 0.05 | 1.96 | |||||
Nível alfa 0.01 | 2.576 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Entre os distúrbios do sono identificados na amostra pelo questionário PSQI inerentes ao mês anterior à entrevista, destaca-se o seguinte: 30,9% (n = 83) dos estudantes tiveram problemas no sono porque despertaram no meio da noite ou de madrugada uma ou duas vezes por semana; 18,2% (n = 49) precisaram levantar à noite para ir ao banheiro uma ou duas vezes por semana; 20,10% (n = 54) relataram sonhos ruins três ou mais vezes por semana; e 39,7% (n = 107) mencionaram que sentiram muito calor três ou mais vezes por semana.
Além disso, 13,7% (n = 37) dos participantes da amostra revelaram fazer uso de medicação para dormir. Dos entrevistados que fizeram comentários na questão 5, 19,7% (n = 53) apresentaram outras razões que ocasionavam problemas para dormir além daquelas propostas pelo questionário PSQI. Eis os principais resultados: 30,59% (n = 26) tiveram crises de ansiedade; 21,17% (n = 18), dismenorreia; e 7,06% (n = 6), cefaleia no último mês.
Na questão 9, foi mensurada a sonolência diurna do entrevistado; e 27,9% (n = 75) relataram moderada dificuldade de manter-se suficientemente entusiasmados a realizar as atividades diárias e 22,6% (n = 61) mencionaram muita dificuldade de manter-se suficientemente entusiasmados a realizar as atividades diárias. Na questão 10, 16,3% (n = 44) dos entrevistados relataram outras inquietações que apresentam durante o sono. Eis os principais resultados: 31,81% (n = 14) apresentaram bruxismo; e 11,36% (n = 5), paralisia do sono no último mês (Tabela 5).
Inquietações durante o sono | N | % |
---|---|---|
Bruxismo | 14 | 31,81 |
Paralisia do sono | 5 | 11,36 |
Ansiedade | 3 | 6,87 |
Sonambulismo | 2 | 4,54 |
Espasmos | 2 | 4,54 |
Pesadelos | 2 | 4,54 |
Falar sozinho | 2 | 4,54 |
Insônia | 2 | 4,54 |
Cefaleia | 1 | 2,27 |
Palpitações | 1 | 2,27 |
Noctúria | 1 | 2,27 |
Não especificada | 9 | 20,45 |
Total | 44 | 100 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
Diversos estudos têm ponderado a mensuração da qualidade de sono nos estudantes de Medicina. De acordo com esses estudos, os discentes de escolas médicas apresentam pobre qualidade de sono (PSQI > 5), num índice que varia de 44,59% a 87,1%12),(22)-(24, fato que corrobora o resultado da amostra, no qual 67,7% demonstraram pobre qualidade de sono.
A média geral de horas de sono dos estudantes da amostra foi de 6,85 horas diárias. Esse valor é inferior à média geral da população adulta brasileira (de sete a nove horas diárias)25, mas foi similar aos resultados encontrados em outros estudos também desenvolvidos com universitários brasileiros, europeus, estadunidenses e do Oriente Médio19),(26. A quantidade média de horas dormidas por noite variou de 6,46 horas em estudantes do sexto ano a 6,97 horas em discentes do segundo ano.
Referente à latência do sono, os estudantes levaram em média 34,24 minutos para adormecer, valor superior a outros estudos em escolas médicas brasileiras20),(27. O tempo médio para adormecer variou de 37,75 minutos em estudantes do quarto ano a 30,00 minutos em discentes do segundo ano.
Estudos apontam que a privação do sono pode acarretar uma redução da capacidade de se concentrar e aprender. Além disso, pessoas que dormem por menos horas podem ter impactos negativos em atividades sociais28, o que corrobora os resultados deste estudo, visto que 27,9% (n = 75) relataram moderada dificuldade de manter-se suficientemente entusiasmados a realizar as atividades diárias e 22,6% (n = 61) mencionaram muita dificuldade de manter-se suficientemente entusiasmados a realizar as atividades diárias. Como consequência, outras funções cognitivas também serão prejudicadas, como a memória e a capacidade de tomar decisões29. O prejuízo das funções cognitivas é justificado pela redução do metabolismo no tálamo e córtex pré-frontal e parietal, e pela diminuição do fluxo de sangue cerebral30.
O teste de resíduo demonstrou que o terceiro ano apresentou uma boa qualidade de sono quando comparado aos outros anos. Esse fato se deve à adaptação dos estudantes desse período à carga horária extensa e à rotina de estudos exaustiva. Além disso, como esses discentes ainda não estão inseridos na prática clínica (geralmente exaustiva) e na rotina de internato, eles têm melhor qualidade do sono. Já o quarto e quinto anos apresentaram mais distúrbio de sono quando comparados aos outros anos. Esses dados são explicados pela maior carga horária destinada ao processo de formação médica e às atividades de prática clínica que já estão presentes nesses períodos.
Na amostra verificada neste estudo, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os sexos (p = 0,5079). Essa constatação pode ser atribuída ao fato de que os indivíduos da amostra estudada estarem submetidos ao mesmo ambiente e às mesmas condições de exigência. No entanto, houve diferença estatística significante quando se relacionaram período do curso de medicina e qualidade do sono (p = 0,0038). Tal fato pode ser explicado pelas diferenças de horário de prática e teoria no decorrer do curso, e pelo ingresso dos estudantes no regime de internato, o qual insere o discentes na realidade da prática médica.
Vale lembrar que esses estudantes foram submetidos ao questionário no contexto da pandemia de Covid-19. Segundo um estudo chinês31, um terço dos estudantes de Medicina apresentou transtornos de ansiedade e baixa qualidade do sono durante a pandemia de Covid-19, não havendo diferença estatística de prevalência entre os sexos, o que corrobora o presente estudo.
Além disso, em um estudo italiano em que foi aplicado o PSQI, os participantes com baixa qualidade de sono eram 40,5% antes da pandemia da Covid-19 e 52,4% após a pandemia, o que correlaciona a baixa qualidade do sono à pandemia de Covid-1932.
Em outros estudos, foi relatado que adultos jovens têm maior probabilidade de apresentar depressão33),(34, ansiedade33 e redução da qualidade do sono35 durante a pandemia de Covid-19. O presente estudo tem como amostra adultos jovens universitários, o que poderia justificar os altos índices de baixa qualidade de sono e distúrbios de sono. Uma possível explicação para esses altos índices se deve ao fato da necessidade desses estudantes de adaptação aos novos métodos de ensino na universidade36),(37. Além disso, os atrasos nas atividades acadêmicas causados pela Covid-19 foram correlacionados com o aparecimento de transtorno de ansiedade generalizada38 e consequentemente distúrbios do sono.
Dos estudantes avaliados na amostra, 13,7% (n = 37) afirmaram tomar medicamentos para dormir. Essa taxa está dentro dos valores encontrados na literatura (8,7%-18,0%)20),(23. Esses dados indicam a necessidade de programas de intervenção precoce voltados aos maus hábitos de estilo de vida dos estudantes de medicina, como má higiene do sono e uso de bebidas estimulantes durante o dia.
CONCLUSÃO
Por meio da presente pesquisa, observou-se que a qualidade de sono dos estudantes de Medicina é inferior à da população geral, estando diretamente relacionada à progressão do curso. Foi concluído que os discentes deste estudo têm, em média, menos horas de sono que o restante dos brasileiros.
Mudanças que podem parecer relativamente menores em comparação com a pandemia global têm o potencial para causar drásticas transformações na progressão da carreira de futuros médicos. Como não se sabe muito sobre o impacto, em longo prazo, da Covid-19 na educação31 médica, é necessário registrar e estudar o impacto total das mudanças que estão sendo realizadas na metodologia de ensino médico.
Dessa forma, acompanhamento psicológico (por meio de atendimentos remotos, o que facilitaria o acesso aos núcleos de apoio psicológico), ações de promoção de saúde e higiene do sono, estratégias de suporte e debates sobre saúde mental no contexto da Covid-19 devem ser disponibilizados pela instituição aos graduandos em Medicina, visando auxiliá-los em suas necessidades durante o período de graduação e assim aprimorar sua formação profissional e pessoal.