INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já há tempos consolidou um conceito de saúde amplo e que contempla os aspectos do bem-estar biopsicossocial dos indivíduos. Porém, para o estudante de Medicina, isso é uma realidade distante, pois o modelo do curso, a cobrança e a carga horária excessiva geram um ambiente que predispõe ao desenvolvimento de transtornos psicológicos1.
Com o início da pandemia da Covid-19, a educação sofreu mudanças globais. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) estima que haja 890 milhões de estudantes afetados em 114 países. No Brasil, o ensino teve que se adaptar à realidade do distanciamento social, e para isso foi implementado o ensino remoto como alternativa. Para o curso de Medicina não foi diferente, o ensino remoto substituiu a maioria das aulas presenciais, inclusive algumas práticas. Essa nova realidade é de extremo impacto na vida do acadêmico de Medicina, visto que o contato com os pacientes é um fator importante na boa formação médica2.
A pandemia chegou como mais uma problemática para influenciar a saúde mental do estudante de Medicina. Isso tudo em um curso que já apresenta as maiores prevalências de depressão, ansiedade, estresse, consumo de drogas e suicídio em todos os outros cursos. Portanto, a pandemia tornou-se mais um fator de preocupação para a vida dos acadêmicos3.
Nesse contexto, tem-se a ansiedade como um transtorno relacionado às preocupações cotidianas do indivíduo, que chegam ao ponto de afetá-lo fisicamente. Situação semelhante ocorre com o estresse, no qual eventos estressores desencadeiam alterações comportamentais e emocionais. Já a depressão é um transtorno que se manifesta com inapetência, humor triste e perda de prazer na realização de atividades diárias4),(5.
O contexto pandêmico e as medidas adotadas para controle afetam toda a população em várias esferas da vida, como a social, a econômica, a da saúde e, entre elas, de forma significativa, o componente de saúde mental6. Esse componente sempre esteve afetado entre os estudantes de Medicina, agravando-se ainda mais na atual situação de pandemia. Isso ocorre porque, com a adoção de medidas como distanciamento, isolamento social e ensino remoto, o acadêmico deparou-se com uma nova rotina repleta de ainda mais desafios. O tempo exacerbado em frente às telas, a falta de contato com colegas e pacientes, a maior compreensão em relação à doença e as mudanças na programação acadêmica são fatores que deixam os estudantes ainda mais ansiosos ou deprimidos7),(8.
Essa situação gerou e ainda está gerando reflexos preocupantes. Além da exacerbação dos próprios transtornos psíquicos, o estudante de Medicina está convivendo com o adoecimento ou a morte de familiares e pessoas próximas por conta da Covid-19, com instabilidade financeira e com o adiamento do cronograma acadêmico, o que repercute nos planos do futuro profissional e na busca pela estabilidade e independência financeira, as quais estão associadas à expectativa de formação universitária9),(10.
Dessa forma, nota-se que os transtornos de ansiedade, depressão e estresse, muito presentes entre os estudantes de Medicina, requerem uma atenção ainda mais especial por causa da atual pandemia da Covid-19. Ações de saúde e de educação mediadas pelas instituições públicas, pautadas na prevenção ou redução de danos, são essenciais, com vistas a preservar atual e futuramente a saúde mental desses acadêmicos.
Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo analisar os fatores associados aos sintomas de ansiedade, depressão e estresse em estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19.
MÉTODO
Trata-se de um estudo transversal analítico com abordagem quantitativa. Esse é um método de pesquisa que se enquadra nos estudos observacionais e tem como finalidade analisar condições de saúde e doenças numa população ou em populações, num determinado lugar e tempo. Os estudos transversais referem-se a um ponto no tempo ou a um curto intervalo de tempo, e a informação sobre a exposição é coletada simultaneamente à doença, permitindo comparar diferentes subpopulações de exposição à prevalência de doença. Ao permitir o estudo simultâneo de várias doenças e de seus determinantes, o estudo transversal, quando repetido ao longo do tempo, possibilta também a avaliação da evolução do problema. Como vantagens desse tipo de estudo, destacam-se o baixo custo, o tempo relativamente curto de execução, o amplo potencial descritivo, a simplicidade analítica e a rapidez de coleta associada à facilidade na representatividade de uma população11),(12.
A pesquisa foi realizada por meio de questionários aplicados aos estudantes de Medicina de todo país. Não envolveu nenhuma universidade em particular, já que toda pesquisa se desenvolveu em formato digital por meio de redes sociais, como WhatsApp, e-mail e Facebook. O link contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os questionários foram encaminhados pelos pesquisadores a grupos dos quais fazem parte e também a colegas estudantes de Medicina de várias partes do país. Solicitou-se aos colegas estudantes de Medicina que replicassem esse link em suas redes sociais e e-mails constituindo uma amostragem por “bola de neve” (snow ball).
Para que a pesquisa fosse realizada ainda em um momento de pandemia com a utilização de aulas remotas, fez-se a coleta de dados entre os dias 1º e 11 de dezembro de 2020, ou seja, no final de semestre em uma experiência totalmente nova com aulas remotas e em isolamento social.
Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: discentes de Medicina, com idade igual ou superior a 18 anos e que frequentavam o curso durante a pandemia causada pela Covid-19. Eis o critérios de exclusão: discentes que não estavam frequentando o curso e que não responderam a todas as perguntas dos questionários.
Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizaram-se dois instrumentos de coleta de dados. O primeiro foi um questionário sociodemográfico, pessoal e acadêmico criado pelos pesquisadores com variáveis de interesse para a pesquisa, as quais, segundo a literatura científica, relacionam-se ao fenômeno investigado.
O segundo instrumento foi a Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (Depression, Anxiety and Stress Scale - DASS-21), que avalia o estado geral de humor da pessoa medindo estados depressivos, ansiosos e de estresse. Esse instrumento foi desenvolvido na Universidade de New South Waltes, no ano de 1995, por Lobivond e Lobivond, sendo adaptado e validado no Brasil por Machado e Bandeira no ano 201313. Originalmente, a DASS foi desenvolvida em língua inglesa com 42 itens distribuídos em três fatores, no entanto a versão reduzida com 21 itens é mais utilizada13.
No Brasil, a DASS-21 já foi utilizada para avaliar indivíduos adultos, idosos e adolescentes, respectivamente, a fim de investigar a validade e confiabilidade da escala13),(14. Outro aspecto que pode ser destacado no que tange à utilização da DASS-21 é sua aplicabilidade em estudantes universitários, haja vista que essa população é apontada como suscetível a estados emocionais aversivos15.
Os itens da DASS-21 estão divididos em três fatores: depressão: 3, 5, 10, 13, 16, 17, 21; ansiedade: 2, 4, 7, 9, 15, 19, 20; e estresse: 1, 6, 8, 11, 12, 14, 18. A respostas são dadas em uma escala Likert de 4 pontos (0 = não se aplicou a mim, 1 = aplicou-se a mim um pouco ou durante parte do tempo, 2 = aplicou-se bastante a mim ou durante uma boa parte do tempo, 3 = aplicou-se muito a mim ou a maior parte do tempo). Os escores para depressão, ansiedade e estresse são calculados como a soma dos escores para os sete itens relevantes e variam de 0 a 21. Maiores escores indicam maior predisposição para os sintomas de depressão, ansiedade e estresse15.
Com os dados coletados, foi confeccionado um banco de dados utilizando o software IBM SPSS Statistics 18. Posteriormente, realizou-se a estatística descritiva com o cálculo das frequências absoluta e relativa percentual, bem como do desvio padrão. Na sequência, aplicou-se o teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) para distinguir as distribuições paramétricas e não paramétricas, com o intuito de comparação dos resultados do questionário estratificado pelas variáveis sociodemográficas. Utilizaram-se, para as distribuições paramétricas, os testes t de Student e ANOVA, e, para as distribuições não paramétricas, os testes Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Para todos os testes comparativos, assumiu-se p-valor inferior ou igual a 0,05 como significativo.
Antes de iniciar a coleta de dados, o presente trabalho foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), obtendo sua aprovação com o Parecer nº 4.423.451 em 26 de novembro de 2020.
RESULTADOS
A pesquisa investigou uma amostra de 274 estudantes de Medicina, dos quais 174 (63,5%) eram do sexo feminino e 100 (36,5%) do sexo masculino. Dos participantes, 58,4% estavam na faixa etária de 21 a 25 anos, 56,9% eram solteiros, 54,4% afirmavam ter um envolvimento religioso fraco e 75,9% moravam com os familiares (Tabela 1).
Variável (N = 274) | n | f(%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 174 | 63,5 |
Masculino | 100 | 36,5 |
Idade | ||
De 18 a 20 anos | 94 | 34,3 |
De 21 a 25 anos | 160 | 58,4 |
De 26 a 30 anos | 16 | 5,8 |
Mais que 30 anos | 4 | 1,5 |
Período/módulo | ||
Do 1º até o 4º | 123 | 44,9 |
Do 5º até o 8º | 109 | 39,8 |
Do 9º até o 12º | 42 | 15,3 |
Estado civil | ||
Solteiro(a) | 156 | 56,9 |
Solteiro(a)/namorando | 112 | 40,9 |
Casado(a) | 6 | 2,2 |
Envolvimento religioso | ||
Nenhum | 28 | 10,2 |
Fraco | 149 | 54,4 |
Forte | 63 | 23,0 |
Não tenho religião | 34 | 12,4 |
Com quem mora | ||
Sozinho(a) | 49 | 17,9 |
Amigos | 17 | 6,2 |
Familiares | 208 | 75,9 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
No que se refere à caracterização dos aspectos pessoais e acadêmicos, identificou-se que os entrevistados raramente encontraram os amigos (40,1%). No que tange ao sono dos estudantes, observou-se que 24,8% referiram insônia e 42,7% afirmaram dormir menos de sete horas por noite. A grande maioria dos participantes consome bebida alcoólica (73,4%) (Tabela 2).
Variável (N = 274) | n | f(%) |
---|---|---|
Faz atividade extracurricular | ||
Sim | 224 | 81,8 |
Não | 50 | 18,2 |
Encontro com amigos na pandemia | ||
Não encontrei | 20 | 7,3 |
Raramente | 110 | 40,1 |
Às vezes | 90 | 32,8 |
Frequentemente | 54 | 19,7 |
Praticou atividade física na pandemia | ||
Não pratiquei | 23 | 8,4 |
Raramente | 48 | 17,5 |
Às vezes | 72 | 26,3 |
Frequentemente | 131 | 47,8 |
Possui doença crônica diagnosticada | ||
Sim | 21 | 7,7 |
Não | 253 | 92,3 |
Possui doença psiquiátrica diagnosticada | ||
Sim | 65 | 23,7 |
Não | 209 | 76,3 |
Fez terapia psiquiátrica/psicológica | ||
Sim | 93 | 33,9 |
Não | 181 | 66,1 |
Tem insônia | ||
Sim | 68 | 24,8 |
Não | 206 | 75,2 |
Horas de sono dormidas à noite | ||
Menos de 7 horas | 116 | 42,3 |
Entre 7 e 9 horas | 153 | 55,8 |
Mais de 9 horas | 5 | 1,8 |
Você é etilista | ||
Sim | 201 | 73,4 |
Não | 73 | 26,6 |
Você é tabagista | ||
Sim | 20 | 7,3 |
Não | 254 | 92,7 |
Está satisfeito com rendimento acadêmico | ||
Sim | 55 | 20,1 |
Não | 219 | 79,9 |
Já pensou em abandonar o curso | ||
Sim | 86 | 31,4 |
Não | 188 | 68,6 |
Realizou outras atividades fora do curso | ||
Sim | 216 | 78,8 |
Não | 58 | 21,2 |
Acha que sua qualidade de vida piorou | ||
Sim | 150 | 54,7 |
Não | 124 | 45,3 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Observou-se que 23,7% dos participantes afirmaram ter alguma doença psiquiátrica e 33,9% faziam terapia. Dos participantes, 79,9% não estavam satisfeitos com o rendimento e 31,4% pensaram em abandonar o curso. Em relação à qualidade de vida, mais da metade dos participantes (54,7%) acusou piora (Tabela 2).
Na comparação dos dados sociodemográficos com os escores da DASS-21, foi observado que as estudantes de Medicina do sexo feminino apresentaram maiores escores para depressão (p < 0,0001), ansiedade (p < 0,0001) e estresse (p < 0,0001) em relação aos discentes do sexo masculino (Tabela 3).
Variável (N = 274) | Depressão | p-valor | Ansiedade | p-valor | Estresse | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | Média | DP | ||||
Sexo | |||||||||
Feminino | 7,7 | 5,1 | 6,5 | 4,9 | 10,8 | 4,7 | |||
Masculino | 4,9 | 4,4 | < 0,0001 | 3,3 | 3,4 | < 0,0001* | 7,0 | 4,8 | < 0,0001 |
Idade | |||||||||
De 18 a 20 anos | 6,2 | 4,9 | 5,6 | 4,7 | 9,3 | 5,3 | |||
De 21 a 25 anos | 7,1 | 5,1 | 5,1 | 4,7 | 9,4 | 4,9 | |||
Mais de 25 anos | 6,2 | 5,5 | 0,3200 | 5,7 | 4,4 | 0,6496 | 9,7 | 4,7 | 0,9405 |
Período/módulo | |||||||||
Do 1º até o 4º | 6,6 | 5,5 | 5,7 | 5,0 | 9,5 | 5,2 | |||
Do 5º até o 8º | 6,9 | 4,8 | 5,1 | 4,5 | 9,3 | 4,8 | |||
Do 9º até o 12º | 6,4 | 4,5 | 0,8005 | 4,7 | 4,2 | 0,5394 | 9,4 | 5,3 | 0,9414 |
Estado civil | |||||||||
Solteiro(a) | 6,7 | 4,8 | 4,7 | 3,8 | 9,0 | 4,8 | |||
Solteiro(a)/namorando | 6,6 | 5,4 | 6,0 | 5,6 | 9,8 | 5,3 | |||
Casado(a) | 9,5 | 4,7 | 0,6068 | 7,7 | 5,1 | 0,3274 | 13,3 | 5,6 | 0,0698 |
Envolvimento religioso | |||||||||
Nenhum | 7,2 | 5,4 | 5,2 | 4,0 | 9,4 | 4,8 | |||
Fraco | 6,8 | 5,1 | 5,6 | 4,8 | 9,3 | 5,2 | |||
Forte | 5,9 | 4,4 | 4,6 | 3,9 | 9,0 | 4,7 | |||
Não tenho religião | 7,5 | 5,7 | 0,5872 | 5,4 | 5,8 | 0,7547* | 10,3 | 5,3 | 0,7119 |
Com quem mora | |||||||||
Sozinho(a) | 6,9 | 4,8 | 4,8 | 4,0 | 8,2 | 5,0 | |||
Amigos | 7,3 | 5,3 | 6,0 | 5,3 | 9,4 | 6,0 | |||
Familiares | 6,6 | 5,1 | 0,8313 | 5,4 | 4,8 | 0,5930 | 9,7 | 5,0 | 0,1825 |
Testes utilizados: teste t de Student e ANOVA; * testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Nível de significância de 5%.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Na comparação dos aspectos pessoais e acadêmicos com os escores da DASS-21, identificou-se que maiores escores em relação à depressão foram obtidos nas seguintes variáveis: não encontrar com os amigos (p = 0,0485), não praticar atividade física (p = 0,0103), ter doença psiquiátrica diagnosticada (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p = 0,0001), ter insônia (p = 0,0004), dormir mais de nove horas por noite (p = 0,0398), insatisfação com rendimento acadêmico (p = 0,0136), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0005) e ter referido piora na qualidade de vida durante a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).
Variável (N = 274) | Depressão | p-valor | Ansiedade | p-valor | Estresse | p-valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | Média | DP | ||||
Atividade extracurricular | |||||||||
Sim | 6,5 | 4,8 | 4,9 | 4,4 | 8,9 | 4,8 | |||
Não | 7,8 | 5,8 | 0,1035 | 7,0 | 5,4 | 0,0056 | 11,6 | 5,4 | 0,0009 |
Encontro amigos na pandemia | |||||||||
Não encontrei | 9,6 | 5,1 | 6,6 | 6,5 | 11,8 | 6,5 | |||
Raramente | 6,8 | 5,3 | 5,5 | 4,5 | 9,3 | 5,3 | |||
Às vezes | 6,3 | 5,0 | 5,1 | 4,9 | 9,1 | 4,7 | |||
Frequentemente | 6,1 | 4,5 | 0,0485 | 4,7 | 3,9 | 0,6416* | 9,1 | 4,2 | 0,1736 |
Praticou atividade física | |||||||||
Não pratiquei | 9,4 | 5,2 | 6,4 | 4,4 | 10,1 | 4,3 | |||
Raramente | 7,6 | 5,3 | 5,6 | 4,6 | 9,3 | 4,9 | |||
Às vezes | 6,6 | 5,6 | 5,6 | 5,1 | 9,4 | 5,4 | |||
Frequentemente | 5,9 | 4,4 | 0,0103 | 4,9 | 4,5 | 0,5942 | 9,3 | 5,1 | 0,9054 |
Doença crônica diagnosticada | |||||||||
Sim | 6,5 | 5,4 | 5,7 | 4,5 | 10,6 | 5,4 | |||
Não | 6,7 | 5,0 | 0,8300 | 5,3 | 4,7 | 0,6869 | 9,3 | 5,0 | 0,2503 |
Doença psiquiátrica | |||||||||
Sim | 9,5 | 5,6 | 8,1 | 4,9 | 12,0 | 5,0 | |||
Não | 5,8 | 4,5 | < 0,0001* | 4,5 | 4,3 | < 0,0001 | 8,6 | 4,8 | < 0,0001 |
Terapia psiquiátrica/psicológica | |||||||||
Sim | 8,5 | 5,5 | 7,3 | 5,2 | 11,5 | 4,9 | |||
Não | 5,8 | 4,6 | 0,0001* | 4,3 | 4,1 | < 0,0001* | 8,3 | 4,7 | < 0,0001 |
Tem insônia | |||||||||
Sim | 8,6 | 5,3 | 8,6 | 4,7 | 12,0 | 4,5 | |||
Não | 6,1 | 4,8 | 0,0004 | 4,2 | 4,2 | < 0,0001 | 8,5 | 4,9 | < 0,0001 |
Horas de sono/noite | |||||||||
Menos de 7 horas | 7,4 | 5,7 | 6,0 | 5,0 | 9,5 | 4,8 | |||
Entre 7 e 9 horas | 6,0 | 4,2 | 4,7 | 4,3 | 9,1 | 5,1 | |||
Mais de 9 horas | 12,4 | 6,8 | 0,0398* | 9,4 | 5,4 | 0,0084 | 14,4 | 6,7 | 0,0650 |
Você é etilista | |||||||||
Sim | 6,7 | 5,2 | 5,4 | 4,7 | 9,3 | 5,0 | |||
Não | 6,7 | 4,7 | 0,9266 | 5,2 | 4,5 | 0,8118 | 9,8 | 5,1 | 0,4670 |
Você é tabagista | |||||||||
Sim | 8,0 | 5,7 | 4,6 | 4,5 | 9,5 | 4,0 | |||
Não | 6,6 | 5,0 | 0,2538 | 5,4 | 4,7 | 0,4777 | 9,4 | 5,1 | 0,9253 |
Está satisfeito com rendimento | |||||||||
Sim | 5,1 | 4,1 | 4,5 | 4,0 | 9,2 | 5,5 | |||
Não | 7,1 | 5,2 | 0,0136* | 5,5 | 4,8 | 0,1626 | 9,4 | 4,9 | 0,7686 |
Já pensou em abandonar o curso | |||||||||
Sim | 9,1 | 5,4 | 7,2 | 5,2 | 12,2 | 4,7 | |||
Não | 5,6 | 4,5 | < 0,0001* | 4,4 | 4,1 | < 0,0001* | 8,1 | 4,7 | < 0,0001 |
Realizar outras atividades | |||||||||
Sim | 6,2 | 4,9 | 4,9 | 4,6 | 9,0 | 5,1 | |||
Não | 8,8 | 5,0 | 0,0005 | 6,8 | 4,8 | 0,0064 | 10,8 | 4,5 | 0,0197 |
Qualidade de vida piorou | |||||||||
Sim | 8,0 | 5,1 | 6,4 | 4,9 | 10,7 | 5,0 | |||
Não | 5,1 | 4,5 | < 0,0001 | 4,0 | 4,1 | < 0,0001* | 7,9 | 4,7 | < 0,0001 |
Testes utilizados: teste t de Student e ANOVA; * testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. Nível de significância de 5%.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação aos sintomas de ansiedade, houve maiores escores nas seguintes variáveis: não realizar atividades extracurriculares (p = 0,0056), ter doença psiquiátrica diagnosticada (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p < 0,0001), ter insônia (p<0,0001), dormir mais de nove horas por noite (p = 0,0084), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0064) e ter referido redução na qualidade de vida após a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).
Já no que se refere aos sintomas de estresse, maiores escores foram identificados nas seguintes variáveis: não realizar atividades extracurriculares (p = 0,0009), ter doença psiquiátrica (p < 0,0001), fazer terapia psiquiátrica/psicológica (p < 0,0001), ter insônia (p < 0,0001), ter pensado em abandonar o curso (p < 0,0001), não realizar outras atividades durante o curso (p = 0,0197) e ter referido redução na qualidade de vida após a pandemia (p < 0,0001) (Tabela 4).
DISCUSSÃO
Diante dos resultados apresentados, este estudo evidenciou um perfil de estudante de Medicina em que a maioria era do sexo feminino, na faixa etária dos 21 a 25 anos e solteira. Esse cenário reflete a maior inserção das mulheres no curso de Medicina, processo que se iniciou na década de 1970 e foi acompanhado por conquistas de mais liberdade e autonomia do sexo feminino em várias esferas16. O processo de feminização do curso de Medicina fica evidenciado quando se comparam os dados atuais com os de anos anteriores: em 1970, o curso de Medicina tinha 11% de mulheres; em 1980 e 1990, essa porcentagem se ampliou para 22% e 33%, respectivamente; e, em 2020, esse índice já atingiu a marca de 47,5% de mulheres ingressantes17.
Identifica-se não só o aumento de mulheres no curso de Medicina, mas também na área da saúde em geral. No cenário pandêmico, constata-se que em torno 70% das equipes mundiais de saúde são compostas por mulheres, as quais têm representantes em cargos de diversas complexidades17. Esse cenário evidencia o enorme avanço e as conquistas do sexo feminino em um mercado de trabalho antes dominado pelos homens. Todavia, traz à tona a importância da preservação da saúde mental, haja vista que o contexto assistencialista do cuidado destinado ao paciente demanda muito esforço do profissional da saúde, o qual enfrenta carga horária de trabalho extenuante e pressão por ter que lidar com a vida do outro, fatores bastante potencializados durante a pandemia17)-(19.
Outro ponto relevante deste estudo foi a idade, sendo maior a prevalência de estudantes na faixa etária dos 21 a 25 anos. Esse achado está de acordo com o estudo Demografia médica no Brasil 2018, o qual evidencia o rejuvenescimento da medicina no Brasil, com a média de idade dos profissionais decrescendo ao longo dos anos. Essa tendência está relacionada à abertura recente de novos cursos médicos e ao aumento do ingresso de profissionais mais jovens no mercado de trabalho20.
No que se refere à caracterização dos aspectos pessoais e acadêmicos dos estudantes, identificou-se que a maior parte deles raramente encontrou os amigos durante a pandemia, estava insatisfeita com o rendimento acadêmico e acusou piora na qualidade de vida no período pandêmico. Com a pandemia houve a necessidade do distanciamento social, que, por sua vez, alterou bastante o cotidiano das pessoas21.
A permanência em casa para trabalhar ou estudar pode gerar uma sobrecarga nas pessoas, além da impossibilidade de realizar diversas atividades recreativas fora do ambiente domiciliar21. Os estudantes de Medicina possuem mais fatores que podem provocar uma alteração na qualidade de vida, como contato mais próximo com a morte, medo de contaminar pessoas próximas e até mesmo as incertezas sobre o ano letivo22.
Na comparação dos dados sociodemográficos com a DASS-21, este estudo evidenciou uma predominância dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse em estudantes de Medicina do sexo feminino, o que é condizente com achados de vários outros estudos15),(23),(24. As mulheres, no geral, são mais acometidas pelas desordens de depressão e ansiedade em comparação aos homens, bem como há uma maior prevalência de casos de depressão no sexo feminino15. Esse padrão também é observado no curso de Medicina e está relacionado ao fato de as mulheres serem mais vulneráveis a esses sintomas, o que está ligado à maior clareza para expressá-los, às alterações hormonais do próprio sexo feminino e ao maior envolvimento empático com os pacientes23),(24.
No que se refere ao estresse, nota-se que o sexo feminino também possui maior predisposição a esse transtorno em comparação ao sexo oposto, o que está associado aos mesmos fatores que provocam maiores sintomas de depressão e ansiedade25. Neste estudo, evidenciou-se maior associação ao estresse para as acadêmicas de Medicina, o que está em conformidade com achados de outros estudos que abordaram essa temática10),(26.
Sabe-se que o estresse é caracterizado por uma resposta multifatorial que pode acometer o estudante nas dimensões física, emocional e social. Prejuízo na aprendizagem e na memória e sintomas como cefaleia, sudorese e alterações gastrintestinais são alguns dos fatores que apontam para a necessidade de estratégias que busquem amenizar o estresse entre os estudantes de Medicina, principalmente em relação ao sexo feminino24),(27.
O isolamento social, apesar de necessário, causou diversos impactos negativos na vida cotidiana e na saúde mental da população. Um desses impactos foi a redução do contato das pessoas com seu círculo social. Diante disso, problemas como a frustração e o tédio ficam maiores nesses estudantes de Medicina, o que os predispõem ainda mais à deterioração da saúde mental28.
No que se refere à prática de atividade física, observou-se neste estudo que os estudantes sedentários apresentaram maior associação aos sintomas de depressão, o que é corroborado por outros estudos29),(30. O tratamento para o transtorno depressivo consiste em psicoterapia, administração de medicamentos e/ou mudanças no estilo de vida. A atividade física enquadra-se nesse último item, aliviando sintomas de depressão por mecanismos envolvendo o eixo hipotálamo-hipófise, com liberação de hormônios como a endorfina, responsável pelas sensações de bem-estar do indivíduo, além de oferecer efeito protetor àqueles indivíduos geneticamente propensos a desenvolver transtornos mentais31. Em países como Suécia e Canadá, a atividade física está incluída nos guidelines como tratamento complementar da depressão, sendo, portanto, um fator de proteção e que deve ser estimulado entre os estudantes de Medicina32.
As doenças psiquiátricas associadas às demais vulnerabilidades da vida cotidiana, principalmente depois da pandemia da Covid-19, são um importante fator que causa maior ocorrência de depressão entre os estudantes que relataram ter doenças psiquiátricas e fazer terapia. O estresse é um importante fator que causa o esgotamento psíquico desses estudantes, consequentemente maior suscetibilidade à depressão24.
Conforme os resultados apresentados, verificou-se que a insônia se destacou como um fator predisponente a maiores sintomas de depressão, ansiedade e estresse para os acadêmicos de Medicina. O sono é uma função biológica essencial ao ser humano, desempenhando ampla importância nos processos cognitivos e na saúde física e mental, tendo como duração adequada de sete a oito horas por noite33. Entretanto, observa-se uma realidade diferente entre os estudantes de Medicina, em que as exigências do próprio curso prejudicam as horas e a qualidade do sono34. Esse fato leva a uma exacerbação dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre os acadêmicos, tal como observado neste e em outros estudos22),(35.
Em contrapartida, este estudo evidenciou que dormir muito foi um fator predisponente a maiores sintomas de depressão e ansiedade entre os alunos de Medicina. Com o fechamento das universidades e a adoção do ensino remoto, bem como a aplicação de medidas de isolamento social, o estudante passou a ficar mais tempo em casa, não precisando se deslocar até a universidade ou o hospital, o que permitiu maiores horas de sono36. Contudo, notou-se que dormir mais de nove horas por noite aumenta a tendência de desenvolver sintomas de depressão e ansiedade. Tal como descrito em um estudo sobre a mudança comportamental da população durante a pandemia da Covid-19, 67% dos entrevistados acusaram modificação na rotina do sono, o que influenciou no aparecimento de distúrbios mentais37.
A insatisfação com o rendimento acadêmico gera um quadro de angústia e preocupação no estudante. Tal quadro tende a piorar a saúde mental e levar o indivíduo a ter pensamentos de abandonar o curso. Essa problemática situação acaba piorando ainda mais o rendimento acadêmico, quanto mais esse estudante deteriora a própria saúde mental. Por conta disso, ele fica extremamente vulnerável a quadros depressivos25),(27.
O distanciamento social foi a medida mais eficaz para conter a propagação do vírus, todavia teve repercussões clínicas e comportamentais, de modo que o menor contato interpessoal teve repercussões na saúde mental de toda a população, inclusive nos estudantes de Medicina6),(38.
CONCLUSÃO
O presente estudo identificou diversos fatores associados a sintomas de depressão, estresse e ansiedade em estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Os fatores associados à depressão foram: sexo feminino, não encontrar amigos, não praticar atividades física, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, dormir mais de nove horas, estar insatisfeito com o rendimento acadêmico, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida. Os fatores associados à ansiedade foram: sexo feminino, não realizar atividades extracurriculares, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, dormir mais de nove horas, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida. Já os fatores associados ao estresse foram: sexo feminino, não realizar atividades extracurriculares, ter doença psiquiátrica, fazer terapia psiquiátrica/psicológica, ter insônia, pensar em abandonar o curso, não realizar atividades fora da universidade e uma percepção ruim da qualidade de vida.
Abordar a saúde mental dos estudantes de Medicina é uma questão fundamental, haja vista a maior prevalência de transtornos psíquicos no campo da educação médica. Essa abordagem faz-se ainda mais necessária ao se associar a pandemia da Covid-19 como fator agravante. Como consequência, o acadêmico de Medicina passou a enfrentar novos desafios, como o ensino remoto, a falta de contato com colegas e pacientes, a convivência com o adoecimento ou morte de familiares e pessoas próximas, bem como o adiamento do cronograma acadêmico e as incertezas em relação ao futuro universitário. Esse cenário favoreceu o aumento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre os alunos de Medicina, evidenciando uma questão de saúde pública.
Os resultados encontrados nesta pesquisa podem auxiliar na delimitação de um perfil de estudante de Medicina que tem mais risco de desenvolver sintomas de depressão, ansiedade e/ou estresse. A partir dos fatores associados identificados neste estudo, poderão ser elaboradas medidas que visem à diminuição e à prevenção dos transtornos psíquicos no ambiente estudantil. É de suma importância que as instituições acadêmicas desenvolvam programas e ações de suporte voltados para a preservação da saúde mental do estudante de Medicina, de modo a diminuir o impacto gerado pela pandemia da Covid-19.