INTRODUÇÃO
A educação médica tem passado por processos de mudanças no que tange às metodologias e técnicas de aprendizagem, com o objetivo de facilitar e melhorar a compreensão dos discentes do extenso conteúdo ministrado. Além disso, visa à formação de um profissional crítico-reflexivo com habilidade de transformar a realidade social de seu cotidiano, de modo a diminuir injustiças e desigualdades1.
O modelo tradicional de ensino é centrado na transmissão de conhecimento do professor ao aluno, sendo o docente o único responsável pela condução do ensino. Já nos novos modelos, como a metodologia ativa, surge o incentivo ao pensamento crítico dos alunos, e o professor assume a função de mediador ao conduzir os alunos a compreender a realidade e a fixação do conteúdo1.
No Brasil, o uso da metodologia ativa de ensino-aprendizagem (MAEA) é algo recente, a partir dos anos 2000, e essas novas tendências favorecem a construção de currículos que compreendam as necessidades de saúde do país e de um profissional generalista, humanista, crítico, reflexivo e ético2. A MAEA é constituída de duas formas de aplicabilidade: Problematização e Aprendizagem Baseada em Problemas. A Problematização é utilizada em situações cujos temas estejam relacionados com a vida em sociedade para orientar a prática pedagógica de um educador preocupado com o desenvolvimento de seus alunos e com sua autonomia intelectual, visando ao pensamento crítico e criativo. Já na Aprendizagem Baseada em Problemas, criam-se temas de estudo que o aluno deverá saber e dominar, sendo determinados previamente quais conhecimentos o discente deverá possuir para cada um deles1.
Em se tratando da evolução do estudo anatômico na medicina, o conhecimento do corpo humano data de 500 anos a.C. no sul da Itália, com estudos em animais. Os primeiros que realizaram dissecações humanas de modo sistemático foram Herófilo e Erasístrato no século III a.C. A partir do ano 150 a.C., a dissecação humana foi proibida por razões éticas e religiosas3.
Pouco tempo depois, um texto clínico da escola hipocrática descobriu a anatomia do ombro conforme havia sido estudada com a dissecação. O motivo mais importante para o desenvolvimento dessa técnica foi o desejo de descobrir a causa-morte, por razões essencialmente médico-legais, de uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa3.
A anatomia humana é normalmente considerada a base da ciência médica, e, ao fim da disciplina, os discentes precisam demonstrar habilidades na identificação de peças anatômicas de segmentos corporais, compreender as funções de órgãos e sistemas, e estabelecer a correlação topográfica entre ossos, articulações, músculos, vascularização e inervação4. É uma disciplina com conteúdo extenso e maçante que exige uma grande capacidade de memorização, porém de suma importância na clínica médica para diagnóstico e tratamento5. Muitas vezes a essência da anatomia torna seu ensino monótono e desmotivador, principalmente para os acadêmicos do primeiro ano, que não tiveram contato prévio com os conteúdos e que ainda não reconhecem a importância do aprofundamento no assunto6. Além disso, há a percepção dos alunos de que o tempo nos laboratórios de anatomia não é suficiente para estudar e revisar todas as estruturas, o que dificulta mais ainda o aprendizado, pois é o único local com abordagem tridimensional da anatomia7.
Os estudantes de Medicina precisam construir um conhecimento sólido para que possa ser utilizado na prática clínica. As preferências pelo modo de aprendizagem da anatomia, como mostram estudos, são influenciadas por bagagem cultural, grau de instrução, gênero biológico, dificuldade em compreender textos científicos, personalidade metodológica de estudo e outros fatores8.
Considerando os avanços tecnológicos e científicos, faz-se necessária a incorporação de atualizações nos recursos utilizados no ensino de anatomia, como a tecnologia, com vista a desenvolver uma aprendizagem mais flexível, criativa e interativa9. Outras razões que impulsionam as mudanças na forma de ensino são a dificuldade em adquirir cadáveres para estudo, em decorrência de razões éticas e financeiras, e o curto espaço de tempo para a absorção da extensa carga de conhecimento10.
O estudo da anatomia humana necessita melhorar sua abordagem por meio do desenvolvimento tecnológico para que essa nova geração de estudantes, que possui maior contato com recursos modernos, como celulares, tablets e computadores de ponta, possa atribuí-los ao seu estudo. Aproveitando-se desse contexto, sobressaem novos meios de formação para essa disciplina, como bonecos fiéis ao corpo humano, realidades virtuais, atlas 3D, histórias em quadrinhos, aplicativos e técnicas de memorização11. Por causa da complexidade de memorização e compreensão que a disciplina exige, faz-se necessária uma revisão integrativa sobre metodologias de ensino-aprendizagem em anatomia com ferramentas inovadoras. Logo, o objetivo deste estudo é conhecer e compreender as ferramentas inovadoras para o ensino-aprendizagem de anatomia encontradas na revisão da literatura científica para que possam ser utilizadas no curso de Medicina. Além disso, espera-se demonstrar a importância dessas metodologias às instituições de ensino para a aplicação na formação dos profissionais e assim incentivar o aluno na busca da técnica que melhor se adapte às suas necessidades.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa, que é um método de pesquisa criterioso utilizado para sintetizar os melhores conhecimentos produzidos sobre um tema de pesquisa para que sejam avaliados por profissionais capacitados. Esse método é um dos pilares da Medicina Baseada em Evidências (MBE). Foi realizada por meio de um levantamento bibliográfico, em que se adotaram as etapas metodológicas expostas na Figura 1 para realização. Dessa forma, a primeira fase foi a elaboração da questão norteadora que neste estudo é: “Demonstrar os novos recursos utilizados para o ensino-aprendizagem de anatomia na educação médica”.
Na segunda fase de busca ou amostragem na literatura, foi feita a pesquisa de artigos científicos nas bases de dados PubMed, SciELO e Cochrane com os descritores: educação médica, anatomia AND estudantes, método de ensino AND anatomia, metodologia anatômica, medical education, anatomy AND students e teaching methods AND anatomy. Em seguida, na terceira fase, realizaram-se a coleta e a inclusão de dados relevantes.
A quarta fase de elaboração da revisão foi composta por análise crítica dos artigos, em que se utilizaram os seguintes critérios de inclusão: trabalhos publicados após 2009; publicações com os descritores citados na metodologia; publicações em português, inglês ou espanhol; artigos que citam anatomia; transição na metodologia de ensino; metodologias ativas; novos recursos de ensino-aprendizagem; e concordância com os objetivos do trabalho. Esses critérios foram aplicados em publicações dentro do quesito anatomia no curso de Medicina.
Os critérios de exclusão foram: não condizentes com os objetivos deste trabalho; editoriais, cartazes, teses, dissertações e artigos em duplicidade; e antecedem o ano de 2009. Esses critérios foram traçados com base em aspectos que correspondem às técnicas inovadoras no ensino-aprendizagem de anatomia no curso de Medicina.
Na quinta fase, compararam-se os dados, identificaram-se as lacunas de conhecimento, definiram-se as prioridades para estudos futuros, omitiram-se opiniões e projetaram-se interferências, caso sejam cabíveis.
A revisão foi abordada de uma maneira que seja de fácil interpretação dos dados coletados, seguindo os critérios de: detalhamento de informações baseadas na metodologia utilizada; coleta, análise e discussão dos dados; redução, exposição e comparação dos dados; síntese e organização utilizando-se de tabelas expositivas; e revisão de fontes primárias para não haver conclusões precipitadas e não perder evidências importantes.
RESULTADOS
Dos 23 artigos selecionados, expostos no Quadro 1, seis abordaram o uso de modelos tridimensionais (3D); sete trataram de imagens radiológicas; cinco referiram-se à dissecação; seis versaram sobre simuladores, jogos e ambientes computadorizados; e dois ocuparam-se de outras metodologias, sendo que alguns artigos citam mais de uma metodologia.
Artigo | Título | Periódico | País de publicação | Idioma original | Ano de publicação | Tipo de estudo |
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1 | “Diseño y aplicación piloto de un atlas imagenológico de pelvis femenina utilizando dispositivos móviles como apoyo al aprendizaje de la anatomía humana” | Revista Chilena de Radiologia | Chile | Espanhol | 2020 | Revisão de literatura |
2 | “Approaches of anatomy teaching for seriously resource-deprived countries: a literature review” | Education for Health | Índia | Inglês | 2019 | Revisão de literatura |
3 | “Does three-dimensional anatomy improve student understanding?” | Clinical Anatomy | Estados Unidos | Inglês | 2020 | Pesquisa sistemática de literatura |
4 | “Efeitos do uso de diferentes tecnologias educacionais na aprendizagem conceitual sobre o sistema miofuncional orofacial” | Audiology Communication Research | Brasil | Português | 2019 | Estudo randomizado |
5 | “Three-dimensional printed models in anatomy education of the ventricular system: a randomized controlled study” | World Neurosurgery | Estados Unidos | Inglês | 2019 | Estudo controlado randomizado |
6 | “A crossover comparative study to assess efficacy of competency based medical education (CBME) and the traditional structured (TS) method in selected competencies of living anatomy of first year MBBS curriculum: a pilot study” | Medical Journal Armed Forces India | Índia | Inglês | 2019 | Estudo comparativo cruzado |
7 | “Examining the impact of audience response systems on student performance in anatomy education: a randomised controlled trial” | Scottish Medical Journal | Escócia | Inglês | 2018 | Ensaio controlado e randomizado |
8 | “Use of simulator-based teaching to improve medical students’ knowledge and competencies: randomized controlled trial” | Journal of Medical Internet Research | Canadá | Inglês | 2018 | Ensaio controlado e randomizado |
9 | “3D rendering as a tool for cardiac anatomy learning in medical students” | Revista de la Facultad de Medicina | Colômbia | Inglês | 2018 | Estudo experimental |
10 | “Performance equivalency between computer-based and traditional pen-and-paper assessment: a case study in clinical anatomy” | Anatomical Sciences Education | Estados Unidos | Inglês | 2018 | Estudo experimental |
11 | “The effectiveness of virtual and augmented reality in health sciences and medical anatomy” | Anatomical Sciences Education | Estados Unidos | Inglês | 2017 | Estudo randomizado |
12 | “The role of three-dimensional printed models of skull in anatomy education: a randomized controlled trail” | Scientific Reports | Inglaterra | Inglês | 2017 | Ensaio controlado e randomizado |
13 | “CT images are noninferior to anatomic specimens in teaching cardiac anatomy: a randomized quantitative study” | Journal of the American College of Radiology | Estados Unidos | Inglês | 2017 | Estudo quantitativo randomizado |
14 | “Multidimensional approach to teaching anatomy: do gender and learning style matter?” | Annals of Anatomy | Alemanha | Inglês | 2016 | Estudo prospectivo randomizado de centro único |
15 | “Post mortem CT scans as a supplementary teaching method in gross anatomy” | Annals Anatomy | Alemanha | Inglês | 2016 | Ensaio randomizado |
16 | “Anatomy education and classroom versus laparoscopic dissection-based training: a randomized study at one medical school” | Academic Medicine | Estados Unidos | Inglês | 2014 | Estudo randomizado |
17 | “Are all hands-on activities equally effective? Effect of using plastic models, organ dissections, and virtual dissections on student learning and perceptions” | Advances in Physiology Education | Estados Unidos | Inglês | 2014 | Ensaio controlado e randomizado |
18 | “Computer game-based and traditional learning method: a comparison regarding students’ knowledge retention” | BMC Medical Education | Inglaterra | Inglês | 2013 | Ensaio controlado randomizado simples cego |
19 | “Plastination and its importance in teaching anatomy. Critical points for long-term preservation of human tissue” | Journal of Anatomy | Inglaterra | Inglês | 2013 | Artigo de opinião |
20 | “Arthroscopy or ultrasound in undergraduate anatomy education: a randomized cross-over controlled trial” | BMC Medical Education | Inglaterra | Inglês | 2012 | Ensaio controlado e randomizado |
21 | “Role of a computer-generated three-dimensional laryngeal model in anatomy teaching for advanced learners” | The Journal of Laryngology & Otology | Canadá | Inglês | 2012 | Ensaio controlado e randomizado |
22 | “Using ultrasonography as a teaching support tool in undergraduate medical education - time to reach a decision” | Medical Ultrasonography | Romênia | Inglês | 2012 | Artigo de revisão |
23 | “Atividades de dissecção de cadáveres e residência médica: relato da experiência do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia” | Revista Brasileira de Cirurgia Plástica | Brasil | Português | 2011 | Análise observacional retrospectiva |
Fonte: Elaborado pelas autoras
DISCUSSÃO
De modo geral, os estudos compararam e verificaram a eficácia de diferentes tecnologias no ensino da anatomia, com o intuito de demonstrar complementos pedagógicos ao uso de cadáveres e ao ensino tradicional.
Modelo tridimensional
Dentre aqueles que abordaram metodologias com tecnologias tridimensionais (3D), quatro estudos demonstraram resultados positivos dos alunos, e um deles não constatou diferenças entre os métodos comparados. Entre as vantagens observadas, Casallas et al.7 verificaram que houve um aumento na interpretação, capacidade e facilidade de os alunos identificarem e denominarem as estruturas em todos os seus ângulos. Já Yi et al.12 constataram que os modelos 3D se aproximam do realismo anatômico em estrutura, qualidade e cor, além de não demandarem investimentos em produtos de conservação e não haver necessidade de procedimentos legais para sua obtenção, como no caso dos cadáveres. Chen et al.13 também afirmaram que impressões 3D são ferramentas convenientes e econômicas, além de resolverem problemas éticos, de higiene e aquisição de cadáveres no ensino da anatomia. Por fim, Triepels et al.14comprovaram que os métodos 3D, como impressões, imagens em computador e holograma, foram mais apreciados pelos estudantes, além de concluírem que são mais efetivos para a consolidação do aprendizado.
Em relação às desvantagens da tecnologia 3D, Yi et al.12 e Chen et al.13 citam a questão financeira de aquisição e a complexidade da anatomia. Já segundo Tan et al.15, não houve nenhuma diferença no conhecimento dos alunos que aprenderam em imagens 2D em relação aos que aprenderam em 3D. Ainda, Rondon-Melo et al.16 encontraram efeitos positivos no uso de simuladores, como as animações 3D, no que se refere ao desenvolvimento das habilidades de pensamento e reflexão, compreensão de conceitos e motivação dos estudantes para a aprendizagem. Durante o uso de uma ferramenta de aprendizagem interativa, essas autoras observaram que a maioria dos estudantes precisa investir esforços adicionais para manter a atenção às tarefas de aprendizagem, de modo a diminuir a demanda cognitiva.
Imagens radiológicas
Já nos estudos que abordaram o uso de imagens radiológicas, Knobe et al.17 demonstraram que o ultrassom (US) é um instrumento econômico e rapidamente disponível. Além disso, o ensinamento dessas habilidades nos primeiros anos de estudo pode melhorar a competência em métodos diagnósticos e a qualidade do cuidado com o paciente. Mircea et al.18 comprovaram que o US é fácil de explicar, pois o estudante não tem dificuldade em aprender ou alcançar imagens significantes. Além disso, o US permite uma conexão natural entre “o que você procura e o que você vê”, é uma ferramenta não traumática e não invasiva, portátil e relativamente econômica, e cria um sentimento de participação real no processo diagnóstico, aproximando-se da medicina clínica, principalmente para os alunos do primeiro ano.
De acordo com Stelt et al.19, a incorporação das imagens médicas no estudo ajuda os estudantes a compreender a importância das imagens no diagnóstico e tratamento dos pacientes. Ademais, a integração da anatomia com a radiologia permite entregar conteúdos e habilidades que serão aplicados ao decorrer do curso, favorece e motiva o aprendizado da anatomia por gerar maior interesse e desenvolve outras competências, como a interpretação de estudos de imagem aliada à aplicação clínica. Kolossváry et al.20 constataram que o conhecimento do grupo que aprendeu com imagens de tomografia computadorizada (TC) não foi inferior ao grupo que estudou com peças de cadáver e ainda demonstraram que as imagens de TC são de fácil acesso, de possível visualização on-line, permitem conhecer múltiplas variações anatômicas dos órgãos e possuem durabilidade maior que os cadáveres.
Chan et al.21 mostraram que a integração de imagens radiológicas melhora a habilidade dos estudantes em identificar estruturas anatômicas e a retenção de conhecimento em longo prazo, além de fornecer muitas informações sobre morfologia, função e metabolismo do corpo humano. Promove uma integração de conteúdo clínico relevante que facilita o entendimento da anatomia e melhora o pensamento clínico. Estudantes veem relevâncias e aplicações em sua atuação clínica futura, o que melhora a motivação deles para aprender. Ainda segundo Chan et al.21, para a obtenção de imagens específicas do corpo, o custo de escanear os corpos a cada ano é excessivo. Além disso, esse processo requer uma supervisão mais intensiva e um corpo docente mais preparado. Para anatomia e radiologia, as amostras e imagens devem ser preparadas com cuidado e utilizadas da maneira mais eficiente, e é necessário tempo extra na coleta de casos clínicos adequados. Gradl-Dietsch et al.22 demonstraram que não houve diferença entre os grupos que estudaram por meio de US, artroscopia e grupo controle, e Buenting et al.23 também não encontraram diferença entre o grupo que estudou por dissecação e o grupo que usou imagens de TC.
Dissecação
Pochat et al.24 mostraram que o treinamento com peças anatômicas no meio universitário, muitas vezes, é insuficiente para o aprendizado. O mau estado de conservação das peças anatômicas e sua escassez para um grande contingente de estudantes são alguns dos fatores que contribuem para esse déficit. Em contrapartida, na dissecação em cadáveres, é possível a visualização detalhada das estruturas, o que permite melhor aprendizado e aperfeiçoamento técnico. Brinke et al.25 demonstraram que a educação bidimensional, como apresentações em PowerPoint e vídeos, é a menos custosa e a mais fácil de ser aplicada. Por sua vez, a anatomia com a utilização modelos de dissecação, apesar de dispendiosa e demandar maior esforço, melhora a habilidade de aprendizado, pois os alunos não precisam transferir a representação abstrata e bidimensional das estruturas anatômicas para a anatomia real e tridimensional, já que eles receberam as informações em três dimensões. Um modo ativo de ensino tem uma contribuição importante para melhores resultados de aprendizagem, à medida que os próprios alunos descobrem o material; e a interação manual permite que eles estudem a anatomia em suas múltiplas faces, melhorando a compreensão espacial.
Riederer26 afirma que a plastinação não é um substituto da dissecação tradicional, mas um complemento para entender a anatomia humana. Além de permitir uma conservação em longo prazo do tecido, a peça possibilita um contato direto e visão tridimensional de regiões anatômicas mais complexas, como o soalho e diafragma pélvicos e seus órgãos internos e externos. O autor também ressalta a importância do hands-on no processo de aprendizagem, que é muito apreciado pelos alunos e pelo corpo docente. Porém, as condições legais da plastinação estão longe de ser satisfatórias.
Lombardi et al.27 mostram que a dissecação de órgãos previne a simplificação do estudo anatômico e promove a experimentação e a aprendizagem baseada em investigação, que podem não ser facilmente replicadas pelo uso de modelos de plástico ou atividades virtuais disponíveis atualmente. Essa técnica demonstra variações anatômicas entre indivíduos, possui um alto valor prático por promover o contato com estruturas e pode aprimorar opiniões dos estudantes sobre a ciência.
Chan et al.21 expõem vantagens e desvantagens da dissecação de órgãos. Entre as vantagens, estão: os alunos ficam comprometidos com o autoaprendizado e a melhoria das suas habilidades; desenvolvem competências no diagnóstico por imagem e treinamento de habilidades médicas; reforçam a familiarização com o corpo humano e o respeito por ele; e relembram o que aprenderam. Dessa forma, a prática da dissecação nos primeiros anos do curso de Medicina foi benéfica no desenvolvimento de três tipos de habilidade: cognitiva (entendimento tridimensional das estruturas, das relações e do reconhecimento de variações anatômicas), psicomotora e afetiva (profissionalismo, trabalho em grupo e respeito pelo corpo humano). Já entre as desvantagens, há um impacto emocional, como a ansiedade dos alunos e os custos de transporte, manutenção e disposição de cadáveres. Além de existirem poucos professores qualificados para ensinar a anatomia pela dissecação, há menos alunos capacitados para ajudar no aprendizado; o tempo de dissecação e de autoinstrução não é adequado; os estudantes passam longas horas nessa prática; o número de cadáveres disponíveis depende da cultura local e dos hábitos de doação da população; e, em algumas instituições de ensino, os cadáveres não são disponibilizados. Ainda, as dissecações usam soluções de formol, que têm sido associadas com dermatite alérgica, alergias oculares, problemas nas vias aéreas e carcinogênese.
Simuladores, jogos e ambientes computadorizados
Em relação ao uso de jogos, videogames ou simuladores, Fischer et al.28 demonstraram que um ambiente lúdico encoraja a participação do estudante e melhora a taxa de retenção de conteúdo, a satisfação, o conhecimento médico e potencialmente as habilidades médicas. Além disso, os discentes experimentam várias incidências e adquirem um melhor entendimento da estrutura anatômica. Porém, esse método possui um custo elevado.
Guimarães et al.29 compararam os resultados de provas teóricas e práticas de um grupo que utilizou ambiente computadorizado com aqueles obtidos por um outro que usou papel e caneta. Os resultados sugeriram que, depois de um período de familiarização, o ambiente computadorizado pode apresentar performance equivalente e ser uma alternativa aceitável para o estudo de anatomia.
Rondon et al.30 mostraram que os estudantes podem desenvolver habilidades cognitivas como memória, atenção e pensamento crítico por meio do uso de jogos digitais. Esses jogos, relacionados à solução de problemas, oferecem aos estudantes possibilidades de elaborar estratégias e alcançar seus objetivos predeterminados. Contudo, esse estudo mostrou que a retenção de conhecimento por meio de jogos digitais ocorre em curto prazo. Os jogos relevantes para o conteúdo, especialmente projetados, podem ser usados como um recurso adicional de ensino na graduação em Medicina, pois melhoram o desempenho acadêmico em testes, aumentam o compromisso dos estudantes e promovem a satisfação e um ambiente aprimorado, facilitado e divertido, o que reduz o estresse. Além disso, motivação para aprender e o tipo de jogo usado podem influenciar na performance dos estudantes em termos de conhecimento e prática clínica.
De acordo com Rondon-Melo et al.16, a integração de simuladores computadorizados em contextos de ensino e aprendizagem pode facilitar a compreensão sobre fenômenos não observáveis na ciência e tornar visíveis conceitos abstratos. Para que um jogo possa contribuir para a aprendizagem, é necessário que forneça ao estudante o feedback sobre as suas ações e que contenha questões cuja complexidade favoreça seu processo de aprendizagem. Além disso, as habilidades cognitivas, como memória, atenção, pensamento crítico e elaboração e confirmação de hipóteses, podem ser desenvolvidas. Embora diferentes estudos tenham mostrado que o uso dessa metodologia pode melhorar a motivação para estudo e a retenção de conhecimento em curto prazo, é necessário considerar que há situações em que os estudantes ainda se sentem mais confortáveis com o uso de textos impressos.
Moro et al.31 discorreram sobre realidade virtual, tablet e uso de hologramas, e concluíram que todos foram úteis no aprendizado. No caso da realidade virtual, os estudantes relataram olhos cansados, cefaleia, visão embaçada, náusea, tontura, dificuldade para focar a visão e visão turva. Já Chan et al.21 mostraram que a technology-enhanced learning (tradução livre: “aprendizagem aprimorada por tecnologia”) por meio de recursos didáticos, como aplicativos, pode ser particularmente bem-sucedida quando o conteúdo de ensino é predominantemente visual. Exercícios de anatomia com realidade interativa promovem oportunidades de aprendizado fora da sala de aula e têm um especial valor para alunos cinestésicos e visuais. Entretanto, há desvantagens, como problemas técnicos dos recursos on-line, a falta de experiência tátil e dificuldades para usar os programas.
Outras metodologias
Fergusson et al.32 apresentam o Audience Response System (ARS), que é um sistema de resposta ao público, que promove de maneira instantânea e anônima um feedback das respostas dos estudantes, permitindo a comparação do seu entendimento com o de seus colegas. Além disso, tem a capacidade de aprimorar a habilidade do professor e avaliar o entendimento dos seus alunos em tempo real. A maioria dos estudantes que receberam o ARS no aprendizado julgou como positiva a experiência de ensino, que é memorável para eles. Apesar de ser um formato de educação inovador, não há ganho em longo prazo no conhecimento quando aplicado no ensino de anatomia.
Pandit et al.33 expõem a Competency Based Medical Education (CBME), que é uma metodologia ativa e centrada no aluno, que é avaliado de acordo com a aplicação do conhecimento nas situações clínicas. A CBME concentra-se nos domínios afetivo e cognitivo, ensina liderança, além das outras competências clínicas. É esperado que o aluno aprenda integrando múltiplos domínios de conhecimento, habilidades, atitudes e comunicação nos contextos culturais e sociais, além de aprender uma série de competências mensuráveis para a exposição precoce à clínica.
CONCLUSÃO
Tendo em vista a importância da disciplina de anatomia e sua complexidade, esta revisão integrativa foi capaz de identificar e assimilar as ferramentas inovadoras para o ensino-aprendizagem em anatomia, além de permitir que os alunos busquem a técnica que melhor se adapte às suas necessidades e o torne apto a aplicá-la na sua atividade clínica. Portanto, diante da apresentação dos novos métodos de aprendizagem e de sua compreensão na revisão da literatura científica, as metodologias ativas, das quais as mais prevalentes são os modelos tridimensionais, as imagens radiológicas, a dissecação e os ambientes computadorizados, podem ser vistas como uma alternativa para utilização no ensino da anatomia.