INTRODUÇÃO
As teorias de aprendizagem pertencem, genericamente, a duas correntes principais: uma que concebe a aprendizagem como um processo mecânico de associação de estímulos e respostas determinadas por condições externas (teorias associacionistas, incluindo condicionamento clássico e instrumental ou operante) e outra corrente que considera as peculiaridades da estrutura interna da pessoa1. Essa abordagem inclui as teorias construtivistas e de aprendizado social, a de condicionamento por imitação de modelos, as teorias cognitivas, a psicologia genético-dialética e a teoria do processamento da informação1.
O conceito de estilo de aprendizagem vem de teorias da segunda corrente, que postulam que as pessoas aprendem de modo diverso e a aprendizagem é mais efetiva quando as estratégias de ensino empregadas e os ambientes educacionais onde se encontram são mais compatíveis com os seus modos específicos de funcionamento perante os objetos de aprendizagem1)-(3. Dentro desse conceito, o estilo de aprendizagem no campo educacional refere-se a um conjunto de indicadores cognitivos, afetivos e fisiológicos, supostamente estáveis, que determina como os estudantes percebem, interagem com e respondem às novas informações e aos novos conteúdos e às diferentes variáveis dos ambientes de aprendizagem1)-(3. É a maneira como o indivíduo prefere aprender e se sente melhor nas atividades de aprendizagem, o que, por sua vez, reflete as suas características, podendo, portanto, estar relacionado ao modo como a sua mente processa e incorpora as novas informações1)-(3.
A expressão “estilo de aprendizagem” foi cunhada originalmente por Dunn, em 1960, para se referir às diversas maneiras de as pessoas aprenderem4. Desde então, vários modelos de estilos de aprendizagem têm sido propostos, e, correspondentemente, vários instrumentos para a sua caracterização nos estudantes têm sido desenvolvidos5. Entre estes, destacam-se os conhecidos como Visual, Aural, Reading, Kinesthetic (VARK)5),(6, o modelo de Kolb5),(7, o modelo de Dunn et al.8 e o Index of Learning Styles (ILS), desenvolvido por Felder e Soloman9, com base no trabalho de Felder e Silverman10.
Os instrumentos de caracterização dos estilos de aprendizagem têm sido amplamente utilizados em vários países e em diversos contextos, com diferentes finalidades, mas, possivelmente, a relevância principal dessa linha de trabalho seja a de dar a conhecer aos professores e aos próprios estudantes os tipos e os perfis de estilos de aprendizagem prevalentes, de modo a potencializar a utilização das estratégias de ensino, reconhecendo a riqueza da diversidade e da pluralidade nos contextos educacionais e de estudo e aprendizagem5),(9)-(11.
No Brasil, a partir da publicação, no início deste milênio, das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação, tem havido empenho constante para o estabelecimento de políticas, estratégias, tecnologias e arranjos organizacionais que contribuam de forma mais efetiva para a aprendizagem individual e a coletiva dos estudantes, a fim de que adquiram as habilidades e as competências necessárias para atender às demandas da sociedade. Dessa forma, os projetos pedagógicos das diferentes carreiras ou cursos têm contemplado o maior envolvimento dos estudantes na própria aprendizagem, mediante o uso de métodos mais ativos. Disso decorre que o conhecimento dos estilos de aprendizagem dos estudantes deve auxiliá-los, como também as instituições e os professores, na utilização de recursos mais adequados e, portanto, mais efetivos de aprendizagem.
Ainda que no Brasil tenham sido feitos diversos estudos de caracterização dos estilos de aprendizagem de estudantes do ensino superior das diferentes áreas, incluindo a da saúde (por exemplo: Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Psicologia)12)-(16, são escassas as pesquisas nos vários cursos de uma mesma instituição. Com base no exposto, procurando contribuir para o conhecimento nesse tema, o objetivo principal deste estudo foi determinar a frequência de diferentes estilos de aprendizagem, utilizando o instrumento ILS de Felder e Soloman9, em estudantes ingressantes nos diferentes cursos de graduação na área da saúde de uma mesma instituição. Além de caracterizar eventuais diferenças associadas à escolha de carreira, entendida como tipo de curso de graduação, procurou-se, também, verificar se existem diferenças ligadas ao gênero dos estudantes.
MÉTODOS
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo descritivo exploratório, do tipo corte transversal, envolvendo a análise quantitativa de dados que têm sido colhidos rotineiramente por um centro específico de apoio educacional e psicológico de uma mesma instituição pública de ensino e pesquisa, do interior do estado de São Paulo, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, que mantém sete cursos de graduação na área da saúde (Ciências Biomédicas, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Informática Biomédica, Medicina, Nutrição e Metabolismo, e Terapia Ocupacional). Os dados analisados e os estudos de relações e associações foram feitos em amostra de ingressantes dos anos de 2020 e 2021.
Aspectos éticos
O projeto deste estudo foi inicialmente autorizado pelo referido centro de apoio e também pelo colegiado responsável pela gestão dos cursos da instituição, antes de ser submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) institucional, com pedido de dispensa de assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visto tratar-se de estudo retrospectivo de análise de dados que já haviam sido obtidos. Após a devida análise, o projeto foi aprovado pelo CEP (CAAE nº 53667421.7.0000.5440). Antes do envio dos dados aos pesquisadores, eles foram todos codificados, de modo que, em todas as etapas do estudo, pudessem ser tratados de forma anônima.
População de estudo
A população de estudo foi constituída por 283 estudantes de seis dos sete cursos oferecidos pela instituição. Esses estudantes constituíram amostra de conveniência composta por aqueles que efetivamente responderam ao instrumento do estudo. Não obstante, a sua representatividade é sugerida pelo fato de ter sido possível obter dados de proporções variando de 37% (Medicina) a 100% (Ciências Biomédicas e Nutrição e Metabolismo) dos estudantes elegíveis. O curso de graduação em Informática Biomédica não teve estudantes participantes deste estudo porque o número de ingressantes que responderam ao instrumento principal foi muito pequeno.
Coleta de dados
Nos últimos anos, a instituição, por meio do seu centro de apoio educacional e psicológico, iniciou um estudo longitudinal das características dos seus estudantes17, que consiste na aplicação periódica e regular de diversos instrumentos, entre eles o ILS, para a caracterização dos estilos de aprendizagem. Os estudantes participam voluntariamente após serem informados da importância desses dados para o planejamento educacional da instituição. Esses dados são identificados para que se possa fazer o acompanhamento longitudinal, com a aplicação dos mesmos instrumentos em outros momentos do curso17. No entanto, como antes mencionado, para fins do presente estudo, esses dados foram codificados de modo a permitir a sua análise em condições de completo anonimato.
Instrumento
Foi utilizada a versão eletrônica automatizada do ILS traduzida originalmente para o português do Brasil na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo por Nídia Pavan Kuri e Marcius F. Giorgetti18. Essa versão foi construída a partir do inventário de Felder e Soloman9, que é disponibilizado em inglês para acesso livre e sem custos para a sua utilização em um website específico9. A versão original em inglês foi testada quanto à validade e confiabilidade em diferentes partes do mundo11, e a versão em português do Brasil utilizada neste estudo foi também submetida a estudos de validação em pelo menos dois centros distintos18),(19.
No modelo original proposto por Felder e Silverman10, a aprendizagem, do ponto de vista do domínio cognitivo, compreenderia cinco etapas ou dimensões denominadas “percepção”, “entrada”, “processamento”, “compreensão” e “organização” - esta última foi suprimida na construção do ILS9. Para cada uma das quatro dimensões incluídas no ILS, foi proposta a existência de dois estilos diversos a partir das suas características diferentes e antagônicas. A dimensão “percepção” comporta os estilos “sensorial” e “intuitivo”; a dimensão “entrada” abrange os estilos “visual” e “verbal” (também denominado “auditivo”); na dimensão “processamento”, há os estilos “ativo” e “reflexivo”; e a dimensão “compreensão” envolve os estilos “sequencial” e “global”.
O instrumento ILS compreende 44 perguntas que se relacionam, em quatro grupos de 11 questões, respectivamente, a quatro subescalas, correspondendo, cada uma delas, a uma das dimensões propostas pelos autores9. Cada uma das 11 questões deve ser respondida forçosamente em modo dicotômico, ou seja, escolhendo-se uma ou outra das alternativas fornecidas.
Para cada conjunto das 11 questões compondo cada subescala e correspondendo, então, a uma dada dimensão, a pontuação das respostas permite classificar o respondente em cada um dos dois estilos daquela dimensão (por exemplo, “sensorial” ou “intuitivo”, ou então “visual” ou “verbal”) e, adicionalmente, atribuir três graus de intensidade a cada estilo9 (de 1 a 3 - equilíbrio; de 5 a 7 - moderada; de 9 a 11 - forte).
Análise dos dados
Para determinar os perfis da distribuição dos estilos de aprendizagem, adotou-se a estatística descritiva (análise de frequência). Para determinar as associações entre os estilos de aprendizagem e o tipo do curso de graduação ou o gênero, utilizou-se o teste Qui-quadrado. O teste exato de Fisher bicaudal foi empregado para determinar as diferenças entre as proporções verificadas nos grupos constituídos por curso e por sexo. O nível de significância assumido foi de 5%. Os cálculos estatísticos foram feitos empregando o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) da International Business Machines Corporation (IBM), versão 19.
RESULTADOS
Características dos participantes
No que se refere aos dados demográficos da população de estudo, o número de mulheres (N = 190) foi maior que o de homens (N = 92), e a maior concentração de estudantes encontrava-se no faixa etária de 18 a 20 anos (68,2 %), com poucos estudantes de idade superior a 30 anos (2,5 %).
A distribuição da frequência dos gêneros dos estudantes, segundo o curso no qual estão matriculados, é apresentada na Tabela 1. À exceção do curso de Medicina, em que a distribuição entre homens e mulheres participantes do estudo foi semelhante, com leve predomínio dos homens, os outros cursos tiveram maior porcentagem de mulheres do que homens. Um estudante de Medicina não assinalou o gênero, e, em razão disso, a porcentagem total dos estudantes ficou em 98,7%.
Cursos | Total | Feminino | Masculino | ||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
Ciências Biomédicas | 45 | 32 | 71,1 | 13 | 28,9 |
Fisioterapia | 42 | 33 | 78,6 | 9 | 21,4 |
Fonoaudiologia | 37 | 33 | 89,2 | 4 | 10,8 |
Medicina | 78 | 34 | 43,0 | 44 | 55,7 |
Nutrição e metabolismo | 47 | 31 | 66,0 | 16 | 34 |
Terapia ocupacional | 33 | 27 | 81,8 | 6 | 18,2 |
Total | 282* | 190 | 67,4 | 92 | 32,6 |
N = número de participantes; *um(a) estudante não respondeu à questão sobre gênero.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Estilos de aprendizagem
Os resultados referentes ao total dos estudantes e a distribuição das frequências dos estilos de aprendizagem, por dimensão e por curso, são apresentados na Tabela 2. Na análise do total da amostra de estudantes, observou-se que a maioria estatisticamente significativa apresentou preferência pelos estilos de aprendizagem sensorial, visual, reflexivo e sequencial.
Na análise conjunta comparativa entre os seis cursos, nas quatro dimensões, não houve diferença significativa relacionada ao tipo de curso quanto às frequências dos estilos de aprendizagem preferidos pelos estudantes, em nenhuma das dimensões, apesar de terem sido detectadas variações de curso a curso em uma ou outra delas (Tabela 2).
Cursos (N) | Dimensões | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Percepção | Entrada | Processamento | Compreensão | |||||
Sensorial | Intuitivo | Visual | Verbal | Ativo | Reflexivo | Sequencial | Global | |
C. Bioméd. (45) | 36 (80,0)* | 9 (20,0) | 25 (55,6) | 20 (44,4) | 17 (37,8) | 28 (62,2)* | 26 (57,8) | 19 (42,2) |
Fisioter. (42) | 31(73,8)* | 11 (26,2) | 32 (76,2) | 10 (23,8) | 17 (40,5) | 25 (59,5) | 22( 52,4) | 20 (47,6) |
Fonoaudiol. (37) | 27 (73,0)* | 10 (27,0) | 25 (67,6) | 12 (32,4) | 19 (51,4) | 18 (48,6) | 21 (56,8) | 16 (43,2) |
Medicina (79) | 58 (73,4)* | 21 (26,6) | 54 (68,4) | 25 (31,6) | 34 (43,0) | 45 (57,0) | 45 (57,0) | 34 (43,0) |
Nutrição (47) | 42 (89,4)* | 5 (10,6) | 31 (66,0)* | 16 (34,0) | 26 (55,3) | 21 (44,7) | 31(66,0)* | 16 (34,0) |
Ter. Ocupac. (33) | 18 (54,5) | 15 (45,5) | 20 (60,6) | 13 (39,4) | 16 (48,5) | 17 (51,5) | 19 (57,6) | 14 (42,4) |
Total (283) | 212 (74,9)* | 71 (25,1) | 187 (66,1)* | 96 (33,9) | 129 (45,6) | 154 (54,4)* | 164 (57,9)* | 119 (42,1) |
(N) = número total de participantes por curso. O asterisco (*) denota os estilos de aprendizagem predominantes, ou seja, os com frequência significativamente superior (p < 0,05) ao do outro da mesma dimensão; na amostra total predominaram os estilos sensorial (x 2 1 = 140,502; p < 0,0001; coeficiente de contingência: 0,446), visual (x 2 1 = 58,523; p < 0,0001; coeficiente de contingência: 0,306), reflexivo (x 2 1 = 4,417; p < 0,05; coeficiente de contingência: 0,088) e sequencial (x 2 1 = 14,311; p < 0,0001; coeficiente de contingência: 0,157).
Fonte: Elaborada pelos autores.
A Figura 1 mostra que, considerando a amostra total de estudantes incluídos no estudo, para todos os oito estilos das quatro dimensões, houve claro predomínio da faixa de intensidade equilibrada, à exceção do estilo sensorial, na dimensão percepção, em que se observou predomínio da intensidade moderada. Na comparação das várias faixas de frequência, para nenhum dos estilos foi observada qualquer diferença estatisticamente significativa entre os estudantes dos vários cursos.
A Figura 2 mostra que, para a amostra total dos estudantes, não houve diferenças significativas entre o gênero feminino e o masculino quanto aos estilos de aprendizagem preferidos pelos participantes do estudo, em nenhuma das dimensões, embora as mulheres tenham apresentado preferência significativamente maior pelo estilo reflexivo.
DISCUSSÃO
Nossos resultados mostram que, na amostra de ingressantes de seis dos cursos de graduação na área da saúde de uma mesma instituição pública universitária, avaliados segundo o instrumento ILS de Felder e Soloman9, predominam os estilos de aprendizagem sensorial, visual, reflexivo e sequencial, não havendo diferenças significativas entre os cursos. No entanto, em alguns deles, como os de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Medicina, houve diferença significativa somente em favor do estilo sensorial (versus intuitivo), já que, nas outras dimensões, encontraram-se proporções semelhantes nos demais estilos. Ademais, no curso de Terapia Ocupacional, as frequências dos oito estilos, nas quatro dimensões, foram similares, sem diferenças significativas em nenhuma delas.
No conjunto dos estudantes dos seis cursos, à exceção do estilo sensorial, em que foi mais frequente a faixa de intensidade moderada, predominou a faixa de intensidade equilibrada para os demais estilos.
Na análise da frequência dos estilos de aprendizagem do conjunto de estudantes, estratificada por gênero, encontrou-se proporção significativamente maior de mulheres no estilo reflexivo, mas na amostra total não houve diferenças significativas entre elas e os homens quanto à frequência de nenhum dos estilos de aprendizagem.
A amostra de estudantes investigada pode ser considerada representativa dos ingressantes da instituição, que oferece maior número de vagas anuais (N = 100) para o curso de Medicina e menor número (variando de 20 a 40 vagas) para os outros cursos, havendo, também, maior predomínio de mulheres nos diferentes cursos, quando comparados ao de Medicina20.
Embora existam estudos individuais em grupos específicos de estudantes brasileiros de cursos da área da saúde empregando instrumentos diversos, a relativa escassez de pesquisas empregando o instrumento ILS e envolvendo diferentes cursos torna difícil a comparação dos seus resultados. Becker14, ao aplicar o ILS em amostra de 192 estudantes do curso de Farmácia da Universidade Federal de Sergipe (143 mulheres), encontrou predomínio dos estilos sensorial (87,8%), visual (69,8%) e sequencial (61,6%), configurando resultados e proporções semelhantes aos do nosso trabalho. Diferentemente, porém, Becker14 encontrou predomínio do estilo ativo (59,5%) na dimensão “processamento” (versus reflexivo), mas nessa dimensão, como no presente estudo, as diferenças entre as frequências dos dois estilos foram as menores. Como em nosso trabalho, Becker14 não encontrou diferenças nas frequências dos estilos de aprendizagem entre mulheres e homens.
Embora com métodos ligeiramente diversos do adotado no presente estudo, Olímpio et al.16 encontraram também predomínio dos estilos sensorial, visual, reflexivo e sequencial em amostra de 46 estudantes (38 mulheres) de Enfermagem de uma instituição pública do interior do estado de São Paulo.
Em estudo com 97 residentes multiprofissionais da saúde de profissões diversas da área da saúde (Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Serviço Social, Psicologia, Farmácia, Educação Física, Odontologia, Terapia Ocupacional e Nutrição), Birrer et al.15 encontraram, como em nosso estudo, predomínio dos estilos sensorial e sequencial, mas, diferentemente do presente trabalho, predomínio do estilo verbal (versus visual) e do ativo (versus reflexivo). No entanto, as diferenças de frequência a favor dos estilos sensorial e sequencial foram também muito maiores do que as encontradas em relação aos estilos verbal e ativo. Como em nosso estudo, somente o estilo sensorial predominou em faixa de intensidade moderada, enquanto os demais estilos prevalentes se situaram na faixa de intensidade equilibrada.
Os dados do nosso trabalho sugerem ausência de diferenças significativas e importantes entre os vários cursos ou carreiras da área da saúde de uma mesma instituição. Quando analisados em cotejo com os resultados dos outros estudos antes referidos, que investigaram estudantes12),(14),(16 ou profissionais15 da área da saúde, eles sugerem que os estilos sensorial e sequencial foram predominantes em todos. Não há evidências, porém, de que essas preferências em termos de modos de aprender sejam particulares à área da saúde.
Assim é que Kuri18, em seu pioneiro estudo com o ILS em 840 estudantes de quatro diferentes habilitações em Engenharia, verificaram predomínio claro dos estilos sensorial, visual, ativo e global em todos eles. Já Lopes19, ao estudar com o ILS uma amostra de 235 estudantes de graduação de cursos das ciências humanas (89% de mulheres) e 214 estudantes das ciências exatas (21% de mulheres), encontrou poucas diferenças entre os dois grupos, detectando o predomínio em ambos dos estilos sensorial, ativo e sequencial. As principais diferenças foram a de maior preferência pelo estilo verbal nas ciências humanas e do visual nas ciências exatas, e, também, de menores diferenças entre os dois estilos de cada dimensão no grupo das ciências humanas. Em ambos os grupos e para todos os estilos, houve o predomínio da faixa de intensidade equilibrada, à exceção do estilo sensorial, no grupo de ciências exatas, em que predominou a intensidade moderada.
Em outro estudo com o ILS, Santos et al.13 investigaram os estilos de aprendizagem em amostra de 242 estudantes universitários de cursos das áreas de ciências humanas (Letras, Pedagogia e Administração), ciências exatas (Arquitetura, Engenharia Mecânica e Tecnologia da Informação) e das ciências da saúde (Fisioterapia e Educação Física), com ligeiro predomínio do sexo masculino sobre o feminino. No conjunto dos estudantes, predominaram os estilos de aprendizagem sensorial, visual, ativo e sequencial. Na comparação por gênero, os homens apresentaram maior frequência de preferência pelo estilo visual (versus verbal) do que as mulheres. Não houve diferenças significativas entre os cursos, exceto pela maior frequência dos estilos verbal (versus visual) e reflexivo (versus ativo) no curso de Letras e do estilo verbal no curso de Pedagogia.
Assim sendo, a análise dos nossos resultados, em conjunto com os mencionados estudos brasileiros que também empregaram o instrumento ILS na caracterização dos estilos de aprendizagem dos estudantes de graduação, sugere que não haja uma combinação de estilos que seja particular à instituição ou à área de formação (ciências humanas, exatas ou da saúde), ao curso ou à carreira, ou ao sexo, destacando-se, porém, o predomínio em todos os estudos, sem exceção, do estilo sensorial, que talvez possa estar associado à busca de formação no ensino superior.
No presente estudo de corte transversal, caracterizamos os estilos de aprendizagem prevalentes em amostra de estudantes ingressantes no ensino superior, não tendo elementos sobre a estabilidade dos achados. Felder e Silverman10, em sua proposição original, aludem à sobreposição entre estilos de aprendizagem e tipos de personalidade, o que faz pressupor que sejam estáveis. Embora sejam escassos os estudos em que os estudantes tenham sido acompanhados ao longo do curso, Hosford et al.21, ao estudarem seis classes consecutivas de estudantes de Medicina (N = 385) ao longo de quatro anos, verificaram significativa estabilidade dos estilos encontrados quando da primeira aplicação do ILS. Do mesmo modo, embora não seja um estudo de desenho longitudinal prospectivo, Kuri18 não encontrou diferenças entre estudantes do início (primeiro ano) e do final (quinto ano) de cursos de Engenharia.
Em nosso estudo, como em muitos dos mencionados, à exceção do estilo sensorial, houve diferenças pequenas entre as proporções de estudantes nos dois estilos da mesma dimensão, que se situaram na faixa de intensidade equilibrada. Esses fatos, especialmente a intensidade equilibrada, podem indicar que as preferências dos estudantes podem ser relativas, dependentes das circunstâncias e, assim sendo, não impedindo que os estudantes se adaptem aos estímulos e ao ambiente para privilegiar a aprendizagem. Nesse sentido, é pertinente citar o estudo de Alghasham22 que acompanhou dois grupos de estudantes com estilos diversos (ativos e reflexivos) em atividades de aprendizagem baseada em problemas e verificou que, apesar de exibirem comportamentos diversos e utilizarem estratégias de estudo diferentes, apresentaram desempenhos semelhantes na avaliação formativa ao final do processo, o que, indiretamente, indica busca de adaptação por parte do estudante.
Neste estudo, a opção pelo instrumento ILS, referenciado nos trabalhos de Felder e Soloman9) e Felder e Silverman10, foi essencialmente pragmática, pelo fato de ele já estar sendo utilizado na nossa instituição e em outras da mesma universidade, bem como por se dispor de forma automática de aplicação, que permite obtenção rápida dos resultados. Além disso, dentre os vários modelos de estilos de aprendizagem propostos, parece ser o único que contempla as importantes influências na aprendizagem ligadas a fatores ambientais, emocionais, fisiológicas e psicológicas, conforme salientam Schmitt et al.5, em interessante revisão comparativa dos vários modelos de estilos de aprendizagem. O modelo de Felder e colaboradores9),(10, adicionalmente, compartilha os estilos ativo e reflexivo com o modelo de Kolb7 e os elementos visual e verbal com o modelo VARK5),(6.
Deve, porém, ser destacado que, apesar das teorias que subsidiam o conceito de estilos de aprendizagem1)-(3, do grande número de proposições classificatórias de estilos4)-(10, muitas com os correspondentes instrumentos para a sua caracterização, bem como da enorme quantidade de estudos sobre esse tema publicados nas últimas décadas, é incerto o significado de achados como os do nosso estudo. É particularmente duvidoso se um ou outro estilo de aprendizagem pode ser preditivo de melhor ou pior desempenho acadêmico. Em revisão de 31 estudos dos estilos de aprendizagem de estudantes de diferentes profissões da saúde, incluindo Medicina, Enfermagem e Farmácia23, em que se buscou determinar a relação entre estilos e desempenho acadêmico, os achados mostraram correlações fracas ou inexistentes. Nessa linha de busca do significado dos estilos de aprendizagem, outra revisão sistemática extensa de artigos sobre fatores eventualmente preditivos do fracasso acadêmico em estudantes de Medicina24 encontrou estudos explorando inúmeras causas, entre elas os estilos de aprendizagem. No entanto, não houve consistência entre os cinco estudos em que se postulou que estilos específicos poderiam se associar ao desfecho em foco, enquanto dois dos estudos não encontraram qualquer evidência de que um ou outro estilo em particular pudesse ser preditivo de fracasso acadêmico24.
Contudo, uma investigação efetuada na Índia, com centenas de estudantes de vários cursos universitários, empregando o instrumento ILS, verificou que aqueles com os estilos visual e ativo possuem maior habilidade de lidar com o estresse, o que pode ter influência positiva no desempenho acadêmico25.
Ao lado dos resultados conflitantes ou negativos sobre as relações entre estilos de aprendizagem e desfechos de sucesso ou insucesso no desempenho acadêmico, é possível ainda apontar como dificuldade nesse campo de estudo a existência de mais de dez modelos distintos, nem sempre convergentes, de estilos5. A maioria dos modelos de estilos de aprendizagem tem os seus correspondentes instrumentos de caracterização deles na população estudantil, mas as evidências concretas da qualidade deles em termos de validade e confiabilidade são escassas26.
Essas considerações facilitam entender por que existem críticas contundentes à própria existência do construto subjacente aos estilos de aprendizagem. Por exemplo, Riener e Willingham27 chegam a utilizar a palavra “mito” (no sentido de “lenda”) ao fazerem a sua crítica aos conceitos relativos aos estilos de aprendizagem. Embora reconheçam que as pessoas são efetivamente diferentes entre si no modo de aprender, o que pode afetar a aprendizagem individual, questionam o conceito de que a aprendizagem poderia ser melhorada com a utilização de estratégias de ensino mais adequadas aos seus estilos. Essa crítica, segundo esses autores27, é fundamentada pelo fato de não haver demonstrações empíricas ou estudos experimentais controlados que possam subsidiar esse conceito e, também, pela comprovada existência de diversidade de fatores, como motivação, interesses e aptidões específicos e individuais, que podem, talvez até mais fortemente, influenciar a aprendizagem de cada pessoa. Da nossa parte, como profissionais da educação nas profissões da área da saúde, podemos acrescentar à crítica que, embora o conceito de estilo de aprendizagem possa se aplicar à aquisição de conhecimentos, é incerto que se aplique igualmente ao desenvolvimento de habilidades e competências profissionais, à incorporação de atitudes e valores do profissionalismo, bem como à construção da identidade profissional, atributos da maior importância na área da saúde.
Com relação à utilidade prática de conhecer os estilos dos estudantes para melhor programar o ensino, Felder e Silverman10 já afirmavam que os professores devem ter ciência da diversidade que pode ser encontrada em qualquer grupo de estudantes, para que possam utilizar uma variedade de estratégias de ensino e aprendizagem que contemplem as muitas possibilidades de combinações de estilos prevalentes nas classes com numerosos estudantes. No entanto, ainda que em nossa instituição procuremos dar conhecimento às coordenações dos cursos dos perfis de estilos de aprendizagem prevalentes entre os estudantes, a hipótese de que isso resultará em rearranjo dos métodos instrucionais e das estratégias de aprendizagem carece de estudos que a fundamentem, e não encontramos investigações publicadas sobre essa questão.
De qualquer modo, em nossa instituição, utilizamos regularmente a caracterização e o acompanhamento dos estilos de aprendizagem dos estudantes dos vários cursos17, e existe experiência definidamente positiva na condução de oficinas voltadas à informação e ao autoconhecimento dos estilos de aprendizagem dos estudantes, de modo que possam melhor se adaptar às várias estratégias de ensino e construir planos de estudo mais produtivos28. Como decorrência da participação nessas oficinas, os estudantes relatam melhor autoconhecimento sobre seu processo de aprendizagem e sobre os recursos que poderiam ser de utilidade na superação das dificuldades, principalmente nos primeiros anos do curso de graduação28. Os discentes afirmam também que a participação nas oficinas contribui para a construção de redes colaborativas entre eles, favorecendo a adaptação ao contexto universitário28. Nesse sentido, é interessante mencionar que, na citada revisão de estudos que procurou determinar a relação entre estilos de aprendizagem e desempenho acadêmico23, não se encontrou nenhuma investigação que explorasse o autoconhecimento (self-awareness), um componente da chamada “inteligência emocional” que vem sendo considerado um importante atributo a ser adquirido pelo profissional da saúde23),(29.
É importante considerar que o estudo aqui apresentado tem diversas limitações, como a de se restringir somente à caracterização, em corte transversal, dos estilos de aprendizagem prevalentes nos ingressantes dos vários cursos de graduação nas profissões da saúde da instituição. Por se tratar de um primeiro estudo exploratório, tendo como material principal dados que haviam sido colhidos anteriormente, não foi possível investigar a associação com outras variáveis, como formação anterior, dados socioeconômicos e hábitos de estudo. No entanto, algumas dessas limitações podem ser abordados em estudos futuros, entre os quais os mais factíveis são o de acompanhamento longitudinal do perfil de estilos de aprendizagem dos ingressantes e se o trabalho visando à autoconsciência sobre os estilos se reflete em melhoria do desempenho acadêmico. De qualquer modo, o verdadeiro significado para cada estudante do seu perfil de estilos de aprendizagem e as relações dele com outros desfechos acadêmicos no contexto em que estão inseridos permanecem como ponto a ser mais bem investigado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao aplicarmos o ILS de Felder e Soloman9) em amostra representativa dos ingressantes de seis dos cursos de graduação na área da saúde de uma mesma instituição pública universitária, encontramos frequência significativamente elevada dos estilos sensorial (versus intuitivo), visual (versus verbal), reflexivo (versus ativo) e sequencial (versus global). Não foi possível estabelecer diferenças significativas entre os vários cursos de graduação das profissões da saúde, nem entre homens e mulheres, quanto aos estilos de aprendizagem predominantes nos estudantes, embora as mulheres tenham apresentado frequência significativamente maior do estilo reflexivo. Esses achados devem ser levados em consideração no planejamento das atividades de aprendizagem e, principalmente, no apoio pedagógico, dando oportunidade aos estudantes de conhecer os seus estilos de aprendizagem, o que pode ajudá-los a melhor se adaptar às estratégias empregadas na instituição.