INTRODUÇÃO
A simulação é uma ferramenta cada vez mais reconhecida para ensinar, treinar e examinar profissionais da área da saúde. Utilizada há muitos anos para melhorar o atendimento clínico e o trabalho em equipe, a simulação pode ser realizada em diferentes ambientes: off-site (centros de simulação ou outros locais longe das unidades clínicas) ou in situ (ambiente clínico real)1.
A simulação in situ (SIS) consiste em técnica de capacitação que ocorre no local de trabalho real, nos mesmos moldes da simulação clínica tradicional, contemplando as etapas de briefing (contextualização e detalhamento do cenário simulado antes da aplicação), desenvolvimento do cenário simulado e debriefing (diálogos após a prática com o objetivo de promover uma reflexão). É um método muito promissor para promover a fidelidade ambiental dos envolvidos no cenário simulado2.
Ao ser realizada no próprio local de atuação profissional, a SIS permite avaliar as habilidades práticas e de pensamento crítico de uma equipe de saúde em seu ambiente de trabalho, incentivando a melhoria de práticas clínicas3. Além disso, permite que a instituição possa abordar uma série de aspectos relacionados aos processos de saúde, eficiência organizacional e segurança operacional, incluindo a identificação de perigos latentes, lacunas de conhecimento, necessidades de equipamentos não atendidas, questões do ambiente e restrições de espaço, bem como uma infinidade de questões ligadas aos recursos humanos4.
Há evidências de benefícios, inclusive, no que diz respeito à autoeficácia percebida, ou seja, a própria percepção sobre os avanços técnicos relacionados às capacitações. Os trabalhos nacionais mostraram que os profissionais perceberam a estratégia da SIS como válida para a atualização profissional e o aprendizado prático em ambiente seguro5)-(8. No âmbito internacional, nota-se que a simulação é amplamente praticada em diversos níveis de assistência9),(10, inclusive como uma ferramenta rápida e eficiente para implementar os protocolos em casos de surtos11)-(16, além de ser uma abordagem aceitável para a capacitação da equipe interprofissional na atenção primária17.
Apesar de tais achados, a simulação continua sendo realizada preferencialmente dentro de centros de simulação. Tal prática torna necessária a presença desses espaços, de recursos tecnológicos e da disponibilidade de pessoal treinado para sua condução que, na grande maioria das vezes, não existem nos serviços de saúde. Isso impede o desenvolvimento das atividades de simulação dos profissionais que atuam na assistência aos pacientes9. Os locais que adotaram a SIS em sua rotina apresentaram como clara vantagem a fidelidade do cenário com grande impacto na transferência dos conhecimentos para os participantes de práticas simuladas18.
Vale destacar que a simulação realizada em centros de simulação está, geralmente, relacionada a um currículo ou ao desenvolvimento de competências técnicas e não técnicas em espaços de graduação ou educação continuada. Nesse contexto, a inclusão de capacitações de equipes de atendimento com foco na rede de saúde, em vez de indivíduos ou falhas, enfatiza o trabalho em equipe e o desenvolvimento de habilidades de instrução, investigação, distribuição da carga de trabalho, vigilância e resolução de conflitos19.
No Brasil, o uso da simulação clínica é recente em universidades, escolas médicas e outras áreas da saúde. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Medicina de 2001 e 2014 foram tentativas de mudar esse cenário, ao promoverem maior integração entre ensino, serviço e comunidade, e proporcionarem capacitação prévia de habilidades por meio da simulação, de modo a antecipar o contato com pacientes reais20.
A capacitação de habilidades não técnicas é muito mais do que mera atividade de simulação. Essa capacitação está carregada com tal pluralidade de áreas de habilidades, tópicos, múltiplas configurações para capacitações e procedimentos de avaliação que se torna um processo possível para definir valores comuns e padrões fundamentais necessários à atividade profissional21. Já a SIS objetiva que as equipes possam revisar e melhorar suas competências diante do ambiente clínico real22.
No Brasil, registram-se poucos pesquisadores dedicados ao tema5)-(8, os quais geralmente estão vinculados à academia e não aos serviços assistenciais de saúde, e isso pode acarretar a subutilização dessa ferramenta para o desenvolvimento de melhor assistência por equipes multiprofissionais de saúde23.
Portanto, como a SIS é uma estratégia de aprendizagem emergente e promissora na educação para profissionais de saúde, torna-se relevante identificar como tem sido utilizada no mundo. Este estudo tem como objetivo compreender sua aplicabilidade em diversos ambientes, temas e áreas de saúde no mundo, identificando a situação do Brasil nesse contexto.
MÉTODO
A revisão integrativa foi o método escolhido pelo potencial de capturar a complexidade de perspectivas amplas e variadas de um fenômeno estudado. O estudo adotou as seguintes etapas: identificação do problema, pesquisa na literatura, avaliação de dados, análise de dados e apresentação24. Também se apoiou nas recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA)25.
Para a coleta dos dados, adotou-se a seguinte questão norteadora com base na estratégia PICO (paciente, intervenção, comparação e outcomes):
Foram realizadas buscas nas bases PubMed, Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Web of Science.
Depois da definição dos termos e de suas combinações (Quadro 1), as buscas foram limitadas às publicações de 2012 a 2021, considerando que artigos relativamente recentes podem traduzir mais precisamente o contexto da SIS utilizada por profissionais da saúde no mundo todo. A última busca nas bases consultadas foi realizada em 11 de março de 2022.
Base de dados | Termos e expressões de busca |
---|---|
PubMed | in situ simulation |
LILACS | in situ simulation OR simulação in situ OR simulación in situ |
SciELO | in situ simulation OR simulação in situ OR simulación in situ |
Web of Science | in situ simulation AND (health OR medical) |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Nas bases de dados LILACS e SciELO, adotou-se a estratégia de ampliação de busca por meio da tradução da expressão in situ simulation para o português e o espanhol, pois são bases que aceitam múltiplos idiomas em sua indexação. No PubMed, a expressão in situ simulation foi mantida no inglês, já que nessa plataforma a variação de tradução da expressão não modificou o resultado da busca. Já na base Web of Sience, restringiu-se a busca por resultados dentro dos temas da área da saúde, por se tratar de um sítio de armazenamento com possibilidade de resultados nas mais diversas áreas do conhecimento.
Considerando que o estudo analisou trabalhos sobre a simulação utilizada por profissionais da área da saúde dentro do seu ambiente de trabalho, foram excluídos aqueles que tratavam de simulações realizadas em centro de simulação e outros ambientes (off site) e de simulações in situ realizadas por outras áreas do conhecimento. Além desses, excluíram-se: 1. artigos duplicados; 2. estudos considerados literatura cinza (editoriais, teses e anais); 3. publicações cujos participantes não eram profissionais da saúde; 4. estudos que fugiam da temática principal, apesar de conterem o tema SIS no corpo do texto (por exemplo: simulação de proliferação celular in situ); 5. revisões de literatura.
Quando divididos por bases de dados, as plataformas apresentaram como resultados, respectivamente, 19 em LILACS, oito em SciELO, 270 em Web of Science e 61 em PubMed, totalizando 358 artigos.
Esses 358 artigos foram exportados para o programa de revisão sistemática Rayyan para facilitar a revisão por pares26.
O programa indicou 34 duplicações, sendo sete excluídas automaticamente, pois foram consideradas duplicações exatas, e indicaram-se 27 para análise dos revisores, que consideraram 26 artigos como duplicações, totalizando a exclusão de 33 artigos por esse critério.
A análise dos 325 artigos restantes ocorreu a partir da leitura dos títulos e dos resumos por meio de leitura independente de dois autores, e, não havendo discordância entre eles, 127 artigos foram excluídos e 198 selecionados para a leitura na íntegra, sendo excluídos mais oito artigos, restando, assim, 190 artigos para compor a amostra. O processo de seleção dos artigos incluídos nesta revisão é apresentado no fluxograma PRISMA25 (Figura 1).
Os autores realizaram leitura independente dos artigos incluídos na amostra para extração dos dados utilizando formulário específico criado para reunir as seguintes informações: autor; país do estudo; continente; idioma; periódico; anos de publicação compilados em blocos; desenho do estudo; nível de evidência (nível I - metanálises de estudos clínicos controlados e randomizados; nível II - estudo de desenho experimental; nível III - estudos quase experimentais; nível IV - estudos não experimentais qualitativos ou estudos descritivos; nível V - relato de casos ou relatos de experiências; e nível VI - opiniões de especialistas ou com base em normas regulamentadoras ou legais)27; objetivo; público-alvo; objetivo da intervenção; metodologia utilizada; número de participantes; número de sessões de simulação; área temática (cirurgia, clínica médica, pediatria, saúde coletiva ou ginecologia e obstetrícia); local de realização; tema abordado; resultados; e conclusões.
Para organização das informações, foram diferenciados os estudos de abordagem quantitativa, qualitativa e de métodos mistos. Em continuidade, realizou-se uma síntese narrativa dos dados utilizando análise temática28.
RESULTADOS
A Tabela 1 trata da caracterização dos estudos selecionados, segundo continente, idioma, ano de publicação, tipo de estudo e nível de evidência, demonstrados por número e porcentagem correspondente.
Características | Frequência | % | Cumulativo |
---|---|---|---|
Continente | |||
América do Norte | 115 | 60,53 | 115 |
América do Sul | 8 | 4,21 | 123 |
África | 3 | 1,58 | 126 |
Europa | 43 | 22,63 | 169 |
Ásia | 16 | 8,42 | 185 |
Oceania | 5 | 2,63 | 190 |
Antártida | 0 | 0 | 190 |
Total | 190 | 100% | 190 |
Idioma | |||
Inglês | 184 | 96,84 | 184 |
Espanhol | 2 | 1,05 | 186 |
Português | 4 | 2,11 | 190 |
Outros | 0 | 0 | 190 |
Total | 190 | 100% | 190 |
Ano de publicação | |||
2012-2013 | 7 | 3,68 | 7 |
2014-2015 | 24 | 12,63 | 31 |
2016-2017 | 25 | 13,16 | 56 |
2018-2019 | 53 | 27,90 | 109 |
2020-2021 | 81 | 42,63 | 190 |
Total | 190 | 100% | 190 |
Tipo de estudo e nível de evidência | |||
Estudo experimental - II | 8 | 4,21 | 8 |
Estudo quase experimental - III | 97 | 51,05 | 105 |
Estudo descritivo - IV | 63 | 33,16 | 168 |
Estudo qualitativo - IV | 11 | 5,79 | 179 |
Estudo misto - IV | 7 | 3,68 | 186 |
Relato de experiência - V | 4 | 2,11 | 190 |
Total | 190 | 100% | 190 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A análise dos artigos revelou que os Estados Unidos detêm a maioria absoluta com 97 produções (51%), seguidos do Canadá com 18 artigos, mostrando grande diferença numérica (9,5%). Apenas sete artigos (3,7%) foram conduzidos no Brasil. Dessa forma, a maioria de 184 trabalhos está escrita em inglês (96,8%), com quatro em português (2,1%) e dois em espanhol (1%).
Observa-se um aumento de publicações nos últimos quatro anos (70,53%), mostrando que a SIS tem sido mais aplicada e estudada.
Quando dividimos os estudos abordados na leitura, quanto ao tipo, 97 (50,05%) eram quase experimentais, com nível de evidência III, seguidos de 63 estudos descritivos (33%) e 11 qualitativos (5,8%), ambos com nível de evidência IV (38,8%).
Sobre o público-alvo das pesquisas, predominaram estudos que envolveram equipes multiprofissionais, com 155 publicações (81,6%), seguidos da enfermagem, com apenas 14 estudos (7,4%).
A Tabela 2 mostra a caracterização dos estudos a partir das áreas temáticas, segundo público-alvo, tema abordado e cenário/setor.
Clínica médica n = 71 | Pediatria n = 59 | Cirurgia n = 20 | Outras/ múltiplasa n = 18 | Obstetrícia n = 16 | Anestesiologia n = 1 | Saúde mental n = 1 | Saúde coletiva/ medicina de família n = 4 | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Público-alvo | |||||||||||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | TOTAL | |
Equipe multiprofissional | 56 | 78, 9 | 49 | 83,0 | 17 | 85,0 | 18 | 100,0 | 11 | 68,75 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 3 | 75,0 | 155 |
Enfermeiros | 8 | 11,3 | 2 | 3,4 | 1 | 5,0 | 0 | 0 | 2 | 12,5 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 25,0 | 14 |
Médicos | 2 | 2,8 | 2 | 3,4 | 1 | 5,0 | 0 | 0 | 1 | 6,25 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 7 |
Residentes de Medicina | 2 | 2,8 | 1 | 1,7 | 1 | 5,0 | 0 | 0 | 1 | 6,25 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 5 |
Alunos de graduação | 2 | 2,8 | 4 | 6,8 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 6 |
Outros | 1 | 1,4 | 1 | 1,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 6,25 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 |
Total | 71 | 100% | 59 | 100% | 20 | 100% | 18 | 100% | 16 | 100% | 1 | 100% | 1 | 100% | 4 | 100% | 190 |
Tema abordado | |||||||||||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | TOTAL | |
RCP | 13 | 18,3 | 14 | 23,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 27 |
Covid-19 | 17 | 23,9 | 0 | 0 | 1 | 5,0 | 2 | 11,1 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 21 |
Trauma | 2 | 2,8 | 3 | 5,1 | 6 | 3,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 11 |
Sepse | 3 | 4,3 | 3 | 5,1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 6 |
Complicações de parto | 0 | 0 | 1 | 1,7 | 0 | 0 | 1 | 5,5 | 11 | 68,75 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 13 |
Segurança do paciente | 1 | 1,4 | 0 | 0 | 2 | 5,0 | 3 | 16,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 6 |
Outros | 35 | 49,3 | 38 | 64,4 | 11 | 55,0 | 12 | 66,7 | 5 | 31,25 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 4 | 100,0 | 106 |
TOTAL | 71 | 100% | 59 | 100% | 20 | 100% | 18 | 100% | 16 | 100% | 1 | 100% | 1 | 100% | 4 | 100% | 190 |
Setor | |||||||||||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | TOTAL | |
Urgência/emergência | 54 | 76,0 | 40 | 67,8 | 10 | 50,0 | 7 | 39,0 | 3 | 18,75 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 114 |
Sala de parto | 0 | 0 | 6 | 10,2 | 0 | 0 | 1 | 5,5 | 9 | 56,25 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 16 |
UTI/CTI | 8 | 11,3 | 8 | 13,5 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 17 |
Centro cirúrgico | 0 | 0 | 0 | 0 | 10 | 50,0 | 1 | 5,5 | 2 | 12,5 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 13 |
Ambulatório | 2 | 2,8 | 1 | 1,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 75,0 | 6 |
Enfermaria | 3 | 4,3 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 6,25 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 5 |
Outros | 4 | 5,6 | 4 | 6,8 | 0 | 0 | 9 | 50,0 | 1 | 6,25 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 25,0 | 19 |
TOTAL | 71 | 100% | 59 | 100% | 20 | 100% | 18 | 100% | 16 | 100% | 1 | 100% | 1 | 100% | 4 | 100% | 190 |
a Nessa categoria, inseriram-se os dados dos artigos que tiveram aplicação a múltiplas equipes e daqueles que não foram claros quanto à relevância e quantificação de participantes de cada uma das áreas. Portanto, trata-se de trabalhos que abordam a sua aplicação sistemática em diversas áreas dentro dos serviços de saúde.
RCP = reanimação cardiopulmonar; UTI/CTI: unidade de terapia intensiva/centro de terapia intensiva.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação ao local onde foram realizadas as simulações, observa-se um predomínio do setor de urgência e emergência, com 114 estudos (60%), com a maioria das simulações feitas na clínica médica com 54 estudos (47,4%) e pediatria com 40 (35%). Em seguida, temos as UTIs com 17 estudos (9%), dos quais oito na clínica médica (47%) e oito na pediatria (47%). A sala de parto teve 16 estudos (8,42%), dos quais nove são em obstetrícia (56,25%) e seis em pediatria (37,5%). O centro cirúrgico teve 13 estudos (6,84%), sendo dez (76,9%) em cirurgia.
Quando analisamos as áreas individualmente, vemos que a SIS tem sido mais aplicada em clínica médica, com 71 estudos (37,3%), seguida de pediatria com 59 (31%) e cirurgia com 20 (10,5%).
Os temas mais trabalhados na SIS, segundo os estudos, foram RCP com 27 publicações (14,2%), seguida de Covid-19 com 21 (11%), complicações do parto com 13 (6,8%) e trauma com 11 (5,8%).
A Tabela 3 mostra a caracterização dos estudos a partir do tipo de intervenção e do número de atividades simuladas.
Tipo de intervenção | Frequência | % |
---|---|---|
Aula/demonstração | 12 | 6,3 |
Educação continuada | 81 | 42,6 |
Avaliação | 10 | 5,3 |
Educação permanente | 85 | 44,7 |
Sem informação | 2 | 1,1 |
Total | 190 | 100% |
Atividades simuladas | Frequência | % |
De 1 a 10 | 113 | 59,5 |
De 11 a 20 | 26 | 13,7 |
De 21 a 30 | 8 | 4,2 |
De 31 a 40 | 8 | 4,2 |
De 41 a 100 | 8 | 4,2 |
Acima de 100 | 5 | 2,6 |
Sem informação | 22 | 11,6 |
Total | 190 | 100% |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação ao tipo de intervenção, 85 (44,7%) estudos abordaram a educação permanente (assim definidos ou que apresentaram atividades regulares), seguidos de 81 (42,6%) com capacitação isolada, que classificamos como educação continuada.
O Quadro 2 mostra as evidências associadas aos estudos de intervenções de educação permanente, e, em geral, percebe-se que estão relacionadas aos pacientes, às habilidades técnicas e não técnicas dos profissionais, à segurança do paciente e ao processo de ensino-aprendizagem.
Evidências associadas aos pacientes | • Melhor desfecho dos pacientes de emergência geral29)-(31. |
• Melhor controle de glicemia dos pacientes pediátricos. | |
• Redução da mortalidade ponderada ajustada ao risco de choque séptico32. | |
• Aumento de pacientes encaminhados para unidade de alergia33. | |
• Melhor conforto do paciente na emergência34. | |
Evidências associadas às habilidades técnicas dos profissionais | • Melhoria no manejo das vias aéreas pediátricas35. |
• Melhoria no reconhecimento com precisão dos sinais e sintomas de pacientes em deterioração clínica e fornecimento de intervenções iniciais eficazes36. | |
• Aumento da adesão dos profissionais a diferentes diretrizes de atendimento10),(37),(38. | |
• Melhoria do desempenho no trabalho em equipe dos profissionais na reanimação39)-(42. | |
• Melhoria no manejo correto da anafilaxia33. | |
• Melhoria nos escores de avaliação da simulação de trauma43. | |
• Melhoria do trabalho em equipe na intubação44. | |
• Melhoria no desempenho do atendimento ao trauma pediátrico45. | |
• Melhoria na utilização oportuna de recursos no atendimento a crises13),(46. | |
• Melhoria nos níveis de conhecimento em ECMO47. | |
• Melhoria no reconhecimento com precisão dos sinais e sintomas de pacientes em deterioração clínica e fornecimento de intervenções iniciais eficazes36. | |
Evidências associadas às habilidades não técnicas dos profissionais | • Contribuíram para uma melhora significativa na confiança dos profissionais em relação aos procedimentos48)-(50. |
• Melhoria da comunicação13),(46),(51),(52. | |
• Melhoria do trabalho em equipe4),(22),(32),(39),(53)-(56. | |
• Melhoria na capacidade de liderança57)-(59. | |
• Melhoria na colaboração interprofessional60. | |
• Melhora na identificação de papéis dos profissionais49. | |
• Melhoria da familiaridade da equipe com dispositivos, equipamentos e ambiente61. | |
• Melhoria na resposta emocional dos profissionais62. | |
• Melhoria no conforto e na satisfação dos profissionais50),(63. | |
Evidências associadas à segurança do paciente | • Melhoria na identificação de ameaças de segurança latentes em ambiente de atendimento clínico13),(46),(49),(64)-(70. |
• Fomenta a cultura de segurança do paciente22),(42),(71)-(75. | |
• Possibilita mitigar os riscos à segurança do paciente2),(4),(64),(67),(76)-(79. | |
• Identificar áreas que requerem educação adicional para melhorar a segurança do paciente72),(80. | |
• Fornece ambiente para treinar com segurança as intervenções72),(81),(82. | |
Evidências associadas ao processo de ensino-aprendizagem | • Aproveitamento adequado dos recursos educacionais83. |
• Melhores resultados no aprendizado61),(83)-(85. | |
• Possibilita a educação interprofessional57. | |
• Permite a aprendizagem de adultos em um ambiente seguro36. | |
• Confiável para avaliar o desempenho clínico dos profissionais66),(86. | |
• Permite capacitação de simulação com poucos recursos77),(72),(87),(88. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Foi possível identificar nos resultados algumas vantagens relacionadas à SIS, como oportunidade para atualização e aquisição de conhecimentos, habilidades e competências profissionais5. Outros resultados são o aprimoramento do trabalho em equipe e no aprendizado individual, e a capacidade de oferecer maior realismo e transferibilidade com baixo custo61),(89),(90.
Além disso, permite a melhora no desempenho em cenários clínicos reais, ajudando a revelar seus riscos latentes importantes, e a implementação de medidas corretivas77),(91),(92.
Por meio dos dados extraídos dos artigos, destaca-se um total que supera 2.268 intervenções de simulação e 11.315 participantes, uma vez que não foi possível extrair essas informações em 29 artigos, como mostrado na Tabela 4.
Área temática | Total de participantes | Total de atividades simuladas |
Clínica médica | 3.851 | 988 |
Pediatria | 3.406 | 494 |
Cirurgia | 1.293 | 516 |
Obstetrícia | 133 | 63 |
Anestesia | 12 | 36 |
Saúde mental | 53 | 8 |
Saúde coletiva/medicina de família | 130 | 55 |
Interprofissionais/outras | 2.437 | 108 |
Total | 11.315 | 2.268 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
DISCUSSÃO
O uso da SIS permitiu a abordagem de uma série de temas úteis nas mais diferentes áreas do conhecimento, disciplinas e culturas. Reproduzida em diversos lugares do mundo, a SIS considera as características dos serviços locais e se adapta a elas, além de não exigir grandes investimentos extras para sua realização93.
Além disso, demonstrou diversas vantagens, o que reforça os achados da literatura e fortalece as evidências de que sua utilização traz diversos benefícios para a assistência, os profissionais e os pacientes, conforme demonstrado em outros estudos que utilizaram a SIS e constataram ganho significativo da confiança tanto para profissionais experientes quanto para equipes em fases mais iniciais de capacitação7),(94.
Nesse contexto, confirmando os achados de outros estudos que apontaram vantagens similares às encontradas nesta revisão2),(89),(95, a SIS oferece uma oportunidade para complementar a equipe sobrecarregada e compensar perdas temporárias decorrentes de licença médica ou quarentena94.
Quando executada com planejamento e coerência, a SIS oferece uma oportunidade para complementar as habilidades técnicas, principalmente aquelas voltadas para urgência e emergência, como capacitação de atendimento ao traumatizado, reanimação cardiopulmonar (adulto e pediátrico), atuação na pandemia da Covid-19, gerenciamento da sepse, complicações de parto, entre outras, apontadas em 114 dos 190 artigos selecionados. No Brasil, a SIS foi empregada em cenários de parada cardiorrespiratória5),(6),(8, sepse7 e Covid-1996. Em relação ao desenvolvimento de habilidades não técnicas, temos como exemplo o uso na promoção de segurança do paciente2),(4),(32),(36)-(38),(64),(67),(76)-(79),(97, de ambiente seguro institucional29),(30),(92 e de autogerenciamento em situações de crise18),(57)-(59),(98),(99) das equipes, sem necessidade de deslocamento, sem utilização de centros de simulação de alto custo e com projeção real da rotina do participante. Destaca-se que a SIS é especialmente importante quando utilizada em cenários clínicos de alto risco e com pressão de tempo94.
O uso da SIS também foi associado ao aumento da capacidade de raciocínio clínico e de trabalho em equipe, com melhora global na prática teórica e nas habilidades práticas dos participantes100. Quando observamos os cenários em que foram aplicadas, pudemos associar os achados a outros estudos que fortalecem os dados obtidos5),(30),(43),(85),(101.
Diversos artigos sobre o uso da SIS para otimizar a segurança do paciente mostraram melhor clareza dos papéis dos membros da equipe em relação à administração de medicamentos feitas no ambiente clínico95,102-104 e à capacidade de identificar ameaças de segurança latentes mitigadas pela prática2),(4),(13),(46),(49),(64)-(70),(76)-(79),(89),(95),(105.
Programas de capacitações de equipes multidisciplinares4),(11),(12),(22),(32),(39),(53)-(56),(95),(106),(107 com o uso de SIS demonstraram que ela melhora, efetivamente, as habilidades técnicas e não técnicas dos profissionais de saúde para o gerenciamento de situações de emergência, além de otimizar o aprendizado tanto individual quanto da equipe90. Assim, a SIS pode ser valiosa na melhoria da segurança do paciente, pois permite a prática da dinâmica da equipe assistencial dentro de um ambiente clínico real4.
Nas simulações realizadas no setor de urgência e emergência da área de pediatria, destacam-se estudos sobre capacitações com o uso de protocolos que mostraram bom desempenho na dinâmica de trabalho, como no Pediatric Advanced Life Support (PALS)6),(32),(43.
Para Maloney et al.108, as unidades de emergência favorecem o uso da SIS porque exigem identificação precoce e gerenciamento de situações críticas pelas equipes de saúde, que devem estar previamente capacitadas para uma intervenção rápida e acertada.
Um estudo com a SIS em UTI pediátrica mostrou uma tendência a menos admissões e à redução do nível de morbidade no momento da admissão, do tempo de permanência na UTI e da mortalidade, que são aspectos relevantes na qualidade do cuidado e da segurança do paciente109.
Estudos também mostraram bons resultados na capacitação do cuidado perinatal, melhorando significativamente os tempos de resposta à hemorragia pós-parto entre as equipes de trabalho e de parto com experiência clínica, e ainda diminuição no índice de trauma obstétrico e parto cesariano75),(110.
A SIS também foi utilizada para identificar e reduzir riscos durante o transporte de pacientes neonatais. Um estudo promoveu, inclusive, mudanças na política de transporte para realização de exames de imagem111. Outro estudo mostrou a melhora do desempenho geral e do trabalho em equipe na intubação orotraqueal, no atendimento ao traumatizado43.
Estudos também demonstraram sucesso com emergências simuladas de terapias como a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea) e no desempenho da equipe durante a ocorrência de emergência simulada à beira do leito na unidade coronariana, sendo possível simular o procedimento invasivo necessário para a solução do caso47),(112.
A pandemia relacionada à Covid-19, inclusive, foi um impulso para uma infinidade de transformações, desde as estruturas de prática clínica até as mudanças na execução de educação e pesquisa, que exigiu determinação, inovação, criatividade e adaptabilidade em muitas circunstâncias das equipes hospitalares15.
O predomínio da SIS aplicada a equipes multiprofissionais demonstra que tem sido utilizada para a educação permanente, uma vez que leva ao maior preparo para respostas aos problemas complexos e crescentes apresentados no contexto atual93. Assim, os participantes revisam as relações entre suas profissões, aumentam o entendimento mútuo e exploram meios para combinar seu conhecimento para melhorar a prestação de serviços, a segurança do paciente e a qualidade do cuidado113.
Embora a SIS seja reconhecida como um campo promissor da simulação, diferentemente do panorama internacional, em que sua utilização já é consolidada em programas periódicos de capacitação para os profissionais de saúde114, ainda se identificam poucos estudos sobre o uso dessa estratégia no Brasil5),(6),(96.
Destaca-se, entretanto, que tais resultados não devem ser utilizados como evidência para a falta de utilização da SIS, pois deve-se considerar que os profissionais da educação permanente nem sempre estão envolvidos com a academia. Assim, existe a hipótese de que sua utilização não esteja sendo publicada em periódicos e/ou acompanhada de maneira sistematizada em seus resultados. Um dos argumentos que sustentam tal hipótese consiste no fato de que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no Brasil que possui Núcleo de Educação Permanente (NEP) é pautado em várias legislações, como as portarias do Ministério da Saúde nºs 2.048/2002, 1.863/2003, 198/2004, 1.996/2007, 1.010/2012, 278/2014, entre outras, que frequentemente trabalham com a SIS. Mesmo assim, não foi possível identificar artigos sobre tais capacitações nesta revisão101),(105. Assim, seriam fundamentais o incentivo para apoiar o acompanhamento dos resultados de tais estratégias e publicações para difundir e aumentar o nível de evidência sobre suas vantagens57.
Há que se destacar a grande utilização da SIS para a capacitação multiprofissional (155/190 artigos selecionados). Isso fortalece a prática colaborativa interprofissional, o que, segundo Silva et al.115, promove a construção coletiva de projetos terapêuticos, o compartilhamento de incertezas e a corresponsabilização dos profissionais responsáveis pelo cuidado e pelo agir comunicativo. As ações específicas de cada profissão implicada no cuidado destinado à saúde promove o desenvolvimento de competências específicas das profissões115.
Nota-se a baixa utilização da SIS para a educação e capacitação de equipes uniprofissionais, como múltiplas especialidades médicas atuando juntas (multidisciplinares).
A capacitação do médico suíço baseado em simulação pediátrica (principalmente in situ) é multiprofissional, abrangendo habilidades técnicas e não técnicas, e, muitas vezes, empregando manequins de alta tecnologia98.
Na Bélgica, o uso de capacitações recorrentes baseadas em SIS obteve um efeito positivo no desenvolvimento de lideranças da equipe de enfermagem neonatal, inclusive nesse serviço a participação repetida na educação permanente em simulação teve um efeito positivo sobre esses resultados, independentemente do número de anos de experiência prévia58. Nos Estados Unidos, simulações pediátricas regularmente programadas no departamento de emergência resultaram em melhor desempenho da equipe ao longo do tempo em tarefas esperadas de ressuscitação32.
No Brasil, os profissionais notaram que a estratégia do uso da SIS como ferramenta de educação continuada é válida para a atualização profissional e o aprendizado prático em ambiente seguro5.
Assim, recomendamos a SIS como instrumento útil para a formação de estudantes e trabalhadores da saúde nos diversos níveis de atenção, devendo ser estimulada por gestores de instituições assistenciais e de educação na saúde, para a prática aplicada por colaboradores, docentes, discentes e gestores.
Como limitação deste estudo, apontam-se as diferentes características de formação e composição das equipes de trabalho, bem como do sistema de saúde de cada país, o que impede a generalização dos resultados.
CONCLUSÕES
De acordo com os resultados obtidos, o uso diversificado da SIS no mundo vem crescendo significativamente nos últimos anos. Entre as vantagens relacionadas à SIS, destaca-se a oportunidade para atualização e aquisição de conhecimentos, habilidades e competências profissionais. A utilização da SIS permitiu o aprimoramento do trabalho em equipe e no aprendizado individual, e a capacidade de oferecer maior realismo e transferibilidade com baixo custo, pois dispensa os altos custos com implantação e manutenção de um centro de simulação.
Além disso, o uso da SIS permite melhora no desempenho em cenários clínicos reais, ajudando a revelar seus riscos latentes importantes e permitindo a implementação de medidas corretivas.
Observa-se que ainda há muito o que expandir em relação ao uso desse recurso, sobretudo no Brasil, no que diz respeito à publicação de estudos e relatos de experiências sobre essa abordagem. Foram encontrados apenas cinco artigos publicados por brasileiros, aplicados a situações de urgência e emergência em ambiente hospitalar, dentre os 190 selecionados no estudo.
Dessa forma, sugere-se a realização de estudos experimentais, em diversas áreas do conhecimento multiprofissional, para aumentar as evidências sobre o impacto da educação permanente com a utilização da SIS dentro das características do sistema de educação e de saúde do nosso país.