Os passos iniciais
Entre os problemas educacionais, na época do regime militar no Brasil, estava a questão do professor não titulado, também conhecido como “professor leigo”, que em sua maioria, atuava como professor de escolas rurais, pois 70% do total de professores leigos do país estavam fixados na zona rural. Portanto, foi na tentativa de solucionar a problemática dos professores não habilitados no meio rural que surgiram, em carácter emergencial, diversos programas para habilitação desses professores (AMARAL, 1991), como, por exemplo, o HAPROL (Habilitação de Professoras Leigas) e o HAPRONT (Projeto de Habilitação de Professores Não Titulados) (EVANGELISTA; GROMANN DE GOUVEIA, 2014). Entre esses programas, ocorreu o Projeto Logos II, o qual caracterizava-se por ser de educação a distância. Ele foi criado em 1975 e implantado em 1976, pelo Governo Federal, por meio de ações do MEC (BRASIL, 1975; CETEB, 1984). Seguia o propósito do regime emergencial de capacitar os professores que eram leigos e, dessa forma, o docente-cursista, ao concluir seus estudos, estava habilitado em nível de segundo grau para exercício do magistério nas quatro primeiras séries do 1º Grau. Adotava os moldes do Ensino Supletivo1, ficando, então, o Departamento de Ensino Supletivo (DSU) responsável por sua execução. O material didático ficou aos cuidados do Centro de Ensino Técnico de Brasília (CETEB)2.
O Logos II foi planejado na esfera federal, sendo dada aos estados autonomia para que “elaborassem seus próprios planos de habilitação dos professores não titulados” (AMARAL, 1991, p. 63). Foi implantado em 19 Estados da Federação e o Território Federal de Rondônia estava entre os cinco primeiros deles, em caráter experimental. Esse espaço demográfico foi escolhido devido à grande quantidade de professores não titulados que estava atuando em salas de aula. “Era na região Norte que se encontrava a maior proporção de professores leigos em relação aos habilitados” (AMARAL, 1991, p. 52). Em Rondônia, dos 967 professores que atuavam no magistério, 299 eram titulados e 668 não possuíam habilitação (BRASIL, 1974).
Diante desse quadro, a questão norteadora deste artigo é: como se deu a implantação e o desenvolvimento do Projeto Logos II em Rondônia? Assim, o artigo em tela tem como objetivo discutir e compor uma história de como se deu a implantação e desenvolvimento do Projeto Logos II ao longo dos anos no estado de Rondônia.
A construção de um caminho: a busca do referencial teórico- metodológico
Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado, desenvolvida pelas autoras3 (GROMANN DE GOUVEIA, 2016). Assim, situamos este trabalho na área de História da Educação, com ênfase na formação de professores e, dentro da historiografia, seguimos as correntes da História Cultural e nos orientamos pela perspectiva da ‘História Nova’, a qual considera que o pesquisador não deve preocupar-se somente com os “grandes eventos”, mas também com as pessoas cuja história é totalmente “desconhecida”.
Por cultura, apesar de conhecer a opinião de Geertz sobre a cultura como rede simbólica, optamos pela definição de Tylor (apud BURKE, 2005, p. 43), que a entende como um “todo complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, moral, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Essa nossa opção ocorre, porque pretendemos abordar, em nossa interpretação histórica, os conhecimentos, crenças, processos disciplinadores e costumes envolvidos na formação de professores leigos.
O levantamento de dados da pesquisa foi realizado no estado de Rondônia, nos Centros Estaduais de Educação de Jovens e Adultos (CEEJA) das cidades de Ariquemes, Pimenta Bueno, Porto Velho e Vilhena, as quais constituíram amostras dos locais onde funcionou e estão arquivadas as documentações relacionadas ao Projeto Logos II. Além disso, consultamos os arquivos do CETEB, em Brasília.
Nossas fontes foram os módulos de ensino, as legislações, fichas de matrículas, históricos escolares, diplomas, fotos de alunos e professores, além de outros documentos. Por meio de nossa questão norteadora, tais fontes constituíram nossos documentos de pesquisa (LE GOFF, 2003).
No trabalho com as fontes, o ofício do historiador tem como objetivo a construção da história. Contudo, “em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ certos objetos distribuídos de outra maneira. Essa nova distribuição cultural é o primeiro trabalho” (CERTEAU, 1982, p. 80). Na análise do documento, deve ser levado em consideração que ele é elaborado com uma intenção. O documento não é qualquer coisa do passado, é um produto que a sociedade fabricou conforme as relações de força dos que detinham o poder (LE GOFF, 2003).
De acordo com Bloch (2001), é necessário ter um olhar mais crítico em relação ao documento e também procurar confrontar as fontes, pois este é muito mais do que diz ser. Dessa forma, utilizamos o Paradigma Indiciário de Ginzburg (1989) e a Triangulação de Dados como aliados a esse processo de criticidade. Portanto, quando
várias fontes, são empregadas, frequentemente são confrontadas com uma série de perspectivas ou dados que não confirmam uma única proposição sobre um fenômeno social. Em vez disso, a evidência apresenta proposições alternativas que contêm inconsistências e ambiguidades. (MATHISON, 1988, p. 15. Tradução nossa) 4 .
O valor da triangulação está na possibilidade que o investigador tem de construir explicações sobre os fenômenos sociais a partir do qual eles surgem. Utiliza-se não apenas dos resultados convergentes, mas também de resultados inconsistentes e contraditórios (MATHISON, 1988).
Portanto, foi feita uma interpretação histórica tendo como apoio o instrumental teórico-metodológico (triangulação de dados, paradigma indiciário, crítica ao documento etc.) e a partir das análises dos documentos, estabelecemos paralelos históricos com outros estudos que abordam a formação de professores emergenciais.
Percorrendo os caminhos do Projetos Logos II em Rondônia: compondo uma história
Quando o Logos II foi implantado em Rondônia, essa unidade federativa ainda estava na condição de Território Federal. Nessa época, ocorreu o terceiro período migratório5 para a região, por causa da abertura da BR 364 e das propagandas do Governo Federal. Tal publicidade tinha como objetivo a ocupação da região Amazônica, e se difundiram sob os slogans: Integrar para não entregar; Rondônia o novo Eldorado e Marcha para o Oeste. De 1970 a 1980, o Território Federal de Rondônia teve um aumento de aproximadamente 353% em seu número de habitantes, superando em três vezes o crescimento da população do Brasil. Esses migrantes chegaram de todas as regiões do país, mas a maioria veio, principalmente, dos Estados do Paraná, Minas Gerais, Espírito Santo e da Região Nordeste (OLIVEIRA, 2004).
No ano de 1970, o Governo Federal criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Programa de Integração Nacional (PIN) para promover obras de infraestrutura básica que tornassem possível a expansão da fronteira econômica e a colonização de extensas áreas não ocupadas (OLIVEIRA, 2004). O INCRA e o PIN promoveram também projetos oficiais de colonização e assentamento no Território Federal de Rondônia (OLIVEIRA, 2004), onde não se tinha infraestrutura adequada para receber os migrantes. A zona rural do Território era desprovida tanto de prédios escolares em quantidade suficiente para atender a demanda de alunos quanto de professores habilitados para atuar em sala de aula. O Projeto Logos veio para habilitar esses professores.
O período em que se deu a implantação do projeto piloto do Logos II e as mudanças na sua organização política-pedagógica no Território Federal de Rondônia, posteriormente, Estado de Rondônia, está inserido aproximadamente nas décadas de 1970 a 1990. Assim, em parte do tempo em que o projeto foi planejado, implantado e executado, o Brasil estava sendo governado por um regime totalitário. A ditadura militar acabou por volta de 1985 e, nessa época iniciou-se o período conhecido como Nova República. No entanto, naquele período, o Logos II já não estava mais sob a responsabilidade do Governo Federal, e sim aos cuidados dos Governos Estaduais, continuando a ser desenvolvido somente em alguns Estados e não recebendo influências significativas do Governo Federal, como no período militar.
Contudo, antes do Projeto Logos II, houve o Projeto Logos I. Aquele foi inspirado neste, uma vez que sua metodologia foi considerada adequada e eficaz, podendo ser utilizada para qualquer formação ou aperfeiçoamento de professores. Pelo menos era isso que diziam os documentos oficiais, como o Projeto de avaliação do Logos I (BRASIL, 1974) e Projeto de implantação do Logos II (BRASIL, 1975), por exemplo.
O Logos I foi criado em 1972, tinha a duração de 12 meses, metodologia e técnica de ensino-aprendizagem na modalidade a distância6, servindo para qualificar professores em nível de 1º Grau (BRASIL, 1975). Na prática, ele foi julgado falho, uma vez que, “oferecia apenas o certificado de qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1974, p. 80) em nível de 1º grau, entretanto, “sem grau de escolaridade. Os cursistas eram incentivados a completar a escolarização pelo Projeto Minerva7” (BRASIL, 1974, p. 80). O ensaio8 visava a uma formação para qualificação de uma elevada quantidade de professores leigos, por meio da qual esses docentes adquiriam um determinado preparo para ensinar, mas continuavam com o mesmo grau de escolaridade anterior. Já o Logos II incluía a complementação do 1º grau, a escolaridade em nível de segundo grau e ao mesmo tempo a habilitação profissional em nível de magistério.
O Logos I foi implantado nos Estados da Paraíba, Piauí e nos Territórios de Rondônia e de Roraima. “O critério de escolha dessas unidades deveu-se ao alto índice de professores leigos existentes nesses locais em face das dificuldades de comunicação, acesso à infraestrutura, o que se prestava mais propriamente para o experimento, pelas dificuldades” (BRASIL, 1975, p. 7). O Logos I estava vinculado ao Departamento de Ensino Supletivo e a uma equipe de produção de material didático que, diferente do Logos II, não era o CETEB9. Assim, de março de 1973 a dezembro de 1974, período no qual funcionou o Logos I, e qualificaram-se 900 cursistas na área selecionada, dos quais cerca de 150 docentes no Território Federal de Rondônia (BRASIL, 1974, p. 77). O Logos I foi revisto e reformulado pelo DSU/MEC para melhor atender aos objetivos educacionais do Projeto Logos II (BRASIL, 1975).
Inicialmente, o Projeto Logos II foi desenvolvido nos espaços demográficos onde havia sido executado o Projeto Logos I e, além desses, juntaram-se ao projeto-piloto (Figura 2) os Estados do Paraná e Rio Grande do Norte (BRASIL, 1975) em uma fase experimental, que ocorreria em um ano. O objetivo inicial do projeto-piloto do Logo II, como se pode observar na Figura 1, era habilitar professores não titulados dessas regiões para ‘abastecer’ de recursos humanos apropriados à Educação esses mesmos entes da federação, o que o DSU/MEC, chamou de ‘Retroalimentação’ (BRASIL, 1975). No seu encerramento, já abrangia um total de 19 Estados da federação, além dos cinco já citados (Figura 2)10.
Quando o Projeto Logos II foi implantado em Rondônia, este ainda se encontrava na condição de Território Federal e não de Estado; assim, sua administração político-econômica era de responsabilidade do Governo Federal, que enviava dirigentes de sua confiança, de outras regiões do país, para tomarem as decisões pertinentes à condução daquele espaço demográfico.
O Projeto Logos II surgiu representando a mentalidade inerente do Governo. Em 1976, a administração do país era excessivamente centralizada, isto é, “as normas e orientações partiam do centro” (CETEB, 1984, p. 14). Acentuava-se, na época, uma disposição para um planejamento integrado, chamado de sistêmico; sendo assim, as coordenadas de todas as atividades reuniam-se especificamente em Brasília e “sua execução era deixada a cargo dos Estados, que gozavam de maior ou menor flexibilidade, dependo da natureza do programa” (CETEB, 1984, p. 14).
Além do mais, todos os recursos públicos eram retidos no centro e, dessa forma, a implementação dos projetos dependia da autorização do Governo Federal e sua predisposição para a concessão de verbas específicas. Os programas criados naquele tempo eram baseados no modelo sistêmico e o Projeto Logos II não fugia à regra.
Na Região Norte, o Projeto Logos II foi implantado em praticamente todos os Estados, com exceção do Amapá (Figura 2), que já desenvolvia um projeto próprio, muito similar àquele. Em razão das estratégias de ocupação da Região Norte por parte do Governo Militar, supomos que a implantação do Logos II em quase todos os Estados daquela região não tenha sido simplesmente impulsionada pela Educação, ou seja, “motivado pelo alto índice de analfabetismo e pelas precárias condições de ensino da zona rural” (ANDRADE, 1995, p. 21). O desenvolvimento do Projeto naquelas áreas pode também ter adquirido um significado social, incentivando “a fixação do homem ao campo, visto que os insumos e equipamento agrícolas, frutos do avanço tecnológico, chegavam ao campo, substituindo a força de trabalho e, com isso, provocando o êxodo rural” (ANDRADE, 1995, p. 21).
O Projeto Logos II foi criado como um programa autônomo do MEC dentro de cada ente da Federação. Por meio de convênios, estabelecidos por mútuos acordos entre “MEC/DSU - PREFEITURA ou ESTADO - SECRETARIA DE EDUCAÇÃO”, ali constariam “todos os pontos relativos à cessão de pessoal, material, apoio logístico, condições operacionais, direitos, obrigações e todos os requisitos previstos no projeto” (BRASIL, 1975, p. 125). Ainda nesses convênios era estabelecida nos Estados e Territórios, uma Gerência Regional, constituída por “um gerente, um subgerente, um coordenador de orientação e um coordenador de supervisão” (CETEB, 1984, p. 40).
Em Rondônia, o convênio do Logos II foi firmado entre o DSU/MEC e a Secretaria de Educação e Cultura daquele Território sob o processo 1.437-75, de 20 de novembro de 1975, publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.) em 03 de dezembro de 1975 (BRASIL, 1975). Começou a ser desenvolvido no ano de 1976, inicialmente na cidade de Porto-Velho. Conjectura-se que o primeiro ano do Projeto na capital não tenha sido no Centro de Educação de Jovens e Adultos “Padre Moretti”, uma vez que esse foi fundado apenas em 1977, mas sim em algum lugar improvisado. Percebemos, ainda, pelas fichas de matrículas encontradas em Ariquemes, que o programa migrou para as demais cidades por volta do ano de 1981. Outro indício dessa migração foi dado por meio do documento da Câmara de Planejamento do Conselho Estadual de Educação de Rondônia:
No período compreendido entre 1975 a 1981 o projeto atingiu a duzentos e cinquenta e cinco cursistas (255) concluintes. Detectado elevado índice de professores leigos para o magistério com ressalva de 1ª a 4ª série, a secretaria de Estado da Educação em conjunto com o departamento de Ensino Supletivo, expandiu o Projeto Logos II a partir de 1981 para três mil e quinhentas vagas (3.500) cursistas. (RONDÔNIA, 1983, p. 1, grifo nosso).
Conforme o projeto-piloto (BRASIL, 1975), a unidade do Logos II a ser implantada em Rondônia seria em Porto Velho, inicialmente. Todavia, o Jornal Alto Madeira (Figura 3) publicou que as cidades que iniciariam o Logos II eram Porto Velho e Vila de Rondônia11. Havia dois núcleos pedagógicos para nove municípios e essas localidades se reportavam a esses núcleos, supõe-se que esses dois núcleos pedagógicos seriam nas cidades citadas no dito jornal. Com a expansão do projeto a partir de 1981, para 3.500 cursistas, provavelmente também aumentou o número de núcleos pedagógicos.
É importante frisar que as cidades do Estado de Rondônia, que aparentemente possuíam polos do Logos II, conforme apontadas pelos documentos foram: Porto Velho, Guajará-Mirim, Ariquemes, Jaru, Ouro Preto d’Oeste, Ji-Paraná, Cacoal, Espigão do Oeste, Pimenta Bueno e Vilhena.
Contudo, a expansão do Projeto Logos II em Rondônia foi até o ano de 1985, pois, com a chegada do Magistério no Estado12, o programa ficou destinado somente para aos professores da escola rural, com raras exceções: “Fica vedada a matrícula no Projeto Logos II a candidatos residentes nas áreas urbanas, onde funcionam cursos regulares de formação para o magistério” (RONDÔNIA, 1985, p. 2).
Os professores-cursistas que lecionavam na escola rural e vinham para a zona urbana cursar o Logos II utilizavam diversos meios de transportes, como por exemplo, cavalo, lombo de burro, pau-de-arara13 e até mesmo a pé.
Foi elaborado um calendário específico para os professores da zona rural. Por exemplo, uma vez por mês o Professor Leigo dirigia-se para a cidade e ficava três dias no CEEJA14 de Vilhena, participando das diversas atividades, e/ou realizando as avaliações. Esses dias do calendário não eram exclusivos, pois o professor-cursista poderia frequentar o programa em outros dias, mas facilitava a organização do Núcleo Pedagógico, principalmente no que se refere ao atendimento dos Orientadores e Supervisores Docentes. Na época das chuvas fortes, dependendo das condições da estrada, as rodovias ficavam intransitáveis, por causa disso, alguns professores-cursistas passavam a noite na cidade. Quando tinham conhecidos, dormiam na casa de colegas ou parentes, se não, pernoitavam no próprio CEEJA. Aproveitavam também esse período para ser o “dia de feira”, assim, ou o marido, ou a mulher, os meninos, e etc., faziam tudo que era necessário - vender, comprar, pagar contas - enquanto que o(a) professor(a) cursista permanecia no Núcleo Pedagógico e cumpria suas ‘obrigações’.
Um documento do CETEB afirma que as horas dedicadas aos estudos do Logos II eram, em média, de uma a duas horas por dia, via de regra no período noturno ou nos finais de semana, dando um total de aproximadamente de 8 a 10 horas semanais. “Há dramáticos depoimentos de cursistas que dormiam enquanto estudavam e tiveram seus fascículos destruídos pelo fogo da lamparina entornada” (CETEB, 1984, p. 22).
Muitos professores-cursistas do Logos II, lecionavam nas salas multisseriadas, que são/eram constituídas de uma sala única, com um(a) único(a) professor(a), que lecionava todas as disciplinas para alunos de diversas faixas etárias cursando, simultaneamente, as quatro primeiras séries do 1º grau (AMARAL, 1991). As escolas rurais que atendiam nesse modelo normalmente funcionavam em “prédios que não foram construídos nem adaptados para o fim - sem iluminação, sem instalações sanitárias, sem água encanada” (AMARAL, 1991, p. 55).
Era nessas circunstâncias de grandes dificuldades que, geralmente, atuava o professorado leigo no “Novo Eldorado”. É sabido que uma parcela das escolas do interior era organizada nos moldes das salas multisseriadas. Elas existiram em consequência dos limitados recursos financeiros disponibilizados “para a educação em geral e para a zona rural em particular, assim como devido à inexistência de professores disponíveis, salários ínfimos e demais problemas estruturais ligados à carreira do Magistério” (CETEB, 1984, p. 58).
As salas multisseriadas representavam um nível de exigência complexo “para a precária formação de professor leigo, obrigando-o, mesmo sem condições, a ministrar aulas” (FUSARI et al., 1990, p. 37) para a 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries. Apesar de o escopo do Projeto Logos II ser o professor não titulado da zona rural, o programa estava “longe de atender às exigências da escola multisseriada” (CETEB, 1984, p. 58). Para esse modelo de ensino, fazia-se necessário uma pedagogia específica, que exigiria um material didático específico, com técnicas de ensino adequadas para tal situação. Mas o CETEB (1984) reconheceu que a metodologia e o material do Programa não respondiam às necessidades particulares da rotina do(a) professor(a) da zona rural.
Além das questões das salas multisseriadas e da professora rural, os discentes do Projeto Logos II possuíam outra característica. Os professores que ingressavam nesse curso tinham níveis de escolaridade diferenciados, sendo exigido como mínimo a 4ª série do 1º Grau (Tabela 1).
Além dos diversos graus de escolaridade, devido ao cenário político da época, os professores-cursistas do Logos II passaram por diferentes contextos, como, por exemplo, a descentralização. Chamaram esse processo de descentralização devido à característica do Governo Militar, de excessiva centralização das decisões e dos recursos públicos (CETEB, 1985). O Projeto Logos II era um reflexo dessa forma de governar, pois tudo relacionado ao programa era resolvido no centro, isto é, na capital do país, Brasília. Assim, antes da descentralização, as responsabilidades do projeto dividiam-se da seguinte forma: ao Governo Federal, ficava a organização técnica-administrativa e apoio material-financeiro. Aos Estados e Municípios, ficavam os encargos dos recursos humanos (ANDRADE, 1995).
Desse modo, no ano de 1982, iniciou-se o processo de descentralização no Logos II, possibilitando que os Estados que haviam implantado o Projeto pudessem optar por continuar com o programa ou analisar formas para sua gradual extinção. Assim, os entes da federação que decidiram por continuar com o Logos II, passaram a gerenciá-lo, assim “inverteu-se a situação e os Estados ficaram totalmente responsáveis” (CETEB, 1984, p. 45) pelo programa. Em troca, o MEC disponibilizou recursos “para as diversas atividades de ensino que quisessem promover” (CETEB, 1984, p. 45).
O MEC alegou que o processo de descentralização era necessário para o melhor desempenho do curso, pois a partir de então poderiam usufruir de certa autonomia. No entanto, o CETEB contestou o MEC, no que se refere a essa autonomia parcial, alegando que, ao deixar a “regência do Logos II a cargo das Secretarias Estaduais de Educação” (ANDRADE, 1995, p. 38), isso, de imediato, implicou uma menor autonomia às Gerências Regionais. Os depoentes, cursistas e orientadores de aprendizagem que Andrade (1995) entrevistou na Paraíba afirmaram que “na prática o Logos II sofreu um grande desgaste, após sua desvinculação da gestão federal” (ANDRADE, 1995, p. 38). Já em Rondônia não encontramos nada que se refira ao processo de descentralização; desse modo, presumimos que os professores-cursistas não sentiram a mudança ou ela não foi significativa para ser notada.
Com a descentralização, algumas Gerências Regionais, encomendaram “ao CETEB fascículos e fichas e até mesmo assistência técnica e treinamento para operar o programa” (CETEB, 1984, p. 55). Outras utilizavam o modelo do Logos II, mas passaram a usar materiais e “métodos próprios para seus novos programas de treinamento de professores” (CETEB, 1984, p. 55).
Com base na Portaria n.1000/GAB/SEDUC de 1993, o estado de Rondônia optou por continuar no projeto após o período de descentralização, extinguindo suas atividades somente no ano de 1994. Assim, a partir de 08 de junho de 1993, ficaram vedadas as matrículas para o projeto, e os cursistas que já estavam matriculados, tinham aproximadamente três meses para concluí-lo. Conforme esse mesmo documento, tal decisão foi tomada porque o Ensino Supletivo ofertaria um novo curso de formação de professores que substituiria o Logos II15.
O projeto Logos II foi finalizado em Rondônia no ano de 1994. Porém, o CETEB afirma que encerrou sua participação em 1988, fosse dando treinamentos ou fornecendo materiais (PESSINA, 2013). Conjectura-se que, para o Estado ter continuado com o Logos até 1994, os orientadores e supervisores de aprendizagem, assim como os demais agentes envolvidos com o programa em caráter local, se sentiram seguros para prosseguir sem os treinamentos e as orientações do CETEB, casos que eram comuns.
Assim, uma possibilidade seria de que os CEEJAs tivessem um bom estoque de módulos, já que o CETEB não estava mais recebendo encomendas de materiais. Ou, talvez, o supletivo tivesse começado a trabalhar com o sistema de empréstimo16 de fascículos.
Ainda conforme o projeto-piloto, o Logos II foi programado, inicialmente, para ser executado em cinco etapas, da seguinte forma:
O esquema de controle do Projeto será estabelecido com base em um cronograma mestre, que conterá toda programação a ser executada em aproximadamente 4 anos, em etapas periódicas de 27 meses, ou mais, o que corresponde à aplicação dos cursos 5 vezes em cada unidade Federada. Esse esquema permitirá o acompanhamento mensal do Projeto (BRASIL, 1975, p. 145).
Assim, essas etapas deveriam funcionar nos anos de 1975 a 1979. No projeto-piloto, havia uma estimativa de que Rondônia participaria dessas cinco etapas. No entanto, de acordo com dados estatísticos fornecidos pelo CETEB, efetivamente ocorreram oito etapas, tendo Rondônia participado de apenas três. Também foram publicados no D.O.U. alguns Extratos do Termo Aditivo17, liberando recursos para o Projeto Logos II em Rondônia, até 1979. Em 1980, o D.O.U, publicou um espelho financeiro do plano de aplicação18, para a execução da 4ª etapa do Projeto Logos II, porém não citou os Estados que seriam beneficiados com os recursos.
A partir de 1981, ocorreu a descentralização e, como o programa ficou a cargo dos Estados, acreditamos que a publicação de eventuais convênios estariam no Diário Oficial do Estado (D.O.E.), contudo, não encontramos nada relacionado às demais etapas ou ao Projeto Logos II nesse diário. Portanto, de 1975 a 1994, não temos informações para afirmar se o período foi dividido nas três etapas ou se houve mais etapas que não foram publicadas nos Diários Oficiais.
Outro ponto de divergência das informações contidas nos documentos é em relação aos alunos concluintes. Conforme os dados estatísticos do CETEB até 1981, consta que houve 129 cursistas concluintes; mas, segundo a Câmara de Planejamento do Conselho Estadual de Rondônia, (RONDÔNIA, 1983) houve de 1975 a 1981, um total de 255 cursistas concluintes. Tanto em relação às etapas como em relação ao número de alunos concluintes, conjecturamos que o CETEB não tinha os dados para estudá-los ou, devido alto índice de evasão, não fosse interessante divulgá-los.
Os dados fornecidos pelo CETEB mostram que quantidade de alunos evadidos era bem alto, no país a evasão atingia em torno de 43,51%, ao passo que em Rondônia o percentual era em média de 40,92%. Mas se o programa era flexível e o cursista era quem estabelecia seu próprio ritmo, como e quando ele era considerado um aluno evadido? De acordo com uma Instrução Normativa de 1989, para ser considerado evadido o cursista teria que ter ficado ausente seis meses do Núcleo Pedagógico, sem uma justificativa aceitável. Essa justificativa era avaliada “pelo Diretor do Estabelecimento de Ensino e Orientador Supervisor Docente” (RONDÔNIA, 1989, p. 2).
Em função do alto índice de evasão em todo território nacional, que entre o início do curso e a conclusão do Logos, era próximo a 50%, o projeto passou por algumas modificações, com a intenção de tornar o programa mais leve e eficaz (CETEB, 1984), e elevar os números de formandos.
Inicialmente, no Logos II, era necessário concluir o programa, para obter o título referente ao Magistério de 2º grau. Contudo, o MEC, tentando solucionar a questão das evasões, providenciou uma adaptação nos sistemas de titulação do referido projeto. A conjectura do Ministério da Educação e do CETEB era a de que, se o curso tivesse etapas intermediárias de certificações, possivelmente diminuiriam as perdas, “já que a relativa facilidade de se obter vários certificados poderá vir a ser considerado um atrativo adicional” (CETEB, 1984, p. 57). Assim, os cursistas poderiam obter três certificados independentes: “o correspondente à 8ª série do 1º grau, ao 2º grau e ao Magistério” (CETEB, 1984, p. 57). Essa nova forma de certificação permitiria também um intercâmbio entre os alunos do ensino regular e/ou do ensino supletivo com os cursistas do Logos. “Para implementar essa estratégia, os módulos foram reformulados de maneira a melhor adequar os objetivos e conteúdos aos três níveis de terminalidade” (CETEB, 1984, p. 57). Em Rondônia, só encontramos uma instrução normativa que regulamentava essa prática.
3.1 - Considerando que o sistema de ensino em Rondônia não permite a matrícula por disciplina em cursos regulares de 1º e 2º graus, será permitido aos nossos professores leigos graduados em cursos em nível de 2º e 3º graus, em efetivo exercício no sistema de ensino, a inscrição no projeto Logos II, nas disciplinas pedagógicas não cursadas, constantes do elenco curricular do curso de Habilitação do Magistério, do citado projeto [Logos II] (RONDÔNIA, 1985, p. 1).
Conforme o CETEB, ao obterem os certificados intermediários, os cursistas aprovados seriam motivados e encorajados a prosseguirem seus estudos no Logos II ou em outro programa. Em Rondônia havia professores-cursistas do Logos II que tinham o ensino técnico ou até mesmo o Ensino Superior em outra área que não a licenciatura, por isso faziam somente a parte voltada para o Magistério. Outros casos eram de alunos que eliminavam disciplinas de 5ª a 8ª séries do 1º grau e, então, não precisavam cursá-las no Logos. É importante ressaltar que estava previsto em lei19 e que sempre existiu a possibilidade de aproveitamento de créditos do Logos II nos outros segmentos do Ensino Supletivo. Contudo, era difícil a execução dessa lei, em virtude das especificidades do Projeto. Assim, essa nova organização dos certificados, facilitava o intercâmbio, “dada a melhor caracterização dos níveis de ensino a que correspondem os módulos” (CETEB, 1984, p. 57).
Tecendo algumas considerações finais
O Projeto Logos II contribuiu para formação e habilitação de diversos professores do estado de Rondônia, principalmente aqueles que moravam na zona rural. O seu “eco”, o seu “reflexo”, possivelmente, atingiu muitos alunos. Mesmo com todos os percalços do Projeto Logos II, principalmente em relação ao preconceito existente com o ensino a distância, ele foi considerado um bom projeto de formação de professores para o Estado.
A continuidade de suas atividades na Educação está, assim, implícita, embora muitos não continuassem em sala de aula, pois assumiram cargos administrativos e outros se aposentaram.
Como sugestão de estudos, indica-se trabalhos que tratam sobre a implantação do Projetos Logos II em outros estados da região amazônica, o que permitirá uma possível análise comparativa.