1 Introdução
No processo de adaptação ao ensino superior o estudante deverá desenvolver novos interesses e enfrentar as dificuldades trazidas por este novo cenário. Essa possibilidade de desenvolver-se tanto no âmbito pessoal quanto intelectual deve prepará-lo para o mercado de trabalho e levá-lo a buscar maior aprofundamento do conhecimento por conta própria (SANTOS et al., 2013).
Caso isso não aconteça, a ausência ou o déficit nos processos autorregulatórios pode ocasionar pouco tempo de investimento e esforço em seus estudos, o que implicaria em apontamentos ineficientes e numa preparação inábil para as provas e exames. Esse fato pode comprometer a permanência do estudante nos anos posteriores e levá-lo até a desistir do curso.
Nesse sentido, o treino autorregulatório possibilitaria aos alunos o conhecimento consciente de seus pontos fortes e de suas limitações, auxiliando-os na criação de estratégias de aprendizagem que facilitariam a execução das atividades de seu dia a dia dentro da academia. O ciclo autorregulatório, composto pelas fases de planejamento, monitoramento e autoavaliação, torna-se importante estratégia para se alcançar a competência de estudo e uma aprendizagem eficaz. Cada fase exerce influência sobre as demais e conduz os estudantes a perceberem qual o método de estudo que melhor funciona e que permite alcançar o desempenho pretendido (ROSÁRIO et al., 2010; ZIMMERMAN, 2002).
Os indivíduos autorregulados, segundo Bandura (1986) e Zimmermann (2008), são capazes de selecionar e escolher recursos pessoais que irão direcioná-los ao desenvolvimento de um processo de automonitoramento e autorreação diante dos desafios enfrentados durante sua formação acadêmica. Segundo Zimmerman (2013), a autorregulação da aprendizagem dá ênfase à necessidade de autonomia e de comprometimento dos alunos com sua própria aprendizagem. É um processo ativo no qual os sujeitos estabelecem para si objetivos que vão nortear sua aprendizagem por meio de monitoramento, controle da cognição, da motivação e do comportamento.
A autorregulação da aprendizagem deve propiciar a competência de estudo e, para que ela se desenvolva, o aluno deve possuir a capacidade para utilizar alguns recursos como, estratégias e métodos de estudos e se apropriar das estratégias metacognitivas, uma vez que, por meio delas, poderá planejar, monitorar e avaliar o seu próprio pensamento e processos cognitivos durante seu processo de aprendizagem. Alunos autorregulados possuem sentido de autodireção, com o qual transformam suas habilidades cognitivas em tarefas relacionadas com as habilidades acadêmicas. Esse processo é indicativo de uma aprendizagem efetiva, que fornece sinais do desenvolvimento da competência do estudante. Portanto, um aluno autorregulado ativa cognições, motivações, comportamentos e afetos e se ajusta com a finalidade de alcançar os objetivos escolares (DIAS; JOLY, 2016; ZIMMERMANN, 2002, 2008, 2013).
O estudo de Joly et al. (2015), realizado com universitários de uma faculdade brasileira, avaliou a percepção dos alunos sobre comportamentos estratégicos de planejamento, monitoramento e autoavaliação. Os resultados indicaram que a estratégia de aprendizagem mais utilizada era o planejar, o que significa que as competências de autorregulação estavam mais presentes em termos de conduta de estudo e não em termos cognitivos e metacognitivos. Embora os alunos apresentassem estratégias autorregulatórias, elas eram mais frequentemente direcionadas ao planejamento de estudos, havendo necessidade de maior utilização das estratégias de monitoramento e autoavaliação para um estudo mais eficaz e competente.
É importante também conhecer as expectativas dos alunos no momento de ingresso no ensino superior para garantir sua permanência na universidade e para seu envolvimento e sucesso acadêmico (ARAÚJO; ALMEIDA, 2015). Características pessoais dos alunos influenciam em sua adaptação. As estratégias utilizadas por eles para lidar com as emoções também estão associadas aos níveis de ajustamento à universidade e as de estabilidade emocional estão associadas às percepções de maior apoio social, o que traz, consequentemente, melhor ajustamento ao ambiente, gerando confiança e maior habilidade no manejo de estressores (OLIVEIRA; DIAS, 2014).
De acordo com Soares, Baldez e Mello (2011), a capacidade de estabelecer novas relações de amizade pode influenciar os níveis de estresse e ansiedade frente às demandas acadêmicas, estando ligada ao bem-estar físico e psicológico e qualidade do vínculo criado com a instituição, o que impacta também em suas relações sociais. Gomes e Benevides-Soares (2013) perceberam em sua pesquisa a importância do desenvolvimento de habilidades sociais por parte dos alunos, uma vez que estas se mostraram bem correlacionadas com as expectativas acadêmicas ao ingressar no ensino superior.
A adaptação do aluno às mudanças inerentes à experiência universitária ocorre devido às exigências de desempenho, ajustamento a novas regras da instituição, aos novos colegas, professores e funcionários, requerendo a adoção de uma postura ativa frente ao seu processo de aprendizagem (SOARES; POUBEL; MELLO, 2009). Para Tomás et al. (2013), é preciso ter maior atenção aos níveis de desenvolvimento psicossocial dos estudantes no momento do ingresso no ensino superior. As exigências colocadas nessa transição e os desafios inerentes à adaptação acadêmica requerem níveis de autonomia e maturidade nem sempre possuídos pelos estudantes, criando dificuldades em tais processos que podem levá-los a sentimentos de pouca eficácia, desmotivando-os e afetando sua estima.
Araújo et al. (2016) levantaram estudos que demonstraram que os estudantes que planejam e organizam seus estudos possuem maior autonomia, mostram-se mais autorregulados e motivados e consequentemente obtêm maior sucesso ao final do primeiro ano da graduação. Uma revisão da literatura de artigos publicados entre 2005 e 2015, de Matta, Lebrão e Heleno (2017), referentes à adaptação universitária relacionada às vivências acadêmicas, rendimento e evasão, no curso de Engenharia, mostrou que existe uma relação positiva entre as vivências acadêmicas e as expectativas dos estudantes que estão relacionadas às vivências pessoais, interpessoais, acadêmicas e ao projeto vocacional de carreira. Encontraram também que a maioria dos artigos empíricos relacionados (66,7%) utilizou o Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA) ou Questionário de Vivências Acadêmicas - versão reduzida (QVA-r), que são versões anteriores do instrumento utilizado nesta pesquisa. Os autores ainda encontraram que dois dos estudos (13,3%) utilizaram o QVA com o Inventário de Habilidades Sociais e outros três (20,0%) com o Questionário de caracterização dos estudantes. Eles concluíram que os relacionamentos interpessoais e os serviços de apoio aos estudantes podem favorecer o rendimento acadêmico e adiar a evasão.
Na mesma direção, Cunha, Marques e Biavatti (2017) objetivaram em seu estudo identificar a percepção dos alunos sobre o processo de adaptação ao ambiente do ensino superior em cursos de Ciências Contábeis e utilizaram o QVA-r. Os resultados mostraram que a dimensão Pessoal representou a maior dificuldade para os alunos no processo de adaptação ao ensino superior, seguida das dimensões Estudo, Interpessoal e Carreira. A dimensão em que os alunos apresentaram menor dificuldade foi a Institucional. Os autores observaram que as dificuldades apontadas pelos alunos na adaptação ao ensino superior permitiriam aos coordenadores desenvolver estratégias no sentido de minimizá-las.
Considerando o levantamento teórico e de pesquisas exposto, o objetivo deste estudo é verificar o quanto os alunos que se encontram nos primeiros anos da graduação apresentam habilidades cognitivas relacionadas a um estudo competente têm mais facilidade para lidar com essa nova realidade. Foi considerado importante também realizar análises de consistência interna dos dois instrumentos para a amostra, pois de acordo com Quero Virla (2010), duas características são desejáveis a qualquer instrumento de medição no campo das ciências sociais e do comportamento, a confiabilidade e a validade. A confiabilidade pode ser medida por meio do coeficiente de consistência interna de Cronbach. Um instrumento é classificado como tendo confiabilidade apropriada quando o α de Cronbach é pelo menos 0,70.
2 Método
2.1 Participantes
Participaram desta pesquisa 464 estudantes, regularmente matriculados nos cursos de Administração, Engenharia de Produção, Sistemas da Informação, Ciências Contábeis, Psicologia e Fisioterapia, de uma instituição de ensino superior privada situada na região Sul do Estado de Minas Gerais. A escolha dos dois primeiros anos da graduação se deu devido à referência encontrada na literatura pesquisada, que aponta os primeiros anos como sendo os de maior desafio para os estudantes.
A maior concentração de estudantes é do sexo feminino 57,3% (n = 266). Quanto à faixa etária, a maioria se concentra na de 18 a 21 anos 60,8% (n = 282). Os estudantes do 1º ano foram maioria 55,8 % (n = 259).
2.2 Instrumentos
2.2.1 Questionário de Adaptação Acadêmica ao Ensino Superior - QAES (ARAÚJO et al., 2015)
O Questionário de Adaptação Acadêmica ao Ensino Superior (QAES) visa conhecer a percepção dos alunos frente ao seu processo de adaptação nos primeiros anos na universidade. O QAES consta de 40 afirmativas, que avaliam dimensões empíricas distintas, distribuídas em 5 fatores compostos por 8 itens cada. As dimensões avaliadas pelo QAES são: “projeto de carreira”, “adaptação social”, “adaptação pessoal funcional” e “adaptação ao estudo”.
Estudos psicométricos, em amostra brasileira, demonstram que o QAES apresentou evidências de validade com base na estrutura interna dos itens para cada um dos fatores. O estudo foi realizado com 2.306 universitários provenientes de três regiões do Brasil, Nordeste (Bahia), Sudeste (São Paulo) e Sul (Paraná e Rio Grande do Sul), sendo 707 provenientes de instituições de ensino superior públicas e 1.599 de instituições de ensino superior privadas, com idades entre 17 e 64 anos. A amostra apresentou média de idade de 23,81 anos, desvio padrão de 7,19. A predominância da amostra foi do sexo feminino, com 1.444 (62,6%) e masculino com 862 (37,4%).
Os dados desse estudo apresentaram coeficiente de consistência interna para cada um dos fatores: 1 - projeto de carreira (α = 0,88); 2 - adaptação social (α= 0,86); 3 - adaptação pessoal/emocional (α = 0,74); 4 - adaptação ao estudo (α = 0,75); 5 - adaptação institucional (α = 0,81) e total (α = 0,90). A análise de consistência interna dos itens demonstrou bons índices, o que remete para uma boa representação das várias dimensões da adaptação acadêmica ao ensino superior. Seguem exemplos de itens de cada fator, respectivamente: 1 – “Mesmo que pudesse não mudaria de curso”; 2 – “Para mim é fácil estabelecer boas relações com os meus colegas de curso”; 3 – “Ultimamente sinto-me pouco confiante nas minhas capacidades”; 4 – “Planejo diariamente as minhas atividades de estudo”; 5 – “Tenho bons professores na minha Universidade”.
2.2.2 Escala de Avaliação de Competências para Estudo - ACE (ALMEIDA; JOLY, 2016)
A escala de avaliação de competências para o estudo é um instrumento que ainda se encontra em processo de construção, e este trabalho vem contribuir para isto. A ACE é composta por 18 itens que objetivam avaliar os métodos de estudo adotados pelos alunos e a autopercepção do aluno sobre seu processo de aprendizagem quanto ao estudo competente. Ela adota como base o modelo sociocognitivo de autorregulação e considera a capacidade do aluno de planejar, monitorar seu desempenho e o processo de autorreflexão.
Os itens da escala são afirmações sobre a maneira de estudar que possam levar a um bom desempenho. Utiliza-se uma escala do tipo Likert com cinco pontos que variam de 1 [discordo totalmente] até 5 [concordo totalmente]. Eles se agrupam em três fatores, 1 - “Comportamentos Estratégicos de Planejamento, 2 - “Comportamentos Estratégicos de Monitoramento”, e 3 - “Comportamentos Estratégicos de Autorreflexão”. Seguem exemplos de itens dos três fatores, respectivamente: 1 - “Procuro ter o meu material de estudo organizado”; 2 – “Seleciono as dúvidas que quero esclarecer com o professor”; 3 – “Verifico que aprendi uma matéria quando consigo aplicá-la na resolução de problemas”.
De acordo com os estudos psicométricos, realizados por Joly (2016), foram reveladas evidências de validade de construto para a ACE por meio da análise fatorial exploratória com método de extração baseado nos componentes principais e rotação Varimax. O índice KMO obtido foi de 0,887 (p£ 0,001), indicando o método escolhido como muito adequado para análise da ACE. Os três fatores obtidos explicam 51,4% da variância total da escala com 18 itens, considerada excelente para um instrumento de autorrelato. O Alfa de Cronbach encontrado foi de 0,85, revelando um bom nível de precisão do instrumento. A pontuação da escala varia de 18 a 90, sendo que quanto mais próximo o estudante estiver da pontuação máxima, mais desenvolvida é sua competência de estudo e, portanto, apresenta estratégias autorregulatórias satisfatórias.
2.3 Procedimentos
Os cuidados éticos para estudos com seres humanos foram tomados, conforme previsto na Resolução 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde. Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, foi realizado contato com a reitoria da IES solicitando autorização para a realização desta pesquisa. Posteriormente, o convite foi extensivo aos coordenadores de cursos que autorizaram a coleta de dados em data e horário previamente estabelecidos e combinados com os professores das turmas.
A coleta de dados ocorreu simultaneamente em dois campus da IES, em horários previamente agendados com os coordenadores de curso e de acordo com a disponibilidade dos professores dos cursos que participaram da pesquisa. A aplicação dos dois instrumentos ocorreu após a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), coletivamente, em sala de aula, durante o período regular das aulas, com duração de 50 minutos. Os alunos menores de 18 anos foram excluídos desta pesquisa, bem como não foram considerados os protocolos que não foram 100% preenchidos.
2.4 Análise de dados
Os dados coletados pelos dois instrumentos foram tratados quantitativamente, por meio de análises de estatísticas descritivas e inferenciais. Foram calculadas as pontuações mínimas, máximas, médias e desvio padrão do QAES e da ACE e verificada existência de correlação entre os fatores e o escore total do QAES e os fatores e o escore total do ACE por meio do coeficiente de correlação de Person.
A confiabilidade das medidas foi obtida por meio do coeficiente de consistência interna de Cronbach. Todos os dados foram tratados por meio da utilização de software específico, Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.
3 Resultados
Inicialmente, foram realizadas estatísticas descritivas dos resultados obtidos pela aplicação da ACE e do QAES. A Tabela 1 apresenta esses resultados.
N | Mínimo | Máximo | Média | Desvio Padrão | |
---|---|---|---|---|---|
Planejamento | 463 | 11 | 50 | 36,31 | 6,67 |
Desempenho | 464 | 8 | 20 | 16,48 | 2,82 |
Autorreflexão | 464 | 8 | 20 | 17,59 | 2,31 |
Total ACE | 464 | 35 | 90 | 70,38 | 9,92 |
Plano de Carreira | 464 | 13 | 40 | 33,12 | 5,27 |
Adaptação Social | 464 | 8 | 40 | 32,79 | 4,98 |
Adaptação ao Estudo | 464 | 12 | 40 | 29,62 | 4,91 |
Adaptação Institucional | 464 | 12 | 40 | 29,84 | 5,00 |
Adaptação Pessoal e Emocional | 464 | 8 | 40 | 25,09 | 7,05 |
Total QAES | 464 | 87 | 193 | 150,47 | 17,32 |
Fonte: Autores.
Na avaliação das subescalas do ACE, constantes na Tabela 1, nota-se que os alunos apresentaram médias próximas aos limites máximos permitidos em cada um dos fatores. No que se refere à capacidade de “Planejamento”, foi encontrada a maior média de 36,31 com desvio padrão de 6,67. A menor média foi para o fator “Autorreflexão” (M = 17,59; DP = 2,31).
Observa-se, na Tabela 1, que na ACE a média foi de 70,38, com desvio padrão de 9,92, para a qual a pontuação possível poderia variar entre 18 e 90, assim foram alcançados 78,20% do máximo de pontos. Já para o QAES a pontuação média foi de 150,47 e o desvio padrão de 17,32, para o total da amostra (N = 464). Cabe lembrar que a pontuação poderia variar entre 40 e 200 para o questionário, assim os participantes alcançaram 75,33% do máximo possível. Os resultados gerais apontam para uma amostra com nível de adaptação acadêmica satisfatório e competentes em seus estudos, considerando que as médias obtidas nos dois instrumentos se encontram mais próximo do percentual máximo possível em cada uma das escalas.
Quando avaliados isoladamente, os escores médios encontrados nas subescalas dos dois instrumentos, nota-se que nos fatores relacionados ao QAES, os participantes apresentaram maiores escores no fator “Plano de Carreira” (M = 33,12; DP = 5,27) e “Adaptação Social” (M = 32,79; DP = 4,98). Já a menor média foi encontrada no fator “Adaptação Pessoal e Emocional” com (M= 25,09; DP = 7,05). De acordo com o objetivo principal deste estudo, a Tabela 2 apresenta os índices de correlação e níveis de significância ao se comparar as cinco dimensões do QAES e as três dimensões do ACE.
Planejamento | Desempenho | Autorreflexão | Total ACE | ||
---|---|---|---|---|---|
Plano de Carreira | r | 0,344 | 0,224 | 0,371 | 0,381 |
Adaptação Social | r | 0,234 | 0,391 | 0,200 | 0,315 |
Adaptação ao Estudo | r | 0,714 | 0,319 | 0,530 | 0,694 |
Adaptação Institucional | r | 0,324 | 0,183 | 0,304 | 0,341 |
Adaptação Pessoal e Emocional | r | 0,080 | -0,069 | 0,087 | 0,055 |
Total QAES | r | 0,501 | 0,295 | 0,443 | 0,524 |
Fonte: Autores.
Os resultados da Tabela 2 apontam que todas as correlações entre os fatores da ACE e do QAES e dos totais destes instrumentos foram positivas e significativas, com magnitudes que variaram de fracas a forte. Cabe lembrar que essas magnitudes podem variar dentro de uma escala de 0 a 1 e que um instrumento é classificado como tendo confiabilidade apropriada quando o Alfa de Cronbach é pelo menos 0,70 (DANCEY; REIDY, 2006). Houve exceção somente no fator “Adaptação Pessoal e Emocional” do QAES, que não se correlacionou com nenhum fator ou total da ACE. Percebeu-se que também foi esse fator que teve a menor média na apresentação das estatísticas descritivas.
A maioria das correlações foi de magnitude fraca, menos para os fatores “Autorreflexão” com “Adaptação ao Estudo” (r = 0,530), “Total ACE” com “Adaptação ao Estudo” (r = 0,694), “Planejamento” com “Total QAES” (r = 0,501), “Autorreflexão” com “Total QAES” (r = 0,443) e “Total ACE” com “Total QAES” (r = 0,524), para as quais as correlações foram moderadas. A única correlação com magnitude forte ocorreu entre “Planejamento” e “Adaptação ao Estudo” (r = 0,714), indicando que essas habilidades são compartilhadas.
Foram avaliados, também, os índices de consistência interna Alfa de Cronbach dos dois instrumentos para a amostra pesquisada. O índice obtido para o QAES foi (α = 0,88) e para os fatores foram encontrados os coeficientes: “Plano de Carreira” (α = 0,86); “Adaptação Social” (α = 0,85); “Adaptação ao Estudo”(α = 0,80); “Adaptação Institucional”(α = 0,78) e “Adaptação Pessoal Emocional”(α = 0,84). O coeficiente de consistência interna apurado para a ACE na amostra pesquisada identificou um Alfa de Cronbach total para a ACE (α = 0,85) e quando realizado por subescalas obteve-se: “Planejamento” (α = 0,80); “Desempenho” (α = 0,61) e “Autorreflexão” (α = 0,62).
4 Discussão
Quando avaliados em suas competências de estudos, os alunos desta amostra tiveram escores significativamente altos nas três dimensões avaliadas pelo ACE. Isso significa que devem apresentar boa capacidade para planejar sua rotina de estudos, mostrando-se organizados, o que os leva a se perceberem com bom desempenho diante das tarefas que lhe são impostas. Devem utilizar estratégias cognitivas e metacognitivas no processo de aprendizagem, que levam à maior consciência na adoção de métodos e técnicas para estudar, melhorando sua performance e adaptando-os às necessidades do contexto universitário (BORUCHOVITCH, 1999; MARINI; BORUCHOVITCH, 2014; ZIMMERMAN, 2002, 2013).
Com base nos cinco fatores avaliados pelo QAES para a adaptação acadêmica, nota-se que os alunos apresentam um escore médio mais próximo ao limite máximo da pontuação permitida pelo instrumento, o que demonstra uma perspectiva positiva em relação a sua adaptação. Eles obtiveram os maiores escores nas dimensões Projeto de carreira e Adaptação social, sendo seguidos por Adaptação institucional e Adaptação ao estudo.
Esses resultados são congruentes com os estudos Araújo et al. (2014), Araújo e Almeida (2015) e Araújo et al. (2016) que revelaram existência de expectativas positivas em relação ao ingresso no ensino superior e apontaram que essas expectativas estavam relacionadas à busca por uma formação de qualidade que os levasse ao sucesso profissional. Cunha e Carrilho (2005) também encontraram que o desenvolvimento de carreira foi apontado pelos estudantes como uma das dimensões de vivências mais favoráveis. Santos et al. (2013) perceberam que os estudantes que tiveram maior segurança com a escolha do curso também alcançaram escores médios mais elevados nessa dimensão.
Os resultados desta pesquisa demonstram que os alunos se encontram adaptados à nova realidade, o que implica no estabelecimento de relações satisfatórias, na percepção de qualidade dos serviços, bem como no conhecimento das regras e normas institucionais. Apesar de os escores obtidos na dimensão Adaptação institucional serem menores do que os encontrados no Projeto de carreira e Adaptação social, eles se mostram mais próximos ao limite máximo da pontuação neste quesito.
Assim, quanto mais ajustado e acolhedor for a ambiente universitário, segundo Cunha e Carilho (2005), mais os alunos poderão desenvolver e utilizar seus potenciais. A dinâmica existente entre recursos pessoais e institucionais interagem simultaneamente e interferem no desempenho do estudante alterando sua percepção de bem-estar físico e psicológico. Esse dado, fica claro nesta pesquisa, uma vez que os escores médios das dimensões institucionais e de adaptação pessoal-emocional foram os menores encontrados.
No que se refere ao processo de adaptação Pessoal-emocional, os alunos se mostraram menos adaptados se comparados às dimensões anteriores, demonstrando que alguns alunos podem estar apresentando algum tipo de mal-estar psicológico e/ou físico relacionado a sua experiência no ensino superior. Isso pode ser visto na pesquisa de Rosário et al. (2010) que, ao avaliarem alunos com insucesso acadêmico, notaram uma redução no sentido de autoeficácia e da capacidade de se autorregular diante do novo contexto acadêmico.
Quanto aos resultados do principal objetivo deste estudo, as análises demostraram uma forte correlação somente entre o fator Planejamento do ACE e a Adaptação de estudos do QAES. Uma possível explicação para esse fenômeno é apresentada por Dias e Joly (2016), quando relatam que ao planejar, o aluno consegue identificar suas motivações para realização das tarefas possibilitando que defina metas e, portanto, isto leva o indivíduo a organizar um planejamento de ação, de acordo com as características da tarefa, aumentando sua percepção de autoeficácia. Coincidentemente, os escores médios relacionados ao fator Planejamento e a dimensão Adaptação aos estudos se posicionam dentre os maiores nas duas escalas. Pesquisa realizada por Ribeiro e Silva (2007) também encontrou correlações estatisticamente significativas entre planejamento das rotinas de estudo e o monitoramento do desempenho por parte do aluno, o que denota que quanto mais planejado for o estudo melhor a capacidade de monitorar seus resultados.
Em contrapartida, quando avaliadas as demais dimensões do QAES com os fatores da ACE se apresentaram correlações de magnitudes moderadas (DANCEY; REIDY, 2006), principalmente quando comparados o fator Autorreflexão e Adaptação ao estudo; o escore médio obtido na ACE e Adaptação ao estudo; o fator Planejamento e o escore médio do QAES; a Autorreflexão e o escore médio do QAES e o escore médio da ACE com o escore médio do QAES. O que se percebe, pelos resultados desta pesquisa é que os fatores envolvidos no desenvolvimento de competências de estudos estão relacionados com o processo de adaptação acadêmica nos primeiros anos da graduação.
Segundo Dias e Joly (2016), a competência de estudo faz com que o aluno utilize, diante de dificuldades, habilidades cognitivas e metacognitivas em seu processo de aprendizagem visando o sucesso acadêmico. No entanto, em algumas dimensões da adaptação acadêmica os fatores pessoais e emocionais podem ser muito importantes para o desenvolvimento da competência de estudos. Cabe também destacar que a ACE se encontrava em processo de validação, carecendo de mais estudos para seu aperfeiçoamento.
O último objetivo deste estudo foi o de verificar a confiabilidade dos dois instrumentos para a amostra por meio da análise do índice de consistência interna dos itens. Os resultados para ambos os instrumentos demonstram bons índices de confiabilidade, o que remete a uma boa representação das cinco dimensões do QAES e do escore total da ACE.
Somente os fatores da ACE referentes ao desempenho e autorreflexão apresentaram índices de Alfa de Cronbach abaixo do esperado pela literatura (PETERSON, 1994). Esse dado pode ser justificado pelo número reduzido de itens das subescalas ou por desconhecimento, por parte dos alunos, sobre resultados de seus esforços, uma vez que os alunos se encontram nos primeiros anos da graduação. Isso indica também que o instrumento deve ser utilizado em mais amostras para verificar se esses índices se mantêm ou se é um viés da amostra deste estudo.
5 Considerações finais
O foco da formação universitária é a profissional, nas diferentes áreas do conhecimento, mas isto só se torna possível se houver, por parte dos estudantes, o desenvolvimento de habilidades cognitivas e a aquisição de competências técnicas e comportamentais relacionadas ao conteúdo específico de seus cursos. Uma das dificuldades enfrentadas pelos alunos nesse processo de ajustamento se refere ao fato de que, em muitos casos, em decorrência de formação prévia deficitária, o estudante apresenta habilidades cognitivas e metacognitivas díspares com as exigências do ensino superior.
Sua adaptação e permanência nos estudos envolve fatores cognitivos, metacognitivos, comportamentais, motivacionais e contextuais, além dos processos psicológicos de automonitorização, autoavaliação e autorreação, conceituando-se de forma cíclica e interconectada. Esses fatores devem ser observados pelas instituições de ensino que desejam inovar na maneira de acolher seus alunos e oferecer-lhes condições de adaptação e instrução em estratégias de aprendizagem para serem competentes em seus estudos.
Além disso, os dados aqui apresentados, medidos pelos instrumentos devidamente validados, com embasamento teórico e parâmetros psicométricos, podem auxiliar no esclarecimento das razões que impelem o aluno a desistir de seu curso, possibilitando as instituições a repensarem seus métodos e processos de ensino aprendizagem, as redes de apoio disponibilizadas aos alunos ingressantes, além de disponibilizar informações importantes para elaboração de propostas de intervenção levando em consideração as particularidades de cada aluno e de cada curso. É importante ressaltar que é preciso continuar construindo e validando novos instrumentos para avaliação dos dois fenômenos medidos neste estudo.
Devido ao caráter exploratório deste estudo, ressalta-se a necessidade de se utilizar delineamentos estatísticos mais sofisticados em pesquisas futuras. Outro aspecto é a limitação da amostra, que deve ser ampliada e mais diversificada, de modo a agregar outros Estados e as universidade públicas. Sugere-se, também, o uso de testes estatísticos que avaliem a capacidade de predição dos construtos sobre os comportamentos, como uso de regressão. Deve-se pensar, ainda, no efeito que covariáveis como tipo de curso, idade e gênero pode exercer sobre o comportamento de competências e estratégias de aprendizagem.
Por fim, evidencia-se a relevância deste estudo enquanto introdutório nas pesquisas sobre a temática, buscando trazer contribuições que favoreçam a compreensão de suas características e auxilie no contexto escolar. Aliado a isso, entende-se que, no ensino superior mais especificamente, a compreensão do processo de adaptação acadêmica nos primeiros anos da graduação pode contribuir para o autoconhecimento desses jovens, que ao identificarem o modo preferido de utilizar suas habilidades, possam desenvolvê-las com maior amplitude, visando à utilização das mesmas em diversos contextos que extrapolam o ambiente escolar e acadêmico.