1 Introdução
Os bons hábitos alimentares são desenvolvidos nos seres humanos desde a primeira infância, os quais seus cuidadores, gestores e educadores influenciam na formação que fomentam em uma boa saúde por toda vida (HERCULANO et al., 2010). Para tanto a educação alimentar e nutricional contribui de forma significativa na melhoria da aprendizagem, estando diretamente relacionada com a capacidade de desenvolvimento físico e psíquico (CARVALHO, 2016).
Atualmente, a saúde da criança tem sido afetada pelas práticas da vida urbana, na qual ocorrem mudanças de comportamento principalmente com relação à dieta e à atividade física, o que proporciona elevação nas taxas de sobrepeso e obesidade (BRASIL; DEVINCENZI; RIBEIRO, 2007).
Estudos voltados para as taxas de mortalidade infantil e juvenil mostram que há um forte aumento nessas taxas, as quais estão relacionadas com as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que consistem em alterações mitocondriais, as quais, por sua vez, afetam o organismo de forma unânime, advindas de uma série de fatores de risco e atingindo grande parte da população infantil (VINER et al., 2011; GOLDANI et al., 2012; MALTA et al., 2017). Entre outros fatores, o desenvolvimento dessas enfermidades na referida parcela da população tem sido associado a maus hábitos de vida, como modificações no padrão alimentar, não prática de atividade física e falhas no exercício da educação alimentar e nutricional (EAN) em casa e em outros espaços, como, por exemplo, em creches e escolas (GOLDANI et al., 2012; MANCUSO et al., 2013).
Numa perspectiva que sinaliza estratégias educativas com vistas a minimizar os efeitos negativos provenientes de estilos de vida que aviltam a saúde e a qualidade de vida da população juvenil, entre os espaços e instituições sociais a escola configura-se como o lócus privilegiado para abordar as referidas problemáticas (SOUZA et al., 2011; PAIXÃO et al., 2016). Trata-se de um espaço que favorece ações voltadas para o desenvolvimento saudável da criança, como, por exemplo, por meio da educação alimentar e nutricional, com vistas à promoção de bons hábitos alimentares no decorrer da educação básica (SOUZA et al., 2011).
Indubitavelmente, o conhecimento em nutrição pode influenciar os hábitos alimentares, sugerindo-se que a educação nutricional seja incorporada ao currículo escolar, envolvendo ativamente professores, comunidade escolar e família, de forma a trazer informações sobre nutrição e aspectos associados aos alimentos (TRICHES; GIUGLIANI, 2005).
A escola apresenta-se como um importante espaço onde os estudantes passam parte significativa de suas vidas. Não obstante isso, estudos apontam que a escola é o melhor cenário para que a criança possa vivenciar as práticas de EAN, utilizando recursos didáticos apropriados para contrapor a influência da mídia, que, na maioria das vezes, é um veículo de informações distorcidas (SOUZA et al., 2011). Para tanto, juntamente com a escola, é preciso reconhecer que a família desempenha papel fundamental no desenvolvimento do bom hábito alimentar da criança.
Entre as iniciativas oficiais que privilegiam a escola como importante espaço na efetivação de propostas que contribuam para o desenvolvimento do bom hábito alimentar destacam-se duas leis federais: a Lei nº 11.947/2009 (BRASIL, 2009), que assegura aos estudantes e gestores das escolas públicas e privadas os benefícios da educação alimentar e nutricional, com vistas à conscientização sobre a significância da saúde e do bem-estar no desenvolvimento e crescimento da criança (MANCUSO et al., 2013; CARVALHO, 2016); e a Lei nº 13.666/2018, que busca incorporar à matriz curricular das escolas públicas e privadas a educação alimentar e nutricional como tema transversal, fomentando nas crianças e jovens o desejo de crescer e se desenvolver de maneira mais saudável e prazerosa (BRASIL, 2018).
A partir dessa perspectiva, que evidencia ações voltadas para o desenvolvimento do bom hábito alimentar por meio da educação alimentar e nutricional dos alunos ao longo da educação básica nas escolas brasileiras, vê-se a necessidade de se conhecerem aspectos que se fazem presentes na ambiência dessas escolas e que, por sua vez, possam vir a interferir na implementação dessas leis. Nesse sentido, o objetivo desse estudo foi identificar e analisar a percepção de professoras sobre o papel da escola na formação do bom hábito alimentar por meio da educação alimentar e nutricional de alunos que se encontram matriculados no ensino fundamental I em escolas da rede pública localizadas na cidade de Viçosa, Minas Gerais.
2 Metodologia
Tendo em vista o fenômeno estudado, a trilha científica das ciências humanas e sociais se mostrou a mais indicada para nortear a sua averiguação. Dessa forma, este estudo caracterizou-se como uma pesquisa de natureza qualitativa na qual, de acordo com Minayo (2013), trabalha-se com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Isso corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos, que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
Como instrumento de coleta de dados foi empregado um questionário contendo 18 itens que versavam sobre a possibilidade de implementação de ações na escola voltadas ao desenvolvimento de bons hábitos alimentares dos alunos do ensino fundamental I. Na operacionalização das variáveis contidas nos itens, o questionário encontrava-se estruturado a partir da escala Likert de 5 pontos, na qual o participante podia marcar uma opção (1 = Discordo plenamente; 2 = Discordo; 3 = Indiferente; 4 = Concordo; 5 = Concordo plenamente) em ordem de importância, tendo em vista sua concepção acerca da temática abordada (FEHRING, 1987).
Uma vez definidas as escolas da rede pública de ensino que dispunham de turmas do ensino fundamental I na cidade de Viçosa, MG, mediante informações disponibilizadas pela 33ª Superintendência Regional de Ensino, buscou-se estabelecer contatos e esclarecimentos sobre a natureza do estudo, inicialmente com os respectivos dirigentes dessas instituições e, posteriormente, com as professoras atuantes com as turmas do ensino fundamental I. Uma vez obtidas as autorizações e concordâncias em participar da pesquisa, o grupo amostral foi constituído de 70 professoras atuantes no ensino fundamental I da educação básica distribuídas em seis escolas da rede pública de ensino (duas municipais e quatro estaduais) localizadas na cidade de Viçosa, MG. Esse número total de escolas representa 32% das escolas existentes na referida cidade que oferecem turmas do ensino fundamental I.
Na seleção do grupo amostral foram considerados os seguintes critérios de inclusão: ser professora atuante no ensino fundamental I em escolas públicas das redes municipal e estadual de ensino localizadas na cidade de Viçosa, MG; aceitar participar da pesquisa; e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Como critérios de exclusão foram considerados as professoras que não se encontravam na situação descrita, a recusa da assinatura do TCLE e o não interesse em participar da investigação. Vale ressaltar que a escolha por professoras atuantes no ensino fundamental I para integrar o grupo amostral do presente estudo deveu-se ao fato de se tratarem de docentes que trabalham diretamente com crianças que se encontram numa fase em que se têm ampliados os contatos com outros grupos sociais para além da família, período esse que pode propiciar vivências de diferentes magnitudes, inclusive a formação de bons hábitos alimentares. Soma-se a isso que o desenvolvimento do bom hábito alimentar é mais exitoso com crianças menores (GARDEN et al., 2011).
Como procedimento para otimizar a fase de coleta de dados, a aplicação dos questionários se deu nos horários das aulas de Educação Física, período em que as professoras dispunham de tempo para essa finalidade. Vale ressaltar que, antes da aplicação dos questionários, as professoras foram informadas sobre a pesquisa e, dessa forma, solicitadas a assinarem o TCLE. A fase de coleta de dados ocorreu no período de agosto a setembro de 2019.
Na execução deste estudo, foram consideradas as diretrizes regulamentadas pela Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), sendo o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Viçosa, Parecer CEP/UFV nº 3.207.139 de 19 de março de 2019.
3 Resultados e discussão
A discussão dos resultados obtidos desenvolveu-se por meio da triangulação entre os dados dos questionários aplicados às professoras atuantes no ensino fundamental I, da bibliografia utilizada que vinha ao encontro da temática abordada e, também, das posições assumidas pelos autores da investigação em relação ao tema. Assim, foram possíveis a compreensão e a discussão das categorias de análise que se encontram organizadas em três seções: hábitos alimentares na infância, papel do professor na formação do bom hábito alimentar e, por fim, papel da escola na formação do bom hábito alimentar.
3.1 Hábitos alimentares na infância
VARIÁVEIS CONSIDERADAS | ESCALA DE LIKERT (%) |
||||
---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
A adoção do bom hábito alimentar é muito importante para a saúde das crianças |
0 | 0 | 0 | 93 | 7 |
Quanto mais jovem, mais chances se tem o sujeito adotar bons hábitos alimentares ao longo de sua vida adulta. |
0 | 1 | 1 | 18 | 80 |
No geral, as crianças são muito mais receptivas na aquisição de bons hábitos alimentares do que os adultos, caso elas tenham esse tipo de orientação. |
1 | 12 | 0 | 47 | 40 |
Bom habito alimentar relaciona-se, especialmente, com a perda de peso por pessoas que se encontram com sobrepeso ou obesidade. |
10 | 32 | 7 | 24 | 27 |
A ausência de bons hábitos alimentares é uma causa significativa de malefícios à saúde das pessoas |
0 | 0 | 4 | 26 | 70 |
Com a ajuda apropriada, muitas crianças são capazes de adotar bons hábitos alimentares ao longo da vida adulta. |
0 | 6 | 3 | 34 | 57 |
1=Discordo plenamente; 2=Discordo; 3=Indiferente; 4=Concordo; 5=Concordo PlenamenteFonte: Elaborado pelos autores
Os resultados apresentados na Tabela 1 evidenciam o consenso entre as professoras sobre a importância da adoção do bom hábito alimentar pelas crianças, tendo em vista a relação direta com a saúde. Trata-se de um tema amplamente debatido nas pesquisas realizadas em diferentes áreas da saúde, chegando, na maioria das vezes, a ser considerada senso comum entre as pessoas pertencentes a diferentes grupamentos socioeconômicos e, por sua vez, níveis de formação. Para aclarar ainda mais essa compreensão, fazemos valer o estudo desenvolvido por Neutzling (2010), no qual se enfatiza que os hábitos alimentares exercem grande influência sobre a saúde, o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos, sendo fator importante para a melhora da qualidade de vida quando adultos, apresentando menores chances de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Nessa direção, quando perguntadas sobre a melhor fase para a aquisição de uma alimentação saudável, 98% das professoras afirmaram que, quanto mais jovem, maiores as chances de êxito de bons hábitos alimentares pelas pessoas ao longo de suas vidas. Quanto à predisposição na aquisição de bons hábitos alimentares, 87% das entrevistadas acreditam que, caso recebam esse tipo de orientação, as crianças serão mais receptivas em comparação com os adultos. Sendo a infância uma fase privilegiada no trabalho para a aquisição de bons hábitos alimentares, um aspecto basilar a ser destacado refere-se à necessidade de orientação a ser recebida pelas crianças. Vê-se que a construção do pensamento prático, dos comportamentos, das atitudes ou qualidades humanas, que orientam e governam a interpretação e os modos de intervir de forma autônoma sobre a vida, apresenta-se como um dos objetivos da educação escolar e, nesse contexto, a formação de bons hábitos alimentares deverá configurar-se parte integrante desse processo educativo.
Por assim dizer, infere-se que é durante a infância que as preferências alimentares são moldadas com maior facilidade, configurando-se, dessa forma, a fase em que deve ser enfatizada para as crianças a importância da adesão aos bons hábitos alimentares (SANTOS, 2018; DALCASTAGNÉ, 2008). Somada a esse fator, a ausência de bons hábitos alimentares foi relacionada por praticamente a totalidade das professoras (96%) como uma das mais significativas causas de malefícios à saúde das pessoas no contexto atual. Subjacente a esses debates, a literatura específica tem relacionado uma série de malefícios a partir da obesidade em pessoas nas diferentes faixas etárias (FERREIRA; AYDOS, 2010). Isso pode ser explicado pelo fato de a pessoa obesa ter aumentada a probabilidade de desenvolver diversas doenças, como diabetes melito tipo 2 e disfunções cardiovasculares, e distúrbios de ordem psicossocial, como depressão, transtornos de ansiedade e alteração da imagem corporal. Todas essas consequências, atribuídas e associadas ao excesso de gordura corporal, fazem que a obesidade, na sociedade contemporânea, seja considerada um grave problema de saúde pública (AFONSO; CUNHA; OLIVEIRA, 2008; DALCASTAGNÉ, 2008).
Paralelas à obesidade, as deficiências nutricionais são prevalentes na infância, quer seja por falta de recursos, comportamento alimentar inadequado ou inapetência fisiológica e/ou relacionada com doenças; porém ainda é comum a verificação do bom hábito alimentar a serviço do padrão corporal imposto pela sociedade contemporânea. Essa concepção pode ser percebida na frequência de respostas de 51% das professoras que afirmaram a existência da relação entre o bom hábito alimentar e, especialmente, a perda de peso por pessoas com sobrepeso ou obesidade.
No entendimento da maioria das professoras entrevistados, destaca-se que, com a ajuda apropriada (ações educativas nas escolas), as crianças são capazes de adotar bons hábitos alimentares ao longo da vida adulta.
3.2 O papel do professor na formação do bom hábito alimentar
VARIÁVEIS CONSIDERADAS | ESCALA DE LIKERT (%) |
||||
---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
Informar as crianças e seus pais acerca de bons hábitos alimentares é uma atividade muito importantes. |
0 | 0 | 6 | 30 | 64 |
A orientação individualizada, em sala de aula, para crianças com sobrepeso é uma boa estratégia para minimizar essa condição. |
7 | 27 | 11 | 49 | 6 |
A formação recebida não me preparou de forma adequada para desenvolver nas aulas projetos voltados aos bons hábitos alimentares com as crianças. |
12 | 34 | 7 | 43 | 4 |
O professor regente deveria desenvolver nas aulas de Ciências o tema relacionado ao bom hábito alimentar junto as crianças. |
0 | 0 | 7 | 56 | 37 |
Implementar projetos voltados a desenvolver bons hábitos alimentares em crianças é uma tarefa muito difícil. |
14 | 40 | 7 | 30 | 9 |
Não há tempo suficiente nas aulas para desenvolver o tema relacionado aos bons hábitos alimentares com as crianças. |
16 | 54 | 6 | 20 | 4 |
1=Discordo plenamente; 2=Discordo; 3=Indiferente; 4=Concordo; 5=Concordo PlenamenteFonte: Elaborado pelos autores
Os dados apresentados na Tabela 2 evidenciam que a maioria (94%) das professoras acredita que manter as crianças e seus pais informados sobre os bons hábitos alimentares é muito importante. Ainda que os alunos permaneçam uma considerável parte de suas vidas na ambiência da escola ao longo da educação básica e que seja importante a contribuição dos professores, principalmente daqueles que atuam na educação infantil e fundamental I, indubitavelmente a família e/ou grupos sociais em que a criança se encontra envolvida desempenham papel preponderante no processo de educação nutricional.
Se, por um lado, a Lei nº 13.666/2018 objetiva incorporar à matriz curricular das escolas públicas e privadas o tema transversal educação alimentar e nutricional, em que se tem a figura da professora como essencial nesse trabalho, por outro, a mesma lei desconsidera o aspecto da formação inicial e até mesmo continuada dessas professoras atuantes no ensino fundamental I. Trata-se de docentes que, em sua maioria, licenciaram-se em Pedagogia, curso de formação inicial do qual, até o momento, não se têm notícias de uma disciplina específica, como a existência das metodologias do ensino das diferentes áreas do conhecimento em sua matriz curricular que pudessem habilitar essas professoras para tal demanda. De acordo com a Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a educação básica, sequer é mencionada a educação alimentar e nutricional, seja em menção à Lei nº 13.666/2018 ou à orientação para sua implantação no currículo dos níveis que compõem a educação básica.
Curiosamente, quando perguntadas se a formação inicial lhes proporcionou conhecimento para desenvolver projetos e ações relacionados com a temática educação alimentar e nutricional na escola, 46% das professoras afirmaram sentirem-se preparadas. Tendo em vista a ausência do trabalho da referida temática na formação inicial e continuada, questiona-se se os conhecimentos sobre o tema poderiam ter advindo a partir das vivências do senso comum, no âmbito familiar, por essas professoras. Desconsiderar o conhecimento do senso comum se traduz num grande equívoco no âmbito acadêmico. Como assevera Boaventura de Sousa Santos, o universo de experiências concretas e práticas sociais, antes marginal, passou a ter lugar e consideração na ciência pós-moderna (SANTOS, 2018). Nessa perspectiva, percebe-se uma relação de aproximação entre senso comum e conhecimento científico como resultante de novas posturas da comunidade científica. Tal aproximação ainda não atingiu condições que favoreçam uma integração, o que se constitui em um desafio (FRANCELIN, 2004), portanto o conhecimento que as professoras afirmam possuir sobre educação alimentar e nutricional precisa ser revitalizado e/ou complementado com base no conhecimento científico, seja na formação inicial, seja em cursos de capacitação oferecidos pelos respectivos órgãos de fomento ligados à educação no país.
De acordo com a maioria das professoras (93%), o tema educação alimentar e nutricional deveria ser incluído para ser trabalhado nas aulas de Ciências, sendo considerado fácil na sua percepção. Destaca-se, ainda, a afirmação das professoras quanto à disponibilidade de carga horária no currículo do ensino fundamental I, bem como a necessidade de incorporar atividades práticas que possam aflorar o conhecimento dos alunos. Outro aspecto ressaltado por uma parcela significativa das professoras (55%) é que o trabalho com a referida temática deve ser feito no âmbito da turma, evitando-se orientações individualizadas. Tendo em vista a natureza do tema e a diversificação de complexões físicas dos alunos, essa percepção é positiva e sugere que as professoras têm discernimento de que o trabalho com educação alimentar e nutricional não se restringe aos casos de obesidade, mas se amplia para formas de contribuir para a conscientização das crianças acerca da significância da adoção de bons hábitos saudáveis e sua relação com a saúde e o bem-estar ao longo da vida, tal qual prevê a Lei nº 11.947/2009 e a Lei nº 13.666/2018 (MANCUSO et al., 2013; CARVALHO, 2016; BRASIL, 2018).
3.3 O papel da escola na formação do bom hábito alimentar
VARIÁVEIS CONSIDERADAS | ESCALA DE LIKERT (%) |
||||
---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
Os pais não deveriam converter a escola em um lugar para a formação do bom hábito alimentar das crianças |
4 | 23 | 7 | 54 | 12 |
A escola não se envolve o suficiente para a formação do bom hábito alimentar dos alunos. |
11 | 49 | 1 | 33 | 6 |
Todas as escolas deveriam dispor de projetos voltadas para a formação do bom hábito alimentar. |
0 | 0 | 4 | 57 | 39 |
Deveriam eliminar-se das cantinas os alimentos não saudáveis como aqueles ricos em gordura, balas e doces |
0 | 0 | 3 | 41 | 56 |
As escolas deveriam incluir no rol dos conteúdos o tema nutrição e bom habito alimentar. |
0 | 1 | 9 | 61 | 29 |
As escolas deveriam incluir no rol dos conteúdos o tema nutrição e bom habito alimentar. |
1 | 24 | 7 | 42 | 26 |
1=Discordo plenamente; 2=Discordo; 3=Indiferente; 4=Concordo; 5=Concordo PlenamenteFonte: Elaborado pelos autores
Fonte: Elaborado pelos autores
Incontestavelmente, assim como na família, a escola é o local onde são formados os primeiros hábitos alimentares da criança. Considerando isso, cabe à escola preparar profissionais para a tomada de decisões a partir do tema em questão. Em se tratando da relevância do espaço escolar na formação dos jovens, entretanto, é notável que essa temática ainda seja pouco ou praticamente inexistente (SCHMITZ, 2008). A Tabela 3 apresenta dados relacionados com a percepção das professoras regentes sobre o papel da escola na formação do bom hábito alimentar dos alunos. Uma parcela considerável das professoras (66%) acredita que os pais não deveriam deixar a educação nutricional a cargo somente da escola. Isso é de enorme importância, pois a educação deve ser construída de forma coletiva, já que, na maior parte do tempo, as crianças ficam entre seus familiares. Segundo Ramos e Stein (2000), a família é encarregada da construção do comportamento alimentar da criança por meio da aprendizagem social. Esse conceito se caracteriza pela capacidade da criança de reproduzir determinados comportamentos vivenciados. Assim, a observação dos hábitos alimentares e de vida dos integrantes do grupo familiar é a condição essencial para que sejam reproduzidos e introjetados, de maneira natural, no cotidiano das crianças. Nessa lógica, os pais e/ou responsáveis pelas crianças nos grupos familiares detêm o status de primeiros educadores nutricionais.
Ações desenvolvidas pela escola sobre o tema da educação alimentar e nutricional complementariam aquelas vivenciadas no grupo familiar. Esse pressuposto leva a pensar na necessidade de a escola e a família estabelecerem parceria em estreita sintonia. Além do trabalho com a temática nas aulas de Ciências, como ressaltado anteriormente, as professoras mencionaram a importância da ampliação do trabalho de educação alimentar e nutricional em projetos abarcando todos os alunos na escola, possibilitando maior envolvimento de todos e aumentando, assim, as chances de êxito dessa prática educativa na escola.
A respeito da venda de alimentos pela cantina da escola, praticamente a totalidade das professoras (97%) concorda com a necessidade de se eliminarem os alimentos não saudáveis, como balas, doces e os ricos em gordura. A comercialização de alimentos na escola é regulamentada, em Minas Gerais, pelo Decreto nº 47.557, de 10 de dezembro de 2018, que tem como objetivo proteger crianças e jovens, no período em que estiverem dentro das escolas, do consumo e da publicidade de alimentos relacionados com hipertensão, diabetes e outros agravos (MINAS GERAIS, 2018).
Em relação à merenda, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é responsável por oferecer alimentação e promover a educação nutricional no âmbito da escola a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, de forma a reforçar a aquisição de bons hábitos alimentares e melhorar as condições fisiológicas do aluno, contribuindo para a melhoria do desempenho escolar e a redução da evasão e repetência escolares (BRASIL, 2009). Essas determinações legais, no entanto, parecem não ter adentrado o espaço da escola, mesmo sendo de entendimento comum a necessidade de suas efetivações.
Quando perguntadas sobre a restrição da venda de alimentos calóricos para crianças obesas ou com sobrepeso, 68% discordam de que isso seja benéfico, já que tal ato pode gerar exclusão e, como consequência, efeito rebote da educação alimentar e nutricional.
4 Considerações finais
Diante das constatações obtidas nesta investigação e considerando as suas limitações metodológicas, é possível afirmar que as professoras atuantes no ensino fundamental I em escolas da rede pública de ensino reconhecem a necessidade de se trabalhar a temática educação alimentar e nutricional na ambiência da escola. Constatou-se, também, a percepção dessas professoras sobre a importância de ações comuns entre os grupos familiares e a escola nesse processo, com o implemento do tema nas aulas de Ciências, desenvolvimento de projetos e ações na própria escola, como, por exemplo, o controle dos alimentos fornecidos nas cantinas, a fim de contribuir para maximizar o desenvolvimento de hábitos saudáveis entre os alunos. As professoras asseveram, todavia, que a escola não deve ser convertida em um lugar onde essa meta seja o foco principal.
As professoras se veem dentro da escola como profissionais capacitadas a desenvolver, em suas aulas, o tema relacionado com educação alimentar e nutricional como meta para a adoção, pelos seus alunos, de bons hábitos saudáveis. Essa temática, porém, não é contemplada no currículo dos cursos de formação inicial e continuada de professores para atuar na educação básica, situação essa que leva a inferir se os conhecimentos que elas alegam possuir sobre o tema poderiam ter advindo das vivências do senso comum, no âmbito familiar, ou as alegações foram artifícios utilizados para encobrir o desconhecimento sobre o tema.
Tendo em vista os resultados apresentados nesta pesquisa, sugerem-se novas investigações sobre o tema, incluindo observação de aulas, análise aprofundada de planejamento das aulas na escola e, ainda, análise das matrizes curriculares dos cursos de formação inicial de professores para atuar na educação básica.