PRIMEIRO CAMINHO DA ENCRUZA: ESCOLA PARA QUEM?
Grande parte de nossas experiências de vida aconteceram na escola, como lugar do encontro: com o entendimento de si, de sua sexualidade, com a noção inicial de sociedade, primeiros valores, entre outros aspectos. Essa grande instituição que surge historicamente como detentora da formação escolar, religiosa, moral e cívica do indivíduo é, muitas vezes, ou quase sempre, castradora, ceifadora e deformadora dos indivíduos.
Muitos valores são incutidos na cabeça dos/as estudantes na escola. Valores esses distantes da realidade de vida da maioria desses/as, esforçando-se para se adequar àquele ou este padrão. Neste sentido, Foucault (2008, p. 129) em Vigiar e punir descreve a escola como uma prisão, com cadeiras enfileiradas, corpos docilizados, adestrados, preparados para serem depósitos de informações descontextualizadas, distantes da realidade. Uma história borrada que ignora suas raízes, desqualificando os valores ancestrais na hierarquia do que se faz necessário saber para exercer sua contribuição ao país.
A despeito desse corpo docilizado, Foucault (2008, p. 134) reitera que “[...] é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Um corpo invisibilizado, distanciado do seu próprio corpo, ausente de si, particionado entre o que se pensa e o que se faz, dicotomizado, corpo e mente que não se atravessam. Assim, temos um corpodeslocado, corpo-distante, corpo-ausente, corpo-depósito. Esse corpo, assim doutrinado, rende-se facilmente à disciplina. Estimula-se a capacidade de realização, aptidão e apaga-se a potência, a singularidade, processo que Foucault chama de “sujeição do corpo”. A disciplina teria a capacidade de transformar um corpo apto, disponível, porém com dominação em estado latente, colocando-o em vulnerabilidade de ideais, entregue facilmente à ideologia do recalque. Nesse viés, o filósofo colombiano Pedro Garcia Olivo citando Nietzsche (OLIVO, 2006, p. 5 apud NIETZSCHE, 1984, p. 133), argumenta que:
Los oficios viles esconden la infamia de su origen y de su función con una “ideología laboral” que sirve de disfraz y de anestésico a los profesionales: Estos disfraces no son supuestos. Crecen en las gentes a medida que viven, así como crece la piel, y sobre la piel el vello. Hay máscaras para los comerciantes así como para los profesores.
Essas reverberações trazidas por Olivo à luz do pensamento niilista relacionam-se ao poder da disciplina na vida das pessoas. Esses processos descritos acontecem, ainda, pela via do enclausuramento, da ocupação do tempo “livre”, não deixando espaço na escola para que o estudante reflita, abstraia, ressignifique o aprendizado a partir de suas referências. A escola estimula a individualidade como expoente máximo de seu próprio enclausuramento. Sozinho, sem conexões com outras formas de pensar o problema, rapidamente o/a estudante negro/a aceita a solução proposta pela hegemonia e cala-se. A escola é a corrida pelo ideal que não se sabe ao certo onde pretende chegar. Antagonicamente é, também, a certeza da seguridade financeira, da inserção social e aceitação moral.
La antipedagogía no aparece como una corriente homogénea, discernible, con autores que remiten unos a otros, que parten unos de otros. Deviene, más bien, como “intertexto”, en un sentido próximo al que este término conoce en los trabajos de J. Kristeva: conjunto heterogéneo de discursos, que avanzan en direcciones diversas y derivan de premisas también variadas, respondiendo a intereses intelectuales de muy distinto rango [literarios, filosóficos, cinematográficos, técnicos...] (OLIVO, 2016, p. 7).
O intertexto grafado pelo filósofo Pedro Olivo nos remete à própria noção de pesquisaencruzilhada:
Protagonizar a encruzilhada como escolha metodológica é reconectar pesquisadores/as e pesquisas afrocentradas com o mundo. É romper com hegemonia dogmática que nos incutiu apenas uma perspectiva para as coisas, fraturando nossa cultura e modos de pensar, implicando em desorganização de nossa produção intelectual. (FERREIRA, 2019, p. 24)
Neste sentido, não existe uma corrente apenas de pensamento que deve calcar o processo de ensino e aprendizagem, mas o transpassar de cosmovisões diferenciadas. Além disso, com essa provocação epistemológica do “antipedagógico”, pretende-se inverter a lógica civilizacional ocidental do pensamento. Giramos no sentido contrário, no mesmo sentido das rodas de candomblé, de modo anti-horário, quebrando o fluxo e a lógica do colonizador. Para seguirmos com esse pensamento, faz-se necessário ampliar o olhar e compreender aqui uma provocação etimológica a partir de outra forma de entender a vida - nesse caso, pela cosmovisão dos Terreiros de Candomblé de matriz Bantu.
O aprender / conhecer para os povos tradicionais Bantu se relaciona ao aprender / conhecer por meio das “bibliotecas naturais”: da natureza, dos céus, matas, rios, cachoeiras, vales, do fogo, da terra, da água e do ar. A abstração do conhecimento pela via do natural prepara a pessoa negra para qualquer outro sistema de ensino e aprendizagem, como afirma Fu-Kiau (1991, p. 7):
Cadeias, prisões e projetos de alojamentos incrementados com grande rapidez são feitos não somente para controlar seus movimentos, mas para mantê-los fora das bibliotecas naturais, escolas, empregos. Tudo isso acontece no período que prepara para a entrada da zona criativa - lubata wa mvângila, o período de aprendizagem.
Esta zona criativa (lubata wa mvângila) denota uma sistematização do processo de ensino aprendizado do povo Bantu. Processo esde que prevê uma zona criativa relacionada à fase adulta, na qual se tem uma bagagem de vida maior, consequentemente, o Muntu adquiriu mais conhecimento, preenchendo o seu corpo / biblioteca. Durante a colonização, o sistema branco afasta a pessoa negra das suas bibliotecas naturais, reservando ao homem e à mulher negra o cafezal, canavial e outros tantos trabalhos de força braçal apenas, os quais não permitiam tempo de meditação e aprendizagem natural.
Estamos tratando de um projeto educacional racista brasileiro, reservando o lugar da escória e marginalização para a maioria dos/as jovens pretos/as que saem da adolescência para a fase adulta ausentes de si. Esses homens / mulheres revoltam-se com a opressão de vidas e transgridem a ordem natural ocidental, adentrando em universos que ferem a norma social. Portanto, não basta silenciar a pessoa negra, mas marginalizá-la, para que nada reste da sua constituição social. E que a sua zona criativa seja esquecida dentro da marginalização dos corpos, expostos a violências de muitas naturezas. Sem o assentamento da criatividade em exercício de alargamento e busca de novas formas de conexão, a filosofia africana não circula, as ancestralidades não oferecerão subsídio necessário para impulsionar a vida.
SEGUNDO CAMINHO DA ENCRUZA: CIRCULARIDADE E SUSTENTABILIDADE DO CONHECIMENTO PARA QUÊ?
Antes de alguém entrar na floresta deve preparar-se ritualmente, porque ir para dentro da floresta é entrar numa das mais ricas e bem documentadas bibliotecas vivas na Terra. Em seu leito e abaixo vivem centenas e centenas de criaturas, grandes e pequenas, visíveis e invisíveis, fracas e poderosas, amigáveis e hostis, conhecidas e desconhecidas. Em seu interior correm, serpenteando rios dentro dos quais nadam multidões de peixes. E acima de suas folhagens podem-se ouvir sons e melodias de todos os tipos. Todas essas “coisas”, dentro da floresta, constituem assuntos de aprendizagens para Mûntu, das quais ele coleta dados que ele pode “engavetar” em sua memória para uso futuro. Esse é o processo de construir conhecimento - nzailu (FU-KIAU, 1991, p. 2, grifos do autor).
Esta perspectiva de imersão no mundo natural e dele retirar todo o conhecimento necessário para a vida é o que inspira a Pedagogia da Circularidade (discutida em seguida). Sobretudo, no que toca à desierarquização dos modos de encontros desses conteúdos, por assim dizer, os quais não seguem uma cronologia, nem uma hierarquia social. Aprende-se sobre tudo a todo o tempo e a construção do nzailu (conhecimento) é orgânica com percursos personalizados. Não se sabe o que cada um organiza em seus registros pessoais a partir de uma mesma experiência. Deste modo, o conhecer está ligado à vida: processo democrático e diferenciado. E graças à diferenciação dos modos de aprender, escutando a natureza pelo corpo, teremos multiplicidades e aprofundamentos em um tema específico.
Para tratar desse pensamento, começo relembrando um dia no Unzó ia Kisimbi ria Maza Nzambi1 . Dia de função para Nzila2 . Uma pretensa filha de santo, recém-chegada na casa, enquanto eu preparava uma comida votiva para Nzila, se aproximou de mim e fez inúmeras perguntas. Eu prontamente, após ouvi-la, disse para ela observar melhor a situação, voltar ao lugar e perceber a resposta da pergunta ali mesmo - porque se eu explicasse um rito de modo descritivo, não faria sentido algum, era necessária a experiência. A filha foi fazer o que tinha sugerido, demorou quase duas horas e retornou. Eu completamente sujo de dendê, suando muito na beira do fogão de lenha, indaguei a ela a demora na resposta. Ela abaixada, pediu perdão por não retornar logo, relatando que solicitaram ela para outra função. Segundo a mesma, não teve tempo de fazer a observação que eu tinha pedido. Ela simplesmente ajudou no que foi designado. Nessa outra função percebeu que a dúvida que ela tinha em relação ao primeiro fato havia se esclarecido na vivência da atividade que desenvolvera.
Foi então que eu sorri e disse a ela que o ndumbi3 é a fase da observação, da escuta, do aprender pelo ouvir / ver. Expliquei que minha indicação para que observasse o fato no local da dúvida se fazia necessário, porque naquele espaço teria uma demanda que, ao ser executada, a resposta viria com apropriação do corpo e por ele. Expliquei a ndumbi que quando se é muzenza4, inicia-se o processo de fala, de modo tímido, como uma criança. Aos três anos de iniciada ela atingirá a fase intermediária, próximo ao que chamamos de adolescência. Nesse degrau da vida espiritual já se pode falar mais, contudo a muzenza ainda carece de mais conteúdo, de maior segurança nas afirmações. Finalmente, quando tornar-se mam’etu5, lhe chegará o direito de falar mais amplamente, porque sete anos se passaram, carregando com eles a experiência que traz um discurso sólido sobre uma visão inicial do candomblé - nessa fase se completa a maioridade no axé. Ela compreendeu, pediu a benção e seguiu. A experiência conduz o processo e dela decorre o aprendizado, como nos diz Jorge Larrosa (2002).
Somente com um rápido passeio atento aos espaços sagrados de um Terreiro teremos uma grande aprendizagem acerca do lugar do humano na sociedade: o barracão6, local onde as celebrações acontecem publicamente no Terreiro, é a esfera social apresentando esse ou aquele filho de santo publicamente para o mundo. Portanto, no barracão são cabíveis e aceitáveis comportamentos que condizem com sua transparência, coerência e consciência do seu lugar de partida. O barracão tem o papel importante de transformar o iniciado, fazer refletir sobre sua existência, os passos caminhados até ali e sua reinserção e atuação na comunidade. Já a cozinha funciona como o coração do Terreiro - uma das maiores salas de aula do Terreiro-escola.
Lembro sempre dos momentos pós o ritual de Batula: instante em que a energia dos animais é convertida em remédio, em força, em fé, resistência, a menga (sangue) vira cura, a carne mata a fome da comunidade do Terreiro e sempre temos um caráter de ineditismo. Eu sempre aprendo, porque nunca se repete. Apesar de haver um protocolo tradicional o nkisi7 decide na hora como ele quer comer. Existe seriedade no ritual, uma tensão, mas naquele quarto sagrado, com a presença apenas dos/as iniciados/as, tudo pode acontecer. É sempre uma aula ver o nkisi comer. Por isso, minha formação enquanto sacerdote é inesgotável. Eu não tenho como separar os conteúdos, todos eles são complementares.
Retomando o ritual de batula, “as aulas”, as explicações sobre determinado ato, sempre acontecem depois do ritual. Instante em que vamos tratar os bichos, cozinhar as comidas votivas8 dos minkisi. Toda a casa se envolve no momento. No Unzó ia Kisimbi, nos dividimos em grupos, de acordo com o cargo, a experiência. Os mais novos depenam as galinhas, entregam aos mais velhos para retirar as partes sagradas chamadas de inxé (vísceras), que serão oferecidas ao nkisi. Já os iniciados, normalmente as mulheres, terminam de tratar a carne, limpar com mais detalhes, lavando, preparando para o consumo a comida que vai alimentar os convidados na Kizoomba9 . Os Kambandus (homens iniciados que não incorporam) cuidam dos bichos maiores, de quatro patas, normalmente bodes e cabras. Tiram o couro com delicadeza, porque este será utilizado futuramente para os ngomas (atabaques). Separam o inxé e entregam a Kota Rifumba10 (mulher preparada e iniciada para cozinhar para o nkisi). Somente ela tem autorização para cozer os inxés. Em nossa casa ainda não temos ninguém confirmado para este cargo. A Maama Kamukeenge11, que atende pelo nome de Kisimbiè (tradução: “de infinita pureza”. Nome civil: Silveliam Magalhães Ferreira Santana, minha mãe biológica) fiscaliza esse posto, e uma muzenza dya Ndanda Nlunda, Diandelê (tradução: “flor cheirosa”. Nome civil: Gleisiane Oitavem de Paula) tem a minha confiança para cozinhar para o santo dos seus irmãos:
Cozinhar para mim para os orixás é respeito, é amor, é carinho. É você entrar numa cozinha, é você ter respeito pelo que você tá fazendo, cuidado com as coisas que você tá cozinhando. E eu entrei dentro da roça sem saber o que era cozinhar para o orixá. E hoje eu aprendi com os mais velhos, eu sei cozinhar para o orixá, sei dividir o que é um nkisi, qual é o outro para cozinhar. Eu acho que é uma coisa maravilhosa, né? Cozinhar para o santo, ter aquela dedicação. Eu não sabia nada e hoje eu sei que eu aprendi com os mais velhos que me ensinaram e tenho respeito e amor, dentro da cozinha, pelos orixás. Agora, eu sendo uma muzenza nem tudo eu posso cozinhar. Nem tudo eu posso meter mão. Tem coisas que só quem pode cozinhar é só autoridade maior (DIANDELÊ, 2019).
Apesar disto, Diandelê não tem autorização ainda para cozinhar para sua mãe Kisimbi (nkisi matrona da casa, ancestral que responde pelo Terreiro no mundo espiritual). Nesse caso, a comida para Kisimbi é feita por uma Kota já iniciada. O momento de tirar inxé é o instante em que eu sempre ensino sobre determinado nkisi. Cada um tem um jeito específico de preparo, tem fundamentos diferenciados. Durante aquela multiplicidade de atividades na varanda da cozinha, conversamos sobre tudo: política, arte, história, atualidades, “causos de axé”, problemas pessoais, e, além disso, sempre trago algum ensinamento sobre o nkisi homenageado naquela função específica.
Tudo acontece ali. As mulheres se reúnem, ensinam, aprendem o cotidiano, os alimentos são preparados e divididos de modo igual para toda a comunidade. Conexões, chegadas de pessoas, visitantes, todo o material utilizado nos rituais, tudo por ali passa. Essa cozinha, além de uma oficina, um espaço de criação, um ateliê, ou um espaço apenas para a manipulação de alimentos, é a grande encruzilhada. O fluxo e contra fluxo das energias estão ali. Aos mais novos relembramos como deve se portar no barracão no instante da festa, quem é aquele nkisi que está comendo, entre outras aprendizagens:
Eu acho muito importante a gente tá passando um pouco do nosso conhecimento, entendeu? Porque as pessoas não têm histórias escritas, não tem publicação nenhuma. Então, a gente tem que estar sempre comunicando, contando história oral, ensinando, passando o ensinamento oral. Algumas coisas que a gente possa passar para os filhos na etapa que eles estão do fundamento, entendeu? Da graduação deles. Então é bom. E a gente vai trocando experiência também. Quando tem um mais velho também, a gente presta atenção no que eles ensinam, alguns fundamentos, alguns preceitos. Eu acho importante isso aí, ensinar. A religião de matriz africana é toda ensinada oralmente, não tem nada escrito. Faz tudo parte da oralidade. Então, eu acho que é por aí. Tem que ser tudo ensinado, tudo explicado. Naquele momento em que a gente está em descontração acho que o aprendizado é maior, do que você parar, tá tenso para aprender alguma coisa, entendeu? E naquele momento de descontração é bom que você ensina, você passa algumas partes, não todas, as partes do fundamento necessárias para aquele momento, para aquela pessoa, no período da sua graduação ali, sua elevação espiritual, que eu acredito que seja um aprendizado fundamental, certo? (KISIMBIÊ, 2019).
Essa graduação tocada por Kisimbiè, se organiza através da experiência e da materialidade de rituais de passagem se sustentando na oralidade. A Ekedji12 e professora Marialda Silveira (2004, p. 36) reitera:
É preciso considerar para isso que as comunidades de candomblé constituem-se ágrafas, no que se refere à manutenção dos seus fundamentos, acreditando que o registro escrito fere o sistema do povo-de-santo e somente a relação face-aface e os ensinamentos boca-ouvido traduzem com fidelidade o que pensam, o que transmitem.
Para as pessoas de axé, a experiência, o testemunho do corpo, carregam consigo tanta precisão e complexidade que talvez seja difícil o registro em palavras. Por isso, aprender uma reza, por exemplo, com a presença de um mais velho cantando, terá não só o nguunzu (força) de quem está ensinando, como a história por trás da reza, sua utilidade / história. O corpo / biblioteca estará ali para diálogo e aprofundamento do que se aprende. Além disso, as forças sagradas estão presentes, auxiliando a travessia da formação de um pretenso iniciado no Terreiro. O que o nkisi ensina não se esquece jamais, fica entranhado no espírito. Essa complexa forma de aprender pelo corpo não pode ser materializada na escrita, como reitera Fu-Kiau (1991, p. 5):
[...] ‘Mûntu nzo a binsansa bifuti zaduswa kwa ntôtila’ - um ser humano é apenas um armazém com prateleiras para serem ocupadas com a “matéria prima coletada”, ensina o Kôngo. [...] Igualmente, desde o seu nascimento o Mûntu - ser humano é apenas um vão do armazém que será constantemente estocado com totwa - dados coletados para uso futuro. “Mulongi Kasuka ku mpemba” - aprendizagem que termina com a morte, insiste o Kôngo - em outras palavras, aprendizagem é um dingo-dingo - processo de vida longa que termina somente com a morte (grifo do autor).
Entendemos o “vazio”, apontado por Fu-Kiau (1991), como um “vazio de experiências”. Estas não são encontradas em lugar algum, são vividas. Fazendo uma justaposição à ideia de “emsinar” apontada por Vanda Machado (2017, p. 12), na perspectiva de “encontrar sua sina”, seu caminho na vida, é possível associá-la à perspectiva da busca de experiências que façam sentido a sua personalidade e propósito de vida. Com isso, acumulamos conhecimentos através da experiência vivida. Porém, nem com a morte o processo se encerra, porque a partir dela as almas emprestam sua existência para se transformar em ancestral, fertilizando a terra que pisamos. A ancestralidade Bantu se afirma no conjunto filosófico perpetuado através das experiências vividas, ressignificadas pela morte como legado em movimento sustentável da continuidade e integralidade. Ou seja, o conhecimento, em seu sentido mais expandido, circula entre as gerações.
TERCEIRO CAMINHO DA ENCRUZA: PEDAGOGIA DA CIRCULARIDADE POR QUÊ?
No Terreiro nada está fora do lugar. Tudo faz sentido e tem uma forma de ensinar. Essa perspectiva de imersão no mundo natural e, deste, retirar todo o conhecimento necessário para a vida é o que inspira a Pedagogia da Circularidade.
Aprender é condição natural iniciando pelos ouvidos, depois tomando os olhos e rapidamente espalhando-se pelo corpo todo. Só se aprende por esse corpo. O corpo é a via de entrada que reitera a noção de aprendizado que está além da dimensão intelectual. Nas comunidades tradicionais afrodiaspóricas o sistema de aprendizado não se constrói como instituição. Ele é a ação performática que se institui e reconstitui, faz e desfaz, sem que se tenha claramente o desenho do início e do fim, circulando, permitindo a visibilidade de todos. Ensina-se porque se vive, porque é da necessidade das comunidades tradicionais afrodiaspóricas trocar experiências. Normalmente essas experiências vêm dos mais velhos, compartilhando saberes com os mais novos, num tempo que é organizado em ciclos.
A comunicação parte da oralidade e nela encontra sua raiz. Portanto, não podemos deixar de mencionar a dimensão dessa prática no entendimento da Pedagogia da Circularidade aqui refletida:
A Tradição Oral é a grande escola da maioria dos povos africanos. As culturas africanas não são isoladas da vida. Aprende-se observando a natureza, aprendese ouvindo e contando histórias. Nas culturas africanas, tudo é “História”. A grande história da vida compreende a História da terra e das águas, a História dos vegetais e farmacopeia, a História dos astros, a História das águas e assim por diante... Nas culturas tradicionais africanas, a própria vida vivente era considerada também um processo contínuo de educação. Em algumas delas, até 42 anos o homem permanecia na escola da vida e não tinha direito à palavra em assembleias, a não ser excepcionalmente. Seu dever era ficar ouvindo, aprofundando os ensinamentos recebidos, até se tornar um mestre, para devolver à comunidade a educação recebida, sem se afastar dos mais velhos com quem continuaria aprendendo. (SOUZA, NAZARÉ, 2006, p. 80)
A palavra de um homem ou de uma mulher africana valia muita coisa; valia sua dignidade. Não é à toa que uma das estratégias da perversão da escravidão no Brasil foi o silenciamento dessas pessoas. Esse ranço arraigou-se na sociedade opressora / colonizadora e se estendeu até os dias que seguem. O homem ou mulher negra se fazem ser ouvidos, porque no contrário disso, a pessoa negra tem a certeza do silenciamento.
Em síntese, as ensinagens13 que partem dos povos de Terreiros, mais especificamente dos povos de origem Bantu, compreendem o processo de ensino e aprendizagem:
-de modo integral, não permitindo o particionamento;
-de modo circular, retroalimentando-se;
-de modo corporal, e neste reverberando;
-de modo ancestral, considerando valores imateriais; - de modo místico, considerando a experiência viva.
Estes cinco caminhos se configuram como fundamentos de ensino que subsidiam a prática de ensinagens na esfera da Pedagogia da Circularidade com seu repertório de saberes atemporal.
O modo integral parte da premissa que, na circularidade, enxergamos o mundo em um amplo campo de visão e nenhuma parte foge aos nossos corpos. Portanto, é difícil entender a necessidade de uma divisão particionada entre o que se aprende (pelo intelecto) e o comportamento decorrente desse conhecimento (pelo corpo). Não obstante, a professora Sandra Petit (2015, p. 92) afirma que “[...] a circularidade promovida pela movimentação multidirecionada é sinal de integração das partes ao todo”. Isso reafirma o entendimento de que somos seres integrais, e que se torna muito mais difícil subdividir o nosso relacionamento com a cognição, porque temos o corpo como grande expoente de relacionamento nas ensinagens. A integralidade da pessoa no mundo a insere num complexo sistema de aprendizagem que circula seguindo a reverberação do continuum.
A ideia de integralização da pessoa em relacionamento com a vida é dada através da costura do modo circular. Este proporciona que os episódios da vida sejam organizados em ciclos que se iniciam e se encerram, seguindo o movimento da continuidade, abrindo outros novos. Isso fundamenta a existência em um processo de retroalimentação que mantém o equilíbrio e a sustentabilidade para promover um sistema de contínuo:
O aforisma kicongo, “Ma Kwenda! Ma Kwisa!, o que se passa agora, retornará logo depois”, traduz com sabor a ideia de que “o que flui no movimento cíclico, permanecerá no movimento”. [...] Nessa sincronia, o passado pode ser definido como o lugar de um saber e de uma experiência acumulativos, que habitam o presente e o futuro, sendo também por eles habitado (MARTINS, 2002, p. 85).
A continuidade pode ser entendida como um grande círculo que ampara os ciclos simultâneos da existência - ancestralidade. O retorno do que passou não terá a mesma natureza, porém atualiza, subsidia e dispara novos movimentos circulares. O saber ancestral não é cumulativo e nem assume o lugar de predestinação, ele passeia pelo tempo e é reelaborado de acordo com as referências civilizacionais do presente. O fundamento do modo circular tem o compromisso com o alinhavar dos conhecimentos que coexistem no mundo natural, sejam eles soprados pelos antepassados, pelos espíritos sagrados das divindades, ou pela própria observação da pessoa em diálogo com a natureza.
Esses trânsitos no tempo são marcados pela experiência que passa pelo corpo e nele é ressignificada. O corpo é o portal de entrada e de saída de toda a comunicação estabelecida no relacionamento com o mundo, seja ela no âmbito material ou espiritual - está no cerne da encruzilhada, porque dele toda a experiência é transpassada. Não há possibilidade de dicotomizar esse corpo entre: pensamento como elevação do relacionamento humano, e o corpo físico como operador direto dos desejos mentais, porque assim perderia sua potencialidade. O fundamento de ensino de modo corporal reconhece a potencialidade de exploração de todos os sentidos desse corpo como indispensáveis nas ensinagens.
A ancestralidade não é simplesmente a herança dos antepassados, mas um complexo conjunto de valores que passa diretamente pela estrutura civilizatória de seu povo, como argumenta Fabio Leite (1995/1996, p. 110):
Nessa complexa proposição da existência, que coloca a morte dentro da vida, os ancestrais negro-africanos constituem, juntamente com a sociedade e sem dela separar-se, um princípio histórico material e concreto capaz de contribuir para a objetivação da identidade profunda de um dado complexo étnico e das suas formas de ações sociais.
O fundamento do modo ancestral está diretamente relacionado à herança sagrada de um modo particular de relacionamento com a vida, costurando o seu conjunto filosófico. Esse nunca será padronizado, porque depende diretamente dos valores emergentes de determinada comunidade. A experiência que decorre da sequência cíclica de relacionamento material com o mundo imaterial é simbolicamente suspensa no tempo e no espaço, sendo a terra em que pisamos o sustento para os seus descendentes no relacionamento com a vida. Por isso, batemos a cabeça no chão em respeito aos pés que pisaram essa terra, nos oportunizando o seguimento de nossa cultura. Esse fundamento fornece uma base conceitual imaterial para que os nossos processos de ensinagens espelhem conteúdos concernentes ao nosso tronco ancestral.
No fundamento da mística está em questão a presencialidade como potência para o processo criativo - já que esse aprendizado acontece pelo corpo e para o corpo. É um fundamento de difícil conceituação, porque é circunscrito no ritual, propenso a comunicações que não são controladas dentro do processo de aprendizagem do Terreiro. No ritual (atualização do mito) a mística encontra seu campo de expansão e somente nele.
Animamos as materialidades do Terreiro no âmbito das sonoridades, danças, cheiros, artefatos, com o objetivo de aproximação com a espiritualidade e dela usufruirmos sua presença como energia reconstrutora, ou ressignificando o conhecimento ali partilhado como possível direcionamento para o relacionamento com a vida. Neste sentido, a mística também é responsável pela manutenção da tradição - esta entendida como aglutinação de valores e princípios civilizatórios:
O mistério é a estampa impressa no tecido da existência. Por isso se mostra como mito e o mito oculta revelando e revela ocultando. O que se mostra é o mistério, pois é nele que o sentido reside. Os significados, por sua vez, públicos que são, encontram-se nas franjas das dobras, pois o público não é um plano homogêneo, mas um território multiforme. (OLIVEIRA, 2007, p. 132)
O professor Eduardo David de Oliveira (2007) traz uma imagem interessante para compreender a mística, apresentando-a como um tecido cheio de dobras. Todos podem ver o tecido - o místico - mas, poucos entendem o significado ali alocado. Portanto, esse fundamento de ensino é complexo, porque se relaciona em níveis de aprendizagem de cada pessoa.
Para esses fundamentos de ensino proponho aqui pelo menos três operadores de aprendizagem. São eles os modos através dos quais o conhecimento é apresentado no Terreiro: o ritual (a repetição), o acaso e o sagrado.
O ritual está amparado pelo fundamento da mística. Em sua base conceitual, está imbricada a ideia de repetição. Existe uma rotina particular de cada Terreiro, que inicia no instante em que a pessoa chega no portão de entrada e conclui-se ao sair do Terreiro, como um ciclo que se fecha. Neste sentido, há um padrão tradicional que organiza socialmente e espiritualmente o espaço religioso. Para se chegar ao padrão é necessário mantê-lo vivo pela repetição. Mas, não uma repetição descontextualizada, na mecânica do ir e vir, de modo inflexível. Nossa repetição se dá, sobretudo, dentro da própria ritualística de relacionamento com o Terreiro, como manutenção da raiz ensinada, atravessada pela força espiritual que é invocada durante o culto.
Particularmente falando sobre os musambus (rezas) e muimbos (cantigas), estas são entoadas pelo menos duas vezes ao dia: ao amanhecer e ao anoitecer. Rezamos para o sol, pelo amanhecer (menen menen14), para agradecer a Nzambi pela nossa vida, saúde; rezamos com o pôr-do-sol, já à noite (ngorosi15 )para agradecer pelo dia que tivemos, pelo alimento ingerido, pela força que nos ampara. Desse modo, a pessoa que está no processo de iniciação tem a chance de repetir, pelo menos duas vezes por dia, o conjunto de rezas do repertório particular daquela casa, seguindo sua raiz, com todos os seus fundamentos. A repetição é sempre diferente, porque durante a ensinagem, a mística, a espiritualidade está ali, interferindo no que se aprende e no que é permitido saber.
Cada repetição de um musambu passa pelo processo individualizado do aprendiz, com suas referências particulares e sagradas. Esse processo de aprendizado é direto, porque há imersão da pessoa no ritual e este dispara no corpo um estado de dilatação e sensibilidade propício ao aprender. Essa dilatação pode ser ativada através das rezas entoadas, dos aromas com folhas e incensos, do bater de palmas, criando sempre uma energia nova no espaço, dos corpos que dançam e dos silêncios. Esses elementos do ritual alertam o nosso corpo para novos estímulos. Diretamente esse corpo é afetado. Portanto, musambus, incensos, cheiros, texturas são referenciais cruciais para sensibilizar o corpo e torná-lo aberto ao conhecimento que circula.
As ensinagens passam também pelo operador do acaso, ancoradas no fundamento do modo integral. Ou seja, há conhecimentos que chegam até os/as filhos/as de santo através de conversas compartilhadas pelos mais velhos. São histórias contadas de fatos que aconteceram e/ou que eles/as ouviram falar. Todo tipo de assunto pode surgir nessas conversas, desde política até arte, sempre passando pelo espectro do próprio Terreiro como mote para discussão. É um momento em que os/as mais novos/as abrem os ouvidos para aprender conteúdos que surgem nas conversas. Esses retalhos de histórias são importantes para que cada aprendiz costure sua colcha de conhecimento sagrado.
O Unzó ia Kisimbi, a cozinha - como abordei anteriormente - é um espaço onde essas conversas e a integralização entre mais velhos e mais novos acontece com fluidez. Nossas refeições são feitas de modo coletivo, com a presença de toda a comunidade reunida. Verdadeiras aulas se instalam sem uma intencionalidade, sem uma programação como parte do ritual ou função pela qual estamos imbuídos naquele dia. Esse conhecimento enriquece e fortalece a pessoa de Terreiro, porque oportuniza aprender em outra dimensão, de modo indireto. A pessoa não havia se preparado para receber aquela informação. O corpo precisa ativar energias, indiretamente pelo estímulo das histórias, para que o conteúdo apreendido circule por si e seja ressignificado. Não havia aqui uma intencionalidade no trânsito das informações. Elas ganham autonomia e conduzem outras perspectivas de aprender e ensinar. O processo se deu ao acaso. Mas, ainda sim, o nosso corpo consegue se preparar rapidamente para o conhecimento que será compartilhado.
Por fim, trago aqui o operador do sagrado, este sustentado pelo fundamento do modo ancestral. Esse operador traz conhecimentos através da força ancestral; do sopro no ouvido de alguma informação que o nkisi dá; no arrepio da pele que deixa uma mensagem; naquilo que se vê nas dependências do Terreiro, mas que não se pode explicar; nos sonhos reveladores que trazem músicas, rezas.
É um conhecimento imaterial, em muitos casos não havendo correspondência para o código linguístico que utilizamos. É um conhecimento que ajuda a entender os fundamentos apresentados. Talvez sozinho ele não faça muito sentido, necessitando da mediação do/a sacerdote para que o aprendizado decorrente dali seja ressignificado. Muitas vezes o/a sacerdote precisa recorrer ao jogo de búzios, ao oráculo, à espiritualidade, justamente para entender a aprendizagem ali implícita. Portanto, esse operador é complexo, porque não depende da vontade de aprender da pessoa. Ele acontece assim, sem muitos porquês. E, muitas vezes, ele acontece no ritual, quando há certa predisposição ao processo. Portanto, no sagrado, o modo de aprender é direto / indireto, não havendo definição concreta.
QUARTO CAMINHO DA ENCRUZA: ENSINAGENS AFRODIASPÓRICAS - EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR, INTEREPISTÊMICA E INTEGRALIZADORA
A integralização do conhecimento proposta pela filosofia Bantu é fundamental para estruturar uma pedagogia comprometida com a experiência viva como síntese do aprendizado. Experiência essa que simplifica o fato de não haver barreiras etárias, porque se acredita que a irradiação de um conhecimento pode e deve atingir níveis diferentes de capacidades intelectuais, obedecendo ao princípio da presença material para o desenvolvimento. Portanto, mesmo que uma criança esteja diante de um conteúdo por demais difícil de compreender, ela poderá absorver pelo corpo a experiência do assunto, sintetizando o que é apropriado à sua faixa etária, armazenando a informação, para que seja ativada em momento mais oportuno através de um fluxo natural. O conhecimento não precisa ser selecionado pela hierarquia social, porque o corpo é a via de entrada e este equilibra o processo de ensinagens, naturalmente.
Neste sentido:
[...] o ato de em-sinar na comunidade de terreiro significa colocar o outro dentro de seu odu, dentro de sua própria sina, do seu caminho, do seu jeito de ser no mundo do jeito como ele é. Entendemos que esta é uma singularidade que merece ser situada dentro do pensamento de matriz africana. Estamos falando do pensamento tradicional africano recriado nas comunidades de terreiro (MACHADO, 2017, p. 45).
Ensinar ou, como nos provoca epistemologicamente Vanda Machado, em-sinar, subverte a lógica ocidental que considera o/a estudante como uma caixa de depósito (nesse caso, ausente de saber), para inseri-lo/la como gestor de seu percurso. Responsabiliza-se a pessoa pelo seu trajeto com sucesso ou insucesso, porque esta seleciona experiências para a sua formação - para o seu caminho.
As ensinagens afrodiaspóricas esforçam-se para que o muntu encontre seu caminho intelectual no mundo a partir da experiência viva. Para isso, o indivíduo cava fundo seu buraco para plantar a sua árvore, com segurança de que a raiz terá espaço para firmar e se expandir na busca por nutrientes. Enraizado, o aprendiz tem condições de ser árvore e reconectar o ciclo.
Essa pesquisa entende o Terreiro como legítima instituição de formação de pessoas. Nesse caso, o processo de ensinagem aproxima o/a “aprendiz” do conhecimento, considera seu repertório particular, sua história, o seu corpo integrado no contexto e a relação direta com o que se aprende e o mundo para além dos muros do Terreiro. Essa cosmovisão poderia servir como inspiração para se pensar novos paradigmas de educação em nosso país, assentando, aqui, uma educação comprometida com a democratização do conhecimento e das formas de aprender, sem perder de vista a diversidade e potencialidades de cada indivíduo que se relaciona com o mundo.
Escolher tratar das experiências de ensinagens do Terreiro na esfera da Pedagogia é uma tentativa de inserir o conhecimento tradicional africano nas discussões do sistema de ensino oficial brasileiro. Não é demais lembrar que no horizonte da própria História da Educação, ela toda é erigida nos pilares filosóficos da hegemonia europeia. A professora Sandra Petit (2015, p. 149) reitera esse pensamento ao argumentar sobre o surgimento da episteme “Pretagogia” (referencial teórico no âmbito do ensino da dança):
E foi buscando um termo que incluísse e se referisse diretamente à Pedagogia que Geraldine Costa e Silva subitamente teve a ideia do termo Pretagogia. Mais um maravilhoso insight! Pois era isso mesmo que queríamos, empretecer a Pedagogia excessivamente europeizada.
Empretecer as pedagogias é um ato político de reivindicação de programas educacionais que considerem referenciais africanos e afrodiaspóricos como possibilidades de diálogo na formação básica oficial brasileira. O professor Allan da Rosa (2013, p. 125) bem lembra a importância da organização de práticas educacionais pretas, ao cunhar e organizar o termo “Pedagoginga” - aliás, pioneiro nessa empreitada. Ele diz que “[...] o sonho na realização destes cursos é contemplar a nossa questão negro-brasileira de forma alternativa à rigidez e burrice em voga no racismo escolar, mesmo quando parece bem-intencionado.
Além da falta de um programa que contemple a educação étnico-racial, esbarramos na questão metodológica de apresentação de raríssimos conteúdos negrorreferenciados na educação básica. O trânsito dos conteúdos afrocentrados é muito significativo na formação. Para isso, é importante a preparação de um ambiente educacional que insira o/a estudante como parte do processo de aprendizagem. As pedagogingas, pretagogias, pedagogias da circularidade, pedagogias da tradição protagonizam um cenário educacional plural, transdisciplinar e antirracista.
Quando afirmo que a Pedagogia da Circularidade tem uma abordagem “antipedagógica”, tenho a intenção de endossar a discussão de que a pedagogia oficializada nas escolas públicas brasileiras não dá conta de atender ao grupo social ao qual se destina; uma população majoritariamente negrodescendente, de diversidade racial que passa por matrizes culturais distintas, como: indígenas, ciganas, entre outras.
Acredito que quando a escola básica compreender a importância de articular um pensamento circular, antipedagógico, amplificado no fomento do saber tradicional em um âmbito oficial, teremos um terreno fértil para que a Lei n. 11.645/2008 (Lei que atualiza a n. 10.639/2003, incluindo os estudos da história e cultura dos povos originários do Brasil) faça sentido e enraíze seu saber, sem a minimização frequente do sistema educacional brasileiro.