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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.22 no.67 Rio de Janeiro oct./dic 2021  Epub 14-Feb-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2021.60327 

Artigo

APRENDENDO COM OS PROCESSOS REVOLUCIONÁRIOS NO CONTINENTE AFRICANO: práticas pedagógicas de Paulo Freire

LEARNING FROM REVOLUTIONARY PROCESSES IN THE AFRICAN CONTINENT: pedagogical practices from Paulo Freire

APRENDIENDO DE PROCESOS REVOLUCIONARIOS EN EL CONTINENTE AFRICANO: prácticas pedagógicas de Paulo Freire

José Francisco dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-9247-5585; lattes: 2746256151454516

1Docente no CEHU, no PPGCHS e no PPGE da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) Doutor em História (PUC-SP) E-mail: jose.francisco.puc@gmail.com


Resumo

O artigo faz reflexões sobre o pensamento de Paulo Freire, que, se estivesse vivo, estaria completando, em 2021, o centenário de nascimento. Referência na área da educação, o método de alfabetização de Freire é recomendado e premiado por várias entidades. Atualmente, sofre críticas por setores da sociedade brasileira ligados a grupo conservadores, que sustentam que este método está ligado a ideologias de esquerda e, portanto, não é adequado ao ensino. Este trabalho se baseia na revisão bibliográfica de artigos, capítulos de livros e um documento de relatório da embaixada brasileira em Lisboa produzido pelo então embaixador Carlos Alberto da Fontoura. Por meio desses materiais, será trabalhado o desempenho político e pedagógico de Freire no continente africano, especialmente em Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde, no processo após independência desses países, e debatido o destombamento para Freire e para os países envolvidos.

Palavras-chave: continente africano; Paulo Freire; atuação política pedagógica

Abstract

The article reflects on the thought of Paulo Freire, who, if he were alive, would be completing, in 2021, his centenary of birth. A reference in the field of education, its literacy method is even recommended and awarded by several entities, such as UNESCO. Currently, it is criticized by sectors of Brazilian society linked to conservative groups, who maintain that its activity is linked to left-wing ideologies and, therefore, is not suitable for teaching. This work is based on a bibliographic review of articles, book chapters and a report document from the Brazilian embassy in Lisbon produced by the then ambassador Carlos Alberto da Fontoura. Through these materials, the political and pedagogical performance of Freire in the African continent will be worked, especially in Angola, Guinea-Bissau and Cape Verde, in the process after the independence of these countries, and the unrest for Freire and the countries involved will be discussed.

Keywords: African continent; Paulo Freire; pedagogical political action

Resumen

El artículo reflexiona sobre el pensamiento de Paulo Freire, quien, de estar vivo, estaría cumpliendo, en 2021, su centenario de nacimiento. Un referente en el campo de la educación, su método de alfabetización es incluso recomendado y premiado por varias entidades, como la UNESCO. Actualmente, es criticado por sectores de la sociedad brasileña vinculados a grupos conservadores, quienes sostienen que su actividad está vinculada a ideologías de izquierda y, por lo tanto, no es apta para la docencia. Este trabajo se basa en una revisión bibliográfica de artículos, capítulos de libros y un documento de informe de la embajada de Brasil en Lisboa elaborado por el entonces embajador Carlos Alberto da Fontoura. A través de estos materiales, se trabajará la actuación política y pedagógica de Freire en el continente africano, especialmente en Angola, Guinea-Bissau y Cabo Verde, en el proceso posterior a la independencia de estos países, y los disturbios para Freire y los países involucrados. ser discutido.

Palabras clave: continente africano; Paulo Freire; acción política pedagógica

INTRODUÇÃO

O educador Paulo Freire, um dos maiores expoentes da educação e referência mundial para a alfabetização, teve, no Rio Grande do Norte, em 1963, sua primeira experiência com a alfabetização: Freire conseguiu que 300 adultos aprendessem a ler e a escrever em 45 dias. Inicia-se, assim, o desenvolvimento da metodologia de Freire, que estava ligada ao pensamento desenvolvimentista nacional de João Goulart, o qual, inclusive, nas reformas de bases, implementou o Plano Nacional de Alfabetização durante a ditadura civil-militar no Brasil. Entretanto, Freire acaba se exilando na Suíça, em Genebra, e trabalha como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas Católicas.

Durante esse tempo, Freire atuou na reforma educacional de ex-colônias portuguesas no continente africano. Diante disso, o presente artigo está pautado em algumas obras, como Notas sobre o encontro da pedagogia freiriana com a práxis política, de Amílcar Cabral (2010), A África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, de Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011), e Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo, de Paulo Freire (1978), que discorreram sobre a atuação de Freire no continente africano, em especial, em Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe. Além disso, foi utilizado o documento Secreto nº 8 Portugal (Continente) Territórios Africanos de Expressão Portuguesa. Perspectiva das Relações com o Brasil, produzido na Embaixada do Brasil em Lisboa, em 31 de outubro de 1974, pelo embaixador brasileiro Carlos Alberto da Fontoura. Nesse documento, são discorridas as possibilidades “educacionais” do Brasil em África.

Não obstante, o texto foca no desenvolvimento da metodologia de Freire e as influências sofridas pelas suas experiências nos estados africanos, as quais se aproximaram do materialismo histórico de Karl Marx e das ideias defendidas pelo pensador italiano Antonio Gramsci, a exemplo do intelectualismo orgânico e as suas práxis.

Com a independência dos estados africanos, como foi implementada a nova política de educação nesses lugares? A metodologia de Freire é usada na atualidade? Os educadores atuais do continente africano têm, como parâmetro, o pensamento freiriano? Tais perguntas foram formuladas com base no atual momento em que o Brasil vive, no qual a figura de Paulo Freire é constantemente atacada por setores conservadores da sociedade, que o consideram simplesmente um “doutrinador” e apologista de ideias marxistas. Embora a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) considere a metodologia de ensino de Freire inovadora e eficaz, as questões apresentadas serão problematizadas neste artigo.

DELIMITAÇÃO DO CONTEXTO HISTÓRICO

Com avento do golpe civil-militar ocorrido em 1 de abril de 19641, muitos pensadores progressistas foram forçados a saírem do Brasil. Assim como foi afirmado na apresentação deste trabalho, Paulo Freire se exila na Suíça e atua como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas Católicas.

Durante esse tempo, Freire trabalhou na reforma educacional de ex-colônias portuguesas no continente africano, em especial, em alguns países, tais como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe. Entretanto, antes de serem debatidas as atuações política e educacional de Freire nos países recentemente independentes, cumpre observar como o governo brasileiro da ditadura civil-militar entendia o papel dos intelectuais de esquerda que se exilavam, a exemplo de Portugal, a partir do relatório2 de Carlos Alberto da Fontoura3, que foi embaixador do Brasil em Portugal (1974 a 1979).

A PRESENÇA DE INTELECTUAIS DE ESQUERDA EM PORTUGAL E O RECEIO DA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA

Não obstante, a atuação dos brasileiros de esquerda em solo português incomodava o Estado brasileiro, uma vez que esse fato foi mencionado até no relatório de Carlos Alberto da Fontoura. Além disso, era evidente que o governo brasileiro estava inconformado com a ideia de o Estado português acomodar os brasileiros de esquerda no país. Carlos Alberto da Fontoura evidencia, em sua escrita, a ligação estreita que havia entre o governo português salazarista e a ditadura civil-militar. Em um trabalho sobre o Movimento Afro-Brasileiro de Pró-Libertação de Angola (MABLA) realizado em 20104, há o relato do jornalista e ex-deputado Márcio Moreira Alves feito no livro Tortura e Torturado, de 1966, que discorre sobre a ação de membros da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) nos porões da ditadura civil-militar brasileira.

Assim que ocorreu o golpe em 1 de abril de 1964, membros do MABLA e do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), nomeadamente, José Maria Nunes Pereira da Conceição, José Lima de Azevedo, Fernando Costa Andrade e vários outros, foram presos e torturados não por integrantes da ditatura brasileira, mas por membros da PIDE, segundo Márcio Moreira Alves.

Fontoura sustenta em seu relatório que, caso a PIDE estivesse na ativa, seria mais fácil expulsar os brasileiros de esquerda de Portugal. Os relatos levam, enfim, a considerar que havia uma ajuda mútua entre os regimes autoritários brasileiro e português, situação que foi abalada após a Revolução dos Cravos, ocorrida em 25 de abril de 1974, que derrubou o regime autoritário do Salazarismo, o qual se manteve de 1926 a 1974.

Além disso, em seu relatório, Fontoura discorre sobre a atuação de docentes brasileiros de esquerda em instituições portuguesas:

Aspecto correlato da questão refere-se à iniciativa, que vem sendo acompanhada cuidadosamente, tendente à proliferação nas universidades e institutos técnicos portuguesas de professores brasileiros de esquerda, inimigos confessos do regime. Com a Revolução e o expurgo entre docentes de ensino superior que se lhe seguiu, as instituições universitárias locais viram-se privadas de grande número de docentes, comprometidos ideologicamente com o regime anterior. Outros mestres deixaram as funções, simplesmente porque, incompatibilizados com os estudantes, careciam de condições morais para o exercício do magistério. Novamente a comunidade de língua e cultura, aliada desta vez aos manejos de uma mão que, posto invisível, já não pôde ser identificada, ensejou o recrutamento de professores e intelectuais brasileiros, uns desempregados após o episódio chileno, outros desencantados com as restritas possibilidades oferecidas pela Argélia. Essas iniciativas, que, com o beneplácito oculto do Ministério da Educação Nacional, vem sendo coordenadas pelo conselheiro de Estado Rui Luís Gomes, Reitor da Universidade do Porto e antigo professor no Recife, conhecedor dos seus colegas brasileiros de magistério superior e de contestação política, já trouxe a Portugal Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Carlos Figueiredo de Sá, Plinio de Arruda Sampaio, Hernane Fiori, Marcio Moreira Alves e outros. A presença desses elementos, e dos demais que estão para vir, os quais, posto ideologicamente diferentes entre si, estão unidos pelo denominador comum da militância política anti-Revolução (SIC) de 1964, seria apenas pouco inconveniente para o Brasil se ficasse limitada ao âmbito universitário5.

O receio da atuação de docentes nas universidades portuguesas demonstra a preocupação do Estado brasileiro, pois, assim como é sabível, a universidade é um local de formação de opinião pública. Portanto, pode-se inferir que o fato de professores fazerem reflexões negativas ao regime estabelecido no Brasil não seria bom para a imagem do país, pois seria visto como um Estado repressor e, em muitos aspectos, semelhante ao Estado salazarista.

É válido registrar que o reitor da Universidade do Porto, na época, Rui Luís Gomes, que lecionou na Universidade de Pernambuco de 1962 a 1974, veio ao Brasil justamente por ter sido perseguido pelo regime salazarista. Depois da Revolução dos Cravos, retorna para Portugal e passa a dar auxílio aos brasileiros que, desde 1964, eram perseguidos pelo regime estabelecido.

Há vários nomes que Fontoura destaca em seu relatório, a exemplo de Márcio Moreira Alves, o qual já foi mencionado, por ser o autor do livro Tortura e Torturados, publicado em 1966, que denuncia as atrocidades do regime de ditadura civil-militar no Brasil. Paulo Freire também teve atuação direta na África. Embora a Revolução dos Cravos tenha tido contornos socialistas, na África, o processo de independência não foi tranquilo para os Capitães de Abril6. Há outros nomes de grande relevância contra a ditadura civil-militar brasileira que Fontoura denomina “antirrevolução de 1964”.

Além disso, Fontoura alerta que a influência dos brasileiros de esquerda aparece em atos de “campanha antibrasileira”. A seguir, é exposto um trecho do relatório:

A “Semana de Solidariedade ao Chile”, assim como recentes tentativas para as comemorações do 4º aniversário da morte de Carlos Marighela, estão a oferecer a oportunidade de atos populares, publicações e manifestações em órgãos de comunicação de massa, alguns destes controlados pelo governo como Radiotelevisão Portuguesa, para a montagem de campanha anti-brasileira. Como a experiência tem demonstrado, todos os fatos, reais ou imaginários, desde o “Esquadrão da Morte” até o sistema de distribuição interna da renda nacional, têm servido de combustível à essa ação difamante. Mesmo o “Boletim Informativo da Comissão Coordenadora do Programa do MFA”, publicação oficial, agora da divulgação pública, do Estado Maior General das Forças Armadas, não tem se furtado a esse gênero de provocação, imputando ao Brasil interferência na ordem doméstica de país amigo.

Urge, pois impedir que essa situação progrida, por seu potencial de nocividade tanto ao Brasil, quanto às relações entre os dois países. No entanto, a efetividade prática de gestões nesse sentido dependerá diretamente do rumo que tomem as coisas públicas no país. Na conjuntura, o governo desprovido de instrumentos legais para orientar os meios de comunicação social quase todos sob o controle da extrema esquerda, pouco poderá fazer para além da persuassão [sic]. A situação se apresenta diferente na Radiotelevisão Portuguesa e na Emissora Nacional, ambas de controle acionário e operacional do Estado. Porém, radicalizando-se a situação para a esquerda, é de prever-se o agravamento desses episódios7.

É importante salientar outros aspectos levantados por Fontoura, como as questões culturais. O embaixador elenca alguns aspectos sobre a relação cultural entre o Brasil e os atuais países africanos:

Pela identidade de idioma e seus laços étnicos com os territórios africanos de expressão portuguesa, o Brasil desfruta de uma situação privilegiada para empreender vigorosa ação no campo cultural. Pode-se dizer que é nesse terreno que há uma convergência maior entre os interesses do Brasil, de um lado, e os dos territórios em questão, e mesmo Portugal, de outro.

Carentes, em maior ou menor grau, de quadros técnicos – problemas esse ainda mais agravado pelo êxodo de parte da população branca – as ex-colônias portuguesas estarão certamente interessadas em receber ajuda nos campos do ensino e da assistência técnica. O Brasil é dotado de condições ótimas para fornecer essa ajuda, não só pelos já mencionados fatores linguístico e étnico, mas também por haver desenvolvido técnicas próprias, adequadas às condições de países em desenvolvimento e em áreas tropicais. No campo do ensino, por exemplo, vê-se de imediato a possibilidade de aplicação dos métodos de alfabetização de adultos (MOBRAL)8.

Fontoura explica que a forma de inserção do Estado brasileiro nesses novos países deveria acontecer por meio das relações culturais, por serem Estados que falam a mesma língua e que, nos próximos anos, iriam se reconstruir. Também havia a necessidade de auxílios diversos, principalmente em consequência da evasão da população branca, que, inclusive, detinha o conhecimento técnico.

O embaixador expõe, como exemplo, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que foi criado em 1967 pela ditadura civil-militar e era uma das grandes bandeiras que pretendia alfabetizar jovens e adultos. A respeito dessa problemática, a historiadora Suzeley Kalil Mathias assevera que:

Criado pelo Decreto n: 62.455/68, tinha por finalidade executar o Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adolescentes e Adultos, para que contou com recursos da Loteria Esportiva e vários incentivos fiscais que lhe garantiram receitas consideráveis (Melchior, 1987). Porém distintamente do que se planejou, nem de longe o Mobral alcançou seus objetivos. Conforme dados do Censo de 1980, as taxas de analfabetismo da população maior de quinze anos, público-alvo do Mobral, estavam em 24,5%, contra os 33,6% registrados em 1970; ademais, o número absoluto de analfabetos havia crescido em 540 mil pessoas (MATHIAS, 2004, p. 175).

Assim como foi explanado por Mathias, os índices de analfabetismo no Brasil eram muito altos. Apesar de ainda hoje o quadro educacional brasileiro não pertencer aos melhores, não é pertinente fazer uma comparação com a década de 1960, tendo em vista que, atualmente, há diversos projetos dos governos federal, estadual e municipal que englobam, além da alfabetização, o ensino superior. Os problemas, agora, são outros, como a qualidade e infraestrutura em todas as instâncias de ensino no Brasil.

No entanto, se for realizada uma comparação entre a situação brasileira com a que estava presente nos estados africanos, o cenário deles era muito pior. No caso dos países recémindependentes, a política dos regimes coloniais portugueses nunca privilegiou a educação. Pelo contrário, para melhor exemplificar a problemática, a seguir, é exposto um trecho do pesquisador e educador angolano Filipe Zau, o qual explica a política educativa em Angola na década de 1960:

Calcula-se que, por volta de 1962, tenham aparecido os primeiros Cursos de Monitores Escolares, ou seja, professores apenas habilitados com a 4ª classe, em alguns casos com a 4ª classe dentro de uma mesma sala de aula. O tempo de duração da sua formação ocorria apenas no mês de março ou, entre julho e agosto, no período das férias, altura em que se podia dispor das instalações escolares, tanto para as aulas-modelo, como para feitoria e dormitório. Em geral, os monitores escolares apresentavam fraco domínio da língua portuguesa. Tinham dificuldade em redigir e cometiam muitos e grosseiros erros ortográficos. A aprendizagem das aptidões pedagógicas assentava nos princípios da imitação: “faz como eu faço” (ZAU, 2013, p. 259).

O ensino regular nos territórios africanos que estavam sobre o domínio português, geralmente, era realizado por instituições religiosas protestantes ou católicas. Ressalta-se que esta apoiou o regime salazarista. Dessa maneira, o ingresso de estudantes negros era dificultado, pois a cidadania plena, no Estado autoritário português, em detrimento da lei do indigenato9, era dada somente a quem sabia falar e escrever em português.

PAULO FREIRE NA ÁFRICA

Sobre a experiência de Paulo Freire na África, o diretor do instituto que leva o nome do educador, o filósofo Moacir Gadotti, discorre que:

Na década de 70, Paulo Freire (1921-1997) assessorou vários países da África, recém-libertada da colonização europeia, cooperando na implantação de seus sistemas de ensino pós-coloniais. A sua primeira visita à África foi no final de 1971, como membro do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, onde ele morava exilado. Ele foi para Zâmbia e Tanzânia onde teve contato com vários grupos engajados em movimentos de libertação e colaborou na Campanha de Alfabetização da Tanzânia, onde conheceu o presidente Julius Nyerere (1922-1999), conhecido como “professor”. Nyerere foi o primeiro tanzaniano a estudar numa universidade britânica. Fundou, em 1954 o partido Tanganyika African National Union (TANU), que levou o seu país à independência da Grã-Bretanha em 1962 (GADOTTI, 2010, p. 1).

Após essa primeira experiência com o continente africano, Freire retorna para a África e entra em contato direto com os povos que passavam pelo processo de transição do período colonial para o Estado independente. Segundo Gadotti (2010, p. 1), isso proporcionou transformações significativas a Paulo Freire:

Esses e outros países, em processo de descolonização e reconstrução nacional, tinham por base de suas políticas o princípio da auto-determinação, uma filosofia política baseada no resgate da autoconfiança(“self-reliance”) e na valorização da sua cultura e da sua história. Sobre uma dessas experiências, a de Guiné-Bissau, Paulo Freire escreveu uma das suas obras mais importantes: Cartas à Guiné-Bissau (Freire, 1977). Na busca de um novo aprendizado ele procurou entender a cultura africana pelo contato direto com o seu povo e com seus intelectuais.

A respeito da presença de Paulo Freire na África, a pesquisadora Patrícia Villen, no livro Amílcar Cabral e a Crítica ao Colonialismo, publicado em 2013, discorre sobre a opinião do pedagogo brasileiro em relação ao projeto político-cultural na Guiné-Bissau:

Se quisermos verificar esse projeto político-cultural, podemos confrontá-lo com a opinião de Paulo Freire sobre o Processo Concretização do Projeto Político-Cultural do PAIGC por meio de uma “nova prática educativa”, que agia para minar os valores de dominação do sistema colonial português. Com a intenção de descrever a experiência da descolonização na Guiné, Paulo Freire defende que antes de falar em “esforços de construção”, melhor seria falar de “esforços de reconstrução”: “De reconstrução, digo bem, porque a Guiné-Bissau não parte do zero, mas suas fontes culturais e históricas, de algo de bem seu, da alma mesmo de seu povo, que a violência colonialista não pôde matar. Do zero ela parte, com relação às condições materiais em que deixaram os invasores [...]” (VILLEN, 2013, p. 188).

É importante salientar que a atuação dos exilados brasileiros não se restringiu à Portugal, a exemplo de Paulo Freire, que atuou em conjunto com os principais movimentos de independência dos países africanos, como o Partido da Independência de Guiné-Bissau e Cabo-Verde (PAIGC), contribuindo com a restruturação educacional dessas ex-colônias. Assim como era na África francófona e inglesa, na qual, em suas ex-colônias, os livros tinham como conteúdo as histórias dos seus “ancestrais europeus”, os portugueses, na escassa rede de ensino, não viviam uma situação diferente. Em relação ao tema, Villen (2013, p. 189), ao expor as impressões de Freire, redige que:

Segundo o pedagogo, a transformação cultural posta em prática pelo PAIGC atuou tanto no âmbito estrutural (construção de escolas e formação de professores) quanto no ideólogo (combate à alienação da ideologia colonial pela reformulação dos programas de História, Geografia, Língua portuguesa, substituição de textos de leitura, prática do ensino popular etc.) Para dar uma ideia dessa transformação, Paulo Freire confronta o “sistema de educação enquanto produto da luta de libertação”. O fator de cultura a que Cabral se refere, “um educador de seu povo” – como chama Paulo Freire -, na confirmação do pedagogo no decurso da visita à Guiné libertada, onde se vê tocada pelos esforços de reconstrução de um povo em sua maioria “analfabeto linguisticamente”, mas “sofisticadamente letrado” do ponto de vista político.

Havia contato com uma realidade mais cruel. Além dos necessitados costumais da realidade brasileira da época, o sistema político africano tinha contornos demasiados agressivos, pois estava saindo de um sistema ditatorial (salazarista) e entrando em um processo de independência. A antiga metrópole (Portugal) não havia deixado praticamente nada. Segundo Gadotti (2010, p. 2), o contato com esse tipo de realidade trouxe mudanças profundas para Freire:

Alguns autores vão ainda mais longe em relação à importância que a experiência africana de libertação teve na vida e na obra de Paulo Freire. Segundo Afonso Celso Scocuglia, um dos mais importantes estudiosos da obra de Paulo Freire no Brasil, o trabalho de Freire na África impactou sua obra a ponto de “determinar uma ruptura significativa no seu pensamento político-pedagógico” (Scocuglia, 2008: 29). Para ele, a partir das experiências de Freire na África, seu pensamento “incorporou as categorias analíticas marxistas socioeconômicas”, assumindo que “as reinvenções da sociedade e da educação passam, necessariamente, pela transformação do processo produtivo e de todas as relações implicadas neste processo” (Scocuglia, 2008: 29). A incorporação dessas categorias, como o papel da estrutura na formação da consciência, não minimizou, o papel do sujeito na história em seu pensamento. Afonso Celso Scocuglia conclui afirmando que “a experiência africana de libertação pela via socialista, radicalizam o pensamento de Freire” (Scocuglia, 2008: 30).

Essa “radicalização” leva justamente a uma prática pedagógica que vai para além da pura alfabetização, a partir da aproximação das teorias marxistas e gramscianas. Nesse sentido, além de aprender a ler e a escrever, o sujeito deve desenvolver autonomia de pensamento e ter atuação política, ao considerar a valorização de outros conhecimentos no processo de aprendizagem, assim como aponta Freire (1985, p. 143 apudGADOTTI, 2010, p. 2):

[...] discutimos isso juntos e depois com os companheiros de São Tomé. Eles viviam mais ou menos essa mesma experiência, e se determinou que era importante refletir sobre o que é a produção, sobre o ciclo produtivo como uma totalidade, e não ver a produção unicamente como o ato de produzir [...]. De modo que era necessário, a partir dos problemas concretos da população, ir mostrando, ir abrindo o espaço, desafiando a população, para que reflita sobre eles e se eduque; é preciso propor conceitos desafiadores para que se faça uma reflexão e se tome consciência de que o ato de produzir deve ser entendido como um processo e não simplesmente como um resultado.

Essas transformações no pensamento de Paulo Freire influenciaram diretamente a sua vivência no continente africano e chamaram a atenção, em especial, do líder da independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde, Amílcar Cabral:

[...] sugiro aqueles e aquelas que não leram ainda as obras de Amílcar Cabral, sobre a luta de Guiné-Bissau, que o façam. Eu fiquei muito impressionado com essas obras tanto quanto as de Che Guevara. Ambos compartilhavam o respeito um pelo outro. Os dois se encontraram pela primeira vez em Guiné-Bissau. Os dois ficaram em silêncio olhando um para o outro. Eu chamo isso de amor revolucionário. Depois se abraçaram, embora Amílcar fosse baixinho e Guevara bem alto. Eles compartilharam o mesmo amor pela revolução. E o que é mais interessante: eles disseram coisas muito semelhantes, como eminentes pedagogos e grandes educadores da revolução (FREIRE, 1994, p. 81 apudGADOTTI, 2010, p. 9-10).

A valorização do pensamento de Amílcar Cabral também passava por uma leitura que defendia que o pensamento, além de revolucionário, estava ligado aos conceitos gramscianos da prática do intelectual orgânico:

Para mim, o caminho gramsciano é fascinante. É nessa perspectiva que me coloco. No fundo tudo isso tem a ver com o papel do chamado intelectual, que Gramsci estuda tão bem e tão amplamente. Para mim, se a classe trabalhadora não teoriza a sua prática é porque a burguesia a impede de fazê-lo. Não porque ela seja naturalmente incompetente para tal. Por outro lado, o papel do intelectual revolucionário não é o de depositar na classe trabalhadora, que também é intelectual, os conteúdos da teoria revolucionária, mas o de, aprendendo com ela, ensinar a ela. Neste ponto voltamos ao que já disse a respeito da diferença do método do educador reacionário e do revolucionário. Este, ao se tornar um pedagogo da revolução, e foi isso que Amílcar Cabral fez, faz o possível para que a classe trabalhadora, apreenda o método dialético de interpretação do real (FREIRE, 1985, p. 68 apudGADOTTI, 2010, p. 11).

É perceptível, por meio da experiência de Freire no continente africano, mudanças na concepção pedagógica e, consequentemente, no método de alfabetização, que passou a preconizar não somente a leitura e a escrita ou a valorização do conhecimento trazido com educando, mas a própria capacidade de transformação. Isso era extremante necessário nas realidades africana e latino-americana.

ÁFRICA HOJE: O QUE RESTOU DO MÉTODO DE PAULO FREIRE?

O método freiriano de alfabetização é indicado pela UNESCO10. Todavia, o que permaneceu enquanto resultado do período em que Paulo Freire foi até a África? O livro A África ensinando a gente, publicado em 2011 e organizado por Sérgio Guimarães e Paulo Freire, reúne uma série de entrevistas dadas por Freire em universidades europeias. Também apresenta entrevistas que demonstram Guimarães e pessoas que trabalharam diretamente com Freire ou usaram os seus métodos.

De maneira geral, as entrevistas expõem o modo como a metodologia de Freire foi amplamente aceita nos países em que foi implementada. Há histórias interessantes do aprendizado, que tinha que ir além do alfabetizar, mas, ao mesmo tempo, valorizar os lugares para além da escola enquanto locais de conhecimento. Na obra, Freire relata uma experiência que teve em São Tomé e Príncipe:

Então conto uma pequena história de Pedro e Antônio, que estavam numa caminhonete, transportando cápsula de cacau, que tinham sido já quebradas, para o secador do cacau, para a área onde eles vão secar o cacau. Foi o que vi lá em São Tomé. E digo que havia chovido muito na noite anterior e que o terreno estava enlameado, muita poça de lama. E que, em certa altura, Pedro e Antônio se defrontaram com um lamaçal de uns dois metros de extensão. Então eles pararam a caminhonete, desceram, olharam silenciosamente o lamaçal e depois os dois atravessaram o lamaçal, protegidos com suas botas de cano alto – que eu vi também lá -, para se ter uma ideia da espessura da lama. Depois voltaram, discutiram um pouco e resolveram apanhar pedras e galhos secos da árvore, com os quais eles forraram o leito do lamaçal uma certa consciência, suficiente para que as rodas passassem por cima. E atravessaram. Então com essa história e digo: Pedro e Antônio estudaram. Não se estuda somente na escola (FREIRE, GUIMARÃES, 2011, p. 67).

Todavia, o que chama a atenção é uma entrevista que Sérgio Guimarães faz com o escritor e professor universitário e sociólogo Pepetela11, que participou da luta de independência de Angola junto do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Pepetela comenta que, durante o seu período enquanto educador na selva angolana, teve contato com a metodologia de Paulo Freire e, dessa época, resultou o romance Mayombe, que ganhou o prêmio Camões de Literatura em 1997. A obra é considerada a maior distinção em língua portuguesa (FREIRE, GUIMARÃES, 2011).

Na entrevista dada à Guimarães, Pepetela discorreu sobre a sua época de escola. A respeito do ensino excludente, ele, branco, estudou com apenas três colegas negros. Pepetela também relata a severidade e os castigos corporais que a escola aplicava, além de sustentar que o método de Paulo Freire, após a independência, foi se diluindo. O cenário atual do ensino angolano evidenciado pelo escritor é preocupante (FREIRE, GUIMARÃES, 2011).

O seguinte fragmento evidencia um quadro preocupante:

Fizeram remendos superficiais. Por exemplo quiseram fazer uma limpeza ideológica, e aí cometeram-se erros crassos, acho eu. Como, por exemplo, o de diminuir cada vez mais a educação sobre a história, a história do país, a história da luta, da resistência ao colonialismo, porque isso era ideológico. Hoje as crianças do Cunene não sabem que foi Mandúmi12, por exemplo. Foi cortado. O Mandúmi desapareceu dos manuais. Enfim, coisas assim do gênero, de cosmética apenas, porque não se tocou no sistema. Mudaram foi alguns livros, e cada vez menos livros aliás, porque cada vez menos o Ministério da Educação tem capacidade para mexer as coisas para mudar alguma coisa. E, portanto, foi piorando tudo (FREIRE, GUIMARÃES, 2011, p. 131).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do texto, foi exposta a atuação do pensador Paulo Freire, as suas experiências iniciais no Rio Grande do Norte, o seu exílio na Suíça e a preocupação do governo ditatorial brasileiro com a sua representação internacional, a exemplo dos relatórios do então embaixador em Portugal, Carlos Alberto da Fontoura. Inclusive, no processo de independência dos países africanos em relação ao Estado português, Fontoura pontuava como o Estado brasileiro poderia agir, a fim de ocupar esse espaço.

Não obstante, quem assume o protagonismo em grande parte desses países é Paulo Freire, que, enquanto representante de um órgão ligado à Igreja Católica, vai até o continente africano em um momento de grandes transformações. Nesse período, alguns países, tais como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe, estavam em construção ou, assim como Freire dizia, em “reconstrução”. Em muitos desses países, o idioma português não era falado, o que era motivo de debates com revolucionários, assim como é sustentado em Cartas à Guiné-Bissau (FREIRE, 1978).

Paulo Freire também se aproxima das ideias marxistas e de Antônio Gramsci. Isso se deve, segundo pesquisadores, em detrimento da figura do líder revolucionário Amílcar Cabral, que não o conheceu pessoalmente, mas, em sua passagem por Guiné-Bissau e Cabo Verde, possibilitou não só o acesso a sua obra, mas o conhecimento daquelas que Cabral discorria em seus livros.

Contudo, o prognóstico atual não é dos melhores. A obra A África ensinado a gente demonstra que, em todos os países nos quais Sérgio Guimarães voltou para conversar com pessoas que tiveram contato com Paulo Freire ou com o seu método, foi explicitada a fragilidade do sistema educacional e exposto o fato que as taxas de analfabetismo13 ainda são altas (FREIRE, GUIMARÃES, 2011).

Mormente chama atenção para a questão ideológica. Se, hoje, no Brasil, há o debate sobre a Escola Sem Partido, cuja defesa é a de que o ensino deve estar livre de questões doutrinadoras, em alguns lugares, como Angola, isso já é uma realidade. Pepetela faz críticas a superficialidade dessas ações, uma vez que os impactos são mais negativos que positivos (FREIRE, GUIMARÃES, 2011).

No momento atual, o pensamento de Paulo Freire se torna mais do que urgente. Somente com uma formação autônoma e que promova o respeito ao ser humano é que teremos condições de criar sociedades plenas em sua cidadania.

1Embora setores conservadores da sociedade considerem o dia 31 de março de 1964, na realidade, o golpe foi deflagrado na madrugada, portanto, já no dia 1 de abril. Para saber mais, consultar Santos (2014).

2Secreto nº 8 Portugal (Continente) Territórios Africanos de Expressão Portuguesa na Perspectiva das Relações com o Brasil. Embaixada do Brasil, Lisboa, 31 de outubro de 1974.

3[...] cumpre observarmos que o embaixador Carlos Alberto da Fontoura, quando foi assumir a embaixada brasileira em Portugal, já em período pós-revolução, não foi bem recebido. O governo português, inclusive, chegou a pedir para que fosse enviado outro embaixador, pelo fato de Fontoura ser militar ligado ao Exército Brasileiro (foi chefe do Serviço de Informação - SNI), sendo assim acusado por exilados brasileiros em Portugal de servir a Ditatura Civil-Militar brasileira (SANTOS, 2018, p. 33-34).

4Para saber mais, consultar Santos (2010) e Santos (2014).

5Secreto nº 8 Portugal (Continente) Territórios Africanos de Expressão Portuguesa. Perspectiva das Relações com o Brasil. Embaixada do Brasil, Lisboa, 31 de outubro de 1974. p. 41-42.

6Nome dado aos revolucionários do dia 25 de abril de 1974, que acabaram com o regime salazarista.

7Secreto nº 8 Portugal (Continente) Territórios Africanos de Expressão Portuguesa. Perspectiva das Relações com o Brasil. Embaixada do Brasil, Lisboa, 31 de Outubro de 1974. p. 42.

8Secreto nº 8 Portugal (Continente) Territórios Africanos de Expressão Portuguesa. Perspectiva das Relações com o Brasil. Embaixada do Brasil, Lisboa, 31 de Outubro de 1974. p. 133.

9Na base da necessidade concreta da subjugação econômica, fundamentou-se a justificação teórica da superioridade racial, correspondendo o binômio branco/negro à acção de comando/obediência e, como seu corolário, o paternalismo tutelar. Ao administrador colonial incumbiria a autoridade firme e paternal sobre os indígenas, a fim de colocá-los a serviço dos colonos e das empresas. Oliveira Martins aderia a esta ideologia racista que revela do “darwinismo social”. Com o advento da República, em 1910, elaborou-se a primeira lei orgânica sobre a administração civil das províncias do ultramar, a qual introduziu as duas categorias de indígenas - civilizados e não civilizados, ficando estes últimos sob a autoridade directa da administração colonial. Outros diplomas definiram posteriormente o Estatuto dos “Indígenas não civilizados” nomeadamente os decretos de 23 de Outubro de 1926 e de 06 de fevereiro de 1929, para a Guiné, Angola e Moçambique. A ditadura militar marcou o restabelecimento da autoridade do poder central sobre os territórios ultramarinos. A década de 30 ficou assinalada por uma intensa actividade de codificação das leis que iriam reger o Império, leis que sofreriam adaptações e arranjos no aspecto formal, em função da conjuntura internacional, ou melhor, das incidências de uma opinião pública mundial, acusatória do anacronismo das práticas do colonialismo português. O fio condutor a visão do colonizador e simetricamente a construção da representação ideal do colonizador apreende-se no discurso explicito do aparelho jurídico, refectido nos preâmbulos das leis colônias e nos sucessivos regulamentos do “trabalho indígena” cuja elaboração iniciada pelo regime monárquico foi aperfeiçoada na primeira Republica e ajustada pelo Estado Novo (ANDRADE, 1997, p. 26).

10Para maiores informações, consultar Veiga (2019).

11Pepetela (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos) nasceu em Benguela, Angola, em 1941. Licenciou-se em sociologia, em Argel, durante o exílio. Foi guerrilheiro do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), político e governante. Foi ainda professor na Universidade Agostinho Neto, em Luanda, e tem sido dirigente de associações culturais, com destaque para a União de Escritores Angolanos e a Associação Cultural Recreativa Chá de Caxinde. Em 1997, recebeu o Prêmio Camões, maior prêmio literário das letras lusófonas. Ganhou duas vezes o Prêmio Nacional de Literatura de Angola e outras distinções no Brasil, Holanda e Espanha (BIOGRAFIA, 2021).

12Famoso rei dos cuanhamas (povo do Sul de Angola) que, de acordo com histórias contadas no local, preferiu o suicídio a ser capturado pelos portugueses (FREIRE, GUIMARÃES, 2011).

13Para maiores informações, consultar Pacheco (2018).

REFERÊNCIAS

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ANDRADE, Mário Pinto de. Origens do nacionalismo africano: continuidade e ruptura nos movimentos unitários emergentes da luta contra a dominação colonial portuguesa: 1911-1961. Lisboa: Dom Quixote, 1997. [ Links ]

BIOGRAFIA. LeYa, 2021. Disponível em http://www.leya.com.br/autor/pepetela/. Acesso em 12 set. 2021. [ Links ]

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Recebido: Junho de 2021; Aceito: Outubro de 2021

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