INTRODUÇÃO
A pesquisa com currículos pensadospraticados1 da/na educação profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Campus Apodi, emerge da necessidade de entender os currículos pensadospraticados no contexto da educação profissional do IFRN, Campus Apodi, como rede de saberesfazeres e lutas emancipatórias cotidianas. O encontro com o sistema-de-interesse2 (SILVA, 2016) de pesquisa, reflete a abordagem teóricometodológica dos estudos com os cotidianos, processo que despertou a necessidade de conhecer melhor o que acontece nos cursos de educação profissional do IFRN, Campus Apodi enquanto construção curricular cotidiana.
Os cotidianos, quando olhados de perto, sentidos por dentro e vividos intensamente fazem emergir para seus pesquisadores, um conjunto infinito de práticas diferenciadas, subversivas, táticas sutis e realizadas com fins de resistência e superação de situações controladoras, baseadas em princípios da experiência de conhecimento hegemônico.
Para esse trabalho, assumimos com Alves (2008, 2019) movimentos metodológicos relevantes à realização da pesquisa nos cotidianos do Campus Apodi, construindo uma trajetória a partir do sentimento de mundo tecido nos conflitos, dificuldades e aberturas que os cotidianos da referida instituição nos proporcionaram no período da pesquisa. Estes espaços de relações vivas, produzidas pelos sujeitos, nos possibilitaram reconhecer inquietações e possibilidades que ajudaram na construção do sistema-de-interesse desta investigação.
No diálogo com os sujeitos da pesquisa, reconhecemos e desinvisibilizamos práticas cotidianas, tais como: a capacidade de reinvenção dos docentes frente às dificuldades impostas pelo ensino remoto, o respeito com as histórias de vida dos estudantes, o protagonismo dos estudantes em buscar o reestabelecimento da democracia na instituição etc. A partir destas e outras vivências percebidas na pesquisa e registradas no Diário de Campo, entendemos que as tessituras de negociação curricular, as redes de subjetividades atravessam e movimentam práticas cotidianas, revelando experiências criadoras e desafiadoras.
PESQUISAS NOSDOSCOM OS COTIDIANOS: ABORDAGENS E MOVIMENTOS NECESSÁRIOS
Cotidiano é o conceito que utilizamos para tentar dar conta da dimensão criadora da vida em sociedade e das diferentes formas de existência humana, especialmente no IFRN/Campus Apodi, locus desta pesquisa. Entendido como espaçotempo em que se invencionam práticas e se atribuem sentidos as relações, situações e indivíduos, o cotidiano é sempre campo fértil de produção de saberes e da tessitura de redes de conhecimentos que os indivíduos fabricam ao longo de suas vidas, considerando seus significantes, significados e as relações intersubjetivas.
Na pesquisa nosdoscom (OLIVEIRA, 2016) os cotidianos escolares o desafio é pensar diferente de tantos estudos centrados no poder hegemônico da ciência moderna, além de apontar para a necessidade de buscar o que há de positivo, fugindo da lógica linear e hierarquizante presente na realidade dos IF com foco em seriação, etapas e compartimentalização do conhecimento.
Dos movimentos assumidos por Alves, Andrade e Caldas (2019), embora todos sejam relevantes, em nossa pesquisa se fez necessário o uso de apenas três desses movimentos: sentimento de mundo; criar nossos personagens conceituais e narrar a vida e literaturizar a ciência, fazendo uso do Diário de Campo.
Mergulhamos nos cotidianos do IFRN, Campus Apodi, especificamente no Curso Técnico Integrado em Agropecuária a fim de reconhecer, a partir dos currículos pensadospraticados (OLIVEIRA, 2016) o que docentes e discentes vêm produzindo como redes de saberesfazeres e lutas emancipatórias. Em decorrência da pandemia causada pelo COVID-19, o primeiro movimento metodológico proposto por Alves (2008) de sentir o mundo foi redimensionado, o cotidiano passou a ser entendido no jogo das tramas virtuais, diferente do espaço concreto em que estávamos acostumados a conviver.
Optamos por realizar os mergulhos com alguns de nossos sentidos nos ambientes virtuais estabelecidos pela instituição, sendo a plataforma do Google Meet a mais utilizada para os momentos síncronos e o Google Classroom para os momentos assíncronos. O uso destas ferramentas produzidas por grandes corporações se configurou como alternativa emergencial para o ensino remoto, mesmo reconhecendo sua natureza política hegemônica. Acompanhamos o cotidiano de trabalho de dois professores e estudantes de duas disciplinas da matriz curricular, uma disciplina técnica, específica do núcleo tecnológico e uma disciplina propedêutica, do núcleo comum da matriz curricular. Dos mergulhos realizados, selecionamos para análise três encontros síncronos de que participamos em cada disciplina.
O registro destes mergulhos foi realizado no Diário de Campo, que já havia sido iniciado em fevereiro de 2020 em nossos primeiros contatos com as turmas e professores do Campus Apodi. Em março do mesmo ano, quando as aulas foram suspensas em decorrência da pandemia que assolou o mundo todo, o registro passou a ser realizado a partir da participação nas aulas síncronas e em alguns momentos de planejamento e reuniões pedagógicas desenvolvidas com o coletivo de profissionais do Instituto. Em outubro de 2020, as aulas retornaram com o Ensino Remoto Emergencial (ERE) e, a partir disso passamos a mergulhar na nova modalidade de ensino intermediadas pelas novas tecnologias utilizadas.
Considerando a complexidade do cotidiano, a diversidade, o diferente e o heterogêneo, Alves, Andrade, Caldas (2019) propõem um segundo movimento intitulado: criar nossos personagens conceituais, defendendo a necessidade de ampliar e complexificar aquilo que consideramos como fonte de conhecimento, pois as fontes usadas para “ver” a totalidade dos cotidianos não são suficientes, nem apropriadas.
Mergulhados no cotidiano do IFRN, Campus Apodi, consideramos como nossos personagens conceituais, dois professores, uma disciplina técnica e uma disciplina propedêutica, três profissionais da Equipe Técnico-Pedagógica (ETEP) e uma turma do 4º ano do curso de Agropecuária, composta por 28 discentes. Estas personagens foram as fontes de diálogos que ajudaram a compreender nosso sistema-de-interesse (SILVA, 2016).
O terceiro movimento metodológico, necessário para o desenvolvimento das pesquisas nosdoscom os cotidianos – narrar a vida e literaturizar a ciência – ajudou-nos a interpretar os relatos das práticas, buscando conhecer o efeito do fazerpensar proveniente das relações estabelecidas entre as pessoas nos cotidianos. Os relatos de pesquisas assumem a forma do presente e do vivido, assumindo ser polifônicas, híbridas, múltiplas para que se tornem compreensíveis e contemplem a pluralidade dos cotidianos. Nesta pesquisa, o movimento narrar a vida e literaturizar a ciência, se materializa no Diário de Campo, no qual registramos as situações cotidianas vivenciadas no Instituto Federal (IF) com os professores, estudantes e profissionais colaboradores na pesquisa.
PRÁTICAS CURRICULARES COTIDIANAS EMERGENTES
A partir de trechos do nosso Diário de Campo, instrumento essencial para a efetivação dos sentidos capturados da pesquisa, abordamos como passaram a ser organizadas as aulas a partir da adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE) e como estavam sendo pensadospraticados (OLIVEIRA, 2016) os currículos. Evidenciamos mil maneiras de caças não autorizadas (CERTEAU, 2011) de nossos personagens conceituais (ALVES; ANDRADE; CALDAS, 2019) nesses contextos de incertezas.
O momento era de reinvenção, desconstrução e reconstrução, em contexto atípico vivido com a pandemia. Suspenção das atividades presenciais de ensino; necessidade de desenvolver um Ensino Remoto Emergencial; de replanejar um curso que havia sido pensado para ser totalmente presencial, e que agora precisava ser atravessado pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Muitos eram os questionamentos: como todos os alunos serão incluídos no processo? O que fazer quando a maioria não tem acesso à Internet, ou não tem computador, notebook ou até mesmo smartphone? O que fazer para reduzir ao máximo o prejuízo nesse momento com os alunos?
Ninguém imaginava que no ano de 2020, se vivenciaria uma situação tão difícil causada por um vírus tão agressivo. Mudaram as expressões do cotidiano de cada pessoa: COVID-19, pandemia, distanciamento social, fique em casa, use máscaras, novas variantes, entre outros impactos causados de forma abrupta, provocaram um mal-estar generalizado na sociedade, marcado por inseguranças e mais questionamentos: iremos resistir ao COVID-19? Teremos emprego ou não? Quantos familiares e amigos perderemos? Questões impossíveis de responder. A vida continuava agarrada na esperança do “vai passar”; e os currículos praticados sendo cotidianamente reinventados diante desses desafios.
Os alunos do 4º ano do Curso de Agropecuária, personagens conceituais dessa pesquisa, apresentavam sinais de muita inquietação e apreensão, pois estavam há oito meses sem aula, em função das questões políticas enfrentadas pelo IF que agravaram muito a situação (Nomeação de um reitor interventor). No entanto, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ocorreu, normalmente, no mês de janeiro de 2021, aumentando ainda mais a desigualdade entre os estudantes concorrentes, pois os estudantes das escolas privadas permaneceram com aulas, através das TIC durante todo o ano de 2020. Os alunos, não só do IFRN, mas das escolas públicas do Rio Grande do Norte foram muito prejudicados, pois ficaram sem assistência, sem aulas preparatórias.
Muitas pressões, inquietações, medos e dúvidas reverberaram no cotidiano dos nossos personagens conceituais. Os docentes manifestaram um processo de negociação, frente às prescrições e normatizações oficiais, como táticas (CERTEAU, 2011) e o desenvolvimento de redes de saberesfazerespoderes.
As reuniões pedagógicas passaram a ser um momento de contato real de interações, mesmo que por meio virtual, destinados para elucidação, descoberta, diálogo e construção coletiva de novos conhecimentos em virtude da pandemia e dos desafios que se apresentavam na retomada das aulas. Esses espaços de formação foram de interesse para nossa pesquisa, visto que se tornaram espaçostempos de reflexão e diálogo entre os professores, mediatizados pelos desafios do ensino remoto.
No entanto, com o atravessamento da pandemia causada pela COVID-19 foi possível perceber que os currículos criados pelos docentes “[...] misturam elementos das propostas formais e organizadas com as possibilidades que temos de implantá-las e o acordo ou desacordo que temos sobre elas” (ALVES, OLIVEIRA, 2008, p. 13).
Na primeira reunião pedagógica, de caráter formativo, percebemos importantes movimentos por parte dos docentes, quando tentavam entender a proposta do Ensino Remoto Emergencial (ERE) e antecipavam questões que poderiam vir a acontecer quando as aulas retornassem.
Os docentes se mostravam interessados, muitas dúvidas, angústias, especialmente acerca do retorno das aulas. Tinha um misto de euforia pelo retorno e indignação por ter muitas perguntas sem resposta devido à situação política da reitoria que ainda permanecia. Também foi possível perceber dois grupos de professores: um grupo já acostumado com TIC, muitos já até utilizavam nas suas aulas e, um outro grupo que não detinha conhecimentos sobre as TIC. O que achamos muito interessante foi a abertura em dizer que não sabiam e, por isso, precisavam de ajuda, assim como o acolhimento que receberam dos colegas. Criou-se uma rede de apoio e trabalho colaborativo. (Diário de campo, mergulho em reunião pedagógica, julho/2020).
Reconhecemos a preocupação dos docentes com o cotidiano, com as práticas e os saberes ligados ao retorno das aulas, as preocupações com o estranhamento que tudo isso poderia causar nos alunos. Os cotidianos virtuais, assumidos na pandemia, reservou imprevisibilidades outras, e os docentes, com suas experiências cotidianas, reconheciam que o currículo prescrito com conteúdos, formas de avaliar, ministrar, segmentar, mais do que nunca, sofreram táticas operacionais (CERTEAU, 2011) que conduziram ao compromisso com um ensino democrático e plural.
As duas reuniões pedagógicas seguintes foram ministradas pelo setor de informática do Campus. Os técnicos apresentaram diferentes plataformas e possibilidades sempre ponderando os prós e os contras de cada uma.
Com a finalização da formação, a Diretoria Acadêmica (DIAC) promoveu uma discussão com o intuito de escolher a plataforma que seria usada nas aulas. Os docentes em mais uma demonstração de cuidado e preocupação com os discentes, optaram pelas plataformas sugeridas pela Comissão de Planejamento das Aulas Remotas, quais sejam: o Google Meet para os momentos síncronos e o Google Sala de Aula para os momentos assíncronos. (Diário de campo, mergulho na reunião pedagógica, junho/2020)
Enfatizamos esse espírito colaborativo entre os docentes e a constante preocupação com o bom andamento do trabalho, sobretudo focado em desenvolver experiências democratizantes em relação ao processo de ensino-aprendizagem dos discentes. Na escolha das plataformas, os docentes enfatizaram os fatores limitantes, como a dificuldade de acesso à internet por parte dos alunos.
A formação de encerramento do I Ciclo de Reuniões foi ministrada por um profissional do Campus da área de informática. O docente desenvolveu o tema Sala de Aula Invertida em forma de oficina.
De uma forma muito didática, o docente explicou passo a passo como pode ser trabalhada essa metodologia, como ele já faz uso dela no modelo presencial, foi possível perceber suas experiências, inclusive citando exemplos e acontecimentos, quando ficou nítida a defesa do mesmo. Foi muito interessante perceber que outros docentes comentavam que já faziam uso dessa metodologia nas suas aulas presenciais, alguns conscientes da metodologia e outros por entender que há benefícios no uso de videoaulas, leituras, podcasts, questionários, atividades para que os alunos possam desenvolver em casa como forma de preparação para a aula e para aumentar o envolvimento deles. (Diário de campo, mergulho em um momento de formação, julho/2020)
Esses momentos foram importantes para percebermos outras maneiras de uso apresentadas pelos docentes, o que para Certeau (2011), nem sempre isso se dá de forma aparente, visível. Os professores, utilizando-se de táticas desenvolviam outras práticas curriculares, ressignificando o currículo pré-ativo. Assim, os praticantes-professores do cotidiano escolar do IF deixam suas marcas, cores, jeitos de fazer e identidades docentes, específicas do momento pandêmico.
As reuniões pedagógicas seguintes foram com temáticas totalmente voltadas para o planejamento das aulas de forma remota. Na reunião do dia 8 de julho de 2020, a temática discutida foi Avalição no modelo remoto. A ETEP iniciou apresentando as diretrizes recomendadas pelo Plano de Retomada das Atividades. Após a apresentação do plano de atividades, os docentes começaram a fazer muitos questionamentos, atribuindo opiniões, dúvidas e argumentos, como descrito no trecho do diário de pesquisa do dia 08 de julho de 2020.
Alguns docentes apontavam que o documento deixava as possibilidades de avaliação muito soltas. Outros apontavam uma riqueza de possibilidades que poderiam ser utilizadas para fazer avaliação.
Os docentes das disciplinas técnicas e os das ciências exatas indagaram acerca da necessidade de realização de provas e testes, pois entendem que essa é a forma ideal até para os alunos se acostumarem com esse formato para o ENEM.
Os docentes das ciências humanas, da área técnica de informática apontavam para momentos coletivos, como realização de seminários, gravação de vídeos, podcasts, utilização de alguns aplicativos, avaliar a partir das atividades passadas ao longo do módulo, entre outras. (Diário de campo, mergulho em reunião pedagógica, julho/2020)
Observamos que este foi um momento de tensão entre docentes, técnicos e gestores. A proposta de avaliação no plano de retomada, é de avaliação diagnóstica, processual e formativa que respeita a pluralidade, as experiências e construção de conhecimentos, indo muito além de práticas reguladoras, orientadas pelo modelo hegemônico da ciência moderna.
Diante do momento pandêmico e da realidade do ensino remoto, os profissionais do IF sentiram necessidade de formação contínua, e as dificuldades apresentadas por boa parte dos docentes quanto ao uso das TIC possibilitou a criação de uma rede colaborativa entre docentes, técnicos, administração e comunidade. Um grupo que tinha facilidade e já fazia uso de diversos aplicativos em suas aulas, se reuniu e criou uma série de momentos formativos para seus pares.
Mês de setembro, mês que antecede o retorno das aulas, foi marcado por cursos ofertados pelos próprios docentes do Campus para seus colegas. Foram cursos de Menti, Canva, Sala de aula invertida, Google Forms, Google Meet, Power Point, Leitura em Telas, entre outros. Mergulhados em alguns momentos, pudemos perceber a riqueza dessa rede colaborativa que surgiu por iniciativa dos próprios docentes. Os cursos foram ministrados de forma inicial com muita paciência para que todos pudessem acompanhar e aprender. Outro ponto bastante interessante foi ver mestres e doutores, em suas respectivas áreas com humildade de aprender e de dizer que queriam saber mais. (Diário de campo, setembro/2020)
Os contextos acadêmicos formativos, criados pelos docentes, têm a força da coletividade, das interações, do diálogo com o outro, traço daquilo que Santos (2011) designa de saber solidário que acontece, principalmente, na convivência em comunidade.
A respeito do trabalho emocional, a tradução ocorre mediatizada pelo inconformismo sentido pelos praticantespensantes em situações de carência, resultante da incompletude e deficiência de um dado conhecimento e de uma dada prática. Considerar o aspecto emocional nesse trabalho de tradução, com vista a torná-lo inteligível é tornar a experiência do outro – sua fala, sentimentos, culturas – possível. A realidade pedagógica não se restringe ao saber formalizado e canônico distribuído em disciplinas nos currículos mínimos da educação escolar; contrariamente, envolve emoções como indignação, amorosidade, solidariedade, companheirismo etc. advindas de crenças e de práticas comunitárias e sociais produzidas para além dos muros da escola. (SILVA, 2016, p. 187)
A rede colaborativa formada a partir do caos causado pela pandemia, operou no sentido de transformar as experiências produzidas em uma rede de solidariedade construída na imprevisibilidade, provocando um convite para o conhecimento prudente, que de acordo com Santos (2011, p. 80) significa:
A prudência assemelha-se um pouco ao pragmatismo. Ser pragmático é analisar a realidade partindo das “últimas coisas” [...], ou seja, das consequências, e quanto menor for a distância entre os atos e as consequências, maior será a precisão do julgamento sobre a validade. A proximidade deve ter primazia como forma mais decisiva do real.
No diálogo com os professores, nossos personagens conceituais adentramos no cotidiano das aulas, desenvolvendo um olhar compreensivo acerca do fazer docente, seus modos de trabalhar e agir diante de situações não comuns.
Ensaiamos várias falas para abrir o diálogo, nossa dificuldade era ganhar a confiança dos colegas em relação à certeza de que não íamos estar naqueles espaçostempos para avaliá-los. Reconhecemos que foi bem mais fácil do que imaginávamos, os docentes estiveram abertos e receptivos, nos adicionaram nas salas virtuais, assim como nos ambientes criados para o diálogo entre eles e os discentes. (Diário de campo, outubro/2020)
Acompanhamos dois docentes durante um módulo, sendo três aulas de cada um. O docente da disciplina propedêutica, a quem temos chamado de professor propedêutico é licenciado e doutor na sua área de atuação, e ministrou as aulas durante o mês de fevereiro de 2021, módulo 3. O docente da área técnica, a quem chamamos de professor técnico é bacharel e doutor em sua área de atuação, e ministrou as aulas durante o mês de março 2021, módulo 4.
Em um diálogo inicial com os docentes, conversamos um pouco sobre as expectativas e dificuldades em relação ao andamento das disciplinas no ensino remoto.
Estou preocupado porque a disciplina ocorrerá depois do ENEM, normalmente no ensino presencial, a gente já enfrenta desinteresse por parte dos alunos, parece que para a maioria vale o que for para o Exame. Outra questão é porque esses alunos precisavam muito dos conteúdos da disciplina para fazer uma boa prova do ENEM, infelizmente ficaram sem aulas, temo pelas dificuldades que encontraram na prova. Fora isso, fico pensando como serão os momentos, estou planejando formas de torná-los mais interativos. (Prof. propedêutico, fev./2021) O momento é de muita preocupação, a minha disciplina é essencialmente prática, tenho costume em desenvolvê-la na fazenda-escola, pois temos um setor específico para a disciplina, e também fazemos visitas técnicas em algumas propriedades parceiras da região. A disciplina foi colocada para o último módulo na expectativa de que as coisas estivessem melhores, mas infelizmente os índices da pandemia não melhoraram. De toda forma, ainda acredito que seria possível fazermos algumas práticas, mas não temos o que fazer, pois não depende da gente. (Prof. técnico, fev./2021)
Percebemos nos relatos docentes uma angústia entoada pelo Professor Técnico quando pensa na impossibilidade de realizar práticas na disciplina. Entendemos que as regulações externas presentes nas prescrições oficiais não dão conta das demandas do cotidiano, por terem sido pensadas de longe, sem conseguir pensar a realidade de cada curso e de cada Campus.
Apoiados em Alves e Oliveira (2008, p. 96) entendemos que “[...]os currículos que criamos misturam elementos das propostas formais e organizadas com as possibilidades que temos de implantá-las e o acordo ou desacordo que temos sobre elas”, possibilitando, inclusive, a criação de táticas, enquanto práticas fugidias e necessárias para a superação das situações-limites, como aprendido com Freire (2014).
Os personagens conceituais da pesquisa criaram salas virtuais com o auxílio das plataformas Google Classroom (Google Sala de Aula) para os momentos assíncronos, o Google Meet para os momentos síncronos, momentos que já ficavam gravados e eram disponibilizados no mural do Google Sala de Aula, através do Google Drive. Como o IF tem parceria com o Google G Suit, todas essas plataformas ficaram de fácil acesso para docentes e discentes. O aplicativo de mensagens gratuito WhatsApp mostrou-se importantíssimo para manter o contato ativo entre os praticantespensantes envolvidos. Importante ressaltar que os grupos no WhatsApp foram viabilizados pelos próprios discentes.
A criação da sala de aula virtual no Google Classroom manteve os discentes informados sobre o andamento da disciplina e serviu para a postagem das atividades e aulas. O link e o código para acesso à sala foram enviados via e-mail institucional, pois todos os discentes e docentes possuem um endereço eletrônico criado pela Instituição.
Na primeira aula, o Professor Técnico fez ponderações em relação à impossibilidade de realização das aulas práticas. Apresentou à turma quais os conteúdos que iria trabalhar e disse que aproveitaria os momentos síncronos para aulas expositivas. A turma reagiu, no chat, com lamentações sobre as aulas práticas, mas o Professor comprometeu-se em realizar curso de Formação Inicial e Continuada (FIC) posterior à pandemia. (Mergulho na primeira aula do Professor Técnico, mar./2021).
Nesse relato, entendemos que o docente teve dificuldades em superar a impossibilidade de realização das aulas técnicas, fato relatado em vários momentos pelo professor, inclusive passando para a turma em forma de lamentações. Quando o professor propõe a realização de um curso posterior ao momento pandêmico para realizar as aulas práticas, conseguimos perceber duas táticas operacionais em curso: o professor acalma a turma que já lamentava no chat a falta dessas aulas, e dilata por meio do compromisso ético a rede de solidariedade humana e profissional com os estudantes.
Em nossos mergulhos, reconhecemos outros momentos em que os praticantes cotidianos, colocavam em uso, diferentes maneiras de vivenciar suas aulas e currículos.
As aulas tinham duração de 100 minutos, divididos em dois momentos de 50 minutos com 20 minutos de intervalos entre eles. O Professor Técnico seguia esse ritual, dava a primeira aula e parava os 20 minutos do intervalo, os alunos sugeriram para que ele seguisse durante os 100 minutos ininterruptamente, no entanto o professor preferia sempre parar para o intervalo. Os intervalos se revelaram como um momento de interação entre os amigos de turma. Os alunos passavam a aula inteira sem falar, sem interagir, no máximo alguma opinião via chat, mas no intervalo eles ligavam os microfones, colocavam músicas, conversavam sobre a saudade que estavam dos espaços do Instituto, até simulavam:
“- Uma hora dessas estava na fila do Programa Nacional de Alimentação Escola (PNAE) (lanche da manhã)”.
“- Eu estaria deitado no chão do bloco 2”.
“- Nunca pensei em sentir saudade até da viagem no ônibus. Acordar 5h da manhã para poder ir para o IF”. (Diário de campo, mar./2021)
O intervalo, neste relato, representava 20 minutos sem atividades coordenadas pelo professor; era o momento em que os discentes se sentiam mais próximos dos colegas e do Instituto. Comportavam-se como se estivessem nos espaços físicos do IF. O que está escrito no relato acima diz respeito, realmente, aos usos que praticavam nos espaços físicos, antes da pandemia. Ficavam nos corredores, na fila do lanche, embaixo das árvores, jogavam uno, dama, dominó, iam para a biblioteca.
O que os discentes faziam no intervalo das aulas é um indício da possibilidade de superação da prescrição. Era um momento de inquietação que mobilizava outros modos de fazer; a música e as conversas se apresentavam como táticas para dar conta da complexidade do momento que estamos vivendo.
No retorno para o segundo momento da aula, o docente entrava na brincadeira, chamava os nomes de alguns discentes e os outros respondiam: “ainda tá na cantina”; “ainda tá no banheiro”, todos sorriam e brincavam. Era o momento de maior interação da turma com o docente. Quando a aula era retomada, somente o microfone do professor ficava ligado, todos os alunos desligavam e permaneciam passivos durante todo o restante da aula. Não tinha mais conversas, nem brincadeiras, nem dúvidas (Diário de campo, mar./2021).
A aula seguia o percurso pensado pelo docente, somente a fala e a imagem dele estavam presentes na sala, na tela do computador, não percebíamos conversas paralelas do presencial que vez ou outra acabavam criando momentos de dispersão. Nesse contexto, a manifestação por meio do chat ou câmera aberta se configurava como espaço possível de perceber outras entradas, falas e práticas não relacionadas a aula.
[...] esses momentos de imprevisibilidade são pequenos eventos do cotidiano, não podemos ver como desvios ou falhas no controle das situações, mas como constitutivos da vida e da dinâmica escolares (e da vida em geral) e que, portanto, exigem um tratamento diferente doque lhes tem sido concedido nos planejamentos de horário e mesmo na formulação de programas escolares, ancorando-os mais na vida real e menos nos elementos quantitativos ou organizáveis que dela fazem parte. (OLIVEIRA, 2016, p. 121)
Na sala de aula virtual do 4º ano de Agropecuária, com 28 discentes, também personagens conceituais da pesquisa, a maior parte deles é filho ou neto de agricultores e agricultoras da região; muitos são moradores da zona rural, com experiências de vidas diversas. A aula transcorria sem a participação efetiva dos estudantes, questão que inquietou o professor da disciplina e o conduziu a novas tomadas de decisão.
A partir da segunda aula, o Professor Técnico lançou mão de várias experiências anteriores ao IF, ou fora dele, como bacharel na área de veterinária, e passou a contar exemplos da vida dele; no Google Sala de Aula postou vídeos e documentários desenvolvidos por órgãos estaduais que atuam na região da Chapada do Apodi. (Diário de campo, mar./2021)
Essa decisão do docente emergiu das circunstâncias produzidas no e pelo cotidiano da aula virtual, de sua vivência com os discentes, não estava estabelecido no planejamento, era uma caça não autorizada (CERTEAU, 2011). O docente percebeu condições favoráveis de interesse, curiosidade e afeto, transformando a escola e as aulas, mesmo no formato remoto, em momentos de prazer, curiosidade e formação qualitativa.
As aulas na fazenda-escola, as visitas de campo nas comunidades, fazendas e sítios da região fizeram falta ao longo das aulas, mas por meio das experiências, relatos e vídeos permitiram desvios e rupturas favoráveis para que as redes de saberespoderesfazeres dos praticantespensantes pudessem ser dessensibilizadas.
Na última aula, o Professor Técnico propôs a realização de um seminário, na aula anterior dividiu a turma em grupos com quatro integrantes cada um grupo e separou um tema para cada grupo. Nessa aula, praticamente todos os grupos desenvolveram seus temas a partir do que já tinham vivenciado ou experenciado na vida. Citavam exemplos com uma riqueza de detalhes que chamava muito mais atenção do que com a teoria a ser trabalhada. Alguns grupos mostraram vídeos curtos extraídos do YouTube para exemplificar o que estavam apresentando. (Diário de campo, mar./2021)
A pluralidade de experiências com os animais, escassez das chuvas, como o sertanejo sabe se o inverno será bom ou não, histórias e trabalhos extrapolavam o conteúdo disciplinar, estabelecendo o que Santos (2011) denomina de ecologia de saberes, as relações de interdependência criadas no espaço local e com tudo aquilo que lhe articula.
As aulas remotas foram sendo avaliadas no contexto das reuniões pedagógicas, momento em que foi possível perceber processos de autoavaliação – de preocupação, problematização e conectividades com outras realidades. As experiências foram colocadas à reflexão dos próprios professores em relação com os saberes acadêmicos e o contexto político e social vigentes.
Enquanto docente, minha dificuldade maior foi finalizar as disciplinas de um módulo, corrigir atividades, entrar em contato com alunos, inserir notas e demais informações no Sistema Unificado de Administração Pública (SUAP) e ao mesmo tempo ter que elaborar os planos, materiais e atividades para iniciar o próximo módulo. Tem sido uma maratona. (Docente A)
Essa mudança entre módulos está sendo muito pesada. (Docente B)
Tudo está sendo muito pesado, lidar com os alunos assim, fazer mil reposições. (Docente C)
Os alunos estão atrevidos demais! Porque só querem direitos e deveres eles têm e muitos. (Docente D)
Sinceramente, estou contando os dias para voltar o ensino presencial. (Docente C)
Eu senti que na quarta semana, duas das minhas turmas, os alunos simplesmente fizeram as atividades de qualquer jeito, os que fizeram! (Docente E)
Uma aluna comentou, no momento síncrono, que estava gostando mais do ensino remoto, pois estava mais fácil conseguir nota melhor. (Docente F)
Eles só estão preocupados com a nota. Alguns alunos estão se aproveitando do ensino remoto para obter a aprovação. (Docente G)
(Diário de campo, mergulho em reunião pedagógica para avaliação do ensino remoto pelos docentes, mar./2021)
Algumas importantes questões nos chamaram atenção nos relatos acima citados, tanto no que se refere a práticas emancipatórias, quanto a permanência de práticas tradicionais, revelando contradições enquanto campo possível de discussões e construção curricular. Em um primeiro momento, ficou nítida a dificuldade de alguns docentes com a gestão do tempo, possivelmente por não estarem habituados em planejar suas aulas e avaliações na modalidade remota; assim, os docentes precisariam de mais tempo para a produção de materiais, conteúdos, escolhas de vídeos, além das demais atividades que um docente precisa desenvolver.
Os docentes também deixaram transparecer que estavam se sentindo desafiados, às vezes desencorajados e alguns, cansados, possivelmente por não estarem habituados com a realidade virtual. Além da necessidade de adaptar conteúdos, atividades, avaliações, somadas à necessidade de operacionalizar tecnologias que até então não faziam parte do cotidiano da maioria.
Nos relatos dos professores percebemos a preocupação com aprovação ou reprovação dos discentes. Alguns, vinculados à experiência moderna de escola, acreditavam que os alunos estavam se “aproveitando” do ensino remoto, revelando resistência em avaliar, com outro aparato teóricometodológico as aprendizagens dos estudantes. Preocupavam-se com o ato de “colar” dos alunos nas provas e testes. Ao lançar mão de mecanismos de seleção, havia uma dificuldade em reconhecer o que é praticado em sala de aula.
O professor da área propedêutica, a quem chamamos nessa pesquisa de Professor Propedêutico, relatou tranquilidade no uso das tecnologias e que já havia pensado em vários aplicativos e metodologias que iriam ajudá-lo na interação com os discentes.
Na primeira aula do Professor Propedêutico foi apresentado o planejamento para os momentos síncronos e assíncronos. O docente explicou que iria utilizar plataformas para aumentar a interação com os alunos, demonstrou muitas intenções interativas, criativas, democráticas. Explicou que as avaliações seriam feitas nos momentos síncronos e assíncronos, além de se colocar à disposição no WhatsApp para qualquer dúvida que porventura viesse a surgir ao longo da disciplina. O docente apresentou os conteúdos que iriam ser trabalhados e, mesmo com o ENEM já tendo passado, justificou a escolha dos mesmos, como os que mais aparecem no Exame. Também teve a preocupação de apontar no livro didático onde estavam os conteúdos, ressaltando que o livro deveria ser utilizado como apoio para estudos. (Diário de campo, fev./2021)
Durante as aulas, o Professor Propedêutico não concedia o intervalo, fazia das duas aulas um momento só, liberando mais cedo. A aula era expositiva com o uso de slides, vídeos e resolução de alguns exemplos, depois o professor encaminhava via chat um link para cada aluno ter acesso as questões que iriam ser resolvidas na aula. O professor dava um tempo para cada questão, mostrava o resultado da resolução feita pelos alunos, mostrava a porcentagem dos que tinham acertado e depois resolvia a questão. Fazia isso com 5 ou 6 questões. Ao final da aula apresentava uma série de postagens que havia feito no Google Sala de Aula: vídeo-aula sobre o assunto que tinha sido trabalhado no momento síncrono, questões complementares, slides que tinha utilizado na aula e umas questões que deveriam ser respondidas para a aula seguinte. No início da aula seguinte o professor mostrava um pódio com os 3 alunos que ocupavam o primeiro, segundo e terceiro lugares de acordo com a quantidade de questões que haviam acertado. (Diário de campo, ago./2020)
Percebemos, nesta prática curricular docente, a vontade de realizar um trabalho exitoso, fazendo uso de muitos aplicativos e tecnologias que ajudassem na interação com os discentes. No entanto, ficou nítida sua real preocupação em trabalhar conteúdos de forma eficiente para exames externos, e que não dispunha de espaço para entender as problemáticas e anseios dos discentes. Diferentemente do professor Técnico que não usou o intervalo para trabalhar conteúdos prescritos de sua disciplina, o professor Propedêutico revela preocupação com a transmissão dos conteúdos, próprio da abordagem curricular, também propedêutica.
A presença do livro didático como apoio didático e dos vários aplicativos tecnológicos apresentados pelos docentes estavam carregadas de intenções construtivas e participativas, no entanto, em nossos mergulhos, encontramos práticas lineares programadas, ainda com a preocupação em cumprir o que estava posto na ementa da disciplina.
Mesmo estando repletos de boas intenções, por muitas vezes naturalizamos, em busca da eficiência, certos procedimentos metodológicos clássicos. Portanto, é preciso estarmos atentos aos sinais dos alunos, emitidos quando há erros, desatenção, entre outras formas.
[...] Suspeitar do óbvio, dialogar com as surpresas, ouvir o que dizem os erros, as inseguranças e outras formas de expressão dos nossos alunos torna-se, nesse sentido, elemento fundamental de nossa formação no cotidiano, entendido como espaço privilegiado de nossa prática, inserido de modo complexo e articulado nos múltiplos espaços que o habitam. (OLIVEIRA, 2003, p. 131)
Nesse contexto, os discentes também tiveram a oportunidade de avaliar o ensino no formato remoto. A ETEP e a DIAC promoveram conselhos de classe com todas as turmas, mantendo vivo um dos princípios definidos no Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso – o princípio da participação. Quando perguntados pelo membro da ETEP sobre as aulas, os discentes comentaram:
Nossa frequência e pontualidade nos momentos síncronos está muito boa, mas com relação ao rendimento, a situação é um pouco diferente. Algumas matérias são muitos conteúdos e poucas aulas então fica meio complicado a gente assimilar tudo, fazendo com que muitos saiam das aulas sem terem realmente entendido o conteúdo apresentado. (Aluno A)
A presença dos alunos nos primeiros módulos era bastante satisfatória, porém, nos últimos módulos, a participação e presença dos alunos caiu drasticamente. Antes, no 1º módulo, 100% dos alunos participavam das aulas, mas no 2º módulo em diante, ficou na média de 25 alunos. As aulas movidas para o fim do ano causaram um acúmulo de atividades que excedem o limite dos feriados. [Aluno B]. (Diário de campo, dez./2020)
A ETEP indicou que tem recebido por parte dos docentes muitas observações sobre a falta de interação da turma nas aulas, estavam sempre com câmeras e microfones desligados, não faziam perguntas e não demonstravam interesse pelas aulas. Sobre isso, os discentes opinaram:
A turma tem demonstrado uma boa participação, apesar de em algumas aulas essa interação ser mais significativa, isso varia de acordo com a dinâmica de cada professor em sala.
Os alunos sentiram dificuldade em adaptar-se ao novo método de ensino (remoto), o que fez com que houvesse falta de diálogo e comunicação durante os momentos síncronos.
No quesito motivação, na nossa turma está meio complicado, acredito que devido principalmente ao ensino remoto, a mescla de ambiente escolar com casual, está bastante complicado. Está difícil se motivar no momento que a gente está vivendo. E com relação à participação durante as aulas, grande parte da nossa turma é um pouco tímida e muitos têm vergonha de falar. (Diário de campo, dez./2020)
Os alunos foram questionados acerca da entrega das atividades, pois alguns docentes reclamaram sobre atrasos na entrega. Os discentes esclareceram:
Não houve pontualidade em relação à postagem das atividades no Google Sala de Aula, o que acarretou acúmulo de atividades. Ausência de distribuição de materiais (slide, gravações, pdf).
Nossa relação com a pontualidade das atividades assíncronas é boa, a maioria entrega dentro do prazo, são difíceis os casos em que isso não acontece e quando acontece geralmente é por problemas técnicos, como a internet cair. Mas quanto ao rendimento acho que por ser tantas atividades, às vezes a gente acaba não conseguindo se dedicar tanto a algumas.
Excesso de atividades, algumas complexas, muitas vezes em espaço curto de tempo, o que acaba sobrecarregando as outras matérias. E muitos alunos não conseguem lidar, e têm dificuldade em assimilar o aprendizado. O que também acaba impossibilitando de estudar para o ENEM e projetar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). (Diário de campo, dez./2020)
Quando perguntados se haviam conversado com os docentes sobre a questão de muitos exercícios e o atraso na postagem de alguns, os discentes responderam:
Não conseguimos entrar em contato com alguns professores quando necessário. No diálogo, a situação da sala é meio complicada, porque muitos não se sentem confortáveis em perguntar pelo tempo ser muito curto. Uma grande parte da sala tem medo de atrapalhar a aula perguntando e roubar muito tempo, sendo que a aula já é curta. Isso ocorre principalmente em matérias que tem muito conteúdo a ser abordado, porque é muito conteúdo e pouco tempo (Diário de campo, dez./2020).
Podemos afirmar com base no que foi dito pelos discentes que o Ensino Remoto Emergencial é uma alternativa viável para os tempos que exigem distanciamento social, no entanto, possivelmente por ser uma alternativa inédita no contexto, os mesmos estão cercados de dificuldades. A efetividade do ERM depende da atuação de políticas públicas que garantam acesso aos meios de tecnológicos de forma igualitária. Importante ressaltar a urgência em desenvolver programas/projetos para cuidar da saúde mental de discentes e docentes.
As práticas pedagógicas docentes e administrativas vivenciadas cotidianamente no período de pré-suspensão e de suspensão das atividades presenciais, revelaram infinitas possibilidades de diálogos curriculares, dentre as quais destacamos: diferentes espaçostempos percebidos como possíveis de produção de conhecimento; a relação de saberespoderesfazeres dos alunos e professores; e a capacidade de resistência criativa frente a formas hegemônicas de conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mergulhados na especificidade do IFRN, Campus Apodi, reconhecemos na trajetória da pesquisa, estruturas e normas curriculares, focando nas relações sociais dinâmicas constitutivas de currículos pensadospraticados. Assim, os fundamentos teóricos-metodológicos da pesquisa nosdoscom os cotidianos foram essenciais, na medida em que reconhecíamos as práticas pedagógicas vivenciadas (ressignificadas, reconstruídas) por alunos e professores, enquanto movimento que se tece a partir das múltiplas experiências objetivas e subjetivas dos envolvidos, embora percebamos situações limites que impediam a efetivação integral das práticas, dadas as circunstâncias econômicas, políticas e culturais dos envolvidos, especialmente dos estudantes. A imersão nos cotidianos favoreceu a percepção dessas experiências, reveladas pelas astúcias de saber-fazer dos professores e alunos nas relações cotidianas.
Portanto, o uso das pesquisas nosdocom os cotidianos não significou mais um método ou metodologia de pesquisa a ser empreendida em um trabalho de mestrado. Traduziu-se, antes, por uma escolha teórico-metodológica plural em que os diferentes praticantes reverberavam por meio de suas práticas docentes e discentes suas experiências individuais e sociais, articuladoras de aprendizagem e de currículos.
A ideia de trabalhar com os currículos pensadospraticados evidenciou ações sensíveis e criadoras de processos educativos emancipatórios em diferentes dimensões do IF, nas salas de aula virtuais, em reuniões pedagógicas e momentos formativos e de planejamento. Lemos e escrevemos acerca da cultura cotidiana, apoiados em princípios certeunianos que, no contexto da vida cotidiana, requerem o envolvimento e o reaprendizado de operações comuns.
Desenvolver a pesquisa no curso de Agropecuária com estudantes oriundos de famílias camponesas, foi fértil para entender as tantas experiências, aberturas, visões de mundo e pluralidades que devem ser respeitadas e valorizadas na educação brasileira. Percebemos que a abertura dada pelos docentes nas aulas, possibilitava aos estudantes contarem suas histórias, práticas comunitárias, inclusive aquelas desenvolvidas por seus pais ou avós. Valorizar os saberes dos estudantes, demonstrando apreço por suas histórias de vida, despertou nos estudantes, o interesse pelas aulas virtuais e promoveu a qualidade esperada do processo de ensino e aprendizagem.
Concluímos a pesquisa reconhecendo ações e práticas que potencializam a discussão acerca de currículos pensadospraticados, dentre as quais destacamos o uso de tecnologias da comunicação, imprescindível para o momento das aulas remotas e facilitador dos planejamentos didáticos envolvendo o coletivo docente e administrativo da Instituição.