[...] A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala. Arrastaram-se para lá, devagar, sinha Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás. (Graciliano Ramos, 1992, p. 9)
Teias, relembrando Vidas Secas, inicia o número do segundo trimestre, Migração e refúgio: desafios educativos entre desigualdades e diferenças, um tema que não nos permite ser menos do que densos, especialmente no momento planetário em que vivemos. Não bastasse a memória de vivências de tantos nesse país, migrantes internos, fugitivos da seca e da miséria, como Fabiano, sinha Vitória e a cachorra Baleia - porque os meninos nem nome têm - esses (ainda) viventes que migram na esperança de não morrerem, somos envolvidos pelas histórias de muitos outros refugiados que deram novamente ao Brasil, motivados pelos conflitos que deslocam pessoas permanentemente no mundo. Não bastasse a pandemia que não acabou, que confinou quem pôde e aprisionou o tempo e a vida, mais uma vez a guerra, modo de produzir riqueza para os de sempre, desloca mais de 6 milhões de pessoas como refugiados do conflito disputado entre Ucrânia e Rússia - em jogo de narrativas em que a verdade, como em tantas outras vezes, é uma das vítimas. O sofrimento éticopolítico que nos acomete nesses tempos carece de força, de coragem, de esperança freireana para enfrentar um mundo que não se faz possível para muitos, agora também embalados pela fome, que volta a assolar o mundo e, aqui no Brasil, as populações mais vulneráveis. Teias resiste e demonstra o vigor de nossos pesquisadores, desafiados e prontos para compreender e aprender com a realidade que assombra cada vez mais, mas que mantém íntegra a capacidade de elaborar questões, produzir ciência e conhecimento nas universidades brasileiras, tão maltratadas nesses tempos de trevas.