INTRODUÇÃO
A fase de indução à docência é considerada como a transição entre a formação inicial e a atuação na carreira, momento em que o professor iniciante (PI) desenvolve habilidades necessárias ao ensino. A introdução do PI à realidade do trabalho pode ser amparada por programas de indução à docência como, por exemplo, a mentoria. Nesse tipo de iniciativa, um iniciante recebe auxílio, acompanhamento e/ou apoio de um professor com mais tempo de docência - exercendo o seu papel de mentor (MARCELO; VAILLANT, 2017).
Para que a mentoria ocorra, portanto, é necessário que a díade mentor-PI (M-PI) estabeleça um vínculo e mantenha diálogos constantes para que ocorram aprendizagens profissionais. Os conteúdos tratados nas interações versam sobre aspectos relativos ao exercício da docência, caracterizando-se como conversas profissionais (TIMPERLEY, 2015). A troca de ideias, materiais e experiências entre os professores, bem como reflexões sobre o espaço profissional e práticas, favorecem a formação e o desenvolvimento profissional docente (NÓVOA, 2017).
Na mentoria esse processo é potencializado, porque ocorre um diálogo entre docentes em diferentes fases da carreira, proporcionando o compartilhamento de saberes da Base de Conhecimento (SHULMAN, 2015) de um professor experiente a um iniciante. Portanto, iniciativas como a mentoria mostram-se importantes (e necessárias) para que PIs lidem com o período de sobrevivência e com o choque de realidade (LIMA, 2004).
Diante desse cenário, pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolveram um programa de indução à docência chamado Programa Híbrido de Mentoria (PHM). O programa é tanto uma iniciativa de mentoria como uma pesquisa-intervenção, de caráter construtiva-colaborativa (COLE; KNOWLES, 1993), financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A iniciativa desenvolvida apresenta como características: a formação inicial e continuada de docentes experientes para atuarem como mentores; o atendimento das demandas formativas dos PIs, que permite um currículo aberto e com temporalidade flexível da duração de participação no programa; ênfase nos processos reflexivos como ferramenta de desenvolvimento profissional docente; a combinação de atividades virtuais e presenciais (síncronas e assíncronas); destaque para a articulação entre teoria e prática.
No PHM, professoras com 10 anos ou mais de experiência profissional orientam e acompanham docentes com até cinco anos de carreira nas etapas da Educação Infantil (EI), dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AI) e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Por não terem a oportunidade de observar as práticas das PIs em sala de aula, as conversas profissionais da díade ocorrem por meio de diferentes recursos tecnológicos, geralmente na realização de atividades formativas no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) do site Portal dos Professores1, e também por meio de e-mail; WhatsApp; Skype etc. É recomendado que se estabeleça contato com frequência de, pelo menos, duas vezes por semana, independentemente se fosse uma interação síncrona ou assíncrona.
Portanto, com o objetivo de investigar como se dão essas conversas em espaços síncronos e assíncronos, analisamos - por meio de um estudo exploratório - a interação desenvolvida durante um ano e meio de uma díade da etapa dos AI em que a mentora teve como iniciativa utilizar diferentes recursos para o estabelecimento de uma relação com sua PI e desenvolvimento das ações de mentoria. Visando compreender o motivo das escolhas e percepções da mentora com relação ao uso desses diferentes espaços nas conversas profissionais com a sua PI, foi realizada uma entrevista semiestruturada com ela. Também foram analisadas algumas narrativas escritas da díade registradas no AVA.
Para o desenvolvimento desta pesquisa apresentamos a fundamentação teórica a respeito do caráter híbrido do PHM e suas implicações para a mentoria, bem como a conceitualização do diálogo intergeracional e conversas profissionais. Tais referenciais são fundamentais para compreender as interações M-PI e embasar esse estudo.
A MENTORIA E O ESPAÇO HÍBRIDO COMO CAMPO DE ESTUDO
Dentre as diversas fases do ciclo de desenvolvimento profissional do professor, o início na carreira é uma importante etapa na construção da identidade docente, no descobrimento da profissão, nas aprendizagens sobre o ensino, no sentimento de pertencimento do professor a um grupo profissional (HUBERMAN, 1995). Porém, assim como a literatura apresenta, são diversas as situações desafiadoras vivenciadas pelo PI. Além da complexidade inerente da docência, professores em início de carreira devem aprender a ensinar enquanto ensinam e a enfrentar - muitas vezes, sozinhos - as dificuldades advindas da cultura profissional (LIMA, 2004; ALMEIDA et al., 2020).
Visando minimizar o choque de realidade sentido por muitos docentes, países como Japão, Austrália, Inglaterra, Chile, dentre outros, estão desenvolvendo programas e políticas de amparo aos PIs, como a mentoria. Este tipo de iniciativa tem apresentado resultados positivos quanto à permanência de professores na carreira e melhoria das práticas (VAILLANT; MARCELO, 2015; VAILLANT; MARCELO, 2017). Porém, ainda é incipiente a implementação de programas voltados para PIs no Brasil como um mecanismo de promover a aprendizagem e desenvolvimento profissional (VAILLANT; MARCELO, 2017). Desta forma, justifica-se a criação de iniciativas de mentoria, como o PHM.
A mentoria se refere ao suporte oferecido por um professor com mais de 10 anos de carreira - designado como mentor - a um iniciante (com até cinco anos de experiência), promovendo a integração entre formação inicial, inserção na carreira e atuação profissional (MIZUKAMI; REALI, 2019). Ser formador exige que o professor experiente apresente mais do que apenas anos acumulados na docência: concebe-se ser necessário que tenham o que se chama de expertise. Nestes casos, tais professores demonstram um nível alto de conhecimentos, habilidades e estratégias sobre as partes que envolvem o processo de ensino e aprendizagem. A construção desses conhecimentos que levam o docente a desenvolver uma conduta especializada ocorre por meio da reflexão sobre a ação (VAILLANT; MARCELO, 2015).
Além da expertise, para atuar como mentor, é necessário que o professor também passe por uma formação específica, pois saber ensinar é diferente de saber ensinar a ensinar. Por este motivo, durante todo o período de vigência do PHM, as mentoras recebem uma formação inicial e contínua para atuarem no programa, o que auxilia em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional como formadoras (MIZUKAMI; REALI, 2019). O processo formativo dá-se de maneira híbrida, em que as professoras experientes participam de reuniões presenciais semanais com a equipe de pesquisa e a realização de atividades virtuais no AVA, com ênfase na relação teoria e prática dos temas envolvidos e em processos reflexivos.
Programas de mentoria podem ter diferentes formatos, variando desde a formação oferecida ao mentor até a maneira como o acompanhamento é realizado junto aos PIs (VAILLANT; MARCELO, 2015). Alguns desses programas preveem o encontro presencial frequente entre mentor e PI, enquanto em outros essa situação é mais esporádica. Porém, “[...]aparentemente, não é tanto a frequência dos encontros que conta, mas sim a qualidade da interação estabelecida entre mentores e mentorados” (MIZUKAMI; REALI, 2019, p. 120).
No caso do PHM, o caráter do programa se sustenta no conceito de aprendizagem híbrida, entendido aqui por dois vieses: pela articulação de atividades virtuais e presenciais - Blended Learning (VAUGHAN; GARRISON; CLEVELAND-INNES, 2013); e pelo terceiro espaço (NÓVOA, 2017).
Vaughan, Garrison e Cleveland-Innes (2013), definem o Blended Learning como a interação natural de abordagens presenciais e on-line complementares cuidadosamente selecionadas. Por interação natural, entende-se como algo baseado na prática, e cuidadosamente indica um repensar significativo sobre como deve ser abordada a experiência da aprendizagem. Portanto, apesar do núcleo da aprendizagem híbrida conter atividades presenciais e on-line, é importante reconhecer que não basta apenas adicionar um componente virtual ao presencial, mas integrar a comunicação síncrona e assíncrona de forma a engajar e desafiar academicamente os aprendizes, bem como garantir a presença docente e social.
No caso do PHM, utiliza-se o AVA como espaço principal de interação da díade M-PI. Porém, outros recursos também são utilizados: e-mail; WhatsApp; Skype etc. Esses diferentes recursos que possibilitam o estabelecimento de conversas síncronas e assíncronas se tornam espaços formativos para problematizar e refletir a docência. Considerando os seus aspectos teóricos e práticos é possibilitado o estabelecimento de um terceiro espaço de aprendizagem da docência, compreendido como a integração entre universidade e escola, conhecimento acadêmico e prático, entre formadores e professores, tendo como foco a escola e sala de aula. Isto é, o caráter híbrido do terceiro espaço possibilita a “[...]construção de um lugar de diálogo que reforce a presença da universidade no espaço da profissão e a presença da profissão no espaço da formação” (NÓVOA, 2017, p. 1116).
O trabalho colaborativo entre a equipe de pesquisa, mentoras e PIs fortalece o diálogo teoria-prática. Assim, os problemas provenientes da docência e do ato de ensinar podem se tornar focos de estudo por meio da reflexão e da pesquisa (NÓVOA, 2017). Além disso, devido ao caráter construtivo-colaborativo do PHM, as relações que se estabelecem no programa podem ser caracterizadas como sendo horizontais. Isto é, a interação entre M-PI não é imposta e nem hierárquica, mas construída ao longo da convivência, sendo baseada na colaboração, no profissionalismo e no estabelecimento de confiança, visando a construção de novos conhecimentos profissionais.
Utilizando um conjunto de conhecimentos provenientes da experiência docente e de ser formador, mentores desenvolvem práticas formativas voltadas para as dificuldades e demandas de PIs por meio de diálogos profissionais. Na mentoria, essa conversa entre pares possui uma especificidade: trata-se da interação de professores que estão em diferentes fases da carreira. Essa característica é fundamental para os processos de mentoria. Portanto, examinaremos essa especificidade a seguir.
Conversas entre M-PI: um espaço de formação
Em uma cultura colaborativa, professores em diferentes fases da carreira “[...]trocam ideias sobre problemas reais, colocam sua base de conhecimento comum em ação e vivenciam relações recíprocas entre teoria e prática” (MIZUKAMI; REALI, 2019, p. 120). Essas interações entre MPI podem ser consideradas como conversas profissionais. Tal termo se refere a diálogos formais e informais sobre o processo de ensino e aprendizagem entre os profissionais da educação, sejam eles mentores, professores, supervisores, coordenadores etc. (TIMPERLEY, 2015).
As conversas profissionais estabelecidas na díade M-PI são concebidas como diálogos caracterizados por: compartilhamento de experiências; conversações; consideração de diversos pontos de vista e interpretações de diferentes situações do cotidiano escolar; reflexão sobre seu desenvolvimento profissional (MIZUKAMI; REALI, 2019). No PHM, além da presença dessas características, também há a especificidade de se estabelecer conversas profissionais entre professores de diferentes gerações. Por isso, essa interação pode ser considerada como um diálogo intergeracional.
Os conceitos de geração e diálogo intergeracional - relacionado especificamente à docência - que trazemos aqui são os defendidos por Sarti (2009) e Bueno (2016). Por geração entende-se um conjunto de pessoas que têm como principal critério de identificação social as experiências históricas e culturais que lhe são comuns. Isto é, o pertencimento a uma mesma geração refere-se à partilha de uma certa visão de mundo, forjada por vivências e experiências comuns dentro de um mesmo contexto histórico e social. Desta forma, o diálogo intergeracional é compreendido como aquele que ocorre entre diferentes gerações de profissionais.
Ao dialogarem sobre a prática e outros aspectos da docência, M-PI estabelecem um espaço colaborativo de trocas e reflexões sobre as experiências do contexto escolar. É importante destacar que nas conversas profissionais - estabelecidas no PHM - pode-se falar sobre a escola, as práticas e demais aspectos da docência sem necessariamente estar dentro da instituição de ensino. Quando eficazes, essas conversas proporcionam mudanças no contexto educacional, melhoria da aprendizagem dos alunos, busca de soluções de problemas e construção de novas práticas (TIMPERLEY, 2015).
Porém, Timperley (2015) também ressalta que os professores precisam se sentir apoiados tanto para reconhecer o que precisam saber quanto para fazer mudanças significativas. A arte de se estabelecer conversas profissionais está em integrar apoio e expectativas, discutir sobre a prática, planejar, analisar e projetar novas ações de melhoria, de maneira a garantir que os participantes se sintam respeitados, motivados a mudar e a aprender.
PERCURSO METODOLÓGICO
O PHM em si caracteriza-se como uma pesquisa-intervenção de caráter construtivocolaborativo (COLE; KNOWLES, 1993). Porém, o presente estudo se refere a uma pesquisa exploratória, com caráter qualitativo, uma vez que objetiva conhecer melhor o problema e construir hipóteses, caracterizando-se por ter um encaminhamento bastante flexível na coleta e exploração dos dados (GIL, 2002). Para tal, busca-se aqui analisar as conversas profissionais de uma díade MPI em espaços síncronos e assíncronos no contexto do PHM.
O interesse da investigação surgiu a partir do acompanhamento das ações desenvolvidas pela mentora Larissa com a sua PI Giovana. Neste processo, a equipe de pesquisa do PHM observou a iniciativa de Larissa em estabelecer conversas profissionais com a sua PI em diferentes recursos tecnológicos. Na ferramenta diário de mentoria do AVA, Larissa escrevia detalhadamente sobre a evolução da construção do vínculo com a PI Giovana. No começo, o compartilhamento de experiências e ideias ocorria de maneira quase que exclusiva pelo AVA. Com o decorrer da interação, a díade passou a se comunicar pelo aplicativo WhatsApp com maior frequência. Por fim, para o desenvolvimento das ações de mentoria, mentora e PI realizaram um encontro síncrono no Skype com auxílio do Google Docs.
Para obter mais informações a respeito dessas interações, a princípio foi realizada uma entrevista semiestruturada via Skype com a mentora Larissa, sendo áudio-gravada e transcrita. Nesta entrevista foi solicitado que a mentora compartilhasse uma situação marcante que envolveu a utilização de espaços síncronos e assíncronos para o estabelecimento de conversas profissionais com a sua PI Giovana. Com isso, visava-se investigar as motivações que levaram a mentora a escolher determinados recursos e sua percepção das interações síncronas e assíncronas nas ações de mentoria.
Na entrevista, a mentora sinalizou como sendo a situação mais marcante na mentoria o trabalho com a demanda de produção e correção textual com a sua PI Giovana. Na ocasião, foram utilizados variados recursos, inclusive alguns que ainda não haviam feito uso na mentoria. As conversas profissionais entre M-PI referentes a este tema tiveram início no segundo semestre de 2018 e se prolongaram até o final de 2019. A mentora, então, foi questionada sobre as suas motivações para a escolha de cada recurso, a sua percepção na utilização deles no trabalho de mentoria, entre outras questões.
Após a realização da entrevista, as narrativas da díade referentes à situação relatada por Larissa foram coletadas no AVA para análise. Todos esses registros extraídos das ferramentas diário da PI, diário de mentoria e tarefa do AVA, bem como os feedbacks oferecidos pela mentora, foram organizados em uma linha do tempo desde o início da conversa em 2018 até o seu fechamento em 2019. A ordem cronológica dos eventos auxiliou entender a dinâmica da interação da díade, a escolha e utilização dos espaços síncronos e assíncronos envolvidos nas ações de mentoria.
Foram selecionados trechos das conversas e da entrevista que explicitam dados que respondem à questão de pesquisa. As análises desses excertos foram realizadas a partir do referencial teórico apresentado anteriormente neste estudo. Vale ainda ressaltar que os nomes das participantes são fictícios a fim de garantir o anonimato.
Caracterização dos sujeitos da pesquisa
A mentora Larissa é formada em Pedagogia, possui especialização em Ética, Valores e Saúde na Escola e, atualmente, cursa Mestrado em Educação. Referente à carreira docente, Larissa atua nos AI há 16 anos, tendo bastante experiência em classes de alfabetização. Atualmente, ela trabalha em uma escola particular como professora de uma classe de 5° ano e como coordenadora pedagógica.
Larissa iniciou a sua participação no PHM em maio de 2018, quando foi dado início a sua formação inicial como mentora para que, posteriormente, fizesse o acompanhamento de PIs naquele mesmo ano. A mentora iniciou as interações com Giovana em agosto de 2018. A PI é formada em Pedagogia, é especialista em Educação Especial e em Neuropsicopedagogia. Quando ingressou no PHM, possuía quatro anos de experiência na docência. As expectativas de Giovana com relação ao programa eram trocar experiências, fortalecer sua identidade profissional e construir boas práticas educativas, assim como adquirir conhecimento para uma base educacional sólida.
Por ter o cargo de Apoio Permanente, no ano de 2018, a PI atuava como professora substituta de uma classe de 5° ano dos AI em uma escola da rede pública. Em 2019, a iniciante começou o semestre assumindo uma classe de 4º ano, porém a professora responsável pela sala logo retornou e Giovana assumiu um 3º ano.
CONVERSA PROFISSIONAL ENTRE M-PI
Logo no início da participação da iniciante no PHM, Larissa registrou em seu diário as suas primeiras impressões sobre o envolvimento da mentorada no programa: “[..]a interação foi mais lenta, demorou a realizar todas as atividades, [...] Também sucinta [...] aos poucos vamos nos conhecendo melhor e tendo mais liberdade para nos expor” (Diário de mentoria - M Larissa - Set/2018). Na ocasião, a interação acontecia apenas de maneira assíncrona por meio do diário e das tarefas no AVA.
Pelo PHM não ter um currículo fixo com atividades pré-definidas, as ações das mentoras são planejadas a partir das demandas e dificuldades relatadas pelas PIs. O desenvolvimento das práticas de mentoria sobre um mesmo foco ou tema não são lineares, podendo variar quanto aos recursos utilizados, temas abordados, tempo etc. Com o intuito de conhecer mais o trabalho da PI Giovana, Larissa propõe - no início das interações - uma tarefa virtual para que a iniciante compartilhe o seu contexto profissional: “Espero que assim tenha um panorama de sua realidade e necessidades formativas, a fim de que possa traçar um planejamento de formação com a PI” (Diário de mentoria - M Larissa - Set/2018). Vale ressaltar que professores com expertise tendem a identificar com maior facilidade alguns aspectos importantes das situações-problemas de sala de aula que passam desapercebidos pelos iniciantes (VAILLANT; MARCELO, 2015). Neste sentido, a atividade proposta pela mentora poderia oferecer-lhe informações para compreender as dificuldades da PI e auxiliá-la.
Nesta tarefa virtual, a iniciante expôs a sua dificuldade em lidar com os diferentes níveis de aprendizagem das crianças da sua turma do 5° ano referente à leitura e escrita, assim como apresentado em sua narrativa: “A maior dificuldade [...] é conciliar os diferentes níveis de aprendizado. Há alunos na sala que ainda escrevem em caixa alta, assim como alunos que não estruturam o texto [...]. Também há alunos avançados, que captam informações implícitas no texto” (Registro na tarefa - PI Giovana - Out/2018).
O relato da PI evidencia as dificuldades enfrentadas em sala de aula, tais informações proporcionam que a mentora ofereça um feedback de forma a promover uma discussão colaborativa desses problemas da prática (TIMPERLEY, 2015). Larissa, portanto, elaborou uma tarefa no AVA sobre produção e correção textual. Nesta atividade, a mentora sugeriu a leitura de um artigo teórico sobre práticas de produções de textos no ensino fundamental e de um relato referente ao tema. Larissa indicou que a PI aplicasse em sua turma uma atividade de correção textual, oferecendo um passo-a-passo sobre como deveria proceder. Por fim, após a aplicação, Giovana deveria escrever uma reflexão sobre a prática.
Antes de enviar essa atividade, Giovana mantinha as suas conversas com Larissa via ferramenta diário do AVA, informando-a sobre o andamento da correção textual com os seus alunos. Neste período, a mentora mostrou-se disponível para responder às dúvidas e apoiar nas dificuldades enfrentadas pela PI, oferecendo opções de diferentes espaços - síncronos e assíncronos - para o estabelecimento de suas conversas profissionais: “Por favor, não se envergonhe de me chamar via WhatsApp, fórum ou enviar e-mail sobre qualquer necessidade, mesmo que não seja relacionada a atividade proposta na semana” (Feedback no diário da PI - M Larissa - Out/2018). Com essa iniciativa, Larissa demonstrava que estaria aberta para utilizar diferentes recursos/espaços para as conversas profissionais com sua PI, não se limitando ao AVA.
Passados alguns dias, Giovana enviou o seu relato sobre a aplicação da atividade com fotos de algumas produções dos seus alunos e fez a seguinte avaliação da prática desenvolvida: “A atividade foi muito bem recebida pela sala [...]. Os alunos inclusivos foram analisados à parte - utilizei critérios diferentes” (Registro em tarefa - PI Giovana - Nov/2018). Apesar da PI considerar a atividade bem sucedida, ao ler o relato de como procedeu a prática de ensino, Larissa percebeu que a iniciante interpretou de maneira equivocada algumas orientações indicadas na comanda da tarefa virtual: “[..]ainda não entendo bem o que possa ter acontecido, se não realizou a leitura do relato sobre correção textual ou se minha escrita não foi clara. [...] Tentarei ser mais clara e descritiva possível” (Diário de mentoria - M Larissa - Nov/2018). Nota-se que a mentora Larissa demonstrou surpresa pela forma como a iniciante desenvolveu a atividade com seus alunos e, diante disso, também refletiu em como poderia aprimorar as comandas das suas tarefas virtuais. Isso demonstra que espaços assíncronos podem apresentar limites na comunicação estabelecida, caso a linguagem escrita não seja suficientemente clara. No caso analisado, observa-se que este fator interferiu no alcance do objetivo formativo idealizado pela mentora.
Nos meses de novembro e dezembro, a díade manteve conversas referentes à produção, interpretação e correção textual dos alunos via diário no AVA. Com a finalização das aulas na escola da PI em dezembro, Larissa solicitou que a iniciante fizesse uma avaliação sobre o trabalho pedagógico desenvolvido no ano de 2018. Em sua narrativa, Giovana relatou sobre as dificuldades enfrentadas e suas aprendizagens: “[Os alunos] deram um salto na interpretação textual [...] O PHM me auxiliou no processo de reflexão, maturidade profissional, identificação e formas de sanar dificuldades do grupo. Todos estes quesitos contribuíram de forma a afunilar minha prática” (Registro em tarefa - PI Giovana - Dez/2018).
O relato de Giovana indica a percepção de avanços em sua prática a partir da interação com a mentora. Esse aprimoramento pode estar relacionado tanto à construção de novas habilidades para o ensino como também aos processos de refletir, avaliar e aprender sobre as suas próprias práticas. Tais aspectos possibilitam que o professor organize, represente e ensine o conteúdo de forma que os alunos tenham uma compreensão mais aprofundada (VAILLANT; MARCELO, 2015).
No início de 2019, com a retomada das atividades da mentoria, Larissa ressalta em seu diário que o vínculo com Giovana está mais forte:
Ainda não sei dizer se o perfil da Giovana é de ser mais aberta ou o fato de termos vivências parecidas possibilitou que ela contasse com mais clareza seu contexto docente e compartilhasse fotos e produções de seus alunos, para mim, sinais de confiança no trabalho que desenvolvemos no PHM (Diário de mentoria - M Larissa - Mar/2019).
A construção de vínculos e o estabelecimento de uma relação de confiança entre M-PI são elementos fundamentais para o desenvolvimento da mentoria. Para a construção desse vínculo é necessário que tanto a mentora quanto a PI apresentem Presença Social. A Presença Social é um princípio importante para que ocorram processos de instrução e está relacionada à sustentação de um ambiente de suporte e também ao endereçamento de questões que possam minar a confiança e o senso de pertencimento a um grupo ou comunidade. Por esse motivo, a Presença Social está relacionada à comunicação (confiança), coesão (colaboração e foco) e relações interpessoais (familiaridade com habilidades e crenças) (VAUGHAN; GARRISON; CLEVELAND-INNES, 2013).
Como no ano anterior, Larissa propôs uma tarefa virtual para que a PI descrevesse seu contexto de trabalho, apresentando sua turma, dificuldades, dúvidas e expectativas. Porém, Larissa relatou que Giovana não ofereceu informações suficientes sobre a turma de 3° ano que assumiu: “[...]esperava com essa atividade poder conhecer com mais detalhes sobre a sua sala, a turma [...]. Acontece que a PI fez seu relato de uma forma mais geral” (Diário de mentoria - M Larissa - Abr/2019). Nota-se que Larissa relatava com frequência em seu diário a dificuldade em dar prosseguimento às ações de mentoria pelo fato de sua PI fazer relatos breves, sucintos, sem muitas informações, além da demora no envio das atividades.
Vale ressaltar que no início da interação da díade, as conversas profissionais eram restritas aos recursos assíncronos do AVA. Isto é, mentora e PI trocavam as suas experiências por meio dos registros postados nas tarefas, diários e feedbacks. Com isso, Larissa só tinha acesso às informações do contexto de trabalho da PI por meio de suas narrativas escritas. Conforme o vínculo foi se fortalecendo, no ano de 2019, Larissa e Giovana agregaram mais uma ferramenta para o estabelecimento das conversas profissionais: o WhatsApp.
Por ser um espaço em que se pode estabelecer conversas síncronas, a utilização do WhatsApp auxiliou tanto na questão da proximidade da díade quanto para a coleta de mais informações, tendo em vista que a PI trazia poucos detalhamentos sobre o seu trabalho nas atividades assíncronas. Entretanto, apesar da boa interação no WhatsApp, a mentora ainda assim se questionava sobre outras maneiras que poderiam favorecer a escrita da iniciante nos recursos assíncronos: “[..]ao longo dos meses, estamos tendo uma boa interação, por diferentes ferramentas, como o AVA, WhatsApp ou e-mails, embora esteja pensando em diferentes formas de potencializar suas escritas” (Diário de mentoria - M Larissa - Abr/2019).
Por não ter conseguido as informações necessárias na atividade virtual do contexto de trabalho, a mentora Larissa solicita que a PI escreva mais sobre a sua turma na ferramenta diário. Em seu registro, a iniciante indicou algumas dificuldades relacionadas à alfabetização das crianças: “[...] alguns poucos alunos não estão alfabetizados, outros necessitam de intervenção para leitura de letra imprensa e cursiva. No geral me vejo desafiada todos os dias pela falta de experiência em alguns quesitos” (Registro em Diário - PI Giovana - Abr/2019).
Muitos professores enfrentam desafios relacionados aos problemas de aprendizagem dos estudantes, gestão da sala, organização do trabalho, dentre outros. Entretanto, PIs vivenciam esses problemas com mais incertezas se comparado àqueles com mais anos de docência. Tal fato se justifica, até mesmo, pela falta de experiência relatada por Giovana. Isto é, a insegurança do PI se deve às poucas referências e mecanismos que possui para enfrentar as situações difíceis decorrentes do processo de ensino e aprendizagem. Sem, muitas vezes, terem apoio de professores mais experientes, os PIs acabam aprendendo por meio do “ensaio e erro” (VAILLANT; MARCELO, 2015).
Percebendo a dificuldade da PI, Larissa decidiu dar continuidade à conversa relativa ao tema que havia se iniciado no ano anterior. Para isso, a mentora propôs a seguinte tarefa no AVA: a PI deveria, primeiramente, aplicar uma atividade de produção textual (reescrita ou texto de autoria) com sua turma. Após esta atividade, a iniciante selecionaria quatro produções dos alunos: duas em que ela avaliava como boas e duas que precisariam ser aprimoradas. A PI deveria justificar a seleção dessas produções, analisando-as de acordo com os seguintes critérios: pontuação, paragrafação, coerência e coesão, concordância, ortografia e adequação à proposta.
O objetivo da mentora era estimular a PI a refletir sobre as produções dos alunos antes de realizar uma atividade de correção textual, pois ao conhecer como as crianças produziam os textos seria possível que mentora e iniciante traçassem estratégias de intervenção mais adequadas. De acordo com Timperley (2015), há resultados positivos na aprendizagem discente quando os professores planejam, analisam e discutem conjuntamente as produções dos alunos.
Apesar de Giovana manter contato frequente com a mentora via WhatsApp, principalmente por áudios, Larissa passou a se queixar da falta de acesso da iniciante no AVA e do atraso na entrega da atividade sobre a produção textual. De acordo com a mentora, essa situação lhe causava apreensão: “estava bastante apreensiva, pois nessa semana já completaria quase um mês da proposição da atividade e nada de entrega. O que tem me acalmado é seu contato via WhatsApp” (Diário de mentoria - M Larissa - Jun/2019).
Passados três meses, em agosto de 2019, a PI entregou o seu relato sobre a sua prática com fotos das produções das crianças. Mesmo com a melhora da turma em relação à escrita, a iniciante pretendia dar continuidade nas práticas relacionadas à produção textual, já que ainda se preocupava com as crianças que apresentavam mais dificuldades: “À medida que a sala avança, preocupo-me com os que destoam de forma ‘gritante’ por não haver tempo hábil para retomar com cada todos os conteúdos.” (Registro na tarefa - PI Giovana - Ago/2019).
Além do relato no diário sobre as dificuldades, de maneira concomitante, a PI também compartilhava as suas angústias com a mentora por meio de áudios no WhatsApp. Diante da apreensão da iniciante, Larissa propõe uma nova atividade: “[...] pensei muito desde o seu áudio [...] Gostaria de realizar com você um planejamento semanal de atividades de escrita e leitura [...] mas para desenvolvermos juntas esse planejamento, gostaria de marcar uma chamada por Skype, por exemplo, pode ser?” (Feedback no diário da PI - M Larissa - Set/2019).
Ao traçar uma nova estratégia tanto em relação ao conteúdo a ser abordado junto à PI como na escolha do recurso utilizado para a conversa profissional, Larissa evidencia o seu papel na mentoria. Isto é, como mentora, ela analisa o problema da iniciante, oferece apoio, propõe atividades que provoquem reflexões e mudanças na prática. Assim, a colaboração entre M-PI acontece por meio dessas interações caracterizadas por “[...]trocas, conversações, na consideração de múltiplos pontos de vista e possibilidades interpretativas postas pelas situações cotidianamente vividas” (MIZUKAMI, REALI, 2019, p. 116).
Após a proposta apresentada à PI, Larissa criou um documento no Google Docs para que elas elaborassem algumas atividades diversificadas de leitura e escrita, atendendo às especificidades da turma da iniciante, planejando em conjunto as propostas pedagógicas. A mentora ainda solicitou à Giovana que combinassem um dia para conversar por Skype sobre esse planejamento, antes de aplicá-lo.
De acordo com a mentora, a ideia em elaborar em conjunto com a PI um planejamento semanal e o estabelecimento do encontro via Skype aconteceu pela demora na realização das atividades no AVA. Larissa acreditava que um encontro síncrono agilizaria o andamento da mentoria: “Pretendo ganhar algum tempo com isso [...] A PI justifica os atrasos e acaba realizando o proposto, penso que a interação em tempo real possa adiantar uma parte da atividade, pois já discutiremos o planejamento juntas e assim ela já segue para a aplicação” (Diário de mentoria - M Larissa - Set/2019).
Essa foi a primeira vez que a mentora utilizou o Skype para conversar com a sua PI. Após esse encontro síncrono, Larissa relatou sua satisfação em relação ao desenvolvimento da conversa: “[...]foi muito produtiva, pois no momento em que a sentia mais insegura procurava dar mais exemplos e [...] [ver] seus olhos brilharem realmente funcionaram como um gás para essa relação M-PI” (Diário de mentoria - M Larissa - Out/2019).
No mês de outubro de 2019 a PI aplicou a atividade em sala de aula. Posteriormente, explicou em seu diário como executou a proposta, avaliando também o retorno de seus alunos quanto à prática desenvolvida. A iniciante também avaliou a conversa profissional com a mentora via Skype e Google Docs:
O atendimento via Skype pra mim foi uma novidade, me senti acanhada, deslocada [...]. Porém descobri novos recursos como a edição online de documento. No geral, a participação no curso, as atividades tem acrescentado na minha vida profissional, na aprendizagem dos lindos alunos entre outras coisas como troca de informações, autoreflexão da prática (Diário - PI Giovana - Nov/2020).
O conhecimento profissional é construído por meio de interações sociais e está situado em comunidades de prática, daí a importância do estabelecimento de conversas profissionais. É por meio dessa interação e do feedback focado em desenvolvimento profissional que se desenvolve liderança, ensino e aprendizagem dos estudantes (TIMPERLEY, 2015). Desta forma, as conversas entre Larissa e Giovana dão indícios de que houve mudança na prática pedagógica da PI, minimização das dificuldades encontradas e melhoria da aprendizagem dos alunos. Apesar disso, foi possível perceber que essas conversas não foram lineares, nem no que se refere aos assuntos tratados e nem na assiduidade, principalmente se compararmos as interações estabelecidas nos diferentes espaços síncronos e assíncronos.
Em outras palavras, os dados dão indícios de que as conversas profissionais ocorrem de maneira diferente dependendo do meio/espaço utilizado para o estabelecimento dessas interações. No WhatsApp, por exemplo, havia a manutenção de uma interação mais frequente, de acesso rápido, mas que - ao mesmo tempo - provocou em alguns momentos mudanças nos rumos das conversas sobre os temas tratados na mentoria. Por outro lado, as interações assíncronas estabelecidas no AVA favoreciam o desenvolvimento das conversas focadas em temas mais específicos, apesar de ser observado um tempo de resposta mais longo por parte da PI e com pouco detalhamento de suas vivências docentes, impactando no desenvolvimento e na fluidez das ações de mentoria em tempo hábil.
O trabalho de mentoria relacionado ao tema produção textual foi finalizado no mês de dezembro de 2019 com o término do ano letivo na escola da PI.
Percepção da mentora sobre os espaços síncronos e assíncronos
A aprendizagem mais significativa indicada pela mentora se relaciona à falta de compreensão da PI pela comanda da atividade virtual correção textual. De acordo com Larissa: “ela teve uma interpretação diferente do que eu esperava. Foi aí que eu percebi que a minha escrita não estava tão clara na comanda e eu precisava ter feito diferente” (Entrevista - M Larissa - Jun/2020). Esse momento foi como um divisor de águas em sua atuação como mentora. Larissa passou a elaborar os enunciados das atividades com mais cuidado: “[...] sempre rever a escrita de uma comanda [...] porque é diferente da gente falar e explicar em uma conversa do que na escrita” (Entrevista - Mentora Larissa - Jun/2020).
Larissa, portanto, percebeu que era fundamental elaborar comandas claras e objetivas nas atividades para garantir que Giovana atendesse ao enunciado. Entretanto, devido as mentoras do PHM não terem a oportunidade de observar as aulas das iniciantes que acompanham, a única maneira de obter informações sobre o contexto de trabalho das PIs é por meio de seus relatos escritos. Isto é, para estabelecer conversas profissionais em espaços assíncronos é necessário que os envolvidos elaborem narrativas reflexivas e bem detalhadas. No caso das PIs, é fundamental que forneçam pormenores sobre o cotidiano e realidade escolar para que a mentora compreenda melhor o contexto de atuação da PI e seja capaz de elaborar estratégias formativas adequadas às demandas.
De acordo com Larissa, uma boa ferramenta no AVA para a coleta dessas informações seria o diário. Entretanto, a PI Giovana elaborava narrativas sucintas e sem detalhes sobre a sua prática e o contexto de trabalho, fato que dificultava a identificação de suas demandas. Nas palavras de Larissa: “[...]a principal [ferramenta] é o diário, mas eu inicialmente tenho muito contratempo com essa PI de fazer o registro [...]. Sempre foram registros muito curtos” (Entrevista - M Larissa - Jun/2020). Ademais, a demora da PI na entrega das atividades virtuais também prejudicava o andamento da mentoria.
Diante dessa situação, Larissa percebeu que os aspectos relacionados a espaços assíncronos (escrita de registros em diário, entrega de tarefas) não estavam fazendo com que as conversas profissionais fluíssem da forma como ela esperava, uma vez que havia demora na entrega de atividades e, quando a entrega era feita, as narrativas da PI eram sucintas. Assim, a mentora buscou espaços síncronos para potencializar as conversas profissionais. Foi a partir disso que Larissa intensificou a utilização do WhatsApp e sugeriu a realização de um encontro virtual via Skype.
O WhatsApp demonstrou ser um grande aliado à mentoria - integrando as informações que faltavam nos espaços assíncronos (tarefas e diário no AVA). A PI usava o recurso do áudio para contar oralmente à sua mentora como estava o seu trabalho na escola.
A Giovana consegue fazer mais isso [expressar seus sentimentos e detalhar o contexto de trabalho] no WhatsApp. Então ela manda os áudios.[...]. No caso dela o WhatsApp é o que tem sido mais eficaz.[...] não sei se é algo refletido ou não, mas ao mesmo tempo acho que é bastante autêntico o que ela coloca ali do momento (Entrevista - M Larissa - Jun/2020).
Se por um lado o áudio do WhatsApp é uma ferramenta na qual a PI consegue se expressar e detalhar mais sobre suas vivências, por outro esse recurso causava dificuldade na mentora:
[...] é uma dificuldade, [porque] eu não mando áudio nem para as minhas amigas. [...] áudios longos que me mandam, eu não escuto. Eu não dou conta. Mas com a Giovana tem sido um exercício, porque às vezes é áudio de 8, 10 minutos. [...] O que eu procurei fazer e procuro fazer? Passar os feedbacks pelo WhatsApp sempre escrito (Entrevista - M Larissa - Jun/2020).
Apesar da PI ter a opção de se comunicar por meio de áudios, Larissa sempre buscava incentivá-la a praticar a escrita ao invés de oralmente. Por esse motivo, a mentora oferecia os feedbacks para os áudios por meio de registros escritos, seja no WhatsApp ou no AVA. O objetivo de Larissa era trazer a PI de volta ao AVA do PHM por ser o principal espaço para o desenvolvimento do programa.
Outro espaço síncrono utilizado na conversa da díade foi o Skype. A mentora propôs o uso deste recurso, justamente pela demora da PI em entregar a narrativa escrita sobre a atividade do AVA.
Apesar de ela ter ficado um pouco tímida e acanhada, pra mim foi muito significativo. Eu não lembro qual exemplo que eu dei de atividade, mas sabe quando você olha para a pessoa e ela até arregala o olho? Ela falava: “Nossa! É isso!” [...] [algo que] não acontece no WhatsApp, no diário. Isso a gente não vê: as expressões da pessoa (Entrevista - M Larissa - Jun/2020).
O Skype demonstrou ser um espaço que proporciona total sincronicidade: o recurso da vídeo-chamada se assemelha a um encontro presencial. No Skype é possível ver e ouvir o outro também de maneira síncrona, porém, virtualmente e a distância. As vantagens percebidas pela mentora Larissa quanto ao uso desse recurso/espaço referem-se a possibilidade de ver as expressões faciais e gestuais de sua PI, fazendo esse tipo de interação gerar mais segurança no desenvolvimento do seu trabalho de mentoria. Nesse sentido, a utilização de um recurso que permite interação síncrona - como o Skype - demonstra ser uma abordagem que melhor conecta as professoras entre si (WANG; WANG, 2020).
Por fim, refletindo sobre todos os recursos utilizados nas conversas profissionais com a PI Giovana, a mentora avalia que:
O Skype acho que tem esse incômodo inicial pela câmera, mas isso passa. [...] O Google Docs foi interessante para o tipo de atividade proposta no momento. [...] O WhatsApp tem essa questão de contribuir muito para tornar a comunicação mais rápida. Nele tem uma fala autêntica [...]. Mas, por outro lado, reduz um pouco a questão da escrita [...] O diário eu acho que poderia ser um canal de tudo isso que ela manda em áudio seria muito rico se estivesse no diário. Mas ali não aconteceu (Entrevista - M Larissa - Jun/2020).
Nota-se que a mentora observa vantagens e desvantagens nos recursos utilizados com a sua PI e que cada um deles contemplou um tipo de objetivo na mentoria. Os espaços síncronos e assíncronos integrados possibilitaram o planejamento em conjunto de uma atividade, interação mais frequente, além de favorecer a coleta de informações importantes. Neste sentido, os recursos permitiram que as conversas profissionais focassem nas evidências das práticas da PI, viabilizando uma investigação mais aprofundada das situações vivenciadas no contexto de trabalho com o intuito de buscar as melhores soluções para os problemas enfrentados pela iniciante (TIMPERLEY, 2015).
CONCLUSÃO
As conversas profissionais da díade analisada se desdobraram tanto no que diz respeito às demandas da iniciante referente à produção textual de seus alunos do 5° e 3° anos como também trocas de vivências pessoais. O compartilhamento dessas experiências parece ser um aspecto importante para a construção de vínculo e confiança entre mentora e PI, fator relevante para o desenvolvimento do trabalho de mentoria.
Também é importante destacar que o papel desempenhado pela mentora parece ter favorecido o estabelecimento de uma relação colaborativa com a sua PI. Ao dar abertura para que a iniciante falasse sobre a docência por outros meios de comunicação, e não somente pelo AVA, Larissa proporcionou uma dinâmica de conversas síncronas e assíncronas em diferentes recursos tecnológicos.
A análise das narrativas da mentora e da PI demonstrou que cada uma possuía maior comodidade na utilização de determinados recursos. Neste sentido, enquanto a iniciante conseguia se expressar melhor por meio dos áudios enviados pelo WhatsApp, a mentora relatou que o Skype e os registros escritos da prática da PI no diário favoreciam o andamento do trabalho de mentoria. Mesmo com as dificuldades relacionadas aos áudios de Giovana, Larissa manteve as conversas profissionais via WhatsApp. Desta forma, nota-se um esforço da mentora em manter equilibrada a utilização dos diferentes recursos de forma a promover comodidade para ambas as partes, fato que contribuiu para a fluidez das conversas.
De maneira geral, a análise indica que os diferentes recursos escolhidos pela mentora apresentam determinados limites e potencialidades para o estabelecimento das conversas profissionais com a PI, dependendo do objetivo formativo para a utilização do recurso. No caso da díade analisada, os limites percebidos são: a demora no tempo de resposta, a falta de detalhamento das práticas, a necessidade de apresentar uma escrita clara nas comandas das atividades, timidez ao interagir em vídeochamadas. Referente às potencialidades, observou-se a construção de vínculo de confiança entre M-PI; troca de experiências práticas; favorecimento de processos reflexivos; construção de aprendizagens sobre a docência; favorecimento de construção de ações conjuntas de planejamento pedagógico. As interações síncronas e assíncronas, provenientes da utilização desses recursos tecnológicos, favoreceram tanto a identificação da demanda da iniciante, como o planejamento e avaliação das ações de mentoria.
Consideramos, portanto, que os diversos recursos utilizados pela díade complementam-se, uma vez que - neste caso analisado - as conversas profissionais síncronas e assíncronas demonstraram potencial formativo manifestado de diferentes maneiras, tanto para a mentora quanto para a PI.