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Revista Teias

versión impresa ISSN 1518-5370versión On-line ISSN 1982-0305

Revista Teias vol.24 no.75 Rio de Janeiro oct./dic 2023  Epub 26-Dic-2023

https://doi.org/10.12957/teias.2023.78907 

“Vocês são importantes…”: questões de alteridade e diferença nas políticas curriculares

POLÍTICAS DE CURRÍCULO PARA AS ESCOLAS DO CAMPO: pensando a alteridade, diferença e os outros da e na política

CURRICULUM POLICIES FOR RURAL SCHOOLS: thinking alterity, difference and the others of and in politics

POLÍTICAS CURRICULARES PARA ESCUELAS RURAIS: pensar la alteridad, la diferencia y los otros de y en la política

Jéssica Rochelly da Silva Ramos1 
http://orcid.org/0000-0001-5406-5078; lattes: 8758497061682072

Kátia Silva Cunha2 
http://orcid.org/0000-0001-9282-715X; lattes: 8333609070079117

Leonardo Silva Santos3 
http://orcid.org/0000-0003-1833-7878; lattes: 6840659910502900

1Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

2Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

3Universidade Federal da Paraíba (UFPB), E-mail: silvasantosleonardohotmail.com


Resumo

Este artigo discute sobre as políticas de currículo em uma perspectiva pós-fundacional, articulada a noções de Derrida e sua relação com o pensamento de hegemonia em Laclau. Pensamos o campo das políticas curriculares para a educação do campo em tempos de tentativa de centralização curricular, com a BNCC e a partir de políticas e currículos estaduais, que intentam sob a domesticação da diferença e representação de uma identidade plena de um outro, visto nos currículos como uma projeção realizável de uma identidade plena possível por meio de uma formação homogênea. Argumentamos em favor da defesa do não fechamento definitivo da significação, operando na textualidade e rejeitando a ideia de um conhecimento poderoso que garanta projetos e modelos de formação pré-definidos e apostamos na tradução e na desconstrução como lugares abertos à significação, como conjunto de possibilidades imprevistas, abertas às subjetivações, negociações e traduções, ao porvir.

Palavras-chave políticas de currículo; discurso; diferença; alteridade.

Abstract

This article discusses curriculum policies from a post-foundational perspective, linked to Derrida's notions and their relationship with Laclau's hegemony thinking. We think about the field of curricular policies for rural education in times of attempted curricular centralization, with the BNCC and from state policies and curricula, which attempt to domesticate difference and represent a full identity of another, seen in curricula as a realizable projection of a full identity possible through homogeneous training. We argue in favor of the defense of non-definitive closure of meaning, operating in textuality and rejecting the idea of powerful knowledge that guarantees pre-defined projects and training models and we bet on translation and deconstruction as places open to meaning, as a set of possibilities unforeseen, open to subjectivations, negotiations and translations, in the future.

Keywords curriculum policies; speech; difference; otherness.

Resumen

Este artículo analiza las políticas curriculares desde una perspectiva posfundacional, vinculada a las nociones de Derrida y su relación con el pensamiento hegemónico de Laclau. Pensamos en el campo de las políticas curriculares para la educación rural en tiempos de intentos de centralización curricular, con el BNCC y desde las políticas y currículos estatales, que intentan domesticar la diferencia y representar una identidad plena del otro, vista en los currículos como una proyección realizable de una identidad plena posible a través de una formación homogénea. Argumentamos por la defensa de la clausura no definitiva del significado, operando en la textualidad y rechazando la idea de saberes poderosos que garanticen proyectos y modelos de formación predefinidos y apostamos por la traducción y la deconstrucción como lugares abiertos al significado, como un conjunto de posibilidades imprevistas, abiertas a subjetivaciones, negociaciones y traducciones, en el futuro.

Palabras clave políticas curriculares; discurso; diferencia; alteridad.

INTRODUÇÃO

Nunca, tanto como hoje, após tantas lutas e articulações em torno de um currículo mais justo e plural, as críticas a projetos universais e homogêneos tem invadido como tal, o horizonte das mais diversas pesquisas e dos discursos mais heterogêneos, críticos e que se posicionam em desfavor de lógicas centralizadoras e que se especializam em formular críticas a uma avalanche neoliberal que temos vivido no campo educacional nos últimos anos.

Interessa-nos aqui, principalmente, pelo debate de uma suposta necessidade de definição do que deve ser ensinado e aprendido, da representação de um outro da e na política, além de processos articulatórios que mobilizam sujeitos e grupos por demandas que intentam pela diferença, nas políticas de currículo, especificamente, na direção de uma política curricular para as escolas do campo comprometida com a alteridade.

Nesse texto, discutimos sobre as contribuições e possibilidades de pensar as políticas de currículo para as escolas do campo a partir de uma perspectiva pós-estrutural, especificamente a partir da teoria do discurso de Laclau e Mouffe. Seguimos expressando nossa compreensão da teoria escolhida para pensar o campo das políticas de currículo, abordando conceitos tais como discurso, articulações, hegemonia, equivalência, diferença, alteridade, antagonismo, bem como a noção de demandas na constituição de processos de identificações na/da política, entendendo o currículo como prática articulatória e a política como conectada à cultura e, por isso, aberta à significação e ao diferimento.

Ao longo das seções, apresentamos algumas noções de Derrida como desconstrução e diferença e sua relação com o pensamento de hegemonia em Laclau, atentando a suas relações e fazendo um investimento um tanto audacioso de compreensão para pensar o campo das políticas curriculares em tempos de centralização curricular.

POLÍTICAS DE CURRÍCULO: DIFERENÇA E ALTERIDADE NA TEXTUALIDADE

A teorização sobre política curricular, em muitos estudos e investigações até a década de 1990, se cruzam com teorias que se aproximam de perspectivas que vinculam o currículo ao poder, à estrutura econômica, à hegemonia, à ideologia (Lopes, Macedo, 2011).

Os investigadores, embora já observassem fenômenos do campo da política curricular, ainda não havia pesquisas no campo das políticas curriculares que tivessem sido estudadas com um enfoque específico. Há que se ressaltar ainda, as perspectivas que envolvem tais investigações, inicialmente pautavam-se em analisar documentos específicos que eram “[...] analisados como parte dos efeitos dos processos de globalização econômica e cultural e de seus impactos na educação” (Lopes, Macedo, 2011, p. 234).

Tanto no Brasil, quanto no exterior, havia uma preocupação em entender os efeitos dos processos de globalização e, assim, muitas vezes os trabalhos e investigações que tratavam sobre políticas estariam voltados à “[...] crítica dos documentos e projetos em curso do que as investigações teóricas e empíricas sobre políticas de currículo propriamente ditas” (Lopes, Macedo, 2011, p. 234). Dessa forma, os trabalhos críticos ao neoliberalismo, eram considerados como ideologias do mundo capitalista global, produzindo assim, um interesse de pesquisa na política curricular.

Há que se ressaltar, que nos estudos de cunho estrutural, a compreensão de política que era valorizada estava limitada a dimensão formal - textos políticos como diretrizes, definições, documentos de instituições executivas e legislativas -, e nesse sentido, a política é interpretada como um arsenal de regras ou guia para a prática, usada para a orientação técnica “[...] definindo como a prática deve ser desenvolvida, seja para orientar de forma crítica como a prática deveria ser para assumir determinadas finalidades de transformação social” (Lopes, Macedo, 2011, p. 234).

No caso específico da política de currículo, em uma concepção estrutural há uma separação entre política e prática, sendo a prática das escolas situada fora do espaço da decisão política. Quando consideramos o poder difuso e sem centros, marcados por centros contextuais produzidos nas articulações discursivas, essa separação inexiste. Neste caso, discursivamente, o cotidiano das escolas é considerado como espaço decisório, lugar do contingente que inova por meio da tradução, lugar da significação, campo de produção de sentidos para a política. A prática, neste sentido, não é um outro externo à política, mas parte do processo de produção de sentidos nas políticas.

Entender a política como discurso, é compreendê-la em seus processos de significação, que apresentam centros ou uma estrutura descentrada, formada por uma dada articulação hegemônica. Seus centros e estruturas são provisórios e sua fixação plena ou seu fundamento definitivo é um projeto impossível. Não havendo estruturas fixas e centradas, podemos substituir a noção de estrutura por discurso. Nas políticas, o discurso define como são engendrados os debates políticos e seus termos, quais agendas e demandas são priorizadas, que instituições interessa ou se articulam, quais diretrizes, regras e normas são criadas.

Busca-se entender o fenômeno social em suas múltiplas determinações, pensa-se na sociedade, economia, Estado, mas articula aos currículos, formação, avaliação, na tentativa de entender como esses termos são significados na política, pois “[...] essa significação é dada por um discurso que estabelece regras de produção de sentido” (Lopes, Macedo, 2011, p. 252).

A partir de um enfoque pós-fundacional, articulamos que o político não permite o estabelecimento de verdades universais, de um critério de validação e legitimação, tendo em vista que as decisões são tomadas em terrenos indecidíveis e, portanto, não tem como prever ou estabelecer condições, grupos, projeto de sociedade e/ou de formação, em um plano fixo. Sendo possível, neste viés, operar no campo das políticas de currículo, questionando a tentativa de fixação ou fundamento, bases, normatividades e, também, refletindo sobre as diferenças, os processos de diferir e a alteridade nas políticas de currículo.

Investigando políticas de currículo, argumentamos a partir da teoria do discurso com Laclau e Mouffe (2015), a despeito da política curricular produzida discursivamente na luta política. Por isso, com Lopes (2018, p. 84), temos defendido um vazio normativo nas políticas de currículo, sendo este vazio constituído pela “[...] impossibilidade de plenitude de qualquer normatividade”. Temos questionado tentativas de limitar a política enquanto texto - ou conjunto de regras a serem implementadas - e, argumentamos em favor das disputas que envolvem o político - os antagonismos pela significação na defesa de demandas e projetos - na incessante tentativa de alcançar uma plenitude ausente (Lopes, 2015).

Na teorização que propomos pensar as políticas de currículo e no exercício investigativo nesta escrita, consideramos que todo e qualquer projeto, política, currículo é decorrente de negociações contingentes. Por mais que sejam constituídas políticas e bases que intentem sobre a tentativa de fixar normas, regras, conhecimentos são fadadas ao fracasso, pois não há como serem enunciadas de forma universalizada, conteúdos e conhecimentos que respondam a demandas de todo e qualquer contexto político, principalmente quando temos um país com realidades, identificações, culturas, povos tão diversos quanto no Brasil.

Dessa forma, pensar as políticas como normatividades vazias não é negar a existência da norma, mas considerar que tais vazios são fundamentais para a luta política, pois se pensarmos nos discursos de justiça social, liberdade, educação de qualidade, igualdade de direitos, diferenças, são causas somente possíveis porque tiveram suas demandas representadas por significantes vazios.

Para Laclau (2011), a presença de significantes vazios na política é a própria condição de hegemonia. Os significantes são vazios, não por incapacidade em relação a formação de um projeto a ser construído, nem por insuficiência na definição de tais projetos, mas são vazios porque expressam “[...] uma impossibilidade estrutural da significação em si mesma, uma impossibilidade que só pode ser significada como interrupção na estrutura do signo” (Lopes, 2015, p. 110).

Assim, à luz dos investimentos teóricos da teoria do discurso, e na direção que o movimento de pensar o campo da política curricular nos autoriza, seguimos desconstruindo certas hegemonias - bases/currículos universalizantes - conscientes de que toda produção, inclusive investigativa, nos inscreve na produção de outras hegemonias. Cientes de que toda hegemonia é provisória, seguimos produzindo identificações de escola, currículo, conhecimento escolar, qualidade de educação, entre outros que tentamos mobilizar, sempre tentando elucidar bloqueios na significação - registrados por meio da escritura e da linguagem em formato de texto - que toda e qualquer hegemonia produz.

Ao falar de hegemonia, a partir de Laclau (2015), referimo-nos a um campo que produz práticas articulatórias ou uma ampla cadeia articulatória que não teve seus elementos cristalizados em momentos. Na teoria da hegemonia é essencial ver que toda universalidade nunca apresenta um conteúdo próprio pensado e definido a priori, mas sempre demarcado por um conteúdo particular que se torna central, se universaliza, e começa a representar a totalidade de demandas particulares que estiveram equivalentes no processo de articulação discursiva.

Neste caso, é imprescindível entender os processos de equivalência e diferença para compreender a hegemonia ou uma formação hegemônica. Isso implica que o universal não é uma síntese de todas as demandas particulares, mas um princípio emergido do particular, produzido num horizonte incompleto, em que “[...] um conteúdo diferencial particular, passa a ser o significante da plenitude comunitária ausente, é exatamente o que denomino de formação hegemônica” (Laclau, 2011, p. 77).

Não há uma ordem enquanto conteúdo capaz de operar como um ponto em comum ou um significante que preencha as ausências ou uma realidade almejada. Várias forças políticas podem agir e competir esforços na produção da hegemonia, apresentando seus objetivos particulares como aqueles que realizam o preenchimento dessa falta.

Qualquer significante pode tornar-se hegemônico na articulação discursiva, então, todo investimento ou objetivo pode ser representado como uma falta capaz de preencher uma promessa que tenta preencher um vazio, pois, como afirma Laclau (2011, p. 78) “Hegemonizar algo é exatamente cumprir essa função de preenchimento” e, dessa forma, “[...] a política só é possível porque a impossibilidade constitutiva da sociedade só pode representar a si mesma por meio de significantes vazios” (Laclau, 2011, p. 78) e isso explica por que “[...] qualquer hegemonia é sempre instável e penetrada por uma ambiguidade constitutiva”( Laclau, 2011, p. 78).

Entender os sentidos que vão sendo hegemonizados na política, implica compreender de que forma ocorrem os processos de significação que envolvem a produção curricular e, por isso, a política curricular não pode ser reduzida a perspectiva objetivista de texto - registro escrito; arsenal de regras a ser seguido para se chegar a um ideal, a um projeto, como por exemplo, a educação -, mas sobretudo, é relevante compreendê-la em sua textualidade.

A partir de uma leitura derridiana e articulando a apropriação da teoria do discurso de Laclau, o social é visto como texto. Na perspectiva discursiva, o social é entendido como “[...] um tecido que compõe heterogeneamente múltiplas camadas de leitura” (Cunha, Costa, Pereira, 2016, p. 185) e na textualidade geral, não há como estabilizar a significação de uma vez por todas devido à natureza constitutiva da lacuna existente na formação da sociedade, na política, nos currículos.

Nessa interpretação, a investigação da e na textualidade é potente na análise de políticas de currículo, pois esvazia toda e qualquer pretensão de cálculo na sociedade, perturbando o desejo por uma objetividade e abrindo-se à contingência, que devido sua natureza constitutiva está sempre aberta ao porvir, entendendo a “[...] contingência como o que instaura o momento de uma inscrição, de uma interpretação composta pela articulação de diferenças como a reinvindicação de uma presença ausente (Laclau, 2011)” (Cunha, Costa, Pereira, 2016, p. 189).

Na discursividade, uma representação só é possível, ou configurada hegemonicamente, no momento em que demandas diferenciais, nas articulações discursivas, unificam, subjetivam antagonicamente uma diferença no interior da fronteira. É o campo da discursividade ou da textualização geral, o terreno de constituição das políticas, estas que são produzidas a partir de antagonismos e exclusões.

O fato desse exterior suspender diferenças, demandas, objetivos de lutas, não significa que estas estão fora de cogitação ou estanques, guardadas para um outro momento, pois as articulações estão ocorrendo a todo tempo e é essa mesma possibilidade, de não fixar um ponto como fundamento, a própria possibilidade de uma nova hegemonia. É o momento da luta política, que potencialmente pode ser entendida nas lógicas de equivalências e diferenças propostas por Laclau.

O campo geral da hegemonia é o de práticas articulatórias. Isso implica que, num sistema fechado de identidades plenas no qual o significado e sentido são plenos, não há lugar para a prática hegemônica. Pensar as políticas a partir da noção de desconstrução, bem como refleti-las no terreno da textualidade implica compreender que a indecibilidade opera na formação de hegemonias. Isso, pela “[...] impossibilidade de constituição plena de uma identidade, pois a equivalência subverte a diferença” (Cunha, Costa, Pereira, 2016, p. 190).

A indecibilidade nunca é eliminada do jogo da significação e, portanto, na textualidade, nada pode estabilizar a significação. Mesmo que haja tentativas de constituição de fundamentos visando suturar a significação, este projeto estará fadado ao fracasso, já que o fluxo e demandas nos processos políticos são constantes e infinitos.

A política não apresenta um centro que determine uma direção, afastando-se da ideia de projeto calculado, não presume que sujeitos previamente orientados, conscientes e com identidade demarcadas/plenas, possam agir frente a reprodução ou implementação de um projeto, prescrito e previsto.

Nesses termos, na investigação em políticas de currículo temos entendido a política como disputa discursiva por significação. Como luta pela significação, a política produz contextos e sujeitos políticos, que agem diante das possibilidades previstas em busca de produzir um futuro, um porvir. Isso pode explicar por que certas demandas ou perspectivas no campo educacional tornam-se equivalentes e passam a constituir as demandas curriculares hegemônicas, por vezes, representadas em políticas nacionais até mesmo centralizadas ou conservadoras.

Na afirmação da política curricular como textualidade, tencionamos leituras genéricas, questionando o quanto podem limitar o debate sobre o conhecimento e, assim, afastamo-nos de perspectivas que pensam ou provocam a ideia de conhecimentos como pressuposto (Costa, Lopes, 2022), contribuindo para um pensamento curricular que defende uma base ou um conhecimento poderoso (Young, 2013) para o currículo.

Na perspectiva da teoria do discurso, as contribuições de operar a política na textualidade se dão, na medida em que é possível analisar os jogos que produzem as decisões políticas que investigamos e os múltiplos discursos remetidos na significação, bem como que sentidos em disputas atuam pela constituição de projetos hegemônicos no contexto de reformas curriculares, bem como nas orientações curriculares ou currículo para as escolas.

Tal processo de luta política pela significação envolve articulações de grupos distintos - governos, comunidade epistêmica, práticas escolares, propostas empresariais, grupos sociais, entre outros - que a partir de suas interpretações acerca do conhecimento abrem espaços de ações e agência no campo político na medida em que a política ocupa um espaço instável e ambíguo. Isso não significa que todas as vozes dos sujeitos que agem e disputam politicamente demandas e interesses são ou serão ouvidas na “[...] polifonia do texto curricular” (Lopes, Macedo, 2011, p. 258).

Nesse sentido, o que está em jogo é a produção de articulações entre diferentes discursos, visando hegemonizar significados para o significante vazio qualidade da educação. A abertura ao porvir, se distingue do futuro nas políticas de currículo e, por isso, reafirmamos a defesa pela não fixação de uma política que represente as diferenças, de bases universalizantes que tente fixar a ideia da qualidade da educação definindo conhecimentos mais valorosos para a educação, como se pudesse controlar a formação de sujeitos (Costa, Lopes, 2022).

Um projeto de educar ou um currículo, o qual visa considerar a diferença como um conjunto de conhecimentos épicos, possíveis de serem ensinados e aprendidos em uma base diversa, está a serviço da tentativa simplista de representar a identidade do outro, além de minimizar a diferença a conteúdos, controlar as diferenças e apagar a história de sujeitos. Além disso, ao defender o não fechamento definitivo da significação operando na textualidade, rejeitamos a ideia de um conhecimento poderoso na escola, no currículo, na política como produtor ou promissor da boa qualidade da educação ou da boa escola.

Apostamos em um currículo ou normatividade como lugar vazio como aponta Lopes (2015), sendo o currículo o espaço para a condição de decidir em terreno indecidível, negociar na contingência, decidir na incerteza a partir de um conjunto de possibilidades imprevistas e, por não ser determinado por centros, estar abertos sempre a um futuro, ao porvir.

DESCONSTRUÇÃO, TRADUÇÃO E SUBJETIVAÇÃO - PENSANDO O OUTRO DA E NA POLÍTICA

A perspectiva desconstrucionista derridiana na análise de políticas é considerada como superação do próprio projeto estruturalista, na medida em que as noções de fundamento, estrutura, centro, organização, objetividade, não supririam as necessidades científicas das ciências humanas, especificamente, do campo educacional no âmbito das políticas curriculares, cabendo tencionar tais abordagens no trato com as questões sociais seguindo outros caminhos teórico-analíticos e estratégicos, afastando-se assim desses projetos estruturalistas.

Com isso, buscamos nessa seção, relacionar a teoria do discurso de Ernesto Laclau e Mouffe (2015), principalmente no que concerne a noção de hegemonia com a ideia de desconstrução do Derrida, assim como fez o próprio Laclau. Com isso, observa-se que ambos os pensamentos, seguem um direcionamento: apoiando-se numa perspectiva discursiva, criticam toda e qualquer estrutura, seja na linguagem, sociedade, política ou caminhando mais adiante, no caso específico que nos mobiliza a escrever esse texto, na análise de políticas de currículo. Não há um sentido determinado ou passível de ser visto ou percebido com transparência, que possibilite a fixação de sujeitos, identidades, fatos, que se afastem de contextos, que se deem fora de uma articulação discursiva.

O interesse de Derrida na teoria da desconstrução, se encontra principalmente na oposição entre a escrita e o discurso. Para o filósofo, o escrito constitui a linguagem (não intencional), mas a linguagem é relativa ao discurso, que ela mesmo programa, mas não consegue controlar. Ao discurso são atribuídas qualidades positivas da originalidade, contexto, centro, presença, mas a escrita é relegada a plano secundário pela produção do discursivo.

No entanto, a teoria da desconstrução (do discurso e, portanto, das palavras), não implica na destruição do texto ou prevalência de uma dimensão do texto, implica numa análise profunda acerca do escrito, mas principalmente, dos discursos que envolvem tal texto, na pretensão de misturar toda e qualquer oposição ou dualismo nas relações classificadas hierarquicamente no social.

Para Derrida (2017), o sistema de signos - o texto - não se sustenta em nenhum significado definitivo e, por isso, é superada a ideia de relação direta entre significante e significado. Neste sentido, não há uma interpretação totalmente correta ou definitiva na leitura de um texto: todo texto permite uma livre interpretação e das partes dissimuladas no texto.

Nessa direção, pode ser entendido como desconstrução, a construção de nossa interpretação a respeito da textualidade, produzida nas formas e sentidos expressos a partir da tradução do texto. Dessa forma, interessa operar a textualidade nas políticas de currículo - considerada enquanto política discursiva comprometida com princípios democráticos - problematizando os antagonismos na luta pela significação, bem como o processo discursivo que, pela natureza da linguagem, produz simultaneamente contextos e sujeitos políticos (Lopes, 2018).

Para Mouffe (2016) a política democrática pelo sentido e natureza da própria democracia, jamais pode superar o conflito e a divisão, por mais que haja essa tentativa. Não há a possibilidade de se pensar democracia a partir de um consenso, isso porque “[...] seu objetivo é estabelecer a unidade em contexto de conflito e diversidade; está preocupada com a formação de um nós em oposição a um ‘eles’” (Mouffe, 2016, p. 21).

Essa dimensão antagônica para se compreender a política numa perspectiva desconstrucionista, implica a compreensão da natureza da política democrática, operando na dimensão do antagonismo que está presente nas relações sociais. Não importa considerar uma oposição de nós a um eles, ao contrário, interessa analisar os antagonismos frente a maneira pela qual se desenha esse contexto de conflito, a maneira pela qual tal oposição é desenhada, constituindo uma hegemonia.

Lopes (2018, p. 89) enfatiza que a teoria do discurso evidencia o sentido político da desconstrução até mesmo quando desconstrói discursos da modernidade na constituição de políticas. Para a autora, “[...] tanto a desconstrução quanto a teoria do discurso operam com a decisão em terrenos indecidíveis, com condições de possibilidades e de impossibilidade das identidades, objetividades e sujeitos políticos” que estão em jogo na luta pela significação.

Assim, toda opção política não é predeterminada ou controlada, não é uma opção obrigatória passível de ser previsível ou programada, pois opera em momentos e a partir de decisão tomada “[...] em um conjunto de possibilidades imprevistas” (Lopes, 2018, p. 85) o que nos possibilita a disputar em torno de toda e qualquer orientação política. Tais orientações sempre serão contextuais e “[...] ainda em que pensemos em formular regras, há que se considerar que toda regra tem seu significado modificado no próprio processo de ser posta em ação” (Lopes, 2018, p. 85), nos processos de tradução.

Laclau, em sua proposição de relacionar a desconstrução com a lógica da hegemonia (Mouffe, 2016), trouxe à tona a relevância de operar duas dimensões da desconstrução na política: a primeira é a indecibilidade, que envolve o conjunto de possibilidades imprevistas na política, e a segunda, é a decisão, que está relacionada a orientação identitária contextual no momento da decisão, a opção política, a cada evento. Tanto a indecibilidade, quanto a decisão, apesar de serem supracitadas como dimensões não se separam, não se trata de complementação, mas estão ligadas e intrinsecamente imbricadas na luta pela significação que envolve a produção da política.

A indecibilidade e a decisão são constitutivas da tensão que torna possível as articulações políticas na sociedade, é o que torna possível a sociedade política. Por isso, Laclau afirma que a desconstrução requer uma teoria da hegemonia, uma teoria da decisão tomada em terreno indecidível. Assim, “[...] só a hegemonia pode ajudar a teorizar a distância entre indecibilidade estrutural e realidade” (Mouffe, 2016, p. 12). É nesse sentido, que Laclau enfatiza que “[...] o momento de quase-fundamentação (a decisão) é algo similar a autofundamentação, que é, entretanto, radicalmente contingente - aponta, nesse sentido, para uma primazia da política sobre a ética para uma teoria da hegemonia” (Mouffe, 2016, p. 13). A hegemonia seria vista pelo autor, como ponte entre a indecibilidade e decisão.

Pensar a ética é essencial para pensar a política democrática, pois, não é pela oferta de argumentos racionais sofisticados, nem pela construção de verdades que os valores e preceitos democráticos podem ser promovidos, exige-se um compromisso ético e político que envolve os processos de identificação do sujeito.

Dessa forma, afastando-se de uma tradição eficienticista e um enfoque estrutural, com base na teoria do discurso de Laclau e, na desconstrução, de Jacques Derrida, recorremos à noção de tradução para analisar as políticas de currículo na atualidade, confrontadas por uma normatividade marcada pela tentativa de unificação ou hegemonização, visando o controle não tão somente de aprendizagens, mas de currículos, de formação, do outro, o controle da subjetividade.

Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como política de currículo nacional, tem como orientação “[...] o foco na aprendizagem como estratégia para fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades (meta 7), referindo-se a direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” (Brasil, 2017, p. 12).

Sob o nome de direito e justificado pelo discurso de qualidade, busca-se controlar conhecimentos, mais ainda currículos, a formação e, também, os processos de avaliação. Trata-se de tentar controlar as formas e as figuras do aprender, inclusive controlar o futuro, o porvir, como bem explicita o documento:

Trata-se, portanto, de maneiras diferentes e intercambiáveis para designar algo comum, ou seja, aquilo que os estudantes devem aprender na Educação Básica, o que inclui tanto os saberes quanto a capacidade de mobilizá-los e aplicá-los (Brasil, 2017, p. 12).

É no sentido de questionar toda e qualquer forma de objetividade, estrutura, fundamento e centralização, amparada em Derrida e em Laclau e Mouffe (2015) que temos operado a política de currículo como uma articulação discursiva aberta, por isso, recorremos à noção de tradução derridiana. Para Derrida, estamos sempre em condição de tradução, pois “[...] a tarefa da tradução abre um espaçamento para nova construção proveniente da ultrapassagem de limites internos ao sentimento de pertencimento. Mas para que tal construção se dê é preciso abertura para uma hospitalidade incondicional” (Carvalho, 2006, p. 149).

Em uma abordagem amparada pela teoria do discurso e pelo pensamento derridiano sobre a desconstrução, é demonstrada a preocupação na redução da potencialidade interpretativa em relação as proposições de regras e os desdobramentos produzidos por meio da tradução, comumente visto nos enfoques binários e essencialistas que tolhem o dinamismo do movimento de traduzir (Cunha, Costa, 2021).

Laclau e Mouffe (2015) ao defenderem a dinâmica e a abertura da política, afirmam a hegemonia como um algo que só é possível pelos processos de equivalências e diferenças. Derrida ao fazer a leitura sobre alteridade, enfatiza que a inclusão/exclusão é o que possibilita a comum relação com o ou ao outro.

Neste sentido, a tradução trata de uma ausência ou imprecisão interpretativa requerida ao texto, destituído de qualquer clareza; é um movimento que, ao mesmo tempo, desfaz uma pretensão do ser (Cunha, Costa, 2021) e produz um significado.

Tradução não é, nesse sentido, perda ou distorção dos sentidos, ao contrário, é (re)criação de sentidos ao mesmo tempo iguais, que podem ser iguais em natureza, mas diferentes em outro idioma ou significação. A tradução é, ela mesma, a tentativa de decidir frente ao texto constituindo o mundo e a si, é a condição e lugar inesperado do significar e da decisão, devido à incapacidade de acesso ao sentido originário, da própria intenção, presença plena ou consciência (Cunha, Lopes, Borges, 2018).

É com essa interpretação que se desenvolve a importância do movimento de tradução e desconstrução para se pensar a normatividade, entendendo ser por meio deste movimento a possibilidade de defender o direito à diferença, à existência, à decisão, à educação de qualidade, de existir no currículo, na política, de questionar conhecimentos e reclamar toda pretensão de universalidade e homogeneização nos currículos e nas políticas.

Para sustentar tal argumentação, a noção de tradução pode ser pensada como “[...] dinâmica traidora daquilo mesmo que se julga proteger, do sentido que se quer assegurar ou precisar na relação com o outro (Derrida, 2010)” (Cunha, Costa, 2021, p. 1250), enquanto princípio fundamental para a alteridade.

A tradução é um ato inventivo, “[...] um fazer marcado não por uma opção do sujeito frente ao texto em que constitui o mundo e a política, mas como via condicional de significar e existir” (Cunha, Costa, Borges, 2018, p. 194). Por não ser perda, tampouco distorção, a tradução é uma (re)criação de sentidos, carrega marcas da linguagem, mas difere pela significação e pelos processos de subjetivação, rompendo com a noção de tradução como cópia e repetição.

Nesse contexto argumentativo, é relevante considerar os antagonismos como um processo contingente, marcado pela precariedade. Isso porque, quando entendemos o antagonismo como sendo o limite de toda e qualquer objetividade / identidade (Cunha, Costa, Borges, 2018), não implica negar a afirmação da existência de um algo que esteja ali - uma presença -, mas afirmar que há elementos que impedem sua constituição plena.

Dessa forma, a política é entendida como produção de sentidos, em sua relação contextual e circunstancial que torna a luta política possível, na qual os sujeitos articulam-se como possibilidade de “[...] um ato insurgente de tradução cultural” (Ribeiro, 2017, p. 583), o que não se confunde como processo negativo ou com relativismo. A tradução é, portanto, requerida nos processos políticos como condição da democracia deslocando a representação da diferença não como centro ou conteúdo a ser ministrado, mas compreendê-la nas relações de poder, analisando a cultura e os processos de diferir no seu fluxo discursivo.

A tradução opera na linguagem e na diferença da escrita, respondendo ao que existe lá fora (realidade) e, simultaneamente, apresenta rastros da existência de um sujeito identificado anterior à decisão (transcendente ao discurso) como nos aponta Ribeiro (2017, p. 583), um processo de subjetivação marcado pelas lutas e antagonismos que disputam lugar e poder.

É a partir dessa interpretação que Laclau faz uma crítica à noção de identidade e sujeito, bem como à noção de “[...] posições do sujeito” (Laclau, Mouffe, 2015, p. 190), passando a operar com “[...] processos de subjetivação” (Lopes, 2018, p. 103). O sujeito neste sentido, não é predefinido e nem possui uma identidade fixa.

Portanto, os sujeitos são constituídos a partir de atos de identificação / subjetivação, “[...] conectados à decisão contingente” (Lopes, 2018, p. 103). Não há um significado ou uma identidade dada e fixa, apenas a ser evidenciada nas articulações políticas; os sujeitos não têm uma identidade que os represente de uma vez por todas e, por essa razão, “[...] é pela decisão e por um ato de poder em estruturas indecidíveis” (Lopes, 2018, p. 103), na luta política, que se inscrevem e se formam os processos de identificação.

A política é sobretudo, uma decisão ética por isso defendemos e apostamos no compromisso com a alteridade (Ramos, Cunha, Silva, 2022). Numa perspectiva desconstrucionista, a política é marcada pela ideia de tradução, trai qualquer contrato de verdade e implica em escolhas/decisões contextuais. Aceitando que toda identidade é diferencial (Laclau, 2011), contrapomo-nos a perspectivas e discussões, inclusive de políticas de currículo atuais que carregam o nome de base comum, que vem atualmente reduzindo sentidos de currículo, de cultura e diferença, intentando sobre a demarcação da diferença como “[...] uma coisa” (Ribeiro, 2017, p. 580).

Tais políticas têm tentado representar a diferença com base em traços pré-dados de uma cultura, projetando identidades culturais sob a ótica da diversidade, limitando a diferença a conteúdos passíveis de serem ensinados e aprendidos, ao mesmo tempo em que, forjam modelos de formação para um sujeito/identidade em “[...] um sistema simbólico e representacional fechado” (Ribeiro, 2017, p. 582).

Portanto, temos nos colocado em contraposição aos traços de homogeneização das políticas atuais, tais como BNCC e currículos estaduais e locais, assim como a toda tentativa de negação da diferença, defendendo a política como produção de sentidos e o currículo como política cultural, constituído na contingência e na luta pela enunciação do que vem a ser currículo, escola, política e educação do campo.

APONTAMENTOS FINAIS PARA UMA (IN)CONCLUSÃO

Pensando a tradução e os processos de subjetivação na política, temos no atentado a partir de distintos trabalhos investigativos no campo e, pensado as formas de ser e decidir na política, encarando o texto não apenas como escrita, mas como linguagem opaca e como processo dinâmico aberto à tradução / subjetivação / desconstrução do texto da política.

É no sentido de questionar a fixação com base em um projeto político para a formação de um sujeito pré-moldado, proposto por um discurso universal e pretenso à homogeneização, que as atuais políticas de currículo têm se definido. Em nome de um currículo nacional, são articuladas competências e habilidades - conhecimentos poderosos -, que geram expectativas de aprendizagem, a fim de produzir identidades esperadas, um outro apalpável / representável e definidas a priori - projeção identitária -, sobretudo, com a promessa de ser a boa educação, insurgindo-se como elemento imperativo para que se atinja a qualidade da educação.

Com as políticas atuais, identificamos a disputa pela produção de um outro. “Não se trata, já de matá-lo, devorá-lo ou seduzi-lo, nem de enfrentá-lo ou rivalizar com ele, também não de amálo ou odiá-lo; agora, primeiro trata-se de produzi-lo” (Skliar, 2003, p. 41). Mas quem é esse outro da e na política a quem tentamos enxergar? São entendidos neste texto, como os que buscam encontrar traços e marcas de suas lutas e trajetória histórica nestas políticas. O outro, no contexto das políticas curriculares atuais, políticas de cunho neoliberal, tem deixado sua existência para ser convertido a objeto de produção, um outro projetável através de um currículo ou uma base que pretende formar identidades plenas.

Na sua alteridade radical ou na singularidade irredutível, talvez o outro tenha se tornado um rastro que aparece apenas pela exclusão, pelo apagamento, pelo violento desaparecimento nestas políticas. Para Skliar (2003, p. 41), “O caso é que a alteridade começa a faltar e que é imperiosamente necessário produzir o outro como diferença à falta de poder viver a alteridade como destino”. O outro que reverbera nas políticas de currículo tem se constituído na anulação, na fabricação de um futuro, de uma imagem ou de uma representação impossível, por meio de um currículo que hospeda o diverso ao mesmo tempo em que tenta anular a diferença enquanto diferimento.

Com Macedo (2017) temos pensado a importância de desconstruir discursos simplistas que relacionam a qualidade da educação com resultados de dinâmicas avaliativas restritas. Seguindo a mesma direção da autora, nos propomos a investigar as políticas de currículo atuais para a educação do campo, a partir de um enfoque pós-estruturalista, apresentando a contribuição de Laclau e Mouffe (2015) e de noções derridianas para a investigação empreendida.

Nesse exercício crítico, temos nos posicionado contraditoriamente à relação simplista que as atuais políticas de currículo têm apresentado e à tentativa de controle da aprendizagem, formação, avaliação e currículo - a performatividade e responsabilização - as quais apresentam a diferença de forma sujeitada, coisificando a cultura, em nome da ideia da boa educação ou qualidade da educação, produzida de forma agressiva “[...] de privação para pensar a necessidade de uma normatividade para a educação na forma do currículo” (Macedo, 2017, p. 520).

Com isso, temos buscado questionar normas / bases / currículos comuns em suas tentativas sempre frustradas de controlar a imprevisibilidade em que se inscreve todo projeto de formação. Estamos certos de que, por mais que haja tentativas de controlar os efeitos e os movimentos constitutivos hegemônicos hoje nas políticas atuais - fortalecendo o discurso de que uma BNCC ou currículos estaduais é/necessária/necessários -, pensar e investigar políticas de currículo para a educação do campo, em tempos de centralização curricular, é entender que essa produção é sempre rasura.

Por ser rasura e apresentar rasgos, se torna imprevista, estará sempre por vir, e por ser incontrolável e indecidível, é marcada por investimentos teóricos e políticos que os sujeitos fazem, na luta política em que se inscrevem e nas decisões contingentes que tornam possível a desconstrução de discursos hegemônicos, por meio da tradução comprometida com a alteridade e com a diferença.

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Recebido: Setembro de 2023; Aceito: Outubro de 2023

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