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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.14 no.1 Uberlândia ene./apr 2015  Epub 20-Mar-2024

https://doi.org/10.14393/che-v14n1-2015-7 

Dossiê: Colégio Pedro II - Lugar de Memória da Educação Brasileira

UMA REFLEXÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DA GEOGRAFIA ESCOLAR OITOCENTISTA

A Theoretical-Methodological Reflection to the Historiographical Production of School Geography in the Nineteenth Century

Márcio Ferreira Nery Corrêa1 

Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Professor de Geografia do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II.

marciofncorrea@gmail.commarciofnc@bol.com.br

1Professor de Geografia do Departamento de Geografia do Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo

O presente artigo consiste em estabelecer uma breve reflexão teórico-metodológica acerca da História do Ensino da Geografia, enfatizando a importância da História da Geografia Escolar na própria elucidação do processo de formação territorial do Brasil durante a construção do Estado Imperial Brasileiro. Consiste também em demonstrar a notável importância do Acervo do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (NUDOM/CPII) para esse tipo de produção historiográfica feita por não historiadores.

Palavras-chave: História da Geografia Escolar; Geografia no Imperial Collegio de Pedro II; Século XIX

Abstract

This article aims at establishing a theoretical and methodological reflection of History of Teaching Geography, emphasizing the importance of History of School Geography in the clarification of the process of Brazilian territorial formation along the constitution of the Brazilian Imperial State. Another goal is demonstrating the relevance of the Collection of the Nucleus for Documentation and Memory of Colégio Pedro II (NUDOM/ CPII) for this type of historical production made by non-historians.

Keywords: History of School Geography; Geography at the Pedro II School; Nineteenth Century

A história da geografia escolar e a problemática da formação territorial do Brasil

Há pelo menos vinte e poucos anos os estudos historiográficos de geografia no Brasil têm testemunhado uma renovação teórico-metodológica que alargou as possibilidades de investigação para aquém ou além do âmbito universitário2. Antes, a “geografia acadêmica”, institucionalizada no país durante os anos 1930, estabelecia arbitrariamente um marco metodológico que impossibilitava outros estudos historiográficos com recortes temáticos e temporais anteriores à década de 30. Acreditava-se que tais estudos seriam desinteressantes para o reforço do caráter institucional-acadêmico e, portanto, para a estratégia momentânea de um projeto científico atrelado à prática acadêmico-universitária. Essa situação afirmava-se como um verdadeiro óbice ideológico à medida que qualquer outro conhecimento geográfico não acadêmico era considerado a-científico ou pré-científico (SOUZA NETO, 2006). Entendida desta forma, a matéria era compreendida por um prisma evolucionista, adotando-se uma prática historiográfica mimética aos padrões europeus, sustentada na convicção de que a ciência era intrinsecamente uma herança europeia difundida pelo mundo (BASALLA, 1967).

O óbice ideológico facultado pela estreita abordagem historiográfica resultou em um tratamento negligente em relação às chamadas sociedades geográficas originadas no século XIX3, posto serem consideradas pré-científicas. Com muito mais ênfase, a mesma negligência se daria em relação à “geografia escolar”, não sendo esta nem de perto um tema histórico digno de atenção por parte dos geógrafos-historiadores mais antigos4.

A abordagem historiográfica da “geografia escolar” só se manifestaria mais tarde, nos anos 80, através da dissertação de mestrado de Vânia Vlach (1988) ou, posteriormente, por meio da dissertação de mestrado5 de Genylton Odilon Rêgo da Rocha (1996). Ambos os pesquisadores podem, de certa forma, ser inseridos no empenho mais amplo de renovação metodológica do campo investigativo denominado História do Pensamento Geográfico. Compreendia-se que a “geografia dos professores”6 seria objeto de estudo da própria “geografia acadêmica” ou mesmo das pesquisas desenvolvidas dentro do amplo campo da Educação.

Nesse particular, a importância do Colégio Pedro II apareceria mencionada com destaque em ambos os estudos, justamente por ter sido a instituição pioneira na implantação do ensino sistemático, regular e seriado da geografia escolar e, evidentemente, de outras disciplinas escolares no Brasil7. Seria o Imperial Colégio o âmbito institucional onde as políticas públicas para a educação secundarista estariam postas originalmente em prática, representando o reduto de parcela significativa da elite intelectual do país e ambiente de formação da futura elite política ou da geração que se empenharia nos cargos de primeiro ou segundo escalão da máquina pública do Estado.

Não obstante as valiosas contribuições de Vlach (1988) e Rocha (1996) que debateram, entre outros assuntos, a pertinência ou não de se destacar o ensino escolar de geografia enquanto instrumento de inculcação patriótica no processo de formação do Estado-Nação brasileiro durante o século XIX, a menção ao Colégio Pedro II não significou uma abordagem da própria prática de ensino em geografia nesta destacada Instituição de ensino secundário. O estudo de Rocha (1996) chegou a analisar o lugar da mencionada disciplina no currículo oficial prescrito originalmente para o destacado Colégio e, por extensão, para todo o Brasil, o que per se já é demasiadamente valioso; porém, o seu objeto não era a Geografia ensinada no Colégio Pedro II durante o século XIX.

A plena investigação da História da Geografia Escolar tem as suas limitações de abordagem, na medida em que a sintomática ausência de cultura memorialística no Brasil cerceia o trabalho de coleta de dados para o desenvolvimento de análises no tema referido. A falta de preservação de documentos concernentes aos registros de aula, aos variados tipos de avaliação dos discentes (isto é, os testes ou as provas), aos livros de matrículas que ajudam a compor o quadro docente das distintas cadeiras do ensino oficial, aos cadernos de anotações discentes ou docentes dos conteúdos efetivamente ensinados (e não somente os prescritos), entre outros dados considerados significativos para a compreensão da natureza da disciplina escolar; em suma, a ausência de uma massa documental substanciosa impossibilita uma investigação mais ampla sobre a história da geografia escolar ou das outras disciplinas escolares capazes de compor com precisão os pormenores do cotidiano escolar. Em outros termos, a geografia no Colégio Pedro II, e tudo a ela relacionada, continuam carentes de um estudo específico8.

É justamente nesse contexto cultural de descaso da memória da Educação no Brasil que a presença de um Núcleo de Documentação e Memória como o do Colégio Pedro II passa a ser de inestimável valor. O NUDOM, como é conhecido o referido Núcleo criado no final dos anos 90, em parte simboliza o atendimento parcial dessa demanda muito cara às pesquisas de vários campos, com particular ênfase para a História das Disciplinas Escolares.

Contudo, em nosso entender, a importância de se estudar a geografia ensinada no Colégio Pedro II, particularmente no século XIX, não se circunscreve apenas à “história da geografia escolar” stricto sensu. Compreender os conhecimentos formulados no âmbito desse nível de ensino por professores secundaristas de Geografia, considerados de notório saber9, tem sido objeto de interesse para a própria “geografia acadêmica”, particularmente porque a “geografia escolar” é apenas uma das modalidades do que se convencionou chamar de pensamento geográfico10. E em se tratando de uma modalidade formuladora de um conhecimento específico sobre o espaço geográfico em um determinado período, a “geografia escolar” passa a interessar concomitantemente à “história do pensamento geográfico” e à “geografia histórica”.

Para a chamada “história do pensamento geográfico”, estudar a geografia escolar na sua dimensão temporal ajuda a esclarecer as diferentes concepções dadas à própria geografia enquanto área de conhecimento, especificando as noções desenvolvidas no bojo da própria disciplina escolar ou advindas por transposição da disciplina científica de referência; daí serem importantes os estudos recentes que envolvem a distinção da produção de conhecimento em dois diferentes âmbitos institucionais: a escola e a universidade.

Mas não é só para esse fim que cabe o estudo da geografia escolar pela “história do pensamento geográfico” (ou, talvez, simplesmente, “história da geografia”): compreender os currículos prescritos e/ou ocultos de geografia significa interpretar também as representações espaciais e as ideologias geográficas11 subjacentes aos conteúdos de aula e aos materiais didáticos utilizados nas práticas pedagógicas do passado. A verificação de documentos históricos para atestar ou refutar a hipótese do perfil inculcador da geografia escolar em um determinado contexto histórico (em particular, o contexto de formação do Estado-nacional) é condição sine qua non para qualquer tipo de conclusão a esse respeito.

Esse também não deixa de ser um interesse específico da “geografia histórica” pela “geografia escolar”; afinal, cabe à primeira perscrutar o papel que a segunda exerce na formulação de concepções acerca do espaço geográfico, em suas diferentes escalas, através do tempo. E, em se tratando de escala nacional, crê-se ser demasiadamente útil para a “geografia histórica” ponderar acerca do papel exercido pelo ensino escolar de geografia na difusão da ideia de território nacional.

A tarefa, portanto, de identificar os detalhes da prática de ensino de geografia no Colégio Pedro II parece ganhar mais sentido quando relacionada à identificação de alguns processos sociais mais amplos testemunhados no século XIX, com particular ênfase para o processo de formação do Estado Imperial Brasileiro, dado o seu caráter peculiar em comparação a processos correlatos testemunhados em outras partes do mundo. Nesse sentido, pode-se asseverar que uma forte visão territorialista acompanha a concepção de país ao longo da formação brasileira, e essa visão, como assevera Moraes (2009a)12, “[...] concebe o Brasil como um espaço, e não como uma sociedade, isto é, o país é identificado com seu território e não definido como uma nação. [...]”.

Essa realidade histórica implica em dizer que, na lógica dos países de formação pós-colonial, o território ganha significado expressivo e antecede a própria constituição da nação. Esta última, por sua vez, processa-se como produto ideológico de uma história nacional formulada pela elite política, já contando, de antemão, com um substrato espacial herdado do colonizador - um território a se construir simbolicamente e a se consolidar materialmente (MORAES, 2008, 2009b)13.

Dessa forma, tratando-se de “história da geografia escolar” em um viés não apenas da tradição da “história da disciplina escolar”, espreita-se uma aproximação necessária com a própria “geografia histórica”, que objetiva desvelar, entre outras coisas, o processo de “Formação Territorial” de um país14.

A busca pela compreensão de como a “geografia escolar” do século XIX contribuiu para a formulação simbólica do território brasileiro durante o processo de construção do Estado Imperial do Brasil tem se revelado como um dos objetivos da pesquisa documental efetivada no âmbito do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II.

Como diretriz metodológica da pesquisa, tem-se trabalhado com a hipótese inicial de que essa geografia escolar oitocentista manteria os seus propósitos no intento de fazer do território uma forte argamassa argumentativa da unidade nacional, explicitando, assim, o seu apelo para a inculcação patriótica.

A necessidade de inculcação patriótica parece premente para a construção simbólica do espaço nacional em vista das ameaças constantes de fragmentação territorial do Estado em formação durante meados do século XIX. Porém, a tarefa de confirmar ou não essa hipótese requer correspondência documental, conquanto afirmar ou rechaçar incisivamente o papel doutrinador do ensino da geografia no século XIX vai além dos argumentos.

Sem evidências discursivas ou conjunturais dos agentes e dos processos históricos, a hipótese não se consolida, e isso pode levar a crer que buscas teleológicas as mais das vezes conduzem inadvertidamente a confirmações históricas que não coexistem aos fatos.

Assim, nas investigações ora postas em prática, evita-se guiar a pesquisa pela confirmação da hipótese em si; opta-se, em verdade, pela lógica da descoberta e dos questionamentos, preservando a historicidade dos agentes e dos processos, e não a naturalização dos fatos, reforçada muitas vezes por esta ou aquela historiografia ou por esta ou aquela reflexão teórica. São os documentos - passados pelos os mais variados crivos, particularmente por um viés crítico de análise - que confirmam ou contradizem o antes dito, bem como revelam o antes não dito.

Portanto, uma vez estabelecida uma menção metodológica superficial no parágrafo acima, não se constituindo ela em si em nenhuma novidade para os historiadores contemporâneos (tampouco em grande heresia o fato de relembrá-la...), crê-se pertinente asseverar que o Acervo do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II em muito vem contribuindo para o propósito de elucidar a problemática aqui brevemente suscitada.

Como parte preparatória do necessário trabalho de pesquisa documental, o presente artigo almeja circunscrever-se a apenas algumas das muitas necessárias reflexões teórico-metodológicas que antecedem a própria construção do objeto e da problemática aqui brevemente descritos. Assim, propõe-se desenvolver, nas próximas linhas, uma sucinta reflexão acerca de alguns “fundamentos metodológicos” da prática historiográfica contemporânea do ensino da geografia, correlacionando-os, dentro do possível, com alguns enfoques e abordagens próprias da “história da geografia escolar”.

A colocação anterior exige uma explicação: é preciso elucidar que se considera como “ensino de geografia” algo que não diz respeito apenas ao âmbito escolar, abarcando também outras instâncias do saber, como o ensino universitário ou técnico, por exemplo. E isso conduz a considerar o provável fluxo de experiências pedagógicas e técnico-científicas que circula entre esses diferentes âmbitos do ensino.

A oportunidade certamente exige o estabelecimento de um necessário enlace mais estreito dessa reflexão metodológica com a pesquisa que ora vem sendo desenvolvida; assim, reserva-se para a última seção deste artigo uma menção ao acervo NUDOM e sua importância frente à elucidação da experiência institucional vivida pelo Imperial Collegio de Pedro II15no que concerne à prática de ensino de geografia desenvolvida durante o século XIX.

Considerações acerca de alguns fundamentos teórico-metodológicos da produção historiográfica do ensino de Geografia

O intuito desta seção é verificar alguns fundamentos teórico-metodológicos amealhados em estudos que abordam direta ou tangencialmente o campo da história do ensino de geografia, seja ele em qual nível for (fundamental, médio ou superior). Naturalmente não foram consideradas todas as experiências existentes, todavia procurou-se cotejar algumas poucas experiências de pesquisa, a fim de ser observado nelas não somente o grau de operacionalidade de tais fundamentos, mas igualmente considerá-las no plano das alternativas disponíveis para o estudo historiográfico da geografia escolar ao longo do século XIX, que é o objeto mais estrito da pesquisa ora em desenvolvimento.

Pode-se identificar a origem das pesquisas acerca da História do Ensino da Geografia em dois âmbitos teórico-metodológicos distintos, porém complementares. Uma das origens encontra-se na tradição da “história das disciplinas escolares”, campo pertencente à tradição maior da “história da educação” ou, mais especificamente, à “história do currículo”. A outra origem pode ser verificada no âmbito interno da própria geografia enquanto ciência acadêmica, particularmente quando correlacionada à “história da ciência” e, especificamente, à “história das disciplinas científicas”. As origens das pesquisas se dão em âmbitos diferentes, às vezes com enfoques particulares e com aportes teórico-metodológicos igualmente distintos, e apesar de as preocupações e os objetos nem sempre serem os mesmos, elas muito se complementam; daí a intenção em observá-las na perspectiva de uma agenda ampla, caracterizada por enfoques temáticos igualmente amplos e diversificados.

História do Ensino de Geografia na perspectiva da História Social das Disciplinas Escolares

A atenção à “história da geografia escolar”, particularmente no Brasil, vem sobremaneira a reboque de uma importância mais ampla dada à própria “história da educação” em nosso país. O enfoque à história social das disciplinas escolares e à composição curricular observada ao longo dos anos, mediada pelas diretrizes metodológicas oriundas da “Teoria do Currículo” ou da “sociologia do currículo”, ou ainda da “nova sociologia da educação”, tem sido objeto de bastante interesse nos últimos anos (ROCHA, 1996). Desde a década de 1970 vem se caracterizando um volume crescente de pesquisas afeitas às especificidades do processo ensino-aprendizagem testemunhadas no transcorrer dos anos, e sob essa perspectiva as historiografias das disciplinas escolares ganham expressiva notoriedade (MELO et al., 2001, 2006).

A busca pelas práticas de ensino exercidas no passado, assim como a atenção ao modo livresco de se ensinar as matérias no Brasil, necessariamente conduziu as pesquisas à origem da institucionalização do sistema escolar no país. Nesse sentido, a menção ao Colégio Pedro II constitui-se em referência necessária à História da Educação do Brasil, pois foi nessa instituição que se testemunhou o nascimento de uma instrução secundarista oficial (MOACYR, 1936, 1937, 1938; HAIDAR, 2008; ANDRADE, 1999).

Nesse bojo de retomada de onde tudo começou oficialmente pelas mãos do Estado em formação, a produção historiográfica da geografia escolar tende, assim como as demais histórias disciplinares, a enfocar seus estudos na verificação da prática de ensino, e isto de certo modo implica rever a própria trajetória das atitudes profissionais em torno do seu envolvimento teórico e das suas opções metodológicas (MELO et al., 2001, 2006; PESSOA, 2007). Em alguns casos específicos, por exemplo, há propostas de estudo que buscam compreender quais sentidos são atribuídos ao conhecimento geográfico quando convertido para o contexto escolar (SERRA, 2010). Em qualquer um desses enfoques, é a retomada e a organização dos diferentes momentos da trajetória da geografia escolar que orientam muitos estudos nesse campo.

O que efetivamente tem justificado um aumento de interesse pela história da geografia escolar é a busca pela compreensão do rumo percorrido por essa disciplina desde a sua gênese até os dias de hoje; na maioria das vezes trata-se de estudos panorâmicos orientados em analisar as grandes transformações ou rupturas epistemológicas e didáticas experimentadas no seio da estrutura e organização curricular dessa disciplina ao longo de sua trajetória. Naturalmente, alguns desses estudos também buscam conhecer os motivos que levaram a geografia a ser instituída no currículo escolar brasileiro, e de sobremodo enfatizam a instrumentalidade da disciplina na doutrinação geográfica inerente ao processo de construção do Estado Nacional.

Quando a atenção devida às transformações curriculares no transpassar dos anos é especificada, os estudos em história da geografia escolar operam análises no sentido de perscrutar as razões que levaram a disciplina a manter-se ininterruptamente na composição curricular do ensino básico no Brasil desde o século XIX até os dias de hoje.

Decerto não menos importante nos estudos em história das disciplinas escolares e, especificamente, em história da geografia escolar, são os contextos social, cultural, educacional, político e econômico, presentes na sociedade em dado momento histórico; em verdade, é a consciência acerca de tais contextos que permite a compreensão dos significados atribuídos a determinados conteúdos ou métodos em detrimento de outros. Outrossim, é necessário perceber que a história das disciplinas escolares entrelaça-se com o campo da “sociologia do currículo”, ao investigar a predominância de certas tendências pedagógicas durante uma determinada época, bem como na organização e estruturação dos conteúdos e nos métodos de ensino (PESSOA, 2007).

Todas as possiblidades aqui descritas são caminhos delineados por uma prévia escolha teórico-metodológica, cujos debates provêm do vasto campo da Educação, e não propriamente do universo epistemológico da Geografia strictu sensu. Assim, apesar de alguns estudos se desenvolverem no âmbito dos cursos de pós-graduação de Geografia, a base das discussões provém de fora desta última.

A dissertação de mestrado de Rodrigo Pessoa (2007) - defendida no âmbito de um Programa de Pós-Graduação em Geografia, e não em Educação16 - é elucidativa a esse respeito. Descrevendo o caminho percorrido pela geografia desde sua origem até hoje, Pessoa destaca resumidamente a existência de três perspectivas de análise teórico-metodológica pelas quais a disciplina escolar pode ser abordada ao longo de sua trajetória histórica. A primeira delas enfatiza a maneira como se dá a transposição didática do saber científico para o âmbito escolar; a segunda, antagônica à primeira, apresenta a disciplina escolar como entidade relativamente autônoma em relação ao saber produzido em âmbito acadêmico; a terceira procura mostrar que a contemporânea preocupação com as disciplinas escolares provém de duas vertentes: a sociológica e a filosófica.

Na primeira perspectiva caberia perguntar o significado de “transposição didática”. Seria...

[...] o conjunto de transformações que sofre o saber científico, antes de ser ensinado. Da escolha do saber a ensinar à sua adaptação ao sistema didático, existe todo um processo gerador de deformações, de estabelecimento de coerência e até de criação de novos conhecimentos, que culmina com o que se chama de saber escolar, enunciado nos programas e, particularmente, observáveis nos livros-texto. (CHEVALLARD, 1985, apud PESSOA, 2007, p. 23).

A disciplina escolar vista como mera transposição didática do saber acadêmico é estudada na história da educação tendo em vista o caminho percorrido pelo conhecimento produzido na academia até chegar à escola; em outros termos, essa perspectiva da história da disciplina escolar objetiva entender como se deu a transformação do conhecimento científico, ausente na escola, em conhecimento escolar.

Certamente esta é uma perspectiva polêmica, pois enfatiza a sujeição e subordinação das disciplinas escolares em relação às ciências de referência. O conhecimento “superior” seria transformado para um conhecimento hierarquicamente “inferior” por intermédio de adaptações didáticas atentas a técnicas apropriadas de transposição do conhecimento gerado na academia, a fim de ser ensinado de forma adequada na escola. Nesse caso, seria até de certa maneira inapropriado o termo “conhecimento escolar”, posto não ser um conhecimento genuinamente produzido dentro de uma instância autônoma, mas uma reprodução adaptada de conhecimento produzido alhures.

Apesar da latente inconveniência em ignorar a possibilidade de uma produção de conhecimento eminentemente escolar, essa perspectiva teórico-metodológica é amplamente aceita. Isso se dá em virtude da suposta conveniência em se inserir a didática em um campo com fundamentação científica. Da mesma forma, essa perspectiva é igualmente considerada por consolidar o ideário de que os conteúdos escolares têm origem no saber científico, que deve ser constantemente incorporado pelos agentes educacionais. O saber científico, neste sentido, legitimaria as disciplinas escolares (BITTENCOURT, 2003).

A segunda perspectiva teórico-metodológica delineadora de algumas pesquisas sobre a história das disciplinas escolares provém de um outro conceito que, em sua gênese, apresenta-se como antagônico ao de transposição didática. Trata-se da concepção de disciplina escolar enquanto entidade relativamente autônoma, que tem como principal representante o francês André Chervel (1998).

Esse autor não compreendia a disciplina escolar como mero agente de transmissão de saberes produzidos por instâncias existentes fora do ambiente escolar. Para ele, o princípio que regia essa concepção consistia na certeza de que a escola seria por excelência o lugar onde se estabeleceria o conservadorismo, a inércia e a rotina.

Logo, para Chervel as concepções referentes ao saber escolar são essenciais para se ter um entendimento claro e transpor os desígnios de uma maneira de compreender determinadas situações que reforçam a ideia de que os agentes históricos que promovem as mudanças estão exclusivamente em outro lugar que não seja a escola e que esta adquire novas feições apenas pelas intervenções de elites intelectuais ou pelo poder político institucional. (PESSOA, 2007, p. 25).

Em outros termos, o papel da instituição escolar consistiria em representar um lugar de produção do conhecimento com particularidades originais, ao invés de ser mera transposição de conteúdos preexistentes e exteriores a ela.

Esse conhecimento seria, assim, produzido no interior de uma cultura escolar específica, denotando certa autonomia ao construir os seus próprios tipos de saberes ou habilidades. Tal argumento, suscitado originalmente por André Chervel (1990, 1998), consubstancia-se ao dizer que, inobstante o fato de os conteúdos de ensino serem provenientes dos grupos sociais e da cultura que cerca a escola, as disciplinas escolares não se prendem direta e exclusivamente às ciências de alusão, “[...] pois se assim fosse, seria dada à pedagogia a característica de um mero procedimento metodológico” (PESSOA, 2007, p. 25). Em outras palavras, se assim ocorresse, o papel das disciplinas escolares restringir-se-ia a simples vulgarização dos saberes.

Para Chervel, os saberes escolares não representam a vulgarização dos saberes científicos; ao contrário, eles seriam concebidos como entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, em uma certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia a que elas não parecem dever nada além delas mesmas, quer dizer, à sua própria história (CHERVEL, 1998).

As antagônicas perspectivas teórico-metodológicas demonstradas até agora neste texto podem ser sintetizadas por Hérbrard no trecho abaixo:

[...] hoje, o principal debate desse domínio refere-se às relações entre saberes eruditos e saberes escolares. Para certos autores (modelo da transposição didática), os sistemas escolares são percebidos como dispositivos que selecionam e transformam os saberes produzidos pelos ‘intelectuais’ com a finalidade de torna-los assimiláveis pelos novos alunos. Para outros (modelo da história das disciplinas escolares), a escola constrói seus próprios tipos de saberes ou habilidades conforme os modos de elaboração, cuja lógica pode ser encontrada dentro dos próprios sistemas educativos. É o caso, por exemplo, das gramáticas escolares, que durante muito tempo não se beneficiaram dos avanços da filologia ou das ciências da linguagem e dificilmente aceitaram esse enxerto quando a ocasião se apresentou. (HÉBRARD, 1999, p. 35-6, apud PESSOA, 2007, p. 25).

A história das disciplinas escolares mediada pela perspectiva da disciplina escolar enquanto entidade autônoma parte do pressuposto de que o saber escolar busca os seus próprios objetivos, liga-se autonomamente a outros saberes e não se constitui em conhecimento de classe inferior se comparada a outras instâncias do conhecimento. Assim, o seu intuito seria divulgar as disciplinas escolares como criações espontâneas e originais do sistema escolar; elas constituir-se-iam, desse modo, como produtos históricos do trabalho escolar e como instrumento de trabalho pedagógico (PESSOA, 2007).

A terceira e última perspectiva mais acima anunciada refere-se, como dito anteriormente em nota, à contribuição do historiador britânico Ivor Goodson. Para este especialista em, entre outros assuntos, “história social dos conteúdos escolares”, as explicações sobre disciplinas escolares advêm de duas perspectivas: a sociológica e a filosófica.

Na perspectiva sociológica, as disciplinas escolares são providas de uma organização estrutural concordante com os interesses dominantes dos detentores do poder na sociedade. Goodson (apud PESSOA, 2007; ROCHA, 1996), todavia, considera o parecer dessa perspectiva bastante limitado, apesar de correto. Os conteúdos escolares não significariam apenas construções históricas e sociais de uma determinada época e somente atribuída a um grupo dominante; este posicionamento, visto de tal modo, mostrar-se-ia muito injusto com os demais grupos envolvidos ao longo do tempo com o desenvolvimento e promoções desses mesmos conteúdos.

Na perspectiva filosófica, que faz objeção à perspectiva sociológica, “[...] as disciplinas escolares são criadas e definidas por uma comunidade de intelectuais, geralmente, ligados ao ensino superior, que as ‘transpõe’ para uso como disciplina escolar.” (apud PESSOA, 2007; ROCHA, 1996). Dessa forma, à semelhança do que foi visto na primeira perspectiva da “transposição didática” aqui já demonstrada, essa perspectiva filosófica pressupõe, de maneira equivocada, que a evolução das disciplinas escolares está completamente subordinada ao progresso intelectual de um determinado campo de conhecimento acadêmico. Trata-se de uma maneira anacrônica de conceber a origem da disciplina escolar, e isto tem sido aceito pela comunidade escolar em alguns casos.

Goodson não economiza críticas a essa perspectiva, defendendo a ideia de que, ao contrário de possuírem as mesmas estruturas das disciplinas acadêmicas, muitas disciplinas escolares têm sua formação histórica precedente às ciências de referência, e ainda deduz que muito do que se aplica na escola nem mesmo possui uma disciplina-mãe.

Tais críticas aos pressupostos dessa perspectiva ganham particular ênfase ao ser considerado o exemplo no Brasil da trajetória histórica da geografia enquanto disciplina escolar: a existência desta antecede em quase cem anos a constituição de uma disciplina-mãe, isto é, de uma disciplina acadêmica no campo da geografia17.

Ainda no tocante a essas críticas, Goodson salienta que as disciplinas escolares “[...] sofrem interferências de diversos segmentos como dos próprios professores e de pessoas relacionadas ao poder da administração escolar” (GOODSON, 1990, apud PESSOA, 2007). Segundo esse historiador, o grau de isolamento ou autonomia das disciplinas escolares pode ser visto se estas forem relacionadas aos seus próprios estágios de evolução. Longe de serem derivadas de disciplinas acadêmicas, muitas disciplinas escolares surgiram cronologicamente antes das disciplinas acadêmicas; nessas circunstâncias, a disciplina escolar em desenvolvimento realmente causa a criação de uma base universitária para a disciplina científica de forma que professores secundários das matérias escolares possam ser treinados.

Nesse particular, não é outro o caso da geografia se for considerada a participação de nomes como os de Delgado de Carvalho, Fernando Antônio Raja Gabaglia, Honório Silvestre e outros, todos professores secundaristas (em particular, do Colégio Pedro II18) envolvidos na criação de cursos superiores de geografia durante os anos 1920/1930. Alguns desses cursos não prosperaram, mas é certo que a institucionalização universitária da geografia no Rio de Janeiro em parte se deu por esses meios (MACHADO, 2000; MACHADO, 2005).

Ainda segundo o pensamento de Goodson, a construção, modificação e manutenção de uma disciplina escolar não se dão de modo isolado e incólumes a problemas; em verdade, trata-se de um processo derivado de disputas ocorridas interna ou externamente ao âmbito da própria escola. O contexto de construção e manutenção de uma disciplina na estrutura curricular seria, assim, fruto muitas vezes de relações conflituosas de natureza religiosa, econômica, social ou política, entre as quais tomam parte as relações de poder, de controle, de negociações e de alianças existentes entre indivíduos e grupos distintos.

Tanto a contribuição de Chervel quanto a de Goodson são de basilar interesse para a pesquisa ora em desenvolvimento, na perspectiva de elucidar a natureza da geografia escolar durante o século XIX no Colégio Pedro II. Antes dessa referida proposta de pesquisa, outros estudos enveredaram por esse caminho. Além do próprio Rodrigo Pessoa (2007), destacam-se também as contribuições valiosas de Genylton Rocha (1996) - conforme antes salientado - e de Enio Serra (2010). Genylton Rocha (1996), por exemplo, aloca sua contribuição panorâmica da trajetória do ensino da geografia escolar dentro das diretrizes orientadoras da Teoria do Currículo em uma perspectiva crítica oriunda dos avanços teórico-metodológicos advindos do neomarxismo. Enio Serra (2010) não faz diferente: segundo esse autor, seu estudo “[...] parte do pressuposto de que o conhecimento escolar é resultado de complexas relações entre diferentes instâncias produtoras de conhecimento” (p. 2). Este último pesquisador enfatiza ainda o modelo desenvolvido por Bernstein (representante da chamada “nova sociologia da educação”), que pressupõe o processo de recontextualização de saberes e discursos produzidos em outros contextos que não os escolares, para a compreensão do processo de construção do conhecimento geográfico veiculado nas escolas desde a constituição dos sistemas escolares modernos no mundo ocidental.

Seja qual for a base teórico-metodológica utilizada por esses e outros estudos, o certo é que nenhum deles ignorou de todo a herança deixada por uma certa tradição em história do ensino da geografia científica desenvolvida no próprio âmbito interno da geografia acadêmica. Também é importante relembrar que nem toda menção à história da geografia escolar restringe-se ao âmbito da “história do currículo” ou da “história social da disciplina escolar”. Relacionar, por exemplo, o processo de implantação do ensino da geografia e da sua natureza intrínseca ao processo de doutrinação e/ou conscientização espacial, às ideologias geográficas ou a qualquer outra concepção que esclareça o processo de valorização e materialização do espaço geográfico, tende a multiplicar as possibilidades de estreitamento entre a geografia escolar e a geografia científica para além das meras “transposições didáticas”.

História do Ensino de Geografia na perspectiva da História Social das Disciplinas Científicas

Além da perspectiva de pesquisa em geografia escolar originada no próprio âmbito da educação e da sua história, é possível identificar um número expressivo de estudos influenciados por interesses intrínsecos ao próprio âmbito teórico-metodológico oriundo do diálogo entre História da Disciplina Científica e História da Ciência. Neste particular, a história do ensino da geografia (e não propriamente apenas do ensino da geografia escolar) parece ter uma tradição mais longínqua, conforme assevera Capel (1989) no artigo Historia de La Ciencia e Historia de Las Disciplinas Científicas19. O autor salienta a grande importância dada à história da ciência e das disciplinas científicas frente, entre outras coisas, às mudanças conceituais e metodológicas as quais estas últimas estão sujeitas com o desenrolar dos acontecimentos; também aponta diversas aproximações entre ciência e disciplinas, cujos objetos de interesse variam, e vão desde uma análise da própria dinâmica interna da disciplina científica, ou desde o campo mais geral e exterior da história da ciência, até um interesse pelo passado desligado das preocupações contemporâneas. Por isso mesmo Capel também não ignora a inserção de preocupações próprias da história da ciência e das disciplinas científicas a interesse particular devido à história do ensino, na medida em que esta oferece elementos distintivos que ajudam a entender a própria ciência, seja através dos planos de estudos ou programáticos, seja pelo peso dado a determinadas matérias em detrimento de outras.

É no enquadramento acima que, por exemplo, nos últimos anos a história do ensino da geografia tem se constituído em tradição dentro do programa de pesquisa desenvolvido no Departamento de Geografia Humana da Universidade de Barcelona, na Espanha. Desde a década de 70 as pesquisas conduzidas nesse programa desenvolvem um processo de formação de professores, além de proporem análises das relações entre os movimentos políticos proletários e o ensino científico. Suas fronteiras, porém, abarcam também pesquisas referentes à história da instrução primária e à averiguação do processo histórico de organização das escolas normais.

Certamente experiências correlatas podem ser testemunhadas em todo mundo, posto que tais práticas estão hoje compartilhadas em redes de intercâmbio de pesquisas, constituindo-se a “Comissão em História da Geografia”, da União Geográfica Internacional, em um dos principais fóruns de trocas.

A perspectiva de relação entre história da ciência, história das disciplinas científicas e história do ensino da geografia deve ser enfatizada. Os “óbices ideológicos” mencionados por Sousa Neto (2001) impossibilitaram no Brasil, durante um significativo período, estudos mais centrados no século XIX; hoje, porém, tais barreiras foram ultrapassadas, tornando-se possível enquadrar a “história da geografia escolar” também na “história da geografia” propriamente dita; e mais, pode-se mesmo ir além, tendo em vista a exploração do possível caráter doutrinador/ inculcador patriótico da geografia escolar no processo de formação do território nacional, conforme antes assinalado, o que implica um concomitante diálogo com a “geografia histórica”.

Salientar a existência de ambas as frentes de pesquisa e os diferentes diálogos interdisciplinares, com seus respectivos aportes teórico-metodológicos, possibilita o enriquecimento e a valorização do ensino de geografia como objeto de pesquisa. E quando os variados níveis de ensino (fundamental, média e superior) passarem a ser encarados não mais em uma perspectiva hierarquizante (que por si só já é uma perspectiva ideológica e fragmentária), mas em um sentido integrador e complementar, a história das disciplinas, seja a escolar, seja a científica, certamente cumprirá a tarefa de ajudar a elucidar vários aspectos da vida social (espacial, cultural, econômico ou político), que é (crê-se...) a tarefa maior das ciências sociais.

O Acervo do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II como importante elemento para a escrita historiográfica da Geografia Escolar Oitocentista

As reflexões anteriores têm por finalidade ampliar as perspectivas de investigação. Estas, porém, se ressentem de dados empíricos indispensáveis às comprovações ou refutações teóricas. Aliás, uma das maiores dificuldades dos estudos em “história das disciplinas” (escolares ou científicas...) reside justamente na falta de suporte documental em um país sem tradição em preservação da memória social, como é o caso do Brasil. Ver-se-á neste item que há caríssimas exceções, a exemplo do NUDOM (Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II).

A escrita de uma “História da Geografia Escolar Oitocentista” passa necessariamente pela História da Educação Brasileira no século XIX. Dessa forma, impossível seria conceber uma história de disciplina escolar no Brasil sem o resgate da singular contribuição do Colégio Pedro II nesse sentido.

O Colégio Pedro Segundo durante o século XIX, quando então se denominava Collegio de Pedro II, foi reconhecido pelo seu ensino padrão (HAIDAR, 2008). Nascido importante, na medida em que fora projeto posto em execução por um dos homens políticos mais influentes do Brasil em sua época - no caso, Bernardo Pereira de Vasconcellos -, aos poucos foi imprimindo a sua tradição na história educacional do país.

A Instituição teve várias fases, sendo a do Império considerada, talvez, a “Era de Ouro” do Colégio, pois era antes de tudo vinculada - já pelo nome - à figura do Imperador, artífice máximo da elite monarquista na construção de um Estado Nacional erigido nos moldes civilizatórios e tradicionais europeus aos quais pretendia pertencer, ainda que localizada geograficamente nos trópicos.

Não à toa, já na transição de um regime para outro (Monárquico para o Republicano), o Colégio foi objeto de perseguição por tratar-se de verdadeiro símbolo da Monarquia, tendo sido transformado em Ginásio Nacional sem, todavia, ver sua qualidade decair no ostracismo, já que era reduto de parcela significativa da mais alta intelectualidade do país (ANDRADA, 1999; ESCRAGNOLLE DÓRIA, 1997).

Na consideração dos primórdios da organização do Estado do Brasil através da fundação de várias instituições voltadas aos mais diversos propósitos, não há como comparar o século XIX com a mais aguda complexidade da vida institucional, política, econômica e social do século XX. Nesse sentido, evidentemente o Colégio Pedro Segundo haveria de nascer importante. Dentre as parcas instituições de ensino secundário, que por sinal funcionavam sem qualquer padrão de funcionamento minimamente estabelecido, o Colégio seria criado justamente com o propósito de instituir a ordem nesse nível de ensino dentro de um programa mais amplo do governo em exercício, estabelecendo para si a responsabilidade de decidir sobre a natureza do programa de ensino que deveria servir de modelo a todos os estabelecimentos públicos e privados alocados dentro do território nacional ainda em construção.

Boa parte dos acima mencionados registros históricos da referida Instituição encontra-se no Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II (NUDOM). A importância de seu acervo reside justamente na possibilidade de se constatar empiricamente aquilo que suscitamos como hipótese e que corresponde aos anseios sobre a tarefa de dimensionar, nos planos dos estudos geográficos, a importância da geografia escolar como elemento de elucidação da própria história da organização do território brasileiro, ou, em outros termos, da formação territorial do Brasil.

O inventário analítico do Acervo do NUDOM produzido pela pesquisadora Elisabeth Monteiro da Silva (2009) em muito vem contribuindo para uma consulta sistemática da documentação arquivada. Assim, tem-se destacado a possibilidade de analisar alguns documentos conforme a descrição do mencionado inventário e conforme a consideração do recorte temático e temporal da pesquisa em desenvolvimento (a geografia do Colégio Pedro II no século XIX). A existência dessas fontes primárias não se configura em único interesse da mencionada pesquisa; torna-se imperioso salientar a importância do contato com muitas fontes secundárias encontradas no Núcleo. Em se tratando de história institucional, por exemplo, destaca-se, dentre outras fontes, a “Memória histórica do Colégio de Pedro Segundo - 1837-1937” escrita por Luiz Gastão D’Escragnolle Dória (1997).

Parte significativa da documentação encontrada no NUDOM ou mesmo no Arquivo Nacional foi interpretada por Escragnole Dória com o propósito de contar anedoticamente a história dos 100 primeiros anos de Colégio, sendo, portanto, referência obrigatória para todos os que mencionam a referida Instituição em seus estudos.

Quanto à investigação dos programas de ensino adotados pela secular Instituição e que serviram de parâmetro a todos os estabelecimentos públicos e privados do Brasil, destaca-se a obra organizada pelos pesquisadores Ariclê Vechia e Katl Michael Lorenz, qual seja, o “Programa de Ensino da Escola Secundária Brasileira”. A observância da estrutura e organização curricular não só da geografia como de outras disciplinas escolares pode ser estabelecida através da análise dessa obra em conjunto com as próprias reformas do ensino identificadas pelo conjunto das “Leis do Império” (sendo essas interessantes fontes primárias) ou através de outras referências, como a Tese produzida pela historiadora Vera Lúcia Cabana de Andrade - “Colégio Pedro II - Um lugar de memória” (1999). Por intermédio dessas fontes é possível caracterizar o currículo prescrito da Geografia, ficando a cargo dos registros documentais, isto é, de outras fontes primárias, a definição do currículo posto efetivamente em prática, o chamado “currículo oculto”. Dessa forma, compete à análise das mudanças curriculares a identificação dos elementos de continuação ou mudança concernente aos conteúdos, às metodologias e à adoção de determinado compêndio escolar.

Voltando às fontes primárias do NUDOM inventariadas pela pesquisadora Elisabeth Monteiro da Silva (2009), o espectro de documentos e demais materiais de consulta, a exemplo dos livros didáticos, é grande. Dada essa extensão, ainda não foi viável a exploração integral e minuciosa de todo o Acervo concernente ao ensino de geografia, mas graças ao inventário existente é possível compreender totalmente a sua potencialidade para efeitos de pesquisa e produção de saber. Entre os documentos encontrados na chamada Série “Docentes”, por exemplo, destacam-se para os propósitos de escrita de uma “história da geografia escolar oitocentista” as Subséries “Atas de Congregação” e “Concurso para Professores”; e na Série “Documentos Administrativos” distingue-se, sobretudo, a Subsérie “Matrículas de Empregados”.

Através da análise deste último documento pode-se compor um quadro docente de geografia de todo o século XIX20. Assim, nesse achado particular, é notória a identificação de personalidades expressamente envolvidas com a vida intelectual e política do país, como é o caso do primeiro professor de Geografia e História da Instituição, Justiniano José da Rocha, responsável pela produção do primeiro compêndio de Geografia adotado no Colégio, o “Compêndio de Geographia”, cuja primeira edição é de 183821.

É no entrecruzamento de dados amealhados também em outros acervos (Arquivo Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Academia Brasileira de Letras, Real Gabinete Português, Museu Imperial e Fundação Biblioteca Nacional) que se pode verificar a possibilidade de definir o grau de relacionamento dos professores do referido Colégio com outros âmbitos institucionais não escolares, especificando, portanto, os meandros da produção dos saberes escolar e não escolar, a exemplo do que fez a pesquisadora Vera Lúcia Cabana Andrade no artigo “Historiadores do IHGB/ Catedráticos do CPII”.

Enfim, mesmo não sendo, como é de se esperar, o único ambiente de pesquisa para a produção da história da geografia escolar, o NUDOM é um “lugar de memória” por excelência da Educação Brasileira, sendo por isso praticamente obrigatório o acesso ao seu Acervo para aqueles que querem entender, entre outras coisas, o papel da geografia escolar no processo de formação do Estado Imperial Brasileiro.

Considerações finais

Certamente o exercício de reflexão praticado aqui acerca dos aportes teórico-metodológicos ainda é raso e insuficiente para o propósito de operacionalização de uma historiografia da geografia escolar oitocentista. Apesar de ter suscitado a possibilidade de uma gama razoável de enfoques temáticos possíveis, seria necessária a produção de um verdadeiro estado da arte dos estudos em história do ensino da geografia para a construção de uma fidedigna noção desse campo de estudo. No Brasil, os estudos ainda não têm a mesma expressividade que aqueles estabelecidos em países com tradição mais anunciada, como é o caso da Espanha, por exemplo; todavia, na última década é possível constatar uma atenção significativa de alguns pesquisadores para esse campo do conhecimento. De modo geral, os temas envolvem desde a reconstituição da trajetória curricular da disciplina no Brasil a uma comparação dessa experiência a processos correlatos em outros países (OLIVEIRA, 2007).

Entende-se aqui que outras fontes teórico-metodológicas mais abrangentes podem ser utilizadas na perspectiva de relacionamento entre história da geografia escolar e história da organização do território, por exemplo. Mas os diálogos interdisciplinares não param por aí: uma interseção maior entre os campos da “história das disciplinas escolares”, da “história da geografia ou do pensamento geográfico” e da “geografia histórica” pode ser complementada com os campos da “história intelectual”22 e da “história dos conceitos”23.

A esse respeito, ao serem amplamente considerados os campos específicos da História e da Geografia - e do diálogo necessário entre ambas as ciências -, mister se faz assinalar alguns pontos considerados eficazes para os propósitos da investigação em processamento. Assim, da “história das disciplinas escolares” consagra-se, entre outras funções, a análise do processo de definição e revisão dos componentes curriculares ao longo dos anos, tendo por parâmetro, entre outras coisas, a observância dos elementos de permanência e mudança dos programas curriculares, conforme antes assinalado; ainda a respeito da “história das disciplinas escolares”, em que pesem as contribuições valiosas de André Chervel, compreende-se ser importante o resgate de sua teorização acerca da relação entre a produção do conhecimento escolar e a produção do conhecimento não escolar (ou, muitas vezes, conhecimento acadêmico) para além da mera transposição de conhecimentos de um âmbito institucional para outro, problematizando as questões de hierarquização dos diferentes tipos de conhecimento.

A composição do quadro de relações entre os âmbitos escolar e não escolar (acadêmico etc.) implica um diálogo necessário com a “história intelectual”, na medida em que muitos intelectuais transitaram profissionalmente em ambas as instâncias de saberes, denotando um espectro variado de possibilidades de leituras e de intercâmbio de ideias delas provenientes, facultando assim a produção de conhecimento, seja no âmbito escolar na forma de obras didáticas (compêndios etc.), recobrando o “modo livresco” (MELO et al., 2001, 2006) de se ensinar geografia no século XIX, seja em âmbito não escolar (acadêmico ou não) na forma de artigos (incluindo os de caráter jornalístico), obras literárias ou especializadas; é particularmente da análise das obras didáticas que advém a importância da “história dos conceitos”, dentro da qual se avalia a semântica dos conceitos empregados no ensino escolar de geografia, algo tão importante também para a avaliação do caráter inculcador ou não do sentido de pátria ou nação.

No bojo da “história da geografia ou do pensamento geográfico”, cabe resgatar alguns dos seus mais recentes debates e a implicação dos mesmos na definição do objeto de pesquisa; desta última reflexão empreende-se, conforme anteriormente verificado, uma estreita e possível relação entre a geografia escolar e o processo de “Formação Territorial” de um Estado-Nação (no caso, o Brasil...), daí implicando um diálogo com a “geografia histórica”.

São esses diálogos interdisciplinares entre os campos acima expostos (“história das disciplinas escolares”, “história da geografia ou do pensamento geográfico”, “geografia histórica”, “história intelectual” e “história dos conceitos”) que possibilitam estabelecer uma visão complexa da geografia escolar ensinada no Colégio Pedro II e, por extensão, em todo o Brasil, ao longo do século XIX.

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2Nesse particular, destacam-se as contribuições de Moraes (1989, 2005) e Machado (2005), mas também a de geógrafos de uma geração posterior, como Sousa Neto (2006), Pereira e Ribeiro (s/d) e outros. A esse respeito, notabilizam-se registros recentes sobre o empenho desses últimos nomes na formação de uma rede de pesquisadores em História do Pensamento Geográfico, a exemplo de nota informativa sobre atividades e programações do “Grupo de Trabalho de História do Pensamento Geográfico no Brasil” encontrada no site da “Comissão de História da Geografia” da União Geográfica Internacional (UGI). Disponível em: http://web.univ-pau.fr/RECHERCHE/UGIHG/06_Documents/novedades_brasil.pdf. Acesso em: 29 agosto 2012.

3Somente nos últimos anos tornou-se possível testemunhar maior destaque dado à Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, particularmente nos estudos de Pereira (1988, 2003) e de Cardoso (2008), e à Seção Brasileira da Sociedade de Geografia de Lisboa, estudada por Mary (2006).

4 Machado (2005), Sousa Neto (2001) e outros relacionaram uma lista de estudos historiográficos que representavam a maneira anacrônica de se conceber a história da geografia no Brasil: Pereira (1955); Ab´Saber e Christofoletti (1979); Andrade (1977/1982); Moraes (1980). A anacronia consistiria justamente no fato de se associar a prática científica apenas à prática acadêmica. Tal equívoco metodológico, condicionado por uma ideologia, foi demasiadamente debatido pelos Historiadores da Ciência no Brasil e no exterior.

5Vale reconhecer que até meados da década de 90 algumas dissertações de mestrado equivaleriam a algumas das atuais teses de doutorado em termos de exploração temática, extensão do trabalho e anos de pesquisa.

6Categoria de análise então sugerida pelo pesquisador Genylton Rocha em sua dissertação de mestrado para designar a prática de ensino dos professores (ROCHA, 1996).

7Sobre o papel do Imperial Collegio de Pedro II na sistematização do ensino no Brasil, ver, entre outros, Moacyr (1936, 1937, 1938), Haidar (2008) e Andrade (1999).

8A falta de análise mais aprofundada da Geografia Escolar no Brasil e, em particular, no Colégio Pedro II (isto é, a falta de análise, por exemplo, do chamado “currículo oculto”, que é aquele referente a aspectos da experiência educativa não explicitados no currículo prescrito), em parte se deu em função da ausência de fontes primárias que lhes servisse de subsídio. A criação do Núcleo de Documentação e Memória do Colégio Pedro II simboliza em parte o atendimento a essa demanda muito cara às pesquisas de vários campos, com particular ênfase para a História das Disciplinas Escolares.

9Outrora conhecidos como professores titulares ou cátedras da cadeira de Geografia.

O termo “pensamento geográfico” foi inicialmente cunhado com o propósito de ser diferenciado do termo “geografia” (strictu sensu), “(...) visando alargar o campo de investigação a ser analisado para além da mera história da disciplina”. (MORAES, 2008, p. 13). Entendia Moraes que se poderia distinguir três níveis de abordagem da questão da representação e da consciência do espaço, a saber:

“- o do horizonte geográfico, que circunscreve o campo da geografia ‘espontânea’ do cotidiano, analisando o conhecimento do senso comum, as ideias e representações do ‘espaço vivido’ e das informações geográficas do indivíduo comum;

- o do pensamento geográfico, abarcando os discursos escritos do saber culto acerca do espaço e da superfície da Terra, analisando as formulações literárias, filosóficas e científicas interessando o temário coberto pelas questões analisadas pela geografia, enfim, as representações sistemáticas e normatizadas da consciência do espaço terrestre;

- o das ideologias geográficas, abordando uma classe mais restrita de discursos, contida no conjunto anterior, a das representações com um direcionamento político explícito, seja orientado para a produção do espaço material, seja referido à própria construção de juízos e valores que conformam as próprias formas de consciência sobre o tema.”

Nesta visão, a geografia acadêmica é tomada como uma ‘modalidade’ de pensamento geográfico, podendo constituir também um veículo específico de diferenciadas ideologias. Portanto, o estudo da história do pensamento geográfico ultrapassaria em muito os discursos do campo disciplinar, tendo como meta explícita analisar os temas geográficos presentes em outros tipos de representações discursivas (na literatura, nos discursos políticos e, mesmo, em outras disciplinas acadêmicas)”. Atualmente a comunidade acadêmica nacional e internacional de geografia vem repensando o emprego desses termos. Trata-se de assunto que, como tantos outros, suscita controvérsia e polêmica. Alguns dados são sintomáticos a esse respeito, como, por exemplo, a mudança recente do nome dado à comissão da União Geográfica Internacional (UGI) que coordena as atividades de pesquisa historiográfica da Geografia: antes se chamava “Comissão de História do Pensamento Geográfico”; hoje denomina-se “Comissão de História da Geografia”.

11A definição de ideologia geográfica encontra-se na nota anterior.

12Cf. também o artigo de Magnoli (2002/2003), que aborda a questão da importância do território na formação do Estado brasileiro.

13O processo brasileiro de formação do Estado Nacional diferencia-se substancialmente da formação dos Estados-Nação europeus, pois esses últimos enquadram-se na concepção de “Nações Históricas”, isto é, formaram-se cultural e simbolicamente no transcurso de sua longa trajetória cheia de marcos de referência. Tais nações, portanto, não surgiram no exato momento de sua legitimação ideológica e de construção material-geográfica estatal ocorrida ao longo da Era Moderna, particularmente no século XIX (em muitos casos, depois da constituição dos próprios países latino-americanos). Desse modo, as lógicas de formação dos Estados-Nação da América Latina e da Europa são diferentes. Sobre esse assunto, conferir: Anderson (1993) e Gellner (2000), Hobsbawn (2008), entre outros.

14Um sinônimo para o termo “Formação Territorial” seria “História da organização estatal do território” (ESCOLAR, 1996).

15Denominação originalmente destinada à Instituição objeto de interesse da pesquisa em andamento.

16A aceitação de uma abordagem historiográfica da Geografia Escolar no seio da própria Geografia Acadêmica, e não apenas no âmbito dos estudos em Educação, denota o amadurecimento da produção desvinculada à necessidade ideológica de reforçar a Geografia enquanto disciplina científica.

17Para efeito de contagem desses quase cem anos de intervalo entre a criação da Cadeira de Geografia em âmbito escolar e da criação de cursos superiores de Geografia em ambiente universitário, compara-se a oficialização da disciplina escolar/ cadeira autônoma denominada Geografia e História em 1837 no Colégio Pedro II e a criação dos cursos de Geografia na Universidade de São Paulo, em 1934, e na Universidade do Distrito Federal, em 1935.

18Desses nomes, apenas Carlos Delgado de Carvalho não foi ocupante da Cadeira de Geografia e nem de História no Colégio Pedro II, mas de Língua Francesa e Sociologia. O seu nome aparece na lista por ter sido o autor de obras consideradas inaugurais da chamada Geografia Moderna, como a primeira delas: “Le Brésil Meridional”. Seu nome chega a receber, por parte de algumas historiografias antigas da Geografia Brasileira, o título de “Pai da Geografia Moderna Brasileira”.

20Aliás, de certa forma esta lista já se encontra pronta no NUDOM. O acesso aos Livros de Matrícula revelam outros detalhes não identificados nessa lista, daí sua importância documental.

21Já não é mais possível encontrar a primeira edição desse compêndio, porém a segunda edição, datada em 1850, encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

22A definição desse campo é ampla, complexa e polêmica para os historiadores. Todavia, o seu resgate através de novos aportes teórico-metodológicos tem mostrado o seu teor operacional nas análises historiográficas. Para tanto, ver Lopes (2003), entre outros.

23Boa referência nesse recente campo de pesquisa pode ser encontrada em obras como “História dos conceitos: diálogos transatlânticos”, organizada por Feres Júnior e Jasmin (2007).

Recebido: 01 de Agosto de 2014; Aceito: 01 de Novembro de 2014

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