Introdução
O estudo dos métodos de pesquisas históricas é realizado para compreender as técnicas e orientações que os pesquisadores usam para interpretar fontes primárias e outras provas para a investigação científica (CAMPOS; COSTA, 1977; HEROLD JUNIOR, 1997). Ademais, o estudo do método histórico e da escrita é conhecido historiografia (CAMPOS; COSTA, 1977). Nas principais revistas da Educação Física do Brasil, ou mesmo na maior parte dos jornais científicos sobre práticas físicas, os estudos históricos com suas grandes reflexões teóricas não têm sido apresentados aos leitores como deveriam e sofrem barreiras impostas por uma filosofia de “desfecho em resultados numéricos” (NUNES, 1994; HEROLD JUNIOR, 1997). Quando analisado o conjunto das fontes históricas, observa-se que as mudanças ocorridas na Educação Física (seja no âmbito cultural ou social), em direção à novas figurações, não foram racionalmente planejadas, mas também não se pode reduzir essas modificações ao aparecimento e desaparecimento aleatórios de modelos desordenados (ELIAS, 1993; BRANDÃO, 2011). Apesar da dificuldade em compreender como utilizar os métodos de pesquisa na história para compreender desde fontes primárias até narrativas consagradas, essa identificação e o conhecimento da Educação Física no passado poderia aprimorar, renovar e criar práxis comprometidas com estudos críticos e reflexivos sobre a Educação Física (DIAS, 2014; KAMINSKI; GOELLNER, 2010; MARQUES, 2009).
Heródoto e Tucídides, considerados os precursores da história estudada por métodos científicos, ficariam surpresos pelo pouco número de investigações articuladoras de diversas fontes de informação, como crônicas, gravações, e achados arqueológicos, para construir a sucessão de processos históricos dignos de uma análise crítica sobre a Educação Física. A narrativa na/da Educação Física e das práticas corporais a partir de dados concretos, assim como o estudo das formas da escrita e interpretação das fontes históricas, deveriam ser objeto de debate constante, pela própria importância, pois são conhecimentos sem os quais diferentes contextos das Ciências da Saúde não poderiam ser compreendidos diante das questões envolvidas nas próprias reconstruções históricas, isto é, diante dos modos de percepção ou representação das suas práticas em momentos e marcos históricos (MELLO, 2009; ROSÁRIO; DARIDO, 2012).
É absolutamente comum deparar-se com revisores que enumeram características singulares e faltantes, advindas de conjecturas qualitativas, em uma sucessão de “vieses padrões”. Estes subjugam desde textos com semióticas sobre o significante (forma) e o significado (conteúdo) das práticas corporais, até mesmo aprofundamentos históricos sobre o desenvolvimento da Educação Física, que apresentariam não só a distribuição moderna do tempo como resultado de um exame sistemático da história, como ao que concerne ao método, espírito e à filosofia (CAMPOS; COSTA, 1977). Caracterizaria-se, assim, um volensnolens, uma atitude frente ao tempo. Os quadros novos, mais vastos e mais gerais da historiografia contemporânea da Educação Física (MARQUES, 2009), são prova de uma visão do mundo e, ao mesmo tempo, de um estado dos conhecimentos nessa área (MARQUES, 2009).
Porém, a negligência sobre os estudos da Educação Física na área da história, como ciência que estuda a ação do ser humano no tempo e espaço concomitante à análise dos processos e eventos ocorridos no passado, causou uma consequência grave nas últimas décadas nessa área acadêmica: uma falta de interesse dos cursos Stricto Sensu em investigar as dimensões históricas das práticas corporais para investigar a Educação Física a partir de diferentes métodos históricos e das próprias narrativas. Em contrapartida, há um corpus restrito de artigos, com recortes de períodos cronológicos, nos quais a ênfase é dada em: i) ordenar razões sobre o uso das atividades corporais e explicar as origens e as mudanças políticas na Educação Física; ii) abordar modificações dos métodos e sistematizações de treinamento, e; iii) em apresentar impactos socioculturais das práticas físicas. Os assuntos dos estudos da história e historiografia da Educação Física discutem métodos ginásticos, corporeidade, preceitos higienistas, militaristas ou desportivos (ROSÁRIO; DARIDO, 2012).
Pouco se discute sobre o método da pesquisa histórica para o estudo da Educação Física (SOARES, 2011; GODOI; NEVES, 2012), o que traz um importante paradigma em relação ao entedimento contextual dos métodos e abordagens para compreensão profunda sobre temáticas que possam ser trabalhadas em futuros estudos (DEVIDE et al., 2011). Partindo dos princípios fundamentais que norteiam os métodos de pesquisa históricos, torna-se necessário realizar uma análise dos métodos e da produção publicada no país na área da Educação Física. Por isso, o objetivo desse documento é apresentar uma discussão crítica e reflexiva sobre pesquisas em história e historiografia da Educação Física e debater sobre as concepções das metodologias empregadas nas diferentes abordagens.
Métodos
Em uma revisão sobre a produção no Brasil foram recuperados dados a partir de pesquisas publicadas em revistas científicas, disponíveis física e eletronicamente (até outubro de 2015). Para isso, utilizou-se a base de dados Scientific Eletronic Library Online (SCIELO). As buscas nessa base de dados eletrônica foram realizadas empregando as seguintes palavraschave e/ou termos específicos indexados: “história”e “historiografia” em combinação com o termo “Educação Física” e foram selecionadas 36 publicações. Essa busca foi restrita a estudos publicados em Português e no Brasil. O critério de exclusão tinha como condição que a publicação não estivesse no SCIELO ou que não passasse por revisão feita em pares. Os artigos foram examinados e discutidos pelos tipos de métodos, abordagem, concepções e perspectivas, conforme proposta de Barbieri, Porelli e Mello (2008) e os seguintes critérios metodológicos foram analisados: i) o processo de análise crítica das fontes; ii) comprovações de testemunhos e veracidade de histórias orais, e; iii) testemunho indireto.
Resultados
A Tabela 1 mostra os estudos encontrados na base de dados com o respectivo título, método utilizado e abordagem, concepção ou perspectiva.
Estudo | Título | Método | Abordagem/concepção/perspectiva | |||
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Godoi e Neves (2012) | Corpo, violência sexual, vulnerabilidade e educação libertadora no filme “Preciosa: uma história de esperança” | Análise de fontes | Analisa as representações de corpo (raça, obesidade e beleza), de violência sexual e os aspectos de vulnerabilidade, educação e emancipação vividos pela protagonista na trama do filme “Preciosa: uma história de esperança”. | |||
Dias (2014) | Momentos iniciais da educação física em Goiás (1917-1929) | Análise de fontes | Analisa os momentos iniciais da organização institucional da Educação Física em escolas de Goiás, valendo-se de legislações, jornais, fotografias, livros de memórias e documentos oficiais como fontes. | |||
Kaminski e Goellner (2010) | Corpo discente em movimento: reivindicações estudantis na Escola Superior de Educação Física do Rio Grande do Sul (1957-1964) | Análise de fontes | Analisa a ação de estudantes da Escola de Educação Física do Rio Grande do Sul entre os anos de 1957 e 1964. | |||
Rosário e Darido (2012) | Os conteúdos escolares das disciplinas de história e ciências e suas relações com a organização curricular da Educação Física na escola | Análise de fontes | Investiga as relações entre os conteúdos das disciplinas de História e Ciências com a Educação Física. | |||
Silva e Fraga (2014) | A história da Educação Física na educação profissional: entrada, saída e retorno à Escola Federal de Porto Alegre | Análise de fontes | Analisa documentos relativos ao ensino ministrado nesta instituição de ensino entre os anos de 1966 e 2012. | |||
Soares(2011) | As roupas destinadas aos exercícios físicos e ao esporte: nova sensibilidade, nova educação do corpo (Brasil, 1920-1940) | Análise de fontes | Analisa reportagens e imagens publicadas em revistas brasileiras pertencentes ao domínio da educação física e do esporte entre os anos de 1920 e 1940 e tem como objetivo compreender as justificativas elaboradas para o uso de roupas específicas nessas práticas, em suas dimensões higiênicas, morais e estéticas, presentes nos argumentos desenvolvidos no período. | |||
Rosa e Leta (2010) | Tendências atuais da pesquisa brasileira em Educação Física Parte 1: uma análise a partir de periódicos nacionais | Bibliometria | Analisa a disciplina de Educação Física em relação a tradicional valorização de aspectos biológicos e médicos e, de outro, com a recente valorização de aspectos socioculturais, políticos e filosóficos. | |||
Prazedes e Peduzzi (2009) | TychoBrahe e Kepler na escola: uma contribuição à inserção de dois artigos em sala de aula | Ensaio críticoreflexivo | Reflexão epistemológica acerca do potencial educativo de dois artigos: “Entrevista com TychoBrahe” e “Entrevista com Kepler – do seu nascimento à descoberta das duas primeiras leis”. | |||
Estudo | Título | Método | Abordagem/concepção/perspectiva | |||
Kahn (2014) | Lições de coisas e ensino das ciências na França no fim do século 19: contribuição a uma história da cultura | Ensaio críticoreflexivo | Analisa grandes reformas realizadas na organização institucional da escola primária, gratuidade, obrigação, laicidade, os republicanos franceses do final do século 19 quiseram operar uma profunda transformação dos conteúdos de ensino e das normas pedagógicas. | |||
Nahas e Garcia (2010) | Um pouco de história, desenvolvimentos recentes e perspectivas para a pesquisa em atividade física e saúde no Brasil | Ensaio críticoreflexivo | Discute desenvolvimentos recentes e perspectivas na pesquisa em atividade física e saúde, com repercussões para a Educação Física no Brasil. | |||
Oliveira e Linhares (2011) | Pensar a educação do corpo na e para a escola: indícios no debate educacional brasileiro (1882-1927) | Ensaio críticoreflexivo | Analisa disciplinas escolares e outras práticas educativas realizadas na escola e em seu entorno, algumas com impressionante permanência. Tendo a educação do corpo como escopo básico, essas disciplinas e práticas delinearam um verdadeiro projeto de intervenção cultural. | |||
Rechieli,Porto e Moreira (2008) | Corpos deficientes, eficientes e diferentes:uma visão a partir da Educação Física | Ensaio críticoreflexivo | Analisa o ser humano classificado por seu corpo deficiente no passado, eficiente no presente e diferente no futuro | |||
Souza Júnior e Darido (2010) | Refletindo sobre a tematização do futebol na Educação Física escolar | Ensaio críticoreflexivo | Discute um conjunto de temas relevantes do conteúdo futebol que possam servir de subsídios para propostas de sistematização para o componente curricular Educação Física escolar. | |||
Fialho et al. (2014) | O imaginário coletivo de estudantes de educação física sobre vida saudável | Entrevista | Investiga o imaginário coletivo de estudantes de Educação Física sobre a vida saudável. | |||
Lehnhard, Marta, Palma (2012) | A prática de atividade física na história de vida de pessoas com deficiência física | Entrevista | Investiga a prática de atividades físicas de pessoas com deficiência física em diferentes fases da vida | |||
Devideet al. (2011) | Estudos de gênero na Educação Física Brasileira | Estado da arte | Mapeia alguns aspectos relativos ao quadro teórico dos estudos de gênero na Educação Física (EF) no Brasil: correntes teóricas, temáticas recorrentes, lacunas, grupos de pesquisa e intelectuais cadastrados no CNPq, além dos livros sobre Gênero na EF e esporte. | |||
Lazzarotti Filho, Silva e Pires (2008) | Saberes e práticas corporais na formação de professores de Educação Física na modalidade à distância | Estudo de caso | Comunica resultado de uma investigação para compreender como é desenvolvido o saber das práticas corporais num curso de licenciatura em Educação Física na modalidade à distância | |||
Mazo e Lyra (2010) | Nos rastros da memória de um “Mestre de Ginástica” | Estudo de caso | Reconstitui a história de vida de Georg Black no cenário da educação física e esportes do Rio Grande do Sul | |||
Estudo | Título | Método | Abordagem/concepção/perspectiva | |||
Góis Junior et al. (2012) | Estudo histórico sobre a formação profissional na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (1980-1990) | História oral | Analisa as influências dos debates sobre educação física dos anos 1980 no âmbito da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE-USP); em específico, interessa analisar o contexto histórico das reformas curriculares dos anos 1990 nesta instituição. | |||
Pires, Rocha Junior e Marta (2014) | Primeiro curso de Educação Física na Bahia - trajetórias e personagens | História oral | Investiga a criação do primeiro curso superior em Educação Física na Bahia e objetiva apresentar seus bastidores, para perceber seus movimentos políticos e acadêmicos. | |||
Silveira et al. (2011) | Escola de formação de “professoras”: as relações de gênero no currículo superior de educação física | História oral | Investiga como as relações de gênero estiveram presentes na emergência e na consolidação do currículo da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (ESEF/UFPel). | |||
Abreu Junior e Carvalho (2012) | O discurso médico-higienista no Brasil do início do século XX | Historiografia | Analisa a compreensão da relação entre higienismo e educação nas primeiras décadas do século XX no Brasil. | |||
Almeida, Wiggers e Jubé (2013) | Do corpo produtivo ao corpo rascunho: aproximações conceituais a partir de relações entre corpo e tecnologia | Historiografia | Examina relações entre “corpo e tecnologia” no contexto do projeto social moderno, tomando como referência as noções de “corpo produtivo” e “corpo rascunho” | |||
Goellner (2010) | Educação física, ciência e saúde: notas sobre o acervo do Centro de Memória do Esporte (UFRGS) | Historiografia | Destaca a relevância do acervo do Centro de Memória do Esporte e de suas principais coleções para as pesquisas sobre a historiografia das práticas corporais e esportivas e sua aproximação com a saúde, a educação e o lazer. | |||
Góis Junior, Lovisolo e Nista-Piccolo (2013) | Processo Civilizador: Apontamentos metodológicos na historiografia da Educação Física | Historiografia | Analisa a utilização do modelo elisiano em problemas de pesquisa no campo da História da Educação Física | |||
Góis Junior, Lovisolo e Nista-Piccolo (2013) | Processo Civilizador: apontamentos metodológicos na historiografia da Educação Física | Historiografia | Analisa a utilização do modelo elisiano em problemas de pesquisa no campo da História da Educação Física. | |||
Herold Júnior e Vaz (2013) | Representações sobre corpo e educação da mulher na expansão do escotismo e do Bandeirantismo durante nas primeiras décadas do século XX | Historiografia | Analisa representações sobre corpo e educação feminina no interior da expansão do movimento escoteiro, que ocorreu nas primeiras décadas do século XX. | |||
Matthiesen, Ginciene e Freitas (2012) | Registros da maratona em Jogos Olímpicos para a difusão em aulas de Educação Física | Historiografia | Investiga as alterações pelas quais a maratona passou ao longo dos anos, visando à difusão desse conhecimento, especialmente, em aulas de Educação Física. | |||
Estudo | Título | Método | Abordagem/concepção/perspectiva | |||
Oliveira (2001) | A revista brasileira de educação física e desportos e a experiência cotidiana de professores da rede municipal de ensino de Curitiba: entre adesão e a resistência | Historiografia | Debate o ponto de vista da pesquisa em história da educação, as relações entre o aparato legalinstitucional para a Educação Física brasileira de 1968 a 1984 e a apropriação dos professores escolares daquele aparato. | |||
Oliveira (2002) | Educação Física escolar e ditadura militar no Brasil (1968-1984): história e historiografia | Historiografia | Discute a recente produção historiográfica da educação e da educação física no Brasil sobre a educação física no período da ditadura miliar. | |||
Schneider et al.(2014) | A Educação Física, o esporte e o (pan-)americanismo em revista (1932-1950) | Historiografia | Investiga a presença americana e do movimento pan-americanista na Educação Física brasileira para compreender de que forma contribuíram na produção de uma cultura esportiva na primeira metade do século XX. | |||
Souza Júnior e Galvão (2005) | História das disciplinas escolares e história da educação: algumas reflexões | Historiografia | Identifica e problematiza as tendências de pesquisa na área da história da Educação. | |||
Vago (1999) | Início e fim do século XX: Maneiras de fazer educação física na escola | Historiografia | Discute o enraizamento escolar da educação física, cotejando-se dois momentos históricos importantes da educação: um em Minas Gerais (a reforma do ensino de 1906) e o outro no Brasil (os novos ordenamentos legais). | |||
Vaz(2000) | Da modernidade em Walter Benjamin: crítica, esporte e escritura histórica das práticas corporais | Historiografia | Analisa da concepção da obra de arte, filosofia, história do autor e reprodutibilidade moderna das concepções e sua relação com o esporte. | |||
Stigger, Fraga e Molina Neto (2014) | Os editoriais contam histórias: experiências do ofício de editor na Revista Movimento | Relato de experiência | Analisa as experiências relativas ao ofício de editor da revista Movimento, periódico da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, narradas a partir dos editoriais que marcaram seus 18 anos de existência. | |||
Marcon, Graça e Nascimento (2010) | Estruturantes da base de conhecimentos para o ensino de estudantesprofessores de Educação Física | Revisão | Analisa os possíveis elementos que auxiliam na estruturação da base de conhecimentos dos futuros professores de Educação Física. |
Discussão
Em relação aos estudos com fontes primárias, todo tipo de fonte pode ser considerada em pesquisa histórica, como, vasos, filmes, impressões digitais, declarações ou cartas (OLDENJØRGENSEN, 1998; THURÉN, 1997). Os artigos brasileiros mostram abordagens de documentos que discutem problemas atuais, analisando artigos de jornais, cartas oficiais da época e ou filmagens que discutem assuntos polêmicos como a concepção o das representações do corpo na sociedade através da dialética do corpo belo sob parâmetros social de beleza (GODOI; NEVES, 2012) e ou tratam das práticas higienistas e utilitaristas (ROSA; LETA, 2010; SOARES, 2011; DIAS, 2014). Outras investigações marcam um fluente debate de ordem cronológica que criam condições para o desenvolvimento da disciplina na ordem política e organizacional da Educação Física e uma não menos importante renovação de seu campo de investigação metodológica, como as discussões críticas relacionadas com as ações estudantis e reivindicações sobre a organização curricular da Educação Física (KAMINSKI; GOELLNER, 2010). Essa análise crítica dos profissionais da área sobre o currículo também é tema de outra pesquisa com foco nos últimos 50 anos da área de estudo (SILVA; FRAGA, 2014).
Dentre os artigos encontrados com análise de fontes, 50% é compostos por histórias orais ou entrevistas, como mostra a tabela 1. Em grande parte, discutem sobre a concepção da Educação Física como disciplina escolar e sobre a formação profissional nessa área (MAZO; LYRA, 2010; GÓIS JUNIOR et al., 2012; PIRES, ROCHA JUNIOR; MARTA, 2014; SILVEIRA et al., 2011). Quanto mais perto da fonte é o momento de investigação do evento que se pretende discutir, maior é a confiabilidade desse documento ou testemunho, pois é possível relatar uma descrição mais exata do fato histórico (OLDEN-JØRGENSEN, 1998; THURÉN, 1997). As discussões sobre o currículo escolar e a disciplina de Educação Física são as mais frequentes nos estudos (Tabela 1), as quais revelam a pretensão social de utilizar essa disciplina enquanto processo higienista e higienizador, desde a implantação da cadeira, com orientações feitas inicialmente por militares, até os dias de hoje, na tentativa de combater a fadiga intelectual das crianças e o tédio das práticas escolares vigentes (VAGO, 1999). Para datas mais distantes, como no estudo de Dias (2014), que trata do início do século XIX, são utilizados, com maior foco, documentos oficiais ou públicos, como legislações, artigos em jornais, fotografias, livros de memória para contextualizar a organização institucional da Educação Física nas escolas. É importante destacar que apesar de serem poucas, as pesquisas brasileiras apresentadas com análise de fontes primárias evitam qualquer dado forjado ou corrompido com o uso de documentos oficiais ou publicados, esses fortes indícios da originalidade da fonte aumentam o seu grau de confiabilidade (OLDEN-JØRGENSEN, 1998; THURÉN, 1997).
Apesar de historiografias discutirem as percepções sobre as mudanças culturais, históricas e políticas da Educação Física ao longo de todo o século XX até os dias de hoje, a marca do higienismo permanece latente na disciplina. Assim também nas discussões dos estudos apresentados (Tabela 1) que mostram ensaios críticos-reflexivos sobre estudos de caso e sobre a constituição e o ideal de formação de um novo homem para uma consequente nova sociedade. As investigações apresentam testemunhos e fontes primárias ricas em informações, o que também garante a confiabilidade das análises, quando comparado com o uso de fontes secundárias ou terciárias (THURÉN, 1997).
Soares (2011), por exemplo, mostra como o uso variado de fontes independentes com mensagens comuns pode garantir elevada credibilidade ao estudo. Alguns autores indicam que para controle dos métodos de pesquisa, as tendenciosidades de análise de fontes devem ser minimizadas ou suplementadas com fatos opostos (OLDEN-JØRGENSEN, 1998). Investigações com história oral mostram testemunhos importantes para compreensão de determinados contextos históricos (OLIVEIRA, 2004), mas não se sabe ao certo se esses participantes teriam ou não interesse direto na criação de viés. O controle desse tipo de fator aumentaria a credibilidade do estudo (OLDEN-JØRGENSEN, 1998).
Através da análise metodológica dos artigos publicados, pode-se apontar procedimentos comuns para estabelecer crítica externa e interna das diferentes fontes utilizadas: i) quando as fontes concordam sobre um evento, os pesquisadores consideraram o evento provado (SOARES, 2011); ii) a maioria dos estudos apresentados na Tabela 1 excluiu fontes com relatos únicos, após uma análise crítica textual, mesmo que a maioria das fontes seja relacionada com eventos de uma maneira, essa única fonte que discorda do fato não deve permanecer no estudo, a menos que passe em um teste de análise textual crítica; iii)documentos não oficiais, como cartas pessoais, foram consideradas confiáveis através de testemunhos que confirmassem o fato histórico; iv)quando duas fontes discordaram em um ponto específico, o pesquisador debateu e mostrou preferência em utilizar a fonte com mais “autoridade”, isto é, a fonte criada pelo perito ou por uma testemunha ocular; v)as entrevistas e histórias orais com mais autoridade no assunto abordado foram, em geral, preferidas, especialmente em circunstâncias em que o observador poderia ter relatos ordinários com precisão no que aconteceu e, mais especificamente, quando eles lidam com fatos conhecidos pela maioria dos contemporâneos (MAZO; LYRA, 2010); vi)se duas fontes independentes concordaram sobre uma questão, a confiabilidade de cada uma análise dos fatos é reforçada (SILVEIRA et al., 2011) evii) quando duas fontes discordaram e não há outros meios de avaliação, o pesquisador utilizou a que seria mais provável de acontecer (PIRES; ROCHA; MARTA, 2014). Essas abordagens metodológicas corroboram os estudos prévios que discutem críticas ao método de análise de fontes em pesquisas históricas (BERNHEIM, 1889; LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1898).
Em relação à preocupação com a autenticidade e procedência, quando a fonte foi escrita ou não foi produzido no período analisado, observou-se uma preocupação eminente no número de documentos e nas pesquisas observadas em relação ao fato que se pretende discutir nas investigações brasileiras apresentadas na Tabela 1.
As historiografias do presente estudo apresentaram críticas bem fundamentadas, desde em relação aos modelos elisianos até a relevância dos acervos nacionais sobre práticas corporais e esportivas para a saúde, educação e lazer (GOELLNER, 2010). Outras,mostraram a conexão contextual da Educação Física aos marcos na história social e política do país, como a ditadura militar, e trazem consigo o tempo combinado com a localização, o que também garante uma crítica externa do estudo (OLIVEIRA, 2001; OLIVEIRA, 2002). A análise da concepção de obras, experiências e ações de pessoas (relato de experiência e estudos de caso) (VAZ, 2000), assim como de grupos (SCHNEIDERet al., 2014), éabordagem polêmica nas investigações, uma vez que mostrou maior número em contribuições na produção cultural da área da Educação Física.
Por sua vez, a autoria dos estudos originais investigados na historiografia em alguns momentos não é mostrada, o que pode ser uma limitação relacionada com da integridade da fonte (GOTTSCHALK, 1950). Entretanto, o valor probatório do conteúdo, a credibilidade dos estudos é mantida, por serem artigos publicados em revista da área de Educação Física (OLIVEIRA, 2001; ALMEIDA; WIGGER; JUBÉ, 2013).A percepção subjetiva dos sujeitos entrevistados ou de testemunhas nas histórias orais e entrevistas são discutidas por relatos comuns (SHAFER, 1974). Por seu lado, as análises realizadas com fatos históricos privilegiaram o papel do observador em relação ao fato estudado,o que reduz a possibilidade de existir viés e tendensiodades(GÓIS JUNIORet al., 2012; SILVEIRA et al., 2011).
Algumas recomendações para investigações futuras poderiam incluir tanto a capacidade de relatar do observador entrevistadocomo o local da entrevista, além do momento do fato (distante ou próximo) em relação ao contexto presencial, pois podem influenciar os testemunhos. Inclusive, diferentes pesquisas da Tabela 1 tratam de períodos distantes do presente, o que pode influenciar a acurácia da pesquisa, pois muitos sujeitos do período estudado, como no começo e meio do século XX, podem estar mortos e materiais relevantes para compreensão do fato podem estar extintos (SHAFER, 1974).
Outras questões em relação às entrevistas e histórias orais precisam ser verificadas, tais como a intenção do entrevistado ao relatar um acontecimento, para quem ele relata e se o público será suscetível em exigir ou sugerir alguma distorção por parte do observador (SHAFER, 1974). Nas histórias orais apresentadas na Tabela 1, muitas das informações vêm de “testemunhas indiretas”, ou seja, as pessoas entrevistadas não estavam presentes na cena, mas ouviram falar dos eventos a partir de outra pessoa (GARRAGHAN, 1946). Gottschalk(1950) indica que um historiador pode, por vezes, usar evidência de boato,no entanto, nos casos em que se utilizam testemunhas secundárias avalia-se testemunhos primários e se estão de acordo com declarações secundárias (GOTTSCHALK, 1950).
Em grande parte dos estudos apresentados com histórias orais, a fonte secundária é fonte “original” do pesquisador, no sentido de ser a “origem” de seu conhecimento.N a medida em que esta fonte “original” é um relatório preciso do testemunho primário,a credibilidade da investigação como se fosse um testemunho primário é atestada (BEHAN; MCCULLAGH, 1984; GARRAGHAN, 1946; GOTTSCHALK, 1950). Isso se explicitanas histórias orais que explicaram as influências dos debates da Educação Física dos anos 1980 no âmbito da Escola de Educação Física e Esporte e a observação das declarações comuns sobre suas consequências no contexto histórico das reformas curriculares dos anos 1990 nesta instituição(GÓIS JUNIOR et al., 2012).
Conclusão
A maior compreensão sobre os métodos utilizados na história e a historiografia na Educação Física diagrama as temáticas para a formação de novos estudos. Diversos elementos comuns são observados nas pesquisas brasileiras, os quais garantem a credibilidade e a confiabilidade desse tipo de estudo. Uma extensa discussão pode ser feita em relação às diferentes temáticas tratadas pelas pesquisas atuais, as quais ordenam razões sobre o uso das atividades corporais e explicam a origem e as mudanças políticas na Educação Física.Outras mostram as modificações dos métodos e sistematizações das aulas ministradas na cadeira escolar e também abordam assuntos polêmicos, como a ditadura militar, com impactos socioculturais das e pelas práticas físicas. Os elementos tratados na Educação Física e articulados com outras temáticas aguçam novos estudos e tornam atrativa a área para estudo.