Para os navegantes com desejo de vento,
a memória é um ponto de partida.
(GALEANO, 1994, p. 96)
Introdução
A educação carrega especificidades que lhe outorga o caráter de atividades complexa. Desse modo, importa-nos toda investigação científica dialética. “A educação é uma prática social humana; é um processo histórico, inconcluso, que emerge da dialética entre homem, mundo, história e circunstâncias” (GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 40).
O objetivo da pesquisa foi identificar e analisar os modos de ensinar, o trabalho de professoras rurais e infraestrutura de escolas em contexto político e econômico brasileiro diante da migração de colonos para a região amazônica. Perscrutam-se os modos de ensinar a partir do trabalho de professoras em escolas rurais multisseriadas na região amazônica.
O recorte temporal tem início em 1955, com a criação do Serviço Social Rural (SSR), criado por meio da Lei n.º 2613, de setembro 1955, vinculado e subordinado ao Ministério da Agricultura.
Art 3º O Serviço Social Rural terá por fim:
I. A prestação de serviços sociais no meio rural, visando à melhoria das condições de vida da sua população, especialmente no que concerne:
a) à alimentação, ao vestuário e à habitação;
b) à saúde, à educação e à assistência sanitária;
c) ao incentivo à atividade produtora e a quaisquer empreendimentos de molde a valorizar o ruralista e a fixá-lo à terra.
Il. Promover a aprendizagem e o aperfeiçoamento das técnicas de trabalho adequadas ao meio rural;
III. Fomentar no meio rural a economia das pequenas propriedades e as atividades domésticas;
IV. Incentivar a criação de comunidades, cooperativas ou associações rurais;
V. Realizar inquéritos e estudos para conhecimento e divulgação das necessidades sociais e econômicas do homem do campo;
VI. Fornecer semestralmente ao Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho relações estatísticas sobre a remuneração paga aos trabalhadores do campo. (BRASIL, 1955).
O ano de 1971 é o recorte final da pesquisa, o marco da criação da Associação de Crédito e Assistência Rural do Território Federal de Rondônia (ACAR-RO)1, cujo objetivo era promover a extensão rural.
A pesquisa conta com fontes diversas, entre elas leis, decretos, materiais bibliográficos e entrevistas semiestruturadas realizadas com três professoras que atuaram em escolas rurais no interior do estado de Rondônia. Os documentos oficiais, a exemplos das leis e decretos, foram coletados a partir dos arquivos da biblioteca virtual do Senado da República do Brasil. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas no segundo semestre de 2021, por meio de plataformas on-line, diante do cenário de pandemia do novo coronavírus, Covid-19 no Brasil.
As entrevistas em áudio e vídeo contaram com um roteiro ou guia previamente elaborado, foram gravadas e transcritas na íntegra e esse processo viabilizou importantes análises. As fontes orais são parte dos testemunhos.
Como mencionou Ricouer (2007, p. 176): “O testemunho é originalmente oral; ele é escutado, ouvido. O arquivo é escrita; ela é lida, consultada. [...] o testemunho, dissemos, proporciona uma sequência narrativa à memória declarativa”.
As professoras entrevistadas têm comprovada experiência no magistério em área de floresta amazônica: a Professora 1 tem 57 anos de trabalho; a Professora 2 possui experiência de 25 anos, e a Professora 3 tem 2 anos de trabalho no magistério. Nasceram, respectivamente, nos anos de 1940, 1953 e 1949. A idade das entrevistadas corresponde a 81, 68 e 72 anos. Ao todo, foram 2 horas e 55 minutos de gravações realizadas no mês de setembro de 2021, totalizando 54 páginas de transcrições.
Os dados de entrevistas semiestruturadas correspondem às narrativas e foram categorizados a partir de dois eixos: i) infraestrutura de escolas rurais, e ii) modos de ensinar e trabalho de professoras rurais. O software de análise qualitativa Maxqda foi fundamental para melhor sistematização dos materiais coletados. Gibbs (2009) discorre sobre a importância das categorizações dos dados de campo por meio do uso de softwares na pesquisa qualitativa.
Conforme Barros e Ferreira (2020, p. 448), “[...] nos testemunhos de docentes rurais, percebemos tanto as práticas pedagógicas [modos de fazer] utilizadas nos meandros de suas aulas quanto os modos pelos quais o professorado foi criando atalhos para fazer valer sua profissão [...]” na condição de leigas.
Vale destacar que, no recorte temporal de 1955 a 1971, foco da pesquisa, as três professoras rurais eram leigas, atuaram em diferentes escolas, muitas sob a responsabilidade do governo do Território Federal de Rondônia. A formação inicial veio posteriormente para apenas uma delas, quase uma década depois do marco final do recorte da pesquisa, por meio de um programa de formação de professores leigos, denominado Logos II. Nunes (2019) descreve que o Logos II foi um tipo de formação emergencial para capacitar e habilitar o professor leigo, principalmente das escolas rurais, e não havia relação entre o que os professores aprendiam no curso e o contexto da zona rural de floresta amazônica na qual trabalhavam.
As professoras rurais rondonienses apresentam em suas narrativas significativas experiências no magistério, modos de pensar e fazer a educação em região de floresta amazônica e em contexto brasileiro de autoritarismo instalado com o golpe militar de 1964.
O contexto brasileiro dos anos de chumbo
O Brasil dos anos 1960 experimentou as agruras do início do período militar, que se estendeu de 1964 a 1985. A ditadura militar discursivamente foi apresentada como uma das possibilidades para livrar o país da corrupção e do perigo do comunismo.
De 1964 para 2022, percebe-se que, na história do Brasil, há recorrências ou permanências. O atual presidente da república (PR), Jair Messias Bolsonaro, eleito em outubro de 2018, egresso da carreira militar, apoiou-se em falsos discursos para convencer parte do eleitorado brasileiro do eminente risco do comunismo e acabar com a corrupção.
A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 se deve a diversos fatores, entre os quais se destaca: a destituição da presidenta Dilma Rousseff, em 31 de agosto de 2016, por meio de um golpe, o impeachment.
o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, consumado pelo Senado em 31 agosto de 2016, se configura numa empreitada deveras difícil. Por um lado, porque não há, ainda, um distanciamento temporal que nos permita tecer análises mais precisas. Por outro, os desdobramentos decorrentes de tal acontecimento para o Brasil e, em especial, para as instituições públicas brasileiras, não são de todo conhecidos. Ademais, deve-se considerar que os eventos que levaram ao impedimento de Dilma Rousseff continuam em curso. (SILVA et al., 2017, p. 2).
Comparativamente, o golpe militar de 1964 e o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (golpe de 2016) apresentam fatos que se aproximam. Se, a partir de 1964, os chamados Atos Institucionais (AI), na condição de decretos, passaram a estabelecer as diretrizes em nome do exercício do Poder Constituinte; em 2016, um amplo jogo de interesses essencialmente políticos determinou novamente o projeto de nação, o viés golpista em nova roupagem, embora sem a visível participação dos militares no processo de articulação.
Com a posse, em 2019, o PR Jair Bolsonaro, militar reformado do Exército, recebeu o apoio das forças de segurança das esferas municipais, estaduais e federal. Instituiu-se um governo com propostas de militarização da educação, liberação do porte de armas para civis e ataques infundados à ciência brasileira.
Os argumentos sob os quais se fundamentam a propagação do “novo” projeto de nação para livrar o Brasil da corrupção são estratégias conhecidas. Trata-se de histórias e discursos “requentados” que, articulados à persuasão ideológica, foram disseminados por meio de Fake News, ou seja, inverdades com a finalidade de vencer as eleições presidenciais de 2018.
Por um lado, os resultados das eleições de 2018 para PR no Brasil foram enunciadores de prejuízos para a democracia e descrédito da comunidade científica por parte do PR, com substanciais cortes em linhas de financiamentos para universidades e institutos federais.
No Brasil, percebe-se intenso movimento de parlamentares da base de apoio do PR para reforçar o Poder Executivo e reduzir o campo de ação das diversas organizações - conselhos, sindicatos, movimentos sociais entre outros.
Em cada um dos contextos, o do golpe militar de 1964 e o golpe do impeachment da presidenta Dilma Rousseff de 2016, os conflitos de interesses manifestados por diferentes setores da burguesia capitalista repercutiram, de modo a apresentarem limitações nos processos de democratização das oportunidades, principalmente no âmbito social. Manifestações contrárias ao golpe de 1964, como mencionou Ventura (1988), as agitações estudantis se alastraram por todo o país. Já o golpe de 2016 contou com apoio da mídia burguesa, como mencionaram Matias e Barros (2019).
Nesse ínterim, a escola é fator preponderante, ora na condição de reprodutora da sociedade capitalista, ora em sua vertente freireana, que pode oportunizar melhores interações dos sujeitos, sobretudo a conscientização crítica. “A consciência crítica ‘é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica’” (FREIRE, 2001, p. 113).
É fato notar que a escolarização da década de 1960 não teve e ainda não tem desenvolvimento homogêneo em todo o território brasileiro. São complexas e
agudas desigualdades no atendimento. Enquanto em algumas regiões o sistema da ensino parece finalmente aproximar-se da realização do antigo ideal pedagógico de uma escola comum universalizada, em outras áreas, no estados mais pobres e, de modo geral, nas zonas rurais ou então em alguns setores da periferia dos centros urbanos, também em geral povoados por maciços contingentes migratórios de áreas rurais, a rede de escolas ainda está longe de absorvem a totalidade de habitantes escolarizáveis, mesmo na primeira série da escola comum. (HOLANDA, 1995, p. 399).
Nas regiões rurais, há falta de escolas, professores e demais artefatos pedagógicos para instituir o processo de ensino e aprendizagem, situação que em muitos casos reproduz a exclusão dos pobres dos sistemas de ensino.
Em se tratando de escolas rurais, pode-se encontrar professores e professoras sem formação específica do magistério e em efetivo exercício, são professores leigos.
Independentemente de ter ou não curso de formação de magistério, na década de 1960, a professora leiga era a única alternativa para alfabetizar crianças na região amazônica. A escola rural, quando foi o foco do interesse do Estado autoritário, passou a ser fiscalizada pelo próprio Exército, a ideia era evitar a proliferação de ideias contrárias à ideologia burguesa capitalista, instaurando-se o medo dos comunistas.
O ajudante do meu pai foi receber os militares. Eles chegaram e perguntaram: Estava sabendo que tem uma escola aqui nessa casa, o funcionário apontou pra mim e disse: a professora está ali. Ele olhou pra mim assustado e disse, essa menina, aí eu disse, sim, senhor capitão, sou eu a professora, e ele disse: o que a senhora está fazendo no chiqueiro com esses meninos? Eu estou ensinando para eles como que os porcos comem, como que os porcos vivem, para que servem, o que você serve aos porcos. Ele olhou para mim e balançou a cabeça e disse, você está ensinando bem, mas não tem livros? Ele disse: que livro que a senhora tem aí? Eu disse: vamos na salinha que eu lhe mostro, aí abri as caixas de livros, mostrei tudinho, ele disse: tá bom, está dentro das normas [...], ele continuou dizendo: eu estou sabendo que seu pai tem um livro do Karl Marx, eu digo, tem, sim. O capitão falou: viemos buscar, eu digo, não, o senhor não veio buscar não, porque não é do senhor, é do meu pai, e está no baú trancado. O capitão perguntou: você tem acesso? Eu disse não, não tenho, porque o meu pai não deixa a gente ler. Porque o seu pai tem esse livro [o capitão perguntou], e completou: ele por acaso é comunista? Eu disse: senhor, ele é brasileiro, ele é nacionalizado brasileiro, e é um excelente pai, um agricultor que ajuda as famílias carentes, aí o capitão se calou, eles já sabiam que meu pai tinha esse livro. Então nesse dia vocês não imaginam o quanto eu tremia [...]. (PROFESSORA 3, 2021).
No fragmento de entrevista da professora rural leiga, é possível verificar o quanto a escola rural de uma sala só era improvisada pela própria família. Em uma “salinha”, a professora era uma menina franzina, filha de agricultores. Ensinava como podia, com parcos materiais. Em suas atividades, havia a prática de lidar com a vida rural, no caso, a criação de porcos. Na salinha improvisada, na própria casa em uma área rural da região amazônica, a professora, em seu efetivo exercício, manuseia um conjunto de habilidades cognitivas para ensinar outras crianças.
O debate instituído pela professora leiga com o capitão do Exército brasileiro corresponde à ideia de que a cultura leiga é um tipo de espaço em que a realidade social é reconstruída a partir daquilo que é visto ou conhecido. Por sua vez, o capitão se faz valer da “[...] crença no pressuposto de que, à nossa natureza humana, a espécie homo educandus começa a abalar-se à medida que estudava a história dos conceitos econômicos de Mandeville e Marx [...]” (ILLICH, 1991, p. 40. Grifos do autor). Daí a preocupação com o status quo, com a ordem e o progresso, lemas estabelecidos diante da violência e autoritarismo do período repressivo da ditatura militar.
O contexto político externado é de opressão e ausência de ações políticas condizentes com as comunidades rurais da região amazônica, combinação perfeita para gerar desprezos no âmbito das políticas públicas. O Estado é produtor de determinado conjunto de atitudes ou convenções culturais para difundir seu projeto de nação. A escola é um dos palcos ou lócus da efetivação das atitudes e/ou convenções do Estado, principalmente quando se menciona a Amazônia Legal2 diante do processo de expansão da fronteira agrícola.
A função da expansão da fronteira agrícola para outros eixos - regiões Centro-Oeste e Norte, tem variação frequente a partir de condicionantes, utilizada para intensificar o desenvolvimento da economia -, vem a reboque da ampliação de redes de transporte, seja ferroviário ou rodoviário. “[...] A expansão da fronteira agrícola durante as últimas décadas [período militar] constituiu, em última análise, uma decorrência do novo padrão de acumulação da economia brasileira, e da concentração - funcional, setorial e regional - da renda que ela engendrou” (HOLANDA, 1995, p. 129).
A expansão da fronteira agrícola acarretou intenso processo migratório para a região de floresta amazônica, principalmente no período militar. Um dos exemplos corresponde ao Plano de Integração Nacional (PIN), instituído a partir do Decreto-Lei n.º 1.106, de 16 julho de 1970, no governo autoritário de Emílio Garrastazu Médici, que perseguiu seus adversários, intensificou a tortura, censurou meios de comunicação, entre outros, além de ser um dos mais violentos governos.
No Plano de Integração Nacional, artigo 1.º, encontra-se a dotação orçamentária de dois bilhões de cruzeiros, volumosos recursos utilizados entre os anos de 1971 a 1974. No “Art. 2.º A primeira etapa do programa de Integração Nacional será constituída pela construção imediata das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém.” Já no inciso 1.º, pode-se verificar que “será reservada para colonização e reforma agrária, faixa de terra de até dez quilômetros à esquerda e à direita das novas rodovias para, como os recursos de Programa de Integração Nacional, se executar a ocupação da Terra e adequada e produtiva exploração econômica” (BRASIL, 1970).
Nos relatórios produzidos pelas comissões de Economia e Orçamento do senado federal sobre o Decreto-Lei n.º 1.106, de 16 de julho de 1970, encontramos: i) Economia - “o novo Programa de Integração Nacional encerra medidas heroicas, em que certo sentido, um sacrifício para os investidores das regiões sulinas, quanto à possibilidade de implantação de projetos específicos das atividades econômicas primárias e secundárias do Norte e Nordeste e ii) Orçamento:
Ao lado da industrialização, fortalecimento da agricultura da zona semiárida e dos vales úmidos para que possa absorver nível de produtividade, a maior parcela possível de população aí existente “é abrir uma alternativa para a mão-de-obra excedente” pois qualquer medida compulsória sobre ser inexequível seria odiosa e intolerável. [...].
VI - Duas palavras sobre a Integração da região amazônica não só ao Nordeste, mas ao Brasil: Já é chavão afirmar “Integrar para não entregar”. A ocupação destes vastos espaços vazios é um desafio à nossa geração. A criação da SUDAM, do Porto Franco de Manaus já foram passos avantajados, mas não suficientes junto com a patriótica obra dos batalhões de engenharia, para nem sequer iniciar tal arrancada. (BRASIL, 1970).
O presidente Médici adotou um modelo de desenvolvimento agrário-exportador, a partir do Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), lançado em anos anteriores. O intuito era criar mercado de massa e essencialmente voltado à expansão agrícola, como uma das possibilidades para elevar a economia e expandir a desejada industrialização, segundo Macarini (2005) expõe o histórico sobre o projeto de nação de Médici.
Os Projetos Integrados de Colonização (PICs) foram implementados pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Segundo Oliveira (2001), vários contingentes populacionais provenientes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil se deslocaram para a região amazônica em busca de melhores condições de vida e acesso à terra.
Dentro desse contexto, com o alargamento da fronteira agrícola, o modelo agrário-exportador, e o lema “Integrar para não entregar”, encontramos o slogan “Terras sem homens, para homens sem terra”, uma propaganda para ocupar os vazios demográficos da Amazônia. Tal processo que gerou intenso fluxo migratório, avivou a violência contra povos indígenas e populações tradicionais, tudo isso em nome da integração, ou seja, o desenvolvimento econômico da Amazônia Legal.
De território Federal do Guaporé para estado de Rondônia
Por meio do Decreto-Lei n.º 5812, de 13 de setembro de 1943, foram criados diversos territórios federais no Brasil. No “Art. 1º São criados, com partes desmembradas dos Estados do Pará, do Amazonas, de Mato Grosso, do Paraná e de Santa Catarina, os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã e do Iguassú.” Sobre o Território Federal do Guaporé, temos o inciso 3.º, que estabeleceu os seguintes limites:
- a Noroeste, pelo rio Ituxí até à sua foz no rio Purús e por êste descendo até à foz do rio Mucuim;
- a Nordeste, Leste e Sueste [sic], o rio Curuim, da sua foz no rio Purús até o paralelo que passa pela nascente do Igarapé Cuniã, continua pelo referido paralelo até alcançar a cabeceira do Igarapé Cuniã, descendo por êste até a sua confluência com o rio Madeira, e por êste abaixo até à foz do rio Gi-Paranã (ou Machado) subindo até à foz do rio Comemoração ou Floriano prossegue subindo por êste até à sua, nascente, daí segue pelo divisor de águas do planalto de Vilhena, contornando-o até à nascente do rio Cabixi e descendo pelo mesmo até à foz no rio Guaporé;
- ao Sul, Sudoeste e Oeste pelos limites com a República da Bolívia, desde a confluência do rio Cabixí no rio Guaporé, até o limite entre o Território do Acre e o Estado do Amazonas, por cuja linha limítrofe continua até encontrar a margem direita do rio Ituxí, ou Iquirí. (BRASIL, 1943).
A criação do Território Federal do Guaporé também está relacionada ao plano de segurança nacional estabelecido no período do getulismo, de 1930 a 1945. O interesse de proteger as fronteiras geográficas é algo explícito.
Já em 1956, por meio da Lei n.º 2.731, de 17 de fevereiro de 1956, foi criado o Território Federal de Rondônia, no “Art. 1.º É mudada a denominação de Território Federal do Guaporé para Território Federal de Rondônia” (BRASIL, 1956). O nome Rondônia advém das atividades desenvolvidas pelo marechal Candido Mariano da Silva Rondon, ações expedicionárias para mapear e colonizar regiões. Rondon abriu picadas na floresta, implementou linhas de telégrafos e, embora tenha fundado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que propunha contato amigável com os indígenas, a dizimação de populações nativas ocorreu devido ao contato com os brancos, um choque de culturas. As terras desbravadas por Rondon passaram a integrar a ampliação da fronteira agrícola.
Do Território Federal de Rondônia para o estado de Rondônia, pode-se perceber a intensidade do projeto econômico de desenvolvimento e colonização, mesmo a partir do desflorestamento, que gerou prejuízos para ecossistemas naturais, sobretudo para os povos indígenas.
O estado de Rondônia foi criado pela Lei complementar n.º 41, de 22 de dezembro de 1981: “Art. 1.º - Fica criado o Estado de Rondônia, mediante a elevação do Território Federal do mesmo nome a essa condição, mantidos os seus atuais limites e confrontações. Art. 2.º - A Cidade de Porto Velho - será a Capital do novo Estado” (BRASIL, 1981).
Pedlowski et al. (2006) mencionam que o estado de Rondônia ocupou papel estratégico para ao processo de desenvolvimento econômico diante das deliberações do Banco Mundial, além de fonte de recursos naturais para produção de fármacos a partir de insumos da flora e fauna.
A história do estado de Rondônia está entrelaçada aos assentamentos de populações advindas de outras regiões do Brasil, de projetos dos governos militares a partir da década de 1960, para fixar colonos, proteger fronteiras, promover crescimento econômico, intensificar o uso de recursos naturais e de algum modo angariar apoio político, pois era a prerrogativa do governo Federal indicar o governador do Território Federal de Rondônia, uma espécie de interventor, e, desse modo, contar com apoio eleitoral em suas diversas frentes e locais.
Diante dos contextos pelos quais o fluxo migratório se intensificou para a região Norte em área de floresta, a escola se fazia necessária. Mas, afinal, qual escola? Uma escola para atender os núcleos populacionais, junto à ocupação dos vazios demográficos? “Muita das vezes as comunidades se antecipam à ação governamental, instalando escolas em espaços físicos por elas construídas, sob a direção de docentes escolhidos entre seus membros” (LIMA, 1993, p. 9). No excerto, pode-se perceber duas vertentes, a primeira diz respeito ao interesse e preocupação dos colonos com o processo de instrução educacional, não lhes restando outra opção a não ser construir com as próprias mãos a escola; a segunda vertente diz sobre a demora e incapacidade técnica de governantes, ora Presidente da República, ora governador/interventor do Território Federal de Rondônia para implementar escolas rurais.
Escolas rurais em contexto amazônico
As narrativas das três professoras rurais leigas versaram sobre algumas das características das escolas amazônicas, espaço geográfico atual do Norte ao Cone Sul do estado de Rondônia.
As professoras entrevistadas ministraram aulas nos municípios de Guajará Mirim, Porto Velho, Cacoal, Vilhena e Pimenta Bueno, entre os anos de 1955 a 1971, todos municípios do até então Território Federal de Rondônia. Das três entrevistadas, duas são oriundas da região Nordeste e uma do Sul brasileiro, deslocaram-se para o Território Federal de Rondônia a partir da chamada “Marcha para o Oeste”, processo de migração instituído no período militar para a colonização da região Norte do Brasil. Os efeitos do fluxo migratório no então território de Rondônia é um retrospecto que pode auxiliar a perceber o aumento no quantitativo populacional da região entre os anos de 1950 a 1970.
Número de habitantes | |
---|---|
Anos | Habitantes |
1950 1960 1970 |
36.935 69.792 111.064 |
Fonte: INEP (Censo 1950; 1960 e 1970. Dados organizados pelos autores).
Nos anos de 1950 a 1970, nota-se o acréscimo em grande escala dos habitantes da região, situação que exigia maior número de escolas. Silva (2019) contextualiza o inchaço demográfico vivenciado a partir do período de 1950 e a abertura de escolas rurais, evidenciando o quanto o aumento populacional incide sobre as demandas educacionais.
A acelerada migração para Rondônia provocou também um contexto caótico na educação [...]. As famílias que aqui adentravam, demandavam atendimento educacional, assim, muitas escolas passavam a funcionar de forma desarticulada [...]. Em outras palavras, as estruturas das escolas eram precárias, e os professores não eram habilitados, o chamado professor leigo. (SILVA, 2019, p. 43).
As escolas rurais eram distantes dos núcleos urbanos, compunham a região de floresta amazônica, e acessá-las não era fácil. A Professora 1 narrou o que fazia para chegar à escola: “você vai descer o rio Madeira, depois você vai pegar o rio Pimenta, que é o rio Jamari e vai, vai, vai embora. Vai lá em Extrema com Cuiabá, e eu digo: ‘pronto! Aí eu fui!’ [...] lá só tinha mato”. Naquele contexto de trabalho docente no meio do mato, área de floresta, a escola rural era um atrativo, povos indígenas se aproximavam da sala de aula e, de acordo com a Professora 2, a primeira professora de uma escola rural da cidade de Cacoal, os índios causavam certo espanto entre os brancos.
um dos fatos que me marcou muito, porque quando eu saí do Castanhal eu fui dar aula no Riozinho e eu fui a primeira professora da Escola Maria do Carmo, do Riozinho e nessa época os índios ainda andavam pelados na rua. Quando chegava a hora de soltar os alunos, eu ficava presa na escola, eu e mais duas alunas que vieram de Porto Velho e elas morriam de medo desses índios, elas também nunca tinham visto, eram crianças e eu ficava na casa desse pessoal. E nós três ficamos presas na escola porque eles ficavam na janela, querendo caderno, querendo as coisas. Eu ia para casa levando o material e eles vinham para cima de mim querendo os cadernos dos alunos, aquilo eu morria de medo! Foi uma coisa assim que me marcou muito, me marcou bastante. (PROFESSORA 2, 2021).
Povos indígenas habitantes da floresta amazônica estavam aguçados com as novidades, afinal, a escola rural era algo diferente daquilo que conheciam. A professora completa que, posteriormente, conseguiu construir uma escola no seu sítio.
a escola era aqui no meu sítio. Porque quando foi para construir as escolas, elas tinham que ser de 4 em 4 quilômetros. Aí a primeira era na entrada, que foi onde eu trabalhei; a escola chamava-se Machado de Assis. Aí quando eu fui transferida para aqui, a escola era para ser na gleba 5 de todas as escolas da linha, só a minha é na gleba 4 porque o vizinho de frente era um sergipano e não aceitou fazer a escola no lote dele. (PROFESSORA 2, 2021).
As professoras leigas, seus familiares e as comunidades eram os responsáveis pela construção de escolas, doavam árvores para serem serradas, ajudavam a construir e auxiliavam na manutenção escolar, devido às ausências do poder público.
Nunes (2019) evidencia a cessão de terrenos, doação de madeira para a construção de escolas pelas comunidades no Cone Sul rondoniense, prática que se estendeu por outros períodos históricos e outras regiões geográficas.
Segundo as narrativas, as escolas rurais eram de palhas, tapiri e madeira. A Tabela 2 auxilia na compreensão de parte das características sobre infraestrutura das escolas rurais amazônicas.
Entrevistadas | Composições | Fragmentos de entrevistas de professoras rurais leigas |
---|---|---|
Professora 1 (2021) |
Escolas rurais | Aí não tinha lousa, e agora eu vou dar o jeito. Fiz uma rifa aqui consegui comprar uma lousa. Nós ficamos aqui na escola, só eu para 63 alunos. [...]. Não tinha nem merendeira. Eu que era zeladora, merendeira, professora e diretora. E eu disse que se era eu que fazia a merenda, o gás era meu, fogão era meu, o armário era meu, a lousa era minha o mimeógrafo era meu. Se tinha as coisas na escola, tudo era eu que comprava para o meu trabalho, que eu dava aula para 1.ª, 2.ª, 3.ª e 4.ª. |
Professora 2 (2021) |
Escolas rurais | A escola era sempre um padrão, todas de madeira. As escolas eram assoalhadas, era um pouco alto do chão, eu nunca entendi porque tinha escadinha para aquelas crianças subir, não sei porque não faziam logo no chão. [...] As únicas coisas que vinham de fora, que compravam às vezes em Pimenta Bueno ou em Ji-Paraná, eram telha, os pregos, essas coisas, porque Cacoal não tinha loja ainda nessa época. Aí o resto eles faziam tudo de madeira. |
Professora 3 (2021) |
Escolas rurais | [...] O difícil mesmo era só o espaço. Não tinha como construir um espaço edificado. Uma coisa assim confortável, não era [...] o banheiro era lá no mato. Não tinha esse aspecto físico, não tinha essas vantagens aí meu pai mandou fazer as casinhas de banheiro bem fora assim, ao redor da casa que era dos meninos e das meninas, aquele banheiro que é o buraco no chão uma tábua tampando, que é uma privada. Então ele mesmo escreveu meninos e meninas, tinha uma portinha. O difícil mesmo era só o físico e essa dificuldade de ser todo mundo junto. |
Fonte: Os autores a partir dos dados das entrevistas e com recursos do software Maxqda 2022.
Segundo Thompson (1978, p. 183), “os fatos de que as pessoas se lembram (e se esquecem) são, eles mesmos, a substância de que a história é feita”. As professoras rurais leigas em suas lembranças estabelecem concreticidades a partir dos ambientes em que atuaram e sobretudo parte de suas vivências, um modo de externar suas leituras de um contexto histórico marcado por intenso trabalho para erguer escolas rurais com os recursos materiais disponíveis da região.
Todas as práticas e/ou ações externadas pelas professoras rurais para a composição das escolas não são características únicas e isoladas da região amazônica, em Chaloba et al. (2020), pode-se encontrar exemplos sobre o mesmo contexto temporal e outras localidades do Brasil.
De todo modo, a escola rural no Território Federal de Rondônia era um padrão, feita a várias mãos e com materiais extraídos na própria floresta amazônica, seu funcionamento contou com a existência de uma rede de apoiadores, seja de familiares das professoras e/ou alunos e comunidade escolar.
As professoras faziam de tudo nas escolas rurais, eram responsáveis pela sala de aula multisseriada sem ao menos ter curso de formação para o exercício do magistério, eram leigas, assumiam atribuições outras além do magistério rural no âmbito da administração pública: erguiam as escolas, angariavam recursos financeiros para compra de materiais básicos necessários, arcavam financeiramente com parte das despesas da merenda escolar, limpavam, consertavam e, sobretudo, ministravam aulas para crianças e jovens de diversas idades em salas multisseriadas.
Modos de ensinar e trabalho de professoras rurais
Quando foram incumbidas da docência nas escolas rurais rondonienses, as professoras eram muito jovens, passaram de uma forma quase repentina do brincar ao trabalhar. A Professora 3 relembrou que tinha entre 15 a 16 anos, brincava com suas bonecas e “de repente deixou de ser criança para ser docente, para mexer com leis e com os alunos” (PROFESSORA 3, 2021). As professoras eram leigas, não tinham qualquer formação pedagógica inicial, contavam apenas com os saberes da experiência que tiveram, ainda na infância, como alunas. O início da profissão docente foi orientado pelas observações e reproduções do que fizeram, do que vivenciaram como ajudantes das professoras nas atividades de sala de aula, quando suas professoras estavam muito atarefadas e pediam que alguém as ajudasse, passando o conteúdo na lousa e corrigindo os cadernos dos colegas; “e com isso fui aprendendo através da [minha] professora” (PROFESSORA 1, 2021).
Schelbauer e Souza (2020, p. 368) explicam que, ao se tratar de professor rural, “o valor da experiência se evidencia na máxima ‘ensinava como tinha aprendido’, como rememoram os sujeitos”. A Professora 2 confirmou que “via como sua professora dava aula e tudo, aí eu fazia. Comecei a dar aula ensinando, pegava na mão daqueles que nunca tinham ido à escola, como se fosse um ‘prezinho’ escolar e ali fui ensinado” (PROFESSORA 2, 2021).
A Professora 3 disse que, após terminar o 5.º ano primário, não ingressou no ginásio porque foi convidada para dar aulas. Afirmou que, com o tempo, as próprias dificuldades com a prática em sala de aula se tornaram momentos de aprendizado docente: “aprendi com os próprios alunos, era com as dificuldades deles que eu ia aprendendo” (PROFESSORA 3, 2021). Ela conta que, além das letras e números, antes de iniciar os conteúdos escolares propriamente ditos, era preciso ensinar sobre a educação de uma maneira mais ampla como bons modos, formas de sentar e socialização dos alunos.
A incumbência docente era ensinar para o aluno até que ele aprendesse de fato. Quando se ensinava alguma coisa e se percebia que algum aluno não aprendia, a professora buscava planejar de uma forma diferente para ensinar, testando até dar certo, ou seja, até que o aluno aprendesse. O aprendizado dos alunos era simultaneamente a maior preocupação e a maior gratificação da professora, embora suas referências para o exercício da docência eram o próprio trabalho.
Ia me desenvolvendo de acordo com as necessidades, se ontem eu ensinei de uma forma e o menino teve dificuldades, chorou, parece que não entendeu, à noite eu já pensava, amanhã eu vou fazer o mesmo assunto de forma diferente. Eu montava um outro ‘esqueminha’ para trabalhar com esse aluno, era individual. Aí eu sentia que aquela nova metodologia tinha melhorado e eu continuava com ela. Se eu ensinava e ele não aprendia, eu não achava que não estava tendo competência para ensinar, eu pensava: tenho que melhorar. (PROFESSORA 3, 2021).
Livro, quadro, caderno, letras, números, desenhos e muita criatividade dentro de sala, praticamente tudo era no quadro e no caderno, as professoras rurais formulavam exercícios para ligar palavras a desenhos, atividades de circular e preencher eram constantes. Schelbauer e Souza (2020) asseveram que, frente a parcos recursos materiais, o uso do quadro, do giz, do livro e da cópia se acentuavam ainda mais.
Livro e caderno. Era mais ou menos só isso aí, a gente utilizava muito o quadro, desenhos, a gente desenhava. Fazia também exercício para ligar, por exemplo, para a 2.ª série, fazia o desenho e a palavra para eles irem descobrindo o desenho com a palavra. Eu gostava de fazer tipo xadrez para eles irem descobrindo a palavra. Atividades de circular em volta, mas era tudo manual. Tudo era no quadro e no caderno do aluno. (PROFESSORA 2, 2021).
Outros modos de ensinar correspondem à proposição inventiva das próprias professoras leigas que dividiam o quadro em partes, às vezes uma parte para cada disciplina, outras vezes uma parte para cada série, ensinaram em escolas rurais multisseriadas. Logo no início de cada parte do quadro, a professora identificava a turma para a qual a atividade era direcionada. Outras práticas como ditado, separação de sílabas, cópias, leituras, memorização da tabuada e resolução de problemas de matemática faziam parte dos fazeres e saberes da docente na escola rural. Em alguns momentos, a utilização de livros era uma das possibilidades para efetivar a docência rural.
A gente acompanhava sempre nos livros na época e fazia os exercícios. Era todo manual, tudo no quadro naquela época. Não tinha como digitar ou fazer nada impresso. O quadro era bem grande e, para facilitar, eu dividia o quadro por disciplina ou por série. Quando era português ou da 2.ª série, eu sempre já escrevia lá, 2.ª série. Eu traçava uma linha, tiravam uma parte do quadro e ali eu ia passando as atividades, a gente fazia muito ditado, separação de sílabas, cópia. Eu fazia os alunos ler, leitura mesmo, para a gente ouvir tinha aqueles com mais dificuldade e outros já liam bem. A gente tinha muito cuidado na matemática em ensinar tabuada, naquela época tinha que saber a tabuada, fazer muito exercício para memorizar mesmo a tabuada. Passávamos aqueles problemas de matemática. (PROFESSORA 2, 2021).
A leitura e os cálculos eram o foco principal das professoras rurais para o aprendizado escolar dos alunos, eram os pontos mais observados e trabalhados, isso porque haviam cobranças da Secretaria de Educação ao vistoriarem as escolas rurais.
Como a escola tinha apenas a sala de aula, as professoras utilizavam também o ambiente externo para lecionar; nas aulas de Ciências, criavam possibilidades de observar e ensinar em contato direto com a natureza, ou seja, plantar e observar o desenvolvimento das plantas. “[...] Às vezes saía da sala, aproveitava muito quando era aula de Ciências, para ver as plantas. A gente plantava. Ali onde era a escola tem pé de araçá, tem muitas plantas que foram plantadas na época que a gente usava como exercício, como uma atividade (PROFESSORA 2, 2021).
Outra tarefa muito criativa, descrita pela Professora 1, era a chamada “merenda surpresa”, uma atividade que entusiasmava e apresentava novas palavras e alimentos ainda não conhecidos pelos alunos. Saudosa, a professora recupera a memória de que “a merenda surpresa era um quadro bem grandão, ninguém sabia. A surpresa era vatapá, era salada, tudo o que as crianças não conheciam”. A referida professora descreveu que chegou até mesmo a ser indagada pela diretoria da Secretaria de Educação quanto a ter autorização para realizar essa prática na escola e respondeu prontamente: “Eu! Eu sou a diretora da escola! Eu autorizei!” (PROFESSORA 1, 2021). A professora explicitou que era sozinha para fazer tudo na escola, ou seja, de acordo com Barros e Ferreira (2020), a docência rural era repleta de atribuições, ministrar aulas era o essencial, mas não a única atividade desenvolvida. As professoras rurais eram tudo na escola e para a escola.
Na escola rural, a professora lidava de modo a resolver os problemas do lado de dentro e de fora da sala de aula, um dos exemplos é sobre alunos faltosos. As faltas geralmente estavam relacionadas à época da colheita, na qual, especialmente os meninos, precisavam ajudar os pais na roça, desenvolviam as atividades na perspectiva da agricultura familiar, o trabalho da criança na roça estava associado ao princípio educativo.
Esse negócio de faltar era a maior dificuldade porque, quando chegava a época de colheita, de colher arroz, os alunos faltavam bastante porque o pai tirava da escola para ajudar na roça [...] isso atrapalhava muito o trabalho da gente, porque eu só ficava com aquelas que não iam para a roça, as meninas iam pouco, agora os meninos iam mais. Não podia parar em função daqueles que não vinham. Quando eles retornavam à escola, estavam perdidos, porque a gente já havia passado as lições dos livros e eles ficavam tudo perdido, aí a gente tinha que voltar para ensinar, para mostrar o exercício todo. Era quase que dar aula duas vezes para eles pelo fato de eles faltarem bastante. (PROFESSORA 2, 2021).
Embora as crianças compusessem mão de obra familiar, e muitas vezes a única possibilidade de ajuda na produção agrícola para a subsistência, Antuniassi (1983) mencionou que o ingresso precoce nas atividades laborais por parte de crianças e jovens que vivem em ambientes rurais prejudica e interfere negativamente no processo de sua escolarização. A autora explica que, “mesmo quando a criança conjuga as atividades de trabalho com as escolares na época de pico das atividades agrícolas, elas deixam de comparecer à escola para ajudar os pais” (ANTUNIASSI, 1983, p. 42-43). Essa realidade pode gerar significativos índices de evasão, ou seja, descontinuidade da apropriação de conhecimentos formais - escolares necessários para melhor compreensão dos contextos pelos quais estão inseridos.
Os pressupostos de Antuniassi (1983) podem ser percebidos quando as professoras das escolas rurais narram que não era possível parar o conteúdo para os alunos frequentantes e, depois que os alunos faltosos regressavam da colheita, ficavam alheios aos conteúdos desenvolvidos em sala de aula, então era preciso voltar de onde eles pararam para ensinar, duplicando o trabalho docente. Uma ação desenvolvida pelas professoras leigas para tentar contornar a situação foi uma espécie de remanejamento dos alunos no interior da própria sala de aula, ou seja, ao retornarem do trabalho na roça, após dias sem frequentar a classe, os alunos eram remanejados para uma série anterior de acordo com as avaliações da docente.
Embora não tivessem formação pedagógica, as professoras elaboravam, praticamente sozinhas o planejamento para as atividades de ensino e o seguiam na escola. O plano de aula orientava sobre o que lecionar, como lecionar e a organização dos parcos materiais a partir da real necessidade de seus alunos. As professoras, de acordo com Alencar (1993), tinham compreensão sobre processo de obtenção e fixação de conhecimentos para si e para os alunos.
era preciso ter um plano de aula para saber o que vai dar segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado. Você tem que saber o que tu vai (sic) dar hoje. Tem que organizar os materiais, Português e Matemática que são obrigatórias, mas temos Ciências Sociais e tem outras coisas que o professor procura criar, principalmente, quando vê que a clientela não tem certo estudo, não conhece certas coisas. Então a gente tem que ir se organizando de acordo com a realidade, de acordo com a necessidade. (PROFESSORA 1, 2021).
O planejamento do ensino evidenciava a expertise das professoras, que, embora leigas, mobilizavam seus saberes no sentido de organizar os materiais e as disciplinas ou matérias proporcionalmente ao tempo e aos dias semanais letivos para instituir modos de ensinar crianças e jovens em região de floresta amazônica. A Secretaria de Educação pouco participava com relação ao planejamento de ensino, o documento (mapas) encaminhado às escolas para orientar o trabalho das professoras não era o suficiente.
A Professora 3 relata que recebia da Secretaria de Educação apenas algumas instruções escritas chamadas de mapas, e serviam para dar um direcionamento ao ensino, da alfabetização ao quarto ano. Na escola multisseriada, a professora organizava o ensino das várias séries, atendendo alunos de diferentes idades e níveis de conhecimentos em uma mesma sala simultaneamente. Os materiais trabalhados em cada série eram distintos, “vinham todos os mapas, todas as orientações de como trabalhar desde os menininhos da alfabetização até os meninos de terceiro ou quarto ano. Vinha tudo separadinho. Só era junto mesmo os alunos, mas o material era separado” (PROFESSORA 3, 2021). Já a Professora 1 apresenta uma contradição, reforçando que “a Secretaria não mandava pronto os conteúdos, e eu tinha que formular os meus planos de aula. Não era para copiar aquilo que a Secretaria mandou. Ela mandava só um direcionamento para elaborar as aulas com os conteúdos necessários” (PROFESSORA 1). A Professora 2 corrobora ainda que
planejava em casa, eu sabia o que eu ia dar na aula no dia seguinte, o que tinha que fazer. Não podia chegar lá ficar folheando, procurando o que é que eu vou dar hoje. O que vou fazer hoje? Não. Além de corrigir [as atividades dos alunos], no outro dia eu já sabia o que eu ia fazer. Tinha um planejamento, marcava direitinho, procurava exercício. (PROFESSORA 2, 2021).
Posteriormente, os conteúdos trabalhados pelas professoras eram registrados em outro tipo de documento, também chamado de mapa, que era entregue na Secretaria, em “cada mês, para alfabetização, tinha um espaço para inserir o que eu tinha trabalhado, que era dentro daquele planejamento, eu passava aquele planejamento depois de ministrado para um ‘mapinha’, eram uns cadernos, aí eu transcrevia aquilo que eu tinha trabalhado” (PROFESSORA 3).
A sala multisseriada era organizada em filas de carteiras separando os alunos em pequenos grupos de acordo com a série a qual pertenciam: “colocava [os alunos] de 1.ª série tudo perto, junto. Colocava os da 2.ª, 3.ª série e os últimos eram da 4.ª série” (PROFESSORA 2, 2021), e, de acordo com essa marcação, a professora organizava o conteúdo no quadro, separando para cada série a atividade correspondente. As professoras rurais reinventavam a todo momento modos de pensar e fazer a educação diante das necessidades, dos contextos, do público e dos poucos recursos que dispunham.
os cotidianos dos professores e professoras rurais baseavam-se nas realidades de escolas de uma sala só: consequentemente multisseriada, o quadro era dividido para viabilizar atividades com as distintas séries. Os professores eram os responsáveis pelas escolas em sua totalidade e utilizavam a estrutura recorrente das escolas rurais: um quadro/lousa, giz e o trabalho de 1.ª à 4.ª série do primeiro grau, em um só ambiente. Assim, a organização dos conteúdos ficava a cargo de cada um(a). Ensinavam as crianças a ler e escrever por meio de princípios básicos, sem sofisticação; cada docente utilizava-se da sua própria forma e organização da sala/escola. (BARROS et al., 2020, p. 1015).
O início da alfabetização era o ponto mais desafiador para as professoras. Em muitos casos, recebiam poucos materiais para o trabalho, então era preciso improvisar e ter criatividade. Cartilhas velhas, desenhos, jogos, ligue a palavra ao desenho e circular palavras compõem as expertises criadas pelas professoras para alfabetizar seus alunos. A professora 3 contou que fazia ilustrações e as relacionava com palavras para fazer sentido para o aluno.
Eu fazia desenhos para eles entenderem o que era, eu colocava, eu materializava as palavras em cima de uma figura para eles aprenderem. Se o aluno não estava aprendendo a palavra papai, aí eu inventava técnicas e métodos para que ele aprendesse quais as letras e quem era o papai, eu desenhava uma figura de homem, do mesmo jeito que desenhava a figura de mamãe, aí dizia esse é o papai, aí escrevia, P-A-P-A-I, para eles saberem como se escrevia a palavra. E assim eu criei essa técnica de fazer desenhos, desenhava folha, formiga, pássaro, mal desenhado... mas desenhava [...]. Lá tinha uma cartilha de ABC já velha furada as letras, que era para eles riscarem num papel onde estava furado, que letra que era aquela, ele olhava uma inteira e por aquele buraquinho da letra ele escrevia que letra era aquela que estava naquele buraco. Isso para os que eu estava começando a ensinar a ler as primeiras letrinhas. (PROFESSORA 3, 2021).
Conforme o desempenho dos alunos, a professora criava modos de ensinar e atividades focadas no desenvolvimento de cada etapa. Assim o trabalho docente era bem diversificado, por exemplo, para os alunos que estavam iniciando a leitura, a professora se colocava a ouvi-los e se fosse preciso soletrava as palavras para que o aluno aprendesse a ler. Depois de dominada a leitura, eram realizadas atividades de transcrição de palavras da cartilha para o caderno. Para os alunos que se desenvolviam mais rápido, era oferecida outra cartilha para leitura e cópia no caderno, por fim, quando o aluno já dominava a habilidade de leitura e escrita, os conteúdos selecionados pela professora eram escritos diretamente no quadro para que os alunos copiassem nos cadernos.
Para os outros que já era a cartilha de aprender a ler, que tinha aquelas cartilhas que tem ‘o navio é da vovó’, ‘o navio é do vovô’ que tinha o jogo de palavras. Aí esses eu já mandava copiar no caderno, ia lá, ensinava a ler, soletrava para eles. Aí eles aprendiam a soletrar e iam lentamente transcrevendo aquelas palavras da cartilha para o caderno; para os outros já mais adiantados, que já eram outras cartilhas, faziam leitura e cópia também. Então, enquanto uns trabalhavam, faziam esta atividade eu ia para o quadro escrever para aqueles mais adiantados que já não precisavam mais de livros que já copiavam direto do quadro. (PROFESSORA 3, 2021).
Como é possível observar no excerto anterior, embora leiga, sem formação específica para o magistério rural, a professora tinha modos de ensinar bem variados, pautados em um repertório de atividades que foi sendo construído a partir de sua própria prática, observando as dificuldades de seus alunos e fazendo as necessárias adaptações ao seu trabalho na escola rural, em alguns momentos com aporte de materiais pedagógicos.
Notou-se, em linhas gerais, que a questão do material didático-pedagógico e escolar não significou um consenso entre as professoras; ao longo dos anos, não houve um padrão ou continuidade das ações. A Professora 3, que teve sua experiência com o magistério rural somente durante os anos de 1965 a 1967, quando Rondônia ainda era Território Federal de Rondônia, descreveu que vinha bastante material como cartilhas, livros e materiais escolares de consumo como lápis, caneta, caderno e borracha, além da merenda escolar com alimentos variados enlatados, em pacotes e em pó. Contudo, a escola tinha uma infraestrutura precária, não tinha espaço físico para organizar esse material que vinha em caixas mensalmente, a merenda precisava ser guardada e preparada na casa da professora.
A dificuldade era o espaço, porque o material pedagógico vinha todo, vinha da cartinha de ABC ao livro, vinha tudo, cada mês meu pai recebia as caixas, as caixas de material escolar, lápis, caneta, borracha, até o lanche, vinha o leite, vinham pacotes, as latas de queijo, as latas de peixe em conserva que era para dar o lanche das crianças, tudo era feito lá em casa. Então tinha muita [...] era muita riqueza, vinha de fora, do Governo Federal, porque lá ainda era território, então tinha muito material, era uma riqueza muito grande de material [...]. Era de grande importância porque você seguia aquele roteiro, sem contar que vinha o material para o aluno [...]. Primeiro vinha um mapa de chamada que eram os diários, depois as cartilhas de ABC né, depois as ‘cartilhinhas’ e os livros. E cadernos em abundância, muitos cadernos. (PROFESSORA 3, 2021).
A Professora 3 considerava o apoio por parte do Governo Federal muito importante, pois, além de oferecer um direcionamento às práticas docentes, os alunos também eram beneficiados com materiais específicos para eles.
Já a Professora 2, que atuou em períodos distintos, tanto no Território Federal de Rondônia quanto no Estado de Rondônia, relatou que o único material que recebia do governo era uma apostila e o livro do professor e o caderno de respostas.
Era material mesmo, porque eles mandavam uma apostila e vinha um livro do professor de acordo com o livro do aluno. A gente tinha nosso livro e o que tinha no livro do aluno tinha no nosso, mas o nosso já vinha as respostas, às vezes vinha tudo já completado. Aí a gente acompanhava aquilo ali, se tivesse mais outras coisas eu acredito que ajudaria, mais materiais diferentes. Mas na época não tinha mesmo, eram só os livros. Era só o livro do professor e a gente se orientava com esses materiais que eles mandavam. (PROFESSORA 2, 2021).
A Professora 2 relatou que recebia em quantidade suficiente apenas materiais escolares básicos como livros, cadernos, lápis e borrachas. Todavia, não vinham outros materiais para que ela pudesse utilizar na preparação e no aprimoramento de suas aulas ou no desenvolvimento das atividades realizadas pelos alunos; não tinha cartolinas, lápis de cor e tintas.
Eles mandavam só o material de escola mesmo, o material didático, mas não vinha tudo, era só livro, cadernos, lápis, borracha, isso não faltava na escola. Agora já outros materiais não tinham: cartolina, lápis de cor, tudo era muito difícil. Se fosse para fazer uma pintura, pintava mesmo com o próprio lápis, eles mesmo faziam. E material para a gente mesmo, didático, também vinha muito pouco na época. (PROFESSORA 2, 2021).
A Professora 1, que atuou 57 anos no magistério, de 1963 a 2020, narrou receber os materiais escolares básicos apenas uma vez por ano, ademais, o livro não era consumível e isso gerava um problema, tanto que realizou uma rifa na comunidade, juntou dinheiro e comprou material consumível para seus alunos.
Vinha o livro, só que não era consumível. Só que eu arranjei um meio: fiz rifa aqui. Consegui dinheiro e mandei buscar em São Paulo o livro consumível. Era proibido, mas eu mandei comprar, e veio. Eu usei o livro consumível. O livro que eles mandavam, era um quebra galho para fazer em casa, para aprender a ler. (PROFESSORA 1, 2021).
No que diz respeito às atividades que as professoras desenvolviam na escola, há uma unanimidade: elas faziam de tudo na escola. Além de planejar e ministrar as aulas, ficava sob a responsabilidade das professoras buscar os alimentos na cidade para cozer a merenda escolar, limpar e fazer a manutenção do que fosse preciso na escola. Como mencionaram Lima et al., (2016, p. 220), embora em outra localidade geográfica do Brasil, mas em contexto temporal parecido a esta pesquisa: “[...] as professoras, mesmo leigas, ou talvez até por este motivo, não se prostravam diante das dificuldades encontradas no cotidiano da escola.” As professoras rurais leigas faziam de tudo, eram o esteio da educação na localidade em que atuavam.
Para a Professora 2, o trabalho era dobrado: “[...] você trabalha dobrado porque você tem que dar aulas, tinha que trazer todos aqueles cadernos para corrigir em casa, série por série. Na lamparina, porque naquela época não tinha energia”.
O trabalho referente à preparação da merenda e à limpeza, dentre outras atividades que as professoras realizavam nas escolas rurais, acabava exigindo ampla dedicação e mais do que dobrava a carga horária de trabalho. Em casa, e em período noturno, e com o uso de lamparina, ocorriam correções das atividades desenvolvidas ou elaboradas pelos alunos. Além disso, a preparação ou elaboração do planejamento das aulas era fundamental. Para dar conta de todo o trabalho demandado na escola, as professoras precisavam de apoio, mas ele era pouco e limitado. Dentro da própria escola, os alunos que tinham mais idade assessoravam e colaboravam com as atividades, ajudavam a professora.
a água era distante da escola. Era do outro lado da estrada, essas crianças iam buscar água para fazer essa merenda, para beber, eram todas essas dificuldades. Agora você pensa na minha preocupação com esses meninos atravessando essa estrada para ir buscar água. Mas não tinha outro jeito, eu não podia largar eles ‘tudinho’ e na sala e ir buscar água. Eram aqueles maiorzinhos que iam buscar e na época não tinha quase carro, era muito tranquilo. (PROFESSORA 2, 2021).
O trabalho com as crianças exigia maiores cuidados; ao mesmo tempo, na escola, além da professora e dos alunos, não havia quem pudesse ajudar a buscar água para beber, preparar e cozer a merenda. Desse modo, as meninas maiores eram as ajudantes. Situação que reforça os costumes de uma cultura machista de que a mulher é a responsável pela casa.
Ao ir para a escola, as professoras não tinham com quem deixar seus filhos em casa, então os levavam juntos para o trabalho, e novamente, nesse momento, eram as alunas mais velhas que acabavam socorrendo ou ajudando a professora.
eu levava minhas crianças para escola porque eu não tinha com quem deixar em casa. Às vezes, elas pegavam a criança, saíam para fora porque as crianças cansavam, ficavam enjoadas, querendo ir embora, aí aquelas maiores já tinham feito as tarefas e me auxiliavam até nisso também, ser babá, era tudo por minha conta. (PROFESSORA 2, 2021).
As professoras eram tudo, faziam muito e com o pouco que dispunham, as redes de apoio eram limitadas, restritas, sobretudo as comunidades pelas quais apresentavam algum grau de pertencimento, seja na condição de migrantes, mulheres, mães, amigas e detentoras de uma sabedoria relevante, construída não por acaso, mas a partir de seus entusiasmos e astúcias sobre conhecimentos avaliados como necessários para populações rurais.
Considerações finais
As escolas rurais em contexto amazônico, do terceiro quartel do século 20, de 1955 a 1971, foram constituídas a partir de intensas mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais no Brasil. Por um lado, tinham a ideia de desenvolvimento, ocupação dos vazios demográficos, a necessidade de construir escolas; por outro lado, a inércia de administrações públicas sobre o processo de subvenção e democratização da escola, principalmente em áreas rurais.
Apreendemos que as professoras rurais eram leigas, atuavam em escolas ou salas de aula multisseriadas com alunos em faixas etárias variadas, eram crianças e jovens, muitos desempenhavam atividades laborais junto a seus familiares na perspectiva da agricultura familiar em faixas ou lotes de terras distribuídas por governos militares como incentivo à colonização da região Norte do Brasil - estado de Rondônia. Tal processo gerou significativo aumento populacional a partir da migração, entre as décadas de 1950 a 1970.
O trabalho de crianças e jovens na roça ocasionava distanciamento da escola rural, alunos infrequentes, mas essenciais para produzir gêneros alimentícios nos lotes onde moravam e ajudavam no plantio e na criação de animais para subsistência.
As atividades laborais das professoras rurais leigas não apresentaram vínculos explícitos como o Serviço Social Rural, embora o Ministério da Agricultura, em 1955, tenha indicado a necessidade de melhorias na prestação de serviços sociais, em nosso caso, a educação rural.
As características das escolas rurais apresentam aproximações, infraestrutura precária, escolas de uma sala só, sem água potável e em locais de difícil acesso. A escola rural amazônica é muito mais do que a infraestrutura caótica gerada por governos. A escola rural é o resultado de esforços diversos, sobremaneira das próprias professoras leigas que se fizeram docentes ao longo de suas práticas e experiências como crianças estudantes em outros tempos.
Os modos de ensinar crianças e jovens em escolas rurais correspondem a uma das expertises das professoras leigas que criaram, inventaram, insistiram e alfabetizaram ao seu jeito. O trabalho docente foi essencial diante das ausências de materiais pedagógicos adequados e assistências das administrações públicas.
Devido às dificuldades enfrentadas pelas professoras rurais em suas escolas, produziram relevantes ações educativas na e para a efetivação de suas aulas, reorganizaram conteúdos e materiais para auxiliar em suas atividades, alfabetizaram crianças e jovens. As professoras rurais em universo de tensa conjuntura do Brasil dos “anos de chumbo” fizeram muito, fizeram de tudo nas escolas por onde passaram, lançaram e fixaram sabedorias, e se fizeram mais professoras com o passar do tempo a partir de seus próprios esforços. Disseminaram sonhos!