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Cadernos de História da Educação
versión On-line ISSN 1982-7806
Cad. Hist. Educ. vol.22 Uberlândia 2023 Epub 07-Ago-2023
https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-206
Dossiê 4 - Visões e práticas da educação como ferramentas transformativas
A antropología teológica de Paulo Freire na Pedagogía do Oprimido: uma contribuição à discussão1
1University of St. Michael’s College in the University of Toronto (Canada). michael.attridge@utoronto.ca
Este artigo explora a antropologia teológica de Paulo Freire, encontrada nos capítulos iniciais de Pedagogia do Oprimido. Como ponto de partida, vale destacar que Freire era católico e uma pessoa de fé, o que é relevante para a interpretação de sua obra. O artigo analisa as suas raízes e influências até a década de 1960. Além disso, indica que a literatura existente deixa de considerar a renovação mais ampla da teologia católica, em particular a antropologia teológica proveniente do século XX, que chegou ao Brasil por meio de teólogos católicos franceses. A conclusão do artigo é uma análise sobre como podemos falar da singularidade da antropologia teológica de Freire.
Palavras-chave: Freire; Crença Religiosa; Antropologia Teológica; Renovação Teológica do Século XX; Teologia Católica
This paper explores the theological anthropology of Paulo Freire as found in the opening chapters of his Pedagogy of the Oppressed. It takes as its starting point that Freire was a Roman Catholic and a person of faith and that this is relevant to interpreting his work. It explores the roots and influences on him up until the 1960s. It points out that the existing literature neglects to consider the broader renewal of Catholic theology, particularly theological anthropology occurring in the twentieth century that found its way into Brazil through French catholic theologians. It concludes with an observation about how we might speak of the uniqueness of Freire’s theological anthropology.
Keywords: Freire; Religious Belief; Theological Anthropology; Twentieth Century Renewal of Theology; Catholic Theology
Este artículo explora la antropología teológica de Paulo Freire que encontramos en los primeros capítulos de su Pedagogía del Oprimido. Toma como punto de partida que Freire era un Católico Romano y una persona de fe y que esto es relevante para interpretar su trabajo. Examina las raíces del pensamiento de Freire y la influencias que recibió hasta los años sesenta. El artículo indica que la literatura sobre Freire no tiene en cuenta la renovación en la teología Católica, en particular, en la antropología teológica que tuvo lugar en el siglo veinte y que encontró su camino en Brasil a través de los teólogos Católicos Franceses. Concluye con una observación acerca de cómo podríamos hablar de la originalidad de la antropología teológica de Freire.
Palabras claves: Freire; Creencia Religiosa; Antropología Teológica; Renovación de la Teología Católica en el Siglo Veinte; Teología Católica
Cet article examine l’anthropologie théologique de Paulo Freire telle que présentée dans les premiers chapitres de son livre La Pédagogie des opprimés. Nous commencerons par noter que Freire était catholique et croyant, un fait pertinent à l’interprétation de son oeuvre. Nous examinerons les racines de Freire et ce qui a influencé sa pensée jusqu’aux années 1960. Nous verrons que la documentation existante néglige d’apprécier le renouveau plus expansif de la théologie catholique, en particulier l’anthropologie théologique, qui a surgi au XXe siècle et qui a fait son chemin au Brésil par l’entremise des théologiens catholiques français. Nous terminerons par observer comment nous pourrions parler du caractère unique de l’anthropologie théologique de Freire.
Mots clés: Freire; Croyance Religieuse; Anthropologie Théologique; Renouveau de la Théologie Au Xxe Siècle; Théologie Catholique
Introdução
Existem opiniões divergentes entre os estudiosos da obra de Paulo Freire quanto à importância da fé cristã do autor para o entendimento de sua filosofia educacional. O acadêmico inglês Irwin Leopando, na introdução de seu livro A Pedagogy of Faith: The Theological Vision of Paulo Freire, faz um levantamento de diversos pesquisadores de Freire sob a perspectiva dessa questão específica e observa algumas das diferenças entre eles2. Alguns, segundo ele, especialmente aqueles “dentro dos círculos intelectuais e radicais do Ocidente“3, colocaram em primeiro plano o Marxismo revolucionário para explicar o compromisso de Freire com a justiça social. Leopando concorda com tal perspectiva quando se escolhe focar o uso da análise Marxista por Freire na década de 1960; contudo, argumenta, isso não se aplica quando se leva em conta o contexto total da vida de Freire. Deixa-se de considerar sua educação, o início de sua fase adulta e até mesmo sua própria descrição de como ele via seu uso de Marx em relação à sua fé cristã católica. Em uma entrevista em 1974, Freire descreveu essa relação da seguinte maneira:
Quando eu era jovem, eu fui até o povo, aos trabalhadores, aos camponeses, motivado principalmente pela minha fé cristã... Quando eu cheguei ao povo - a miséria, a concretude, você sabe! Mas, também, a beleza do povo, a capacidade de amar... Os obstáculos desta realidade me levaram - a Marx... Marx foi um gênio. Mas quando eu conheci Marx, continuei a encontrar Cristo nas esquinas - ao conhecer o povo4.
Em outras palavras, mesmo na casa de seus 50 anos de idade, Freire sustentava que sua precedente fé cristã não foi substituída por sua posterior descoberta de Marx, mas permaneceu intacta como um princípio orientador fundamental.
Além daqueles que enfatizam o uso de Marx por Freire, há também os que ignoram completamente o Catolicismo do educador, falham em dar ao tópico um tratamento adequado ou até mesmo o rejeitam totalmente. Segundo Leopando, “o sociólogo Stanley Aronowitz omite a teologia católica ao enumerar os três principais pilares do pensamento de Freire.”5 Donald Macedo, em sua introdução à edição do trigésimo aniversário da obra mais conhecida de Freire, Pedagogia do Oprimido, não faz qualquer menção à fé do educador6. O mesmo acontece em sua introdução à edição do quinquagésimo aniversário da obra7. Macedo certamente tem ciência de que Freire veio de uma família em que um de seus pais era católico. O autor menciona brevemente a fé da mãe de Freire e o fato de que a fé moldou os valores morais dela8. No entanto, ele não menciona nada sobre a formação religiosa do próprio filho e como isso contribuiu para a formação de seu pensamento no futuro. Ele não está sozinho. Dentre aqueles que não conferem atenção suficiente à educação religiosa de Freire, Leopando lista: Jones Irwin9, Peter Roberts10, Peter Mayo11 e Carlos Alberto Torres12. Cada um escreveu extensamente sobre a obra de Freire, “embora tenha mencionado sua fé apenas de forma passageira, se é que o fez”13. Por fim, Leopando destaca aqueles que rejeitam o Catolicismo de Freire como uma “base legítima “para seu compromisso com a justiça social. No topo da lista, estão os educadores marxistas John Dale e Emery J. Hyslop-Margison, que consideram o cristianismo de Freire um risco e o condenam por não ser crítico à própria fé14. Eles argumentam que as “técnicas analíticas da práxis marxista” foram essenciais para Freire em sua obra, e não seu cristianismo15.
Leopando, por outro lado, sustenta a ideia de que a fé de Freire deve ser levada a sério e é de fato “o fundamento ontológico de sua consciência”16. Para o autor, o Catolicismo de Freire é o fio condutor de toda a sua vida, desde a infância até seus últimos dias; é sua permanente “bússola moral.”17 Outros especialistas chamaram atenção para o valor do Catolicismo de Freire e dos vários aspectos da teologia em sua obra geral18. No entanto, Leopando é o único a produzir um estudo inteiramente dedicado ao assunto.
É no contexto dessa discussão - que na verdade é uma controvérsia - sobre o Catolicismo de Freire que se situa este artigo. Dadas as limitações de espaço, o artigo se situará em sua obra mais conhecida, Pedagogia do Oprimido - primeiramente publicada em espanhol em 1968, depois em inglês em 1970 e no original português em 1972. Em particular, o artigo contempla observações de Freire no prefácio e nos capítulos 1 e 2 do livro. Argumenta-se que a fé cristã de Freire está claramente evidente e serve como um princípio fundamental para a compreensão de sua obra. Leopando considera que a “antropologia filosófica” de Freire seja a “peça fundamental de seu sistema pedagógico”19; e eu concordo com ele, pelo menos no que diz respeito à obra Pedagogia do Oprimido. No entanto, eu argumentaria que o termo mais apropriado dentro da disciplina da teologia católica é “antropologia teológica” ou antropologia cristã. Uma definição geral, que descreve bem a abordagem de Freire, é “a interpretação da existência humana à luz da fé cristã.”20 Essa definição considera todos os aspectos da humanidade em sua origem, natureza e destino - tanto individual quanto coletivamente - e ainda se divide em questões como criação, imagem e semelhança de Deus, liberdade, mal e pecado, graça, santidade, esperança, amor, salvação e escatologia. É uma categoria da teologia interligada com outras (e.g., trindade, cristologia, revelação e fé, pneumatologia, eclesiologia), embora a antropologia teológica esteja mais intimamente ligada à cristologia, “em que Cristo é retratado como o paradigma do humano como pretendido pelo criador”.21 A renovada ênfase na teologia católica sobre a plena humanidade de Cristo no século XX, portanto, também impactou a antropologia teológica. É por meio dessa renovação mais abrangente da teologia católica no século anterior que Freire foi também influenciado. Vale lembrar, porém, que Freire não era um teólogo profissional. Portanto, não se deve procurar um sistema teológico explícito e inteiramente desenvolvido em sua obra. Em vez disso, seu uso de “teologia” e linguagem teológica é uma expressão de seu vívido compromisso com a própria fé, moldado por seu contexto. Termos frequentemente usados na Pedagogia do Oprimido como “liberdade”, “libertação humana”, “totalmente humano”, “justiça” e “desespero”22 fazem parte do vocabulário da antropologia cristã. Afirmações como “o fatalismo disfarçado de docilidade… está relacionado a uma visão distorcida de Deus” ou os oprimidos veem sua situação “como a vontade de Deus - como se Deus fosse o criador dessa ‘desordem organizada’”23 também são teológicas e estão alinhadas com os desenvolvimentos positivistas do pensamento do século XX, que coloca em primeiro plano a ação humana no encontro entre o divino e o humano. O mesmo é verdade em afirmações como “A liberdade não é um ideal situado fora da humanidade; nem é uma ideia que se torna um mito. Ela é na verdade a condição indispensável para a busca da perfeição humana”24. Assim, para o leitor teologicamente instruído, os escritos de Freire nas partes iniciais da Pedagogia do Oprimido estão repletos de declarações baseadas na fé. Talvez o mais marcante seja seu predominante otimismo em relação à natureza humana - até mesmo em sua perspectiva do opressor. Como observa acertadamente o biógrafo Denis E. Collins, o otimismo de Freire está relacionado a uma convicção teológica, mais especificamente à sua crença “de que todos os homens e mulheres podem algum dia se tornar tão plenamente humanos e livres quanto seu Criador pretende que sejam”25.
O artigo prosseguirá em três seções. A primeira e a segunda revisarão parte do que já foi escrito em apoio ao argumento de que a fé de Freire influenciou a formação de sua filosofia educacional. Para tanto, considerar-se-ão sua formação e início da vida adulta, suas influências educacionais, seu envolvimento - direto ou indireto - na Esquerda Católica no Brasil e vários teólogos que supostamente o influenciaram. A terceira seção ampliará as duas primeiras e, além disso, proporá uma contribuição complementar ao argumento por meio da identificação de um fator adicional que transformou o Catolicismo no século XX, ou seja, a virada antropológica dentro da teologia. Esse é, eu afirmo, um dos elementos mais importantes do cenário da teologia e da cultura do Catolicismo em geral, tendo influenciado Freire e aqueles com quem ele entrou em contato de várias maneiras diretas e indiretas. O objetivo do artigo é trazer essa consideração adicional para o primeiro plano, bem como fortalecer e contribuir para a discussão no tocante a até que ponto sua fé importa perante sua visão teológica da natureza humana. No que tange à obra de Freire, tem havido pouca contribuição de teólogos sistemáticos e históricos. Com sorte, este trabalho encorajará mais pesquisas nessa área e mais colaboração entre especialistas em educação, pedagogia crítica e teologia.
1. A formação de Freire - experiências educacionais e profissionais
Para entender o compromisso de Freire com a justiça humana, é importante primeiro entender sua infância, dificuldades familiares, educação e primeiros trabalhos até a metade da década de 1960, quando a Pedagogia do Oprimido foi escrita. Após descrever esses aspectos, este artigo examinará a relação de Freire com sua fé cristã católica, suas influências religiosas e seu envolvimento com organizações católicas no Brasil.
Paulo Freire nasceu como o caçula de quatro irmãos em 19 de setembro de 1921, na cidade de Recife, no nordeste do Brasil26. Embora metade da população da região vivesse em extrema pobreza, a família de Freire era considerada de classe média. Seu pai serviu o Exército Brasileiro e depois se tornou policial militar; sua mãe era dona de casa e costureira. Eles viveram em relativo conforto durante os primeiros oito anos da vida de Freire, até a Grande Depressão em 1929. Isso, junto à perda do emprego de seu pai, fez com que a família precisasse se mudar para a cidade de Jaboatão, 16 km ao sul, para uma casa menor. Nos anos seguintes, a saúde do pai se deteriorou e, em 1934, ele morreu, o que levou a família ainda mais à pobreza. À medida que a família ficava mais pobre, o desempenho de Freire na escola piorava. Embora a situação financeira da família tenha melhorado pouco depois, quando os irmãos de Freire encontraram trabalho, esse momento específico de sua vida o deixou com uma marca permanente. Segundo Richard Shaull, foi em Jaboatão que Freire decidiu se dedicar “à luta contra a fome, para que outras crianças não tivessem que saber da agonia que ele estava vivendo”27. Através dos esforços da mãe, Freire conseguiu uma bolsa de estudos e cursou o segundo grau em um colégio particular em Recife. Em 1941, aos 20 anos, começou a trabalhar como professor de português; ele continuaria com esse trabalho pelos próximos seis anos. Simultaneamente, ele ingressou nos estudos de Direito e também Filosofia e Psicologia da Linguagem na Universidade de Pernambuco. Foi durante essa época, observa Leopando, enquanto “devorava obras sobre educação, psicologia e filosofia”, que “seus interesses se fundiram em torno do assunto que constituiria o trabalho de sua vida - a filosofia da educação”28.
Em 1944, Freire se casou com Elza Maria Costa de Oliveira, professora do primeiro grau. Em 1947, ele deixou de trabalhar como professor de português e assumiu a direção do Departamento de Educação e Cultura no Serviço Social da Indústria (SESI) de Pernambuco. Ele trabalhou no SESI por dez anos, quando, em suas próprias palavras, esteve “envolvido na prática político-pedagógica mais importante” de sua vida29. Foi ali, afirma John Elias, que Freire ficou “cada vez mais insatisfeito com os métodos tradicionais de lidar com o analfabetismo, que postulavam uma relação autoritária entre professor e aluno”30. Para contrapor essa tendência, ele começou a formular ideias que “mais tarde se desenvolveriam em sua metodologia dialógica”31. Ao se retirar do SESI em 1957, ele se concentrou nos estudos e, em 1959, concluiu seu doutorado na Universidade de Pernambuco. A pesquisa para sua tese se baseou em grande parte no trabalho e nas percepções adquiridas durante a década anterior. Essa tese serviria como base para seu primeiro livro, 32Educação como Prática da Liberdade33.
No início dos anos 1960, Freire se envolveu em vários movimentos educacionais voltados para reformas. Um deles foi o Movimento de Cultura Popular (MCP), que lhe permitiu operacionalizar algumas de suas teorias. Através do MCP, Freire experimentou formas não tradicionais de educação, que transferiam a ênfase para o aluno. Mais tarde, ele descreveria essa abordagem da seguinte maneira: “Ao invés de professor, tínhamos um coordenador; em vez de palestras, diálogo; em vez de alunos, participantes do grupo; em vez de ementas alienantes, programas compactos que foram ‘repartidos’… em unidades de aprendizagem”34. O objetivo era “elevar a consciência de classe e aumentar o voto popular” por meio do estudo da sociedade e da cultura brasileira.35 No início, a liderança do MCP era católica romana, e a maioria dos participantes ativos eram estudantes universitários católicos interessados em justiça social36. Porém, explica Elias, membros do Partido Comunista no Brasil começaram a se filiar ao MCP, e então Freire transferiu seu trabalho para o Serviço de Extensão Cultural da Universidade de Pernambuco37.
Em 1963, Freire foi nomeado diretor da campanha nacional de alfabetização e desenvolveu um programa semelhante a um existente em Cuba, que havia reduzido significativamente o analfabetismo naquele país38. Junto ao programa de Freire estava o Movimento de Educação de Base (MEB), uma organização patrocinada pela Igreja Católica que também visava fomentar a alfabetização em todo o País. Por meio de seu trabalho no Serviço de Extensão Cultural, Freire foi responsável por coordenar a atuação do MEB em todo o Brasil39. O MEB teve início em 1961, liderado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo Leopando, os programas de alfabetização do MEB e de Freire “constituíram a campanha educativa mais ativa e abrangente do início dos anos 1960”40. Houve muita sobreposição metodológica entre eles, bem como com outras organizações pertencentes ao que era conhecido como “Esquerda Católica” (discutida a seguir) porque os membros transitavam entre esses grupos e compartilhavam ideias41. O próprio Freire identificou o nacionalismo, a evolução política do Brasil, o desenvolvimento, o analfabetismo e a democracia como temas comumente compartilhados.42 Porém, à medida que a alfabetização crescia e os pobres se tornavam cada vez mais conscientes da injustiça de sua situação socioeconômica, a oposição a esses programas de alfabetização crescia entre os conservadores do País. A intenção de Freire nunca foi causar revolta; era, na verdade, expandir a democratização por meio de maior autoconsciência e autodefesa. No entanto, ele foi acusado do contrário43. O plano de alfabetização chegou ao fim em 1964, quando o governo do presidente João Goulart foi deposto pelos militares. Freire e outras pessoas associadas à esquerda foram presos por atividades subversivas. Freire permaneceu até ser exilado - inicial e brevemente na Bolívia e, mais tarde, por cinco anos no Chile. Foi lá que ele escreveria seu primeiro livro Educação como Prática da Liberdade - recorrendo não apenas a percepções teóricas de sua educação, mas também de sua experiência com as iniciativas de alfabetização. Vários anos depois, ele escreveria sua obra mais conhecida, Pedagogia do Oprimido.
2. A formação de Freire - fé inicial, influências eclesiais e teológicas
Por trás das primeiras experiências de pobreza de Freire, de sua formação educacional e de seu trabalho em alfabetização nacional, estava sua fé. Durante a infância, ele foi positivamente influenciado pelos pais, principalmente pela mãe, que era uma “católica devota”44. Além disso, cresceu em um País onde a Igreja Católica Romana era a influência religiosa predominante e onde a hierarquia católica exercia grande influência, inclusive nos âmbitos social e político. Ele atingiu a maioridade em uma época em que começaram a surgir organizações católicas progressistas, povoadas por intelectuais, estudantes universitários e profissionais. Eles estavam cansados da forma tradicional de Catolicismo e sua ênfase na piedade individual, obediência à autoridade divina e desprezo pelo mundo. Em vez disso, abraçaram novas correntes intelectuais e focaram a atenção em problemas mundanos, apoiados por novas leituras do Evangelho, pelos exemplos de Jesus e pelos ensinamentos sociais papais da Igreja Católica45.
Paulo Freire nasceu em um lar religioso. Embora seu pai não fosse cristão, ele era um homem espiritual. Refletindo sobre sua influência em sua idade avançada, Freire disse que seu pai “tinha outro entendimento de Cristo. Ele não escolheu ir à Igreja. Ele não tinha nada a ver com a Igreja, fosse ela católica ou protestante”46. Mas ele era um homem tolerante, o que era incomum na sociedade dominada pelos homens do Brasil da época. Ele não impôs seus pontos de vista ao restante da família, mas os discutiu juntamente com outros pontos de vista religiosos. A partir disso, Freire aprendeu os valores de liberdade e respeito, os quais ele acabaria por usar em sua abordagem educacional. Ele mesmo mais tarde recordaria: “Lembro-me de como cresci neste ambiente de respeito… não foi difícil para mim entender que como educador devo respeitar meus alunos, porque fui respeitado por meu pai e minha mãe”47.
A mãe de Freire, por outro lado, era católica praticante e moldou a fé do filho por meio de sua própria vida de fé. Ele foi criado como católico, o que, segundo James Kirylo, “teve um impacto significativo na formação de sua perspectiva e em suas teorias pedagógicas e em seu ativismo”48. Por meio da influência de sua mãe, bem como de seu pai, ele aprendeu, desde tenra idade, a importância de se alinhar fé e ação e de se condenar a violação desse alinhamento. Ele relembra que, aos seis anos, ficou revoltado por ter visto a avó, motivada por preconceito racial, falando de forma inadequada com uma mulher negra. Empregando a linguagem de uma criança, ele disse a seus pais que era impossível ser cristão e ao mesmo tempo discriminar outra pessoa por qualquer motivo49. Essa formação inicial de sua fé foi importante. Seu amigo Moacir Gadotti relembra que, quando jovem, certa vez saiu para passear “compelido por uma ‘certa intimidade agradável e ousada com Cristo’ e cheio de uma visão ‘docemente cristã’”50. Ao vivenciar momentos espirituais como esses, e principalmente por influência de sua mãe, Freire chegou a pensar em ser padre, mas desistiu ao saber que padres não podiam casar51.
Com vinte e poucos anos, Freire se distanciou brevemente da Igreja. A razão era a crescente desconexão entre o que ele via nas ruas e o que ouvia pregado no púlpito no domingo. Mais tarde, ele diria que a distância era da Igreja, mas “nunca de Deus”. Ele retornou no ano seguinte, principalmente por ouvir as palestras do “Tristão de Ataíde”52, pseudônimo do ativista político e intelectual católico brasileiro Alceu Amoroso Lima. Lima se tornaria chefe da Ação Católica no Brasil e, mais tarde, membro do Pontifício Conselho Justiça e Paz53. Além de Lima, Freire passou a ler, dentre outros: o autor francês Georges Bernanos, que viveu no Brasil de 1938 a 1945; o filósofo personalista francês Emmanuel Mounier; e Jacques Maritain, filósofo neotomista francês54. Maritain foi um dos intelectuais mais conhecidos do século XX; ele também impactou a Lima. Junto com outros indivíduos e movimentos, esses pensadores católicos teriam uma influência notável na formação de Freire, contribuindo, por fim, para a forma de sua obra.
O Catolicismo no Brasil, desde o final do século XIX até a primeira metade do século XX, passava por uma enorme transformação. Antes da Independência do Brasil em 1822, a Igreja não era uma instituição excessivamente poderosa, especialmente em comparação com seus países vizinhos. O clero diocesano estava espalhado pelo interior e era influenciado mais pela elite do que pelos próprios bispos55. Porém, a situação mudou com a criação da República do Brasil em 1889. A Igreja local e o Estado separaram-se formalmente. Agora com o apoio e recursos de Roma, a Igreja institucional no Brasil começou a crescer em tamanho e poder. Em termos numéricos, em 1889 havia uma arquidiocese e apenas onze dioceses; quatro anos depois, o Papa Leão XIII criou uma arquidiocese adicional e quatro novas dioceses. A partir de então, a Igreja cresceu rapidamente. Em 1900, havia 17 dioceses e arquidioceses; em 1920, 58; e em 1964, 178. Assim, a estrutura da Igreja brasileira cresceu aproximadamente 1.500% no breve período de apenas 70 anos.56 Junto com o próprio tamanho, tornou-se mais independente e politicamente poderosa, aderindo às posições conservadoras de Roma contra, por exemplo, o Socialismo e Protestantismo e isolando-se da sociedade para proteção. No entanto, como esses não eram problemas reais no Brasil, a Igreja institucional do início do século XX “alienou-se da realidade brasileira”57.
Como descreve Leopando, no início do século XX, a Igreja encontrava-se numa situação paradoxal58. Por um lado, era potencialmente uma força poderosa dentro de um país predominantemente católico. Por outro lado, exercia pouca influência política, intelectual e até religiosa. Um dos motivos era o analfabetismo religioso do povo. Muitos brasileiros não eram catequizados; portanto, a Igreja era desconhecida e, consequentemente, irrelevante59. Indicações disso, segundo Thomas Bruneau, “podem ser encontradas na falta de religião na maioria dos campos de ação social, incluindo política, artes e letras; na falta de ocupações, finanças e organizações; e na falta de católicos entre as elites intelectuais”60. Outra razão, relacionada com a primeira, era a escassez de clero. Para responder a essa situação, a hierarquia canalizou seus esforços para recrutar e mobilizar as elites católicas leigas “para defender os objetivos da Igreja na praça pública”61. Um dos resultados disso seria a formação de uma “Esquerda Católica” no Brasil62.
Segundo Thomas Sanders, a “Esquerda Católica” foi um movimento entre as elites católicas no Brasil que se concentrou amplamente no “desenvolvimento econômico e na mudança social”63. Suas origens remontam às décadas de 1920 e 1930, por meio de organizações como o Centro Dom Vital e a a Liga Eleitoral Católica (LEC). O Centro, criado em 1922, teve como primeiro diretor Jackson de Figueiredo, que permaneceu nessa função até sua morte em 1928, quando foi sucedido pelo já citado Alceu Amoroso Lima. O Centro era pequeno, mas eficaz no desenvolvimento da Igreja64. Como escreve Leopando, “rapidamente se tornou um local de encontro para muitos dos líderes católicos mais talentosos do século XX”, incluindo Helder Câmara e o próprio Paulo Freire65. A LEC foi iniciada pelos bispos católicos no início da década de 1930 com a assistência de pessoas como Amoroso Lima66 para criar pressão em apoio a certas questões do ensino católico, como a indissolubilidade do casamento e a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas67. Foi especialmente competente em conseguir que a maioria de suas sugestões entrasse na nova Constituição do Brasil em 1934. Juntamente com o Centro, a LEC ajudou a criar a Esquerda Católica, encorajando os leigos a se expressarem e a participarem dos assuntos mundanos.
Uma das formas pelas quais o Centro ajudou a revitalizar o Catolicismo brasileiro foi auxiliando na fundação da Ação Católica (ACB) no País em meados da década de 193068. A ACB era uma organização leiga que teve suas raízes na Itália no século XIX. Na década de 1930, havia filiais em países católicos, como França, Portugal e Bélgica. Ainda que fosse uma associação leiga, ela estava muito ligada às estruturas formais da Igreja. Em 1927, o Papa Pio XI deixou isso claro ao defini-la como a participação dos leigos no apostolado da hierarquia. Inicialmente, a ACB era bastante conservadora, com cada ramo local administrado pelo bispo local e supervisionado por um padre. As atividades incluíam educação religiosa, prática litúrgica, piedade devocional e ética sexual69. Porém, durante a década de 1940, isso começou a mudar. Helder Câmara foi nomeado capelão nacional da ACB em 1947 e começou a mover a organização para uma direção mais progressista e socialmente consciente. Logo sua agenda incluiu assuntos mais pastorais, como analfabetismo e pobreza. Câmara se tornaria bispo auxiliar do Rio de Janeiro cinco anos depois. Ao mesmo tempo que a ACB avançava para a esquerda, um “grupo extremamente competente de jovens clérigos” da Europa70, especialmente dominicanos da França, foi nomeado para orientar a Ação, trazendo consigo novas ideias sociais da época.
Paulo Freire e sua esposa Elza tornaram-se membros ativos da ACB durante esses anos de renovação perante a liderança de Câmara. Segundo Leopando, isso lhes proporcionou “sua primeira imersão em um meio católico protoativista… que colocou em primeiro plano as questões socioeconômicas como áreas de preocupação vital”71. Era também por meio da ACB que Freire encontraria os contatos profissionais que o levariam ao trabalho no SESI72.
Outra organização que ajudou a estimular a Esquerda Católica no Brasil foi a Juventude Universitária Católica (JUC), um dos órgãos que se enquadraram no amplo guarda-chuva da Ação Católica. Iniciada logo após a ACB na década de 1930, a forma mais antiga de JUC tinha uma orientação similarmente conservadora. No entanto, também como a ACB, ela se se tornou mais socialmente progressista após a Guerra. A JUC seguiu o mesmo método de análise social de movimentos similares como a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Estudantil Cristã (JEC), ou seja, Ver-Julgar-Agir. Originado com Tomás de Aquino, o Ver-Julgar-Agir foi uma abordagem para desenvolver uma consciência crítica entre os seguidores usando um processo de três etapas: primeiro, as pessoas seriam encorajadas a olhar ao redor e “ver” o que estava acontecendo; depois, avaliariam essa realidade e fariam um “julgamento” sobre ela; por fim, após os dois primeiros passos, seriam encorajadas a “agir”. Durante o tempo na Universidade de Pernambuco, Freire frequentemente entrava em contato com alunos da JUC, e muitos deles se tornavam voluntários para seus “programas emergentes de conscientização da alfabetização”73. Isso não é surpreendente, visto que a análise deles, assim como a dele, começou com a realidade concreta da vida humana. No início dos anos 1960, no entanto, muitos na JUC haviam se aproximado do Partido Comunista Brasileiro e de formas de Marxismo que adotavam a violência. Freire não pertencia, nesse aspecto, a essas formas mais extremas da Esquerda Católica74. Em função da virada radicalizada da JUC, em julho de 1961 os bispos brasileiros emitiram “uma diretriz extremamente forte” proibindo a JUC de se envolver em “atividades políticas indesejáveis”75. “Os cristãos”, diziam, “não podem considerar o Socialismo uma solução”. Tampouco podem aceitar uma “doutrina que defende a violência como válida e aceitável”76. Embora a liderança da JUC estivesse arraigada, muitos da organização se mudaram para outros grupos católicos. Entre eles estavam o programa educacional de Freire e o MEB, que era patrocinado pela Igreja. A mais radical e controversa, porém, foi a recém-formada Ação Popular (AP).
A Ação Popular (AP) teve início em junho de 1962. Embora não estivesse oficialmente ligada à Igreja Católica, alguns a consideravam uma “organização paracristã”, enquanto outros a consideravam a expressão mais clara da Esquerda Católica no início dos anos 196077. Segundo Thomas Bruneau, a AP rapidamente se tornou “a organização mais revolucionária do Brasil”78. Em poucos meses, lançou um “Documento Base” que deixou claras suas convicções centrais. No documento, estava escrito que “nossa única obrigação é para com o homem. Para com o homem brasileiro… que nasce à sombra da morte prematura… que vive sob o espectro da fome… que viaja… sem esperança… que cresce estúpido e analfabeto… longe das bênçãos da verdadeira liberdade”79 Segundo Emmanuel de Kadt, os princípios básicos da AP foram derivados da filosofia personalista de Emmanuel Mounier. No entanto, ela também encontrou inspiração em duas outras fontes principais: o paleontólogo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin e seus pontos de vista sobre a socialização, um assunto enfatizado na encíclica Mater et Magistra de João XXIII no ano anterior; e o filósofo alemão G. W. F Hegel, com seus pontos de vista sobre a dialética da evolução. As visões de Hegel chegaram à AP através do filósofo jesuíta brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz, que havia feito muitos trabalhos sobre humanização, consciência histórica, esperança e escatologia80. Na visão de Leopando, a ideologia da AP era “uma síntese explosiva de personalismo cristão, marxismo e existencialismo religioso”81. A AP usou uma filosofia educacional semelhante à de Freire e uma práxis que também promoveu a conscientização82. Em outras palavras, houve uma fertilização cruzada de ideias dentro do meio católico habitado por Freire no início dos anos 1960. Embora o ponto de vista de Freire, naquela época, fosse “muito menos revolucionário”, ele posteriormente adotou muitas ideias semelhantes durante sua estada no Chile, as quais eram “mais visíveis” em obras como Pedagogia do Oprimido83. Em 1964, quando os militares derrubaram o governo Goulart, a AP foi suprimida e muitos de seus membros sofreram perseguições mais violentas do que qualquer outro grupo no País.
O último tópico a se considerar antes de passar para a terceira seção e observar os desenvolvimentos ocorridos na teologia no século XX, são os teólogos católicos que influenciaram Freire. Segundo Leopando, três em particular foram “influências decisivas” nos círculos católicos progressistas durante o período de amadurecimento das ideias de Freire: Jacques Maritain, Emmanuel Mounier e Pierre Teilhard de Chardin84. Foram eles que o “influenciaram profundamente” em sua “preocupação vitalícia com a ‘humanização’”85 Leopando examina seu impacto em quatro áreas do pensamento de Freire: a antropologia católica; a singularidade do ser humano e da cultura dentro do mundo mais amplo dos animais; a pessoa humana e a consciência histórica; e o diálogo e a natureza relacional da humanidade. Em cada uma dessas áreas, ele argumenta que um ou mais entre esses teólogos foram fundamentais para o desenvolvimento do pensamento de Freire. Para sua antropologia, todos os três tiveram um “impacto decisivo”, mas Mounier e Maritain foram especialmente relevantes. Para a compreensão de Freire sobre a humanidade e sua relação com a cultura, Teilhard foi especialmente influente, sobretudo com sua noção de socialização e sua teoria da hominização, na qual Freire viu ressonâncias com a sua própria em termos de conscientização. O otimismo de Freire sobre o potencial transformador da ação humana era semelhante à visão de Teilhard, que julgava a atividade humana como o centro do progresso mundano. Com relação à consciência histórica, Leopando sustenta que foi o trabalho de Mounier que ajudou Freire a rejeitar a ideia de que a história é predeterminada e, em vez disso, a ver que os seres humanos são agentes da mudança histórica. Os teólogos brasileiros Almery Bezerra de Melo e o já mencionado Lima Vaz foram ativos e influentes na promoção desse significado de consciência histórica em todo o País. Para Leopando, “a filosofia educacional de Freire carrega marcas claras do pensamento de Bezerra e Lima Vaz.”86 Ambos também foram influenciados por Maritain, Mounier e Teilhard. Finalmente, a compreensão de Freire sobre a natureza relacional da humanidade, incluindo sua atenção para a relação “Eu-Tu” pertence a Martin Buber, mas também a Maritain, Mounier e à antropologia católica em geral, “que rejeita fortemente noções individualistas de suficiência ou autoinvenção”.87 Olhando em retrospecto e observando mais amplamente as influências teológicas em Freire, Leopando conclui que seu “encontro juvenil com as obras de Jacques Maritain, Emanuel Mounier e Pierre Teilhard de Chardin moldou sua práxis educacional para o resto de sua vida”.88
3. Correntes da reforma na teologia católica no século XX e sua recepção no Brasil
Essa visão geral das influências de Freire é útil para entender como organizações e indivíduos influenciaram sua fé, algo que ele carregou consigo até o final de sua vida. De fato, em um de seus últimos escritos, ele falou sobre o desafio da fé e como ela molda uma pessoa e sua obrigação para com os outros:
Não é fácil ter fé. Acima de tudo, não é fácil devido às exigências que a fé impõe a quem a experimenta. Ela exige uma postura de liberdade, o que implica o respeito pela liberdade dos outros, no sentido ético, no sentido da humildade, da coerência e da tolerância.89
Seus pais e especialmente sua mãe, suas experiências de pobreza na infância e seu posterior envolvimento com o SESI e suas interações com organizações católicas como o Centro, a ACB, a JUC, o MCP, o MEB e teólogos proeminentes como Maritain, Mounier e Teilhard foram todos, sem dúvida, importantes de maneiras diferentes e em vários graus. No entanto, o objetivo desta terceira seção é focar uma das mudanças que estavam ocorrendo na teologia católica durante essa época e que também indubitavelmente influenciou a renovação da antropologia católica. Durante o século XX, a teologia católica reconceitualizou sua compreensão da pessoa humana e inspirou novos centros de estudo, novos movimentos, sendo divulgada por meio de jornais e periódicos novos e outros já existentes. As modernas possibilidades de se viajar, a estrutura da Igreja Católica, com sua rede internacional de bispos e padres, bem como as comunidades religiosas significavam que essas novas ideias poderiam se espalhar mais fácil e rapidamente pelo mundo. É para essa renovação da antropologia católica que agora desejo me dirigir. Minha opinião é que isso também teve um impacto sobre Freire, direta ou indiretamente. A seguir, descrevo cinco desenvolvimentos ocorridos na antropologia católica durante o século XX.90 Em seguida, descrevo algumas das formas como esses desenvolvimentos chegaram ao Brasil, em particular por meio de teólogos católicos franceses, antes de finalmente oferecer uma conclusão.
Em 1958, apenas um ano após Freire deixar os trabalhos no SESI e um ano antes de concluir o doutorado na Universidade de Pernambuco, o teólogo belga Gustave Thils publicou o livro Orientations de la théologie, no qual dedicou uma seção inteira ao que chamou de “o século da antropologia”91. O foco estava no trabalho feito por teólogos no século XX no tocante à pessoa humana. De acordo com Dries Bosschaert, embora todos compartilhassem o mesmo objetivo de chamar as atenções para a humanidade, suas obras não eram todas iguais92. Alguns se concentraram nas razões - políticas e teológicas - para fazê-lo; outros olharam para os resultados; e, finalmente, alguns observaram que a virada para o ser humano, e não para Deus, era, às vezes, controversa. Em seu livro The Anthropological Turn, Bosschaert examina essas várias correntes de pensamento, que se fundem em torno do tema da pessoa humana, e identifica cinco categorias: a pessoa humana (humanismo cristão); as atividades mundanas da pessoa humana (teologia das realidades terrenas); a história na qual se insere a pessoa humana (teologia da história); a sociedade para a qual os humanos contribuem (teologia da sociedade); e as pessoas que funcionam como presença da Igreja no mundo (teologia dos leigos). Cada uma dessas correntes se sobrepõe de várias maneiras às influências supracitadas sobre Freire e mostra que os teólogos católicos estavam refletindo e escrevendo sobre elas durante o mesmo período em que Freire estava ativo. As cinco categorias serão descritas na mesma ordem que foram citadas há pouco.
A reflexão teológica sobre a pessoa humana, ou humanismo cristão, surgiu na década de 1930. Contrariando a noção anterior de que o cristianismo ajudava as pessoas a se aperfeiçoarem por meio da piedade pessoal, o humanismo cristão se concentrava no que significa tornar-se mais plenamente humano. Inspirado pela renovação do tomismo na encíclica Aeterni Patris do Papa Leão XIII, o humanismo cristão voltou-se para uma “análise fenomenológica da pessoa humana”93. Uma das influências mais conhecidas na área foi Jacques Maritain e seu livro Humanisme Integral94. Usando princípios neotomistas, Maritain considerou ao mesmo tempo os valores da pessoa humana e da sociedade. No entanto, a abordagem de Maritain era decididamente teocêntrica. Segundo ele, a pessoa humana só recebia valor em relação a Deus. Como ele escreveu: “A criatura não pode ser desconsiderada ou aniquilada diante de Deus, nem pode ser reabilitada sem Deus ou contra Deus; deve ser reabilitada em Deus”95. Nas palavras de Bosschaert: “enquanto o humanismo cristão de Maritain era caracterizado por uma abertura criativa, ele também compartilhava dos rigorosos intelectualismo e conceitualismo do neotomismo romano”96. Opondo-se a essa forma rigorosa de neotomismo, existiu o movimento Nouvelle théologie97, que começou na década de 1930. Ele também destacou uma forma de humanismo cristão, mas uma forma voltada para a existência humana, e ressaltou a pessoa humana, criada à imagem de Deus e destinada à realização em Deus. Tanto esse movimento quanto a abordagem neotomista mais rigorosa encontraram inspiração no existencialismo de Kierkegaard, Nietzsche, Husserl e Heidegger, bem como em Karl Jaspers e Gabriel Marcel98.
Além de focar o indivíduo, o humanismo cristão também considerou a pessoa em sociedade. O filósofo mais conhecido e mais forte defensor dessa abordagem foi Emmanuel Mounier, que foi desde o início influenciado por Maritain. Outro defensor foi o jesuíta francês Yves De Montcheuil, que usou a filosofia L'Action de Maurice Blondel "para afirmar o caráter teológico da ação humana... e promover o envolvimento ativo dos fiéis na vida social”99. Outros se juntaram a De Montcheuil e publicaram seus trabalhos no jornal Témoignage chrétien, fundado em 1941. Após o fim da Guerra, observou Bosschaert, essa forma de humanismo cristão que exigia o engajamento da sociedade “influenciou fortemente a contribuição católica para a reconstrução do pós-Guerra”100.
A segunda categoria na virada antropológica foi um interesse teológico na atividade humana no mundo. Essa categoria envolveu tanto a reflexão teológica sobre a atividade em si quanto o valor dos resultados. Como explica Bosschaert, isso foi motivado por duas preocupações: o materialismo marxista, que descartou o divino; e as tendências espiritualistas do neotomismo conceitual, que falharam em levar em consideração o mundo concreto e histórico em que as pessoas viviam101. Na década de 1930, os franco-dominicanos Yves Congar e Marie-Dominique Chenu também trabalhavam nessa área. Congar estava encorajando os teólogos a levarem a história a sério, enquanto Chenu falava sobre a história como o lugar onde a encarnação do Verbo acontecia de forma contínua. Havia três espaços em particular onde Deus estava interagindo com a humanidade: a arte, a ciência e tecnologia e o trabalho humano. Em relação ao primeiro, os dominicanos Marie-Alain Couturier e Pie-Raymond Régamey fundaram em 1937 o movimento L’Art sacré, que conectava a teologia e o mundo moderno à arte. Eles promoveram suas ideias por meio de seus próprios escritos e do jornal de mesmo nome, L'Art sacré. Em relação à ciência e tecnologia, a teoria da evolução de Darwin desafiou as noções bíblicas tradicionais de monogenismo, o que abriu o caminho para uma interpretação teológica da evolução. A principal figura nessa seara foi o paleontólogo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin. Por fim, dado o tamanho crescente da classe trabalhadora, os teólogos começaram a refletir sobre o valor do trabalho humano. Historicamente, a teologia católica havia ligado o trabalho árduo ao pecado original. No entanto, no início do século XX, uma abordagem mais positiva começou a aparecer. Nas décadas de 1940 e 1950, Chenu escreveu dois livros102 importantes que foram baseados em suas experiências com a Juventude Operária Católica (JOC) e nas ideias de Simone Weil. Ele foi acompanhado por seu confrade, Louis-Joseph Lebret, que em 1941 fundou a associação Économie et Humanisme. Seu objetivo foi reunir a doutrina social da Igreja com as ciências humanas para lançar as bases de uma “economia humana”103.
Essas duas primeiras categorias de humanismo e atividade humana fizeram despertar o interesse pela natureza da própria história, do qual surgiram os esforços para desenvolver uma teologia da história. O período da Guerra e do pós-Guerra apresentaram ao mundo duas realidades opostas com as quais lutar. Negativamente, a Guerra demonstrou o pior do potencial da humanidade. Positivamente, o pós-Guerra, considerando seu progresso científico e tecnológico, mostrou a capacidade da humanidade de construir um futuro melhor. O Marxismo já havia oferecido a estrutura para o desenvolvimento de uma teoria da história em que a humanidade era ativa tanto no começo como no fim do processo. O desafio para os teólogos era desenvolver uma compreensão cristã da História. O teólogo protestante Oscar Cullmann foi um dos primeiros a fazer isso em seu livro Christus und die Zeit,104 de 1946. Ele logo foi acompanhado por teólogos católicos fazendo o mesmo. De acordo com Bosschaert, de um modo geral, esses teólogos tendiam a estar em um dos dois campos em termos de história da salvação: um focando a encarnação; e outro, a escatologia105. O primeiro via a encarnação como um sinal do valor positivo do tempo presente e uma esperança de um futuro melhor. Teilhard de Chardin foi uma fonte de inspiração para esse grupo, cujos membros incluíam o teólogo jesuíta Léopold Malevez, os teólogos dominicanos Maurice Montuclard e Dominic Dubarle, além do reitor do Institut Catholique de Paris, Bruno de Solages.106 A segunda tendência via o presente como efêmero e optou por se concentrar no eschaton, isto é, no mundo que virá. Os dois membros mais proeminentes foram o padre oratoriano e teólogo Louis Bouyer e o teólogo jesuíta Jean Daniélou107.
A quarta categoria refere-se à reflexão teológica sobre a sociedade e o mundo, a qual começa com a Doutrina Social da Igreja (DSI). Embora a tradição da DSI tenha começado em meados do século XIX em Mainz, na Alemanha, a partir da preocupação do Bispo Wilhelm-Emmanuel von Ketteler com a classe trabalhadora108, ela recebeu seu primeiro endosso papal com a inovadora encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. Em seguida, uma etapa importante na Doutrina Social da Igreja, de acordo com Bosschaert, aconteceu durante o período entre Guerras109. Em oposição ao Nacional-socialismo e ao Comunismo, começou a se firmar a visão do Papa Pio XI de uma sociedade humana guiada pela razão e pela Revelação. O ideal que surgiu foi o de uma sociedade de natureza católica medieval, que reunisse novamente as pessoas em comunidade. Jacques Maritain, assim como o historiador francês Henri-Irénée Marrou, foram influências notáveis. O Humanisme integral de Maritain, mencionado anteriormente, não apenas promoveu o humanismo cristão, mas também vislumbrou um novo cristianismo que foi incorporado ao contexto atual, “embora o temporal sempre tenha permanecido subordinado ao eterno”110. As ideias de Maritain e Marrou, bem como aquelas que promoviam uma proposta semelhante, foram rejeitadas no período pós-Segunda Guerra Mundial. Em vez disso, uma “esquerda católica” começou a emergir enfatizando “a pessoa humana e um engajamento com o pensamento marxista”111. Suas ideias foram promovidas através do periódico francês La Revue Nouvelle, fundado em 1945 e editado por Jean Delfosse, e de sua versão em língua holandesa, Universitas, fundada em 1932. O primeiro periódico mencionado foi a continuação de uma publicação anterior, iniciada pelo teólogo belga Jacques Leclercq, que havia sido capelão da JUC. Muitos dos colegas de Leclercq continuaram a contribuir para o La Revue Nouvelle, com foco na análise da situação vigente e na promoção da espiritualidade para os leigos. O último periódico citado, Universitas, era a plataforma para uma organização estudantil holandesa dentro da universidade católica que buscava dar aos alunos e professores um fórum para expressar sua identidade cristã. Eles começaram a formar uma comunidade “orar-pensar-trabalhar” que se desenvolveu em torno do teólogo belga Albert Dondeyne. Todos esses movimentos da Esquerda Católica Europeia, escreve Bosschaert, “desenvolveram-se, de acordo com as mudanças sociais, em direção a uma abordagem mais internacional, adotando uma postura crítica em relação à sociedade”112.
A quinta e última categoria foi o desenvolvimento de uma teologia dos leigos. Durante a maior parte da história da Igreja, a visão da hierarquia sobre os leigos estava em algum lugar entre a negligência e o desprezo. O foco em termos de adesão estava na hierarquia. A conhecida carta de 1867 do Monsenhor George Talbot ao Cardeal Manning representa como os leigos eram vistos pela hierarquia na época. Talbot escreveu: “Qual é a competência dos leigos? Caçar, atirar, entreter. Sobre esses assuntos eles entendem, mas de se intrometer em assuntos eclesiásticos, eles não têm direito algum”113. Esse pensamento, porém, mudou no século XX. Em 1905, o Papa Pio X decidiu elaborar diversas iniciativas sociais e caritativas leigas para um movimento de Ação Católica, que estaria sob a supervisão da autoridade da Igreja. Várias décadas depois, o Papa Pio XI deu-lhe uma estrutura mais formal, definindo-a (como mencionado acima) como a participação dos leigos na missão da hierarquia. Essa visão inflexível, porém, começou a se abrir com seu sucessor, o Papa Pio XII. Em sua encíclica Mystici Corporis Christi, de 1943, onde usou a imagem paulina do Corpo de Cristo como a compreensão central da Igreja, os leigos eram considerados membros do Corpo. Ao mesmo tempo em que tudo avançava com o Magistério Pontifício, a Ação Católica também se desenvolvia. Uma de suas formas era a mais tradicional já descrita, de base paroquial e controlada pela hierarquia. A anteriormente citada ACB era a ramificação brasileira desse movimento. A outra não era paroquial, mas seguia as linhas de classe social. Ela tomou a forma de grupos como os mencionados anteriormente: Juventude Operária Católica (JOC), Juventude Estudantil Cristãos (JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC), que tinham filial brasileira. Conduzidos pelo método “ver-julgar-agir”, eles eram muito mais engajados social e politicamente.
Outra ocorrência que suscitou maior atenção dos leigos foi a publicação de dois livros na década de 1940. O primeiro foi em 1943, lançado pelos teólogos franceses Henri Godin e Yvan Daniel e intitulado La France, pays de mission114. Seu envolvimento na Ação Católica e suas pesquisas deixaram claro que os leigos estavam abandonando a Igreja. Esse trabalho foi encomendado pelo cardeal francês Emmanuel Suhard, que fundou, em 1937, o seminário Mission de France e, em 1943, o similar Mission de Paris. Ambos tinham como objetivo a formação do clero para evangelizar a classe trabalhadora francesa. O segundo livro que chamou a atenção dos leigos foi um publicado em 1947 pelo próprio Suhard, intitulado Essor ou déclin de l’Église115. Segundo Bosschaert, o livro de Suhard “estimulou iniciativas novas e existentes nos cenários prático e intelectual”116. Em termos de prática, organizações leigas católicas como as do Brasil já se espalhavam pelo mundo e procuravam coordenar-se em nível internacional. Um exemplo foi o estabelecimento da Conférence des Organizations Internationales Catholiques (OIC) no início dos anos 1950. Outro exemplo foi a organização dos Congressos Mundiais do Apostolado dos Leigos que aconteceram em 1951, 1957 e 1967117. Também em termos de prática, havia os chamados “padres operários”, um movimento pastoral que se formou em torno do franco-domenicano Jacques Loew, o qual havia também sido secretário da já mencionada associação Économie et Humanisme, fundada por Lebret. Os padres operários eram clérigos que trabalhavam ao lado da classe trabalhadora leiga em fábricas, moinhos e lojas. Inicialmente, o movimento foi apoiado pelo Magistério. No entanto, caiu em desgraça na década de 1950, quando muitos dos padres começaram a se envolver em sindicatos e, eventualmente, em partidos comunistas. Acabou encerrado oficialmente em novembro de 1953118.
Além das iniciativas práticas, houve também desdobramentos teológicos na área da eclesiologia. Lentamente, teólogos e outros começaram a enxergar a Igreja não como uma instituição, mas como uma comunidade de crentes. Nessa renovada compreensão da Igreja, os leigos tiveram um papel mais ativo, pois também eram membros batizados junto com o clero. Essa era a visão do já mencionado teólogo dominicano Maurice Montuclard, dentre outros. Paralelamente, os teólogos se perguntavam o que significava falar de leigos participando do tríplice ofício de Cristo, isto é, como sacerdote, profeta e rei. A respeito disso, foram levantadas questões sobre a dimensão de sua capacidade de ensinar e liderar dentro da Igreja. Na época, uma das obras mais importantes sobre esse tema foi Jalons pour une théologie du laïcat119. Outros, como o jesuíta alemão Karl Rahner e o italiano Pietro Pavan, também fizeram importantes contribuições120.
Essas cinco categorias de desenvolvimento teológico na antropologia mostram uma rede de teólogos atuando na área, inspirando o surgimento de novos centros de pesquisa e associações internacionais voltadas para a humanidade e para o mundo. Esse foi o extenso pano de fundo teológico que surgiu quando Freire, como católico, desenvolvia suas ideias. Mas como esses desenvolvimentos se dirigiram da Europa para a América Latina e, em especial, para o Brasil? Os sociólogos Michael Löwy e Jesús García-Ruiz argumentam que a Igreja brasileira e a Esquerda Católica no País foram fortemente influenciadas pela teologia católica francesa no século XX121. Alceu Amoroso Lima desempenhou um papel significativo, assim como Louis-Joseph Lebret e uma rede de padres dominicanos, franceses e brasileiros, Emmanuel Mounier, a JUC e outros. Também foram importantes os já citados Henrique Cláudio de Lima Vaz e Almery Bezerra de Melo. Um levantamento da forma como o Catolicismo francês influenciou a Igreja brasileira durante esse período mostra muitas interseções com Freire e o desenvolvimento progressista da antropologia católica.
As primeiras influências francesas na Igreja brasileira pós-Independência foram com os seminários. Por ainda ser uma Igreja subdesenvolvida, foi criada uma oportunidade para Roma estruturar o País nos moldes do Catolicismo europeu com seus próprios valores culturais. Como parte desse programa, estavam inclusas a formação do clero e a reforma das ordens religiosas. Seminários em dioceses importantes como Mariana e Salvador da Bahia foram entregues aos vicentinos franceses, e um deles foi confiado aos frades capuchinhos franceses; os alunos mais qualificados foram enviados para a França e para Roma.122 Treinados segundo os manuais romanos da época sob a perspectiva de uma teologia atemporal, objetiva e dedutiva, eles retornaram ao Brasil fortemente contrários ao liberalismo e ao modernismo, ao mesmo tempo que muito despreparados para a sociedade moderna que despontava no País123. Porém, isso logo mudaria.
De acordo com Löwy e García-Ruiz, o principal intelectual do Catolicismo francês no Brasil do século XX foi Alceu Amoroso Lima, o qual Freire passou a seguir na década de 1940. Ninguém teve um papel tão central quanto ele na transformação do Catolicismo brasileiro dos anos 1910 até o fim dos anos 1950124. Suas primeiras viagens à França, ainda quando novo, foram breves, mas, quando tinha 20 anos de idade, ele permaneceu lá por quase um ano. Nessa época, conheceu o escritor brasileiro José Pereira da Graça Aranha, que o incentivou a participar da modernização literária e filosófica do Brasil; também teve contato com a obra do filósofo francês Henri Bergson e do poeta Anatole France125. Amoroso Lima voltou rapidamente ao Brasil quando a Primeira Guerra Mundial teve início. Contudo, o tempo em Paris deixou nele uma profunda marca. Seu contato próximo com pensadores franceses o levou a refletir sobre a modernidade e as novas formas de pensar. No final da Guerra, em 1919, ele começou a publicar sob o pseudônimo pelo qual ficou conhecido, Tristão de Ataíde. Passou também a se comunicar regularmente com o diretor do Centro Dom Vital, Jackson de Figueiredo, sobre assuntos políticos e também filosóficos e religiosos. Amorosa Lima se tornou católico em 1928; vários meses depois, Figueiredo morreu. Fundador do Centro, o Arcebispo Sebastião Leme da Silveira Cintra nomeou Amoroso Lima seu novo diretor. Pouco depois, o Centro tomou um novo rumo, focando mais questões culturais do que políticas.126
Em termos de influência do Catolicismo francês no Brasil, "Amoroso Lima foi o primeiro a introduzir o pensamento de Maritain na América Latina", traduzindo uma parte significativa de suas obras para o português127. Seu primeiro contato com a obra de Maritain foi em 1919. Mas foi só em 1926, quando leu Primauté du spirituel e depois Trois réformateurs e Misère et grandeur de la Métaphysique, que ele se aproximaria mais de Maritain e se afastaria de Bergson e do conservadorismo de Figueiredo128. Maritain permitiu que ele enxergasse que os católicos podiam se envolver em questões sócio-políticas que eram tanto sociais quanto cristãs. No início dos anos 1930, em resposta à influência de Maritain, Amoroso Lima se interessou pela sociologia, pelos ensinamentos sociais da Igreja e se tornou crítico do Capitalismo. Em 1936, o Arcebispo Leme fundou a ACB e nomeou Amoroso Lima como presidente, cargo que ocuparia até 1945. Através da ACB, ele continuaria a promover o pensamento do Catolicismo francês129.
Durante e após a Segunda Guerra Mundial, a filosofia personalista de Emmanuel Mounier tornou-se cada vez mais influente entre os católicos de classe média Brasil afora.130 De acordo com Luiz Alberto Gómez de Souza, diretor da JUC em 1956-57, Mounier foi quem teve “a influência mais significativa na juventude da Ação Católica em França, Canadá e Bélgica”.131 Lima Vaz ecoaria esse sentimento, o que ficaria claro anos depois, quando disse que, no início dos anos 1960, Mounier era “o mestre mais seguido pelos jovens católicos brasileiros”132.
O pensamento de Mounier estava mais à esquerda em relação ao de Maritain, e seu foco era mais social. Durante a década de 1950, o Socialismo de Mounier foi visto como uma alternativa atraente à democracia cristã de Maritain. Amoroso Lima conheceu o trabalho de Mounier por meio de seu periódico Esprit e começou a incorporar parte desse pensamento ao seu próprio e ao seu trabalho com a ACB, a qual ainda liderava. No final da década de 1940, Amoroso Lima conheceu o Pe. Lebret e foi apresentado à comunidade dominicana de São Paulo. Ele viu na obra de Lebret uma inteligente “integração do espiritual e do econômico e suas complementaridades” e rapidamente se tornou um defensor de seu ensinamento social, deixando para trás Maritain133. Em outras palavras, ao longo de várias décadas, ele passou de Maritain para Mounier, até chegar em Lebret. No entanto, cada um desses teve um impacto. Como escrevem Löwy e García-Ruiz, “[e]le aprendeu com Maritain a pensar em sociedades plurais e democráticas, a pensar com Mounier no Socialismo e no engajamento social dos crentes, e foi Lebret que lhe trouxe certas ideias de transformação econômica”134. Ao longo da década de 1950, ele repassaria esses aprendizados para as diversas organizações da Esquerda Católica no Brasil com as quais teve contato.
Lebret também desempenhou um papel importante na formação do Catolicismo brasileiro pós-Guerra. Ele visitou o Brasil pela primeira vez em 1947 e ministrou um curso sobre economia humana. Naquele mesmo ano, ajudou a estabelecer um centro de pesquisa em São Paulo, que era uma filial de sua própria associação Économie et Humanisme, da França. Esse novo empreendimento chamado “A Sociedade de Análise Gráfica e Mecanográfica Aplicada aos Complexos Sociais” (SAGMACS), realizou pesquisas de campo na década de 1950 com a ajuda de Lebret. Tornou-se um dos principais meios de divulgação dos escritos de Lebret pelo Brasil, muitos deles traduzidos para o português graças à editora dominicana brasileira Duas Cidades135. Além de influenciar Amoroso Lima, Lebret e sua obra teriam um impacto significativo em Helder Câmara, que o considerava um "verdadeiro profeta”136. Ele era bem-visto pelos dirigentes da JUC na década de 1950 e os encorajou a saírem da universidade e verem por si mesmos as condições de vida dos moradores das favelas. Francisco Whitaker, presidente da JUC brasileira de 1954 a 1955, disse que Lebret foi quem inspirou os alunos a incorporarem a noção de pecado social em seus documentos de 1954137. Como concluem Löwy e García-Ruiz, “Lebret substituiu, ao longo dos anos 1950, Jacques Maritain como fonte de inspiração em círculos católicos mais mente-aberta”138.
Além de Maritain, Mounier e Lebret, todos eles promovidos por Amoroso Lima, sendo que os dois últimos tiveram sua própria influência direta, havia também as redes de comunidades religiosas francesas. Löwy e García-Ruiz focam os franco-dominicanos frequentemente identificados neste artigo, mas também observam a necessidade de atenção futura aos jesuítas franceses, como Teilhard de Chardin, Henri de Lubac, Jean-Yves Calvez et Jacques Perrin.139 De qualquer forma, vamos nos debruçar brevemente sobre a Ordem Dominicana, pois o deslocamento de dominicanos para o Brasil e de seminaristas brasileiros para as escolas dominicanas na França naquele período foi um dos mais importantes “vetores na formação de um novo espaço religioso no Brasil”140.
Os nomes dos frades franceses Congar e Chenu já foram mencionados. Eles, assim como outros, como Christian Duquoc, foram amplamente estudados nos seminários dominicanos no Brasil. Além disso, foram influentes na formação das opiniões dos capelães dominicanos que lideravam a JUC141. O livro de Congar, Jalons pour une Théologie du Laïcat, em particular, ajudou os jovens católicos a enxergarem seu papel na transformação do mundo e sua independência da hierarquia. A atuação de Chenu na área do movimento sacerdotal operário, em especial com seu livro Pour une Théologie du Travail142, inspirou a Esquerda Católica brasileira a se comprometer ao lado da classe trabalhadora. Contudo, poucos tiveram tanto impacto quanto o dominicano Thomas Cardonnel. Chegando em dezembro de 1959, Cardonnel esteve no Brasil por um breve período. No entanto, mesmo nesse curto período, causou um “impacto impressionante nos grupos de estudantes”143. Em seus inflamados sermões, pregou sobre temas como dinheiro e os pobres, bem como criticou a ala conservadora da hierarquia brasileira por sua hipocrisia144. De acordo com Leopando, as declarações de Cardonnel “eletrizaram o movimento juvenil” e, assim como Mounier, “ajudaram a solidificar a consciência dos ativistas estudantis sobre o conceito de violência estrutural e econômica”145. Seus artigos foram publicados em 1960 no jornal do movimento estudantil O Metropolitano, do Rio. De acordo com Löwy e García-Ruiz, esses textos, juntamente com as palestras que ele deu, “desencadearam uma polêmica violenta”146. No fim de 1962, ele foi chamado de volta à França pela própria comunidade a pedido da hierarquia brasileira.
Conclusão
Diante do exposto, observamos surgir redes de influências que moldaram a teologia operativa da pessoa humana de Freire em Pedagogia do Oprimido. Digo “operativo” pois o formaram, não como um teólogo profissional com a intenção de analisar e desenvolver uma teologia explícita, mas como um crente pensativo, crítico e educado. Podemos assim organizar essas redes de forma temática cronológica: primeiras experiências de fé e pobreza na década de 1920 e início da década de 1930 por meio dos pais, principalmente da mãe e da mudança do Recife para Jaboatão; experiências de formação e trabalho nas décadas de 1940 e 1950 na Universidade de Pernambuco, no SESI e no Serviço de Extensão Cultural; experiências pessoais e profissionais com a Esquerda Católica, incluindo ACB, JUC, MCP e MEB nas décadas de 1940, 1950 e início dos anos 1960 (principalmente liderada por leigos progressistas brasileiros); e encontro com a obra de autores, intelectuais e teólogos católicos das décadas de 1940 e 1950, como Bernanos, Amoroso Lima, Maritain, Mounier e Teilhard du Chardin. Tudo isso acontecia em um momento de mudanças sociais, políticas e eclesiais no Brasil.
Ao mesmo tempo, temos no pano de fundo um desenvolvimento da antropologia católica com foco na pessoa humana, na atividade humana, na história, na sociedade e no papel emergente dos leigos. Esse desenvolvimento estava em contraste com uma teologia anterior que privilegiava a hierarquia, bem como a objetividade, a atemporalidade e a imutabilidade na doutrina católica, deixando pouco espaço para a humanidade e para o mundo. Liderando o caminho estavam teólogos progressistas como Thils, Dondeyne, Congar, Chenu, Mounier, Teilhard de Chardin, Lebret, Montuclard e Maritain, a maioria dos quais era francesa. Embora Maritain não estivesse mais em primeiro plano na década de 1950, sua teologia foi influente nas décadas de 1930 e 1940, no papel de voltar nossa atenção para o mundo. Esses indivíduos impactaram organizações católicas no Brasil por meio de suas pesquisas e publicações. Além disso, influenciaram muitos no País: capelães e conselheiros, lideranças católicas como Helder Câmara e intelectuais como Amoroso Lima, Bezerra e Lima Vaz. Freire estava muito ligado a essas redes e círculos de influência - a teologia europeia atuando nas organizações brasileiras e essas organizações tendo seu próprio impacto sobre outras, inclusive sobre indivíduos como Freire. Por exemplo, como vimos, Amoroso Lima lia Mounier na década de 1940 enquanto Freire lia Amoroso Lima; os escritos de Congar e Chenu sobre uma teologia dos leigos e uma teologia do trabalho estavam influenciando a JUC durante o mesmo tempo em que Freire trabalhava com membros da Juventude; Câmara, que se tornou amigo íntimo de Freire a partir da década de 1940, acompanhava a obra de Lebret na mesma época. Tudo isso nos leva a três conclusões.
Em primeiro lugar, há uma dificuldade em identificar uma genealogia precisa dessa influência. Determinar qual livro ou artigo, relacionamento ou encontro pessoal, envolvimento em organização ou experiência de trabalho molda uma pessoa, especialmente em sua crença religiosa, é claramente um desafio. Essa afirmação é particularmente verdadeira na Pedagogia do Oprimido de Freire, uma vez que ele não identifica essas influências ao expressar sua antropologia nos primeiros capítulos. Portanto, tentar traçar paralelos com o trabalho de certos indivíduos, comparando frases etc., é uma trilha repleta de problemas. Em vez disso, mais trabalhos devem ser feitos por teólogos históricos para desenvolver uma visão mais clara e complexa de que modo exatamente os envolvidos nessa nova teologia moldaram o Catolicismo do Brasil durante o período pré e pós-Guerra.
Em segundo lugar, ao considerar o que influenciou Freire e sua filosofia da educação, é essencial compreender o que estava acontecendo na teologia católica. Freire manteve sua fé ao longo de sua vida. Excluir esse fato ao interpretar seu trabalho faz com que a pesquisa seja incompleta. Ignorar a complexidade de como a fé de um indivíduo é continuamente formada e reformulada e como ela é única para cada pessoa cria a possibilidade de uma compreensão distorcida dessa fé. Contudo, essa dimensão pessoal é temperada pela dimensão comunitária mais ampla, e a fé de Freire também foi influenciada pelas mudanças na antropologia católica do século XX.
Em terceiro lugar, não é possível falar simplesmente da fé de Freire como moldada por essas correntes teológicas europeias, direta ou indiretamente, como se fosse uma transposição de uma para a outra. Ele diz que a religião católica deixada no Brasil “ajudou a introduzir uma nova compreensão da relação entre fé e política”.147 Isso se deu pela vinda para o País das ideias que a sociedade europeia tinha sobre o Catolicismo. No entanto, ele expõe que isso faz mais do que apenas introduzir essas ideias no contexto brasileiro. As crenças foram “aplicadas” ao contexto brasileiro, criando uma nova concepção sobre a missão da Igreja148. Löwy E García-Ruiz, entretanto, problematizam o uso do termo “aplicadas.” O que quer que seja que os brasileiros fizeram com os trabalhos de Lebret, Congar, Mounier, dentre outros, não foi uma aplicação das ideias francesas no Brasil. Em vez disso, eles utilizaram essas concepções como um ponto de partida para a criação de novas ideias visando “criar uma cultura político-religiosa propriamente brasileira”149. Em outras palavras, uma nova realidade foi criada. Em meu ponto de vista, o mesmo deve ser dito sobre a fé de Freire. Ela não foi influenciada pelas aplicações dessas novas correntes teológicas. Como alternativa, sua fé foi formada a partir da “recepção” dessas ideias dentro do contexto brasileiro na época, o que inclui um meio sociopolítico, cultural e eclesial próprio. O teólogo católico Gilles Routhier fala sobre a recepção, como uma “assimilação”, “atualização”, “apropriação” ou “inculturação” na qual a transformação acontece e leva ao surgimento de uma nova realidade.150. A esse respeito, visando entender com propriedade a fé de Freire, precisamos considerar que sua fé foi formada em um contexto particular. Esse seria um ponto interessante de investigação para teólogos, sejam esses substancialistas ou procedimentalistas.
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2Para o levantamento feito por Leopando, veja: Irwin Leopando, A Pedagogy of Faith: The Theological Vision of Paulo Freire (New York: Bloomsbury, 2017), p. 2-9.
4Paulo Freire, “When I met Marx I continued to meet Christ on the corner of the street,” The Age, (Melbourne Austrália), 19 de abril de 1974. Citado em Leopando, Pedagogy of Faith, 2.
5Leopando, Pedagogy of Faith, 3. Veja: Stanley Aronowitz, “O Humanismo Democrático Radical de Paulo Freire” em Paulo Freire: A Critical Encounter, ed. Peter McLaren e Peter Leonard (New York: Routledge, 1993), 8-23.
6Cf. “Introduction” de Donald Macedo em Pedagogy of the Oppressed, 30th Anniversary Edition, (New York: Continuum, 2000), 11-26.
7Cf. “Introduction” de Donald Macedo em Paulo Freire, Pedagogy of the Oppressed, 50th Anniversary Edition, (New York: Bloomsbury Academic, 2018), 1-33.
9Jones Irwin, Paulo Freire’s Philosophy of Education: Origins, Developments, Impacts and Legacies (New York: Continuum, 2012).
10Peter Roberts, Education, Literacy, and Humanization: Exploring the Work of Paulo Freire (Westport, CT: Bergin and Garvey, 2000).
11Peter Mayo, Liberating Praxis: Paulo Freire’s Legacy for Radical Education and Politics (Westport, CT: Praegar, 2004). Em uma resenha do livro de Leopando, Mayo critica o autor por ignorar o contexto mais amplo ou por escolher citações isoladas para ilustrar a falta de atenção de um estudioso à teologia de Freire. Para ele, há “uma versão radical do cristianismo” no centro da obra de Freire que qualquer um veria se lesse toda a coleânea de Mayo sobre Freire. Peter Mayo, “The Roots of Paulo Freire’s Praxis,” International Journal of Lifelong Education 37/4 (2018): 513-514.
12Carlos Alberto Torres, First Freire: Early Writings in Social Justice Education (New York: Teachers College Press, 2014).
14John Dale e Emery Hyslop-Margison, Paulo Freire: Teaching for Freedom and Transformation: The Philosophical Influences on the Work of Paul Freire (New York: Springer, 2010), p. 48. Citado em Leopando, Pedagogy of Faith, 4.
18Veja a lista de Leopando que contém mais de duas dezenas de livros e artigos escritos nos últimos cinquenta anos que trataram direta ou indiretamente de algum elemento que compõe o Catolicismo de Freire. Leopando, A Pedagogy of Faith, 12-13, n. 43. É importante ressaltar que a grande maioria desses acadêmicos não são teólogos capacitados profissionalmente.
20A Concise Dictionary of Theology, 3rd ed., Gerald O’Collins e Edward G. Farrugia, s.v. “Anthropology.”
21Michael J. Scanlon, “Christian Anthropology” in The New Dictionary of Theology, ed. Joseph A. Komonchak (Wilmington, DE: Michael Glazier, 1987), p. 28.
25Denis E. Collins, Paulo Freire: His Life, Works, and Thought (New York, Paulist, 1977), p. 3.
26Para informações biográficas sobre Freire em inglês, cf.: Collins, Paulo Freire; Moacir Gadotti, Reading Paulo Freire: His Life and Work, trans John Milton, (Albany: State University of New York Press, 1994); Andrew J. Kirkendall, Paulo Freire and the Cold War Politics of Literacy (Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2010); James D. Kirylo, Paulo Freire: The Man from Recife (New York: Peter Lang, 2011); Leopando, Pedagogy of Faith; e Daniel Schugurensky, Paulo Freire (London: Continuum, 2011).
27Richard Shaull, “Foreword” em Paulo Freire, Pedagogy of the Oppressed (New York: Herder and Herder, 1972), p. 10. Citado em Collins, Paulo Freire.
30John L. Elias, Paulo Freire: Pedagogue of Liberation (Malabar Florida: Krieger Publishing Company, 1994), p. 2.
33Paulo Freire, Education as the Practice of Freedom (London: Writers and Readers Pub. Cooperative, 1973). O original foi publicado como Educação como prática da liberdade (Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1967).
34Paulo Freire e Antonio Faundez, Learning to Question: A Pedagogy of Liberation (Geneva: WCC Publications, 1989), p. 38. Citado em Leopando, Pedagogy of Faith, 23.
35John L. Elias, Paulo Freire: Pedagogue of Liberation (Malabar Florida: Krieger Publishing Company, 1994), p. 4.
37John L. Elias, Paulo Freire: Pedagogue of Liberation (Malabar Florida: Krieger Publishing Company, 1994), p. 4.
39Leopando, Pedagogy of Faith, 28. Para uma excelente visão detalhada do trabalho do MEB, incluindo uma avaliação das semelhanças e diferenças entre este e o programa nacional de alfabetização de Freire, cf.: Leopando, Pedagogy of Faith, 74-77.
45Joseph Holbrook, “Catholic Student Movements in Latin America: Cuba and Brazil, 1920s to 1960s,” Tese de doutorado, (Universidade Internacional da Flórida, 2013), p. 210.
46Myles Horton e Paulo Freire, We Make the Road by Walking. Conversations on Education and Social Change, eds., Brenda Bell, John Gaventa e John Peters (Philadelphia, PA: Temple University Press, 1990), p. 244.
51Ana Maria Araújo Freire, Chronicles of Love. My Life with Paulo Freire, tradução de Alex Oliveira (New York: Peter Lang, 2001), p. 23.
52Paulo Freire, “Paulo Freire par lui-même,” in Conscientisation. Recherche de Paulo Freire, ed. Paulo Freire, Francisco C. Weffort, Thomas R. Sanders e Alberto Silva (Alsace: Document de travail INODEP, 1971), p. 11.
53Carmen José Alejos-Grau e José Ignacio Saranyana, Teología in América Latina, vol. 2 (Madrid: Iberoamericana, 2002), p.229.
56Thomas C. Bruneau, The Political Transformation of the Brazilian Catholic Church (New York, NY: Cambridge University Press, 1974) p. 33.
62Para uma descrição da Esquerda Católica, cf.: Thomas G. Sanders, “Catholicism and Development: The Catholic Left in Brazil”, in Churches and States: The Religious Institution and Modernization, ed. Kalman H. Silvert (New York, NY: American Universities Field Staff, Inc., 1967), p. 81-99. A seguir, basear-me-ei extensivamente na estrutura e análise de Leopando em relação à Esquerda Católica, conforme apresentada em Leopando, Pedagogy of Faith, 45-94.
64Scott Mainwaring, The Catholic Church and Politics in Brazil, 1916-1985 (Stanford CA: Stanford University Press, 1986), p. 30.
74Leopando insiste que, antes de 1964, Freire ainda apoiava a abordagem liberal-reformista do governo nacional. Cf. Leopando, Pedagogy of Faith, 70.
75Emanuel De Kadt, “JUC and AP: The Rise of Catholic Radicalism in Brazil,” in The Church and Social Change in Latin America, ed. Henry A. Landsberger (South bend IN: University of Notre Dame Press, 1970), p. 205.
89Paulo Freire, Pedagogy of the Heart (New York: Continuum, 1997), p. 105. Citado em Leopando, Pedagogy of Faith, 5.
90Nesta seção, eu resumo o trabalho de Dries Bosschaert, The Anthropological Turn, Christian Humanism e Vatican II: Louvain Theologians Preparing the Path for ‘Gaudium et Spes’ 1942-1965 (Leuven: Peeters Publishers, 2019), pp 1-55.
91Gustave Thils, Orientations de la théologie, (Louvain: Éditions Ceuterick, 1958) pp. 113-126. Citado em Bosschaert, Anthropological Turn, 1.
97Para um excelente resumo do movimento Nouvelle théologie, cf. Jürgen Mettepenningen, Nouvelle théologie - New Theology: Inheritor of Modernism, Precursor to Vatican II (New York, NY: Continuum, 2010).
102Marie-Dominique Chenu, Pour une théologie du travail (Paris: Seuil, 1955) and Spiritualité du travail (Éditions Temps Present, 1941).
104Oscar Cullmann, Christus und die Zeit: Die urchristliche Zeit- und Geschitsauffassung (Evangelischer Verlag, 1946).
105Bosschaert, Anthropological Turn, 20. Cf. também sua nota 65, na mesma página em que analisa a bolsa.
108Roger Aubert, “Monsignor Ketteler, Bishop of Mainz, and the Origins of Social Catholicism 1947,” in Catholic Social Teaching: An Historical Perspective, ed. David Boileau e Charles Curran (Milwaukee, WI: Marquette University Press, 2003), pp. 23-28.
111Bosschaert, Anthropological Turn, 31. Cf. também, Gerd-Rainer Horn, “Left Catholicism in Western Europe in the 1940s,” in Left Catholicism 1943-1955: Catholics and Society in Western Europe at the Point of Liberation (Leuven: Leuven University Press, 2001), pp. 13-44.
113Citado em John Henry Newman, On Consulting the Faithful in Matters of Doctrine. (London: Geoffrey Chapman, 1961), p. 41.
115Emmanuel Cardinal Suhard, Essor ou déclin de l’Église (Paris: Les éditions du vitrail, 1947).
117Bernard Minvielle L’apostolat des laïcs à la veille du concile (1949-1959): Histoire des congrès mondiaux de 1951 et 1957 (Fribourg: Éditions universitaires, 2001).
118Bosschaert, Anthropological Turn, 39-40. Para saber mais sobre padres-operários, cf.: Émile Poulat, Naissance des Prêtres-ouvriers, (Paris: Cerf, 1961; e Émile Poulat, Les prêtres-ouvriers: Naissance et fin (Paris: Cerf, 1999).
121Michael Löwy e Jesús García-Ruiz, “Les sources françaises du christianisme de la liberation au Bresil,” Archives de sciences sociales des religions 42/97 (Jan-Mar, 1997): 9-32. Seguirei Löwy e García-Ruiz nesta seção.
122Eduardo Hoornaert, “Para uma história da Igreja no Brasil,” Revista Ecclesiastica Brasileira 33 (1973): 130; Riolando Azzi, “Os capuchinos e o movimento brasileiro de reforma catolica do seculo XIX,” Revista Ecclesiastica Brasileira 35 (1974): 123. Citado em Löwy e García-Ruiz, Les sources françaises, 12.
131Luiz Alberto Gómez de Souza, A JUC: os estudantes católicos e a política (Petrópolis: Vozes, 1984), p. 156. Citado em Löwy e García-Ruiz, Les sources françaises, 22.
132Henrique Cláudio de Lima Vaz, “La Jeunesse brésilienne à l’heure de décisions,” Perspectives de catholicité 4 (1963): 288.
135Cf. Denis Pelletier, “Aux origins du tiers-mondisme catholique. De l’utopie communautaire au développement harmonisé: Économie et humanisme et la Père Lebret (1944-1966),” Tese de doutorado, (Université de Lyon, 1992). Citado em Löwy e García-Ruiz, Les sources françaises, 19. A dissertação foi publicada em uma forma modificada como um livro: Denis Pelletier, “Economie et humanisme”: de l’utopie Communautaire au combat pour le tiers-monde (1941-1966), (Paris: Editions du Cerf, 1996).
137Interview of Löwy with Fr. José Santa Cruz, October 5, 1988. Santa Cruz era dominicano, administrador do Duas Cidades e amigo íntimo de Lebret. Citado em Löwy e García-Ruiz, Les sources françaises, 20, n. 29.
142Marie-Dominique Chenu, Pour une théologie du travail (Paris: Éditions du Seuil, 1955).
150Gilles Routhier, La reception d’un concile, (Paris: Cerf, 1993), p. 26, 94, 183-185, 197-198.
Recebido: 11 de Outubro de 2022; Aceito: 31 de Janeiro de 2023