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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-179 

Artigos

Pachoal Lemme e Jorge Amado em defesa da educação e da literatura soviética na imprensa brasileira (1945-1962)

Pachoal Lemme y Jorge Amado en defensa de la educación y la literatura soviética en la prensa brasileña (1945-1962)

Paula Josiane Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-6237-7175; lattes: 7685513989202807

Rosa Lydia Teixeira Corrêa2 
http://orcid.org/0000-0002-6416-4990; lattes: 4068637625072604

1Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil). almeida.paulajs@gmail.com

2Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil). rosa_lydia@uol.com.br


Resumo

A proposta deste artigo é apresentar a difusão, por Jorge Amado e Paschoal Lemme, do pensamento educacional e literário soviético no Brasil entre 1945 e 1962. Esses autores, que tinham obras reconhecidas e tratavam de temas sociais no Brasil, utilizaram a imprensa como ferramenta para propagar o pensamento soviético e os principais teóricos russos que formulavam novas propostas pedagógicas e estéticas literárias naquele momento. Em artigos e entrevistas da época, Jorge Amado e Paschoal Lemme exaltaram os sucessos obtidos e os novos horizontes abertos para a educação e a literatura, os quais estavam alinhados ao debate de superação do capitalismo e aos novos modelos de organização dos campos literário e educacional. Nessa perspectiva, busca-se no presente trabalho resgatar publicações jornalísticas em que esses autores defenderam e propagaram as conquistas soviéticas, utilizando-as como referência para refletir sobre a educação e a cultura do Brasil de então.

Palavras-chave: Educação Soviética; Jorge Amado e a literatura soviética; Paschoal Lemme e a educação soviética

Resumen

El propósito de este artículo es presentar la difusión, por Jorge Amado y Paschoal Lemme, del pensamiento educativo y literario soviético en Brasil entre 1945 y 1962. Estos autores, que habían reconocido obras y tratado temas sociales en Brasil, utilizaron la prensa como herramienta de propagación del pensamiento soviético y de los principales teóricos rusos que formularon las nuevas propuestas estéticas pedagógicas y literarias de la época. En artículos y entrevistas de la época, Jorge Amado y Paschoal Lemme ensalzaron los éxitos alcanzados y los nuevos horizontes abiertos a la educación y la literatura, que se alinearon con el debate sobre la superación del capitalismo y los nuevos modelos de organización en los campos literario y educativo. En esta perspectiva, el presente trabajo busca rescatar publicaciones periodísticas en las que estos autores defendieron y difundieron las conquistas soviéticas, utilizándolas como referencia para reflexionar sobre la educación y la cultura brasileña de la época.

Palabras clave: Educación Soviética; Jorge Amado y Literatura Soviética; Paschoal Lemme y Educación Soviética

Abstract

The purpose of this article is to present the diffusion, by Jorge Amado and Paschoal Lemme, of the Soviet educational and literary thought in Brazil between 1945 and 1962. These authors, who had recognized works and dealt with social themes in Brazil, used the press as a tool to propagate Soviet thought and the main Russian theorists who formulated new pedagogical and literary aesthetic proposals at that time. In articles and interviews at the time, Jorge Amado and Paschoal Lemme exalted the successes achieved and the new horizons open to education and literature, which were aligned with the debate overcoming capitalism and the new models of organization in the literary and educational fields. In this perspective, the present work seeks to rescue journalistic publications in which these authors defended and propagated the Soviet conquests, using them as a reference to reflect on the education and culture of Brazil at the time.

Keywords: Soviet Education; Jorge Amado and Soviet Literature; Paschoal Lemme and Soviet Education

Introdução

A partir dos anos de 1920, com a influência da Revolução Russa de 1917, o Brasil vivenciou um período de efervescência política, social e educacional que despertou novas forças políticas e segmentos sociais que, em breve, contribuiriam para o fim do modelo político implantado pela República Velha.

Foi na década de 1920 que foi fundado o Partido Comunista do Brasil, surgindo, coetaneamente, o movimento tenentista e a Coluna Prestes que aceleraram a oposição ao regime oligárquico vigente, promovendo a renovação política que culminou na Revolução de 1930.

Getúlio Vargas ascendeu ao Poder e superada a Revolução Constitucionalista de 19321, o ambiente democrático permitiu a constitucionalização do Brasil em 1934, mas duraria pouco, pois o golpe do Estado Novo, em 1937, suplantaria as conquistas democráticas então alcançadas.

Horta (2012), aponta que durante o período Vargas (1930-1954) houve o fortalecimento da Polícia e do Exército, assim como do perfil autoritário do Estado para o controle dos aparelhos ideológicos (Educação e Imprensa), propondo uma intervenção na política educacional desenvolvida no período. Essa atitude do governo varguista esteve em consonância com a ideologia militar do período, que apostava no nacionalismo e em um Estado forte e interventor. A Educação Moral e Cívica e a Educação Física foram pensadas para o disciplinamento, para a normalização e controle das novas gerações, formando futuros soldados da pátria e opositores do comunismo.

Com o Brasil mergulhado em uma ditadura, ficou evidenciado desde o seu início um discurso anticomunista que dominou o debate político naquela época histórica. Pensamento que recrudesceria nas décadas subsequentes com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a bipolarização decorrente da Guerra Fria (1947-1991).

Seria nesse ambiente de oposição ao comunismo, de polarização e de conflito, que seriam introduzidas as propostas de Jorge Amado e Paschoal Leme - fruto da experiência adquirida pelos autores em viagens realizadas à antiga URSS - que pugnavam por uma renovação do ambiente literário e educacional brasileiro.

Jorge Amado e Paschoal Lemme, dois intelectuais2 que utilizaram a imprensa como ferramenta para propagar o pensamento soviético, foram nomes de destaque nos anos de 1945 a 1962 nos campos da literatura e da educação, contribuindo para divulgar um pensamento não alinhado, e, portanto, contra hegemônico, mas que ofertava novos caminhos para refletir sobre o Brasil.

Nessa perspectiva, o objetivo do presente artigo é identificar em artigos de jornais impressos3 que circularam no Brasil nesse período, escritos de Jorge Amado e Paschoal Lemme em defesa do modelo educacional e literário soviético, avaliando sua repercussão e contribuição para a história e pensamento educacional brasileiros.

O trabalho aqui formulado encontra-se estruturado em duas partes. Na primeira, são apresentadas reportagens de Jorge Amado sobre a sua participação no II Congresso dos Escritores Soviéticos, organizado em Moscou, no ano de 1954; na segunda parte, o texto trata das matérias jornalísticas do educador Paschoal Lemme em defesa da educação soviética, assim como o livro por ele produzido, após sua visita ao país, no ano de 1953.

A pesquisa é de natureza histórica, situada no âmbito da História Cultural, que, para Chartier (1990, p. 17), tem como objeto principal “identificar como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”.

Na perspectiva da História Cultural, as representações são determinadas por interesses de um grupo que as “forjam”. Nessa perspectiva, a circulação do pensamento educacional e literário soviético no Brasil, entre 1945 e 1962, foi feita a partir das representações forjadas na imprensa brasileira e por intelectuais brasileiros, como Jorge Amado e Paschoal Lemme. Com respaldo nos escritos desses pensadores, é possível (re)significar a imagem criada e manifestada da educação e dos escritores russos, utilizando-se o jornal como fonte.

O uso dos conceitos de produção, representação e circulação em Chartier (1990) remete a compreensão de que existe uma interação entre os termos, pois, são produtores de cultura. Esse entendimento teórico facilita a proposta do presente trabalho, o qual analisa o momento de circulação e recepção do pensamento educacional e literário russo em nosso país, correspondendo aos modos de fazer e divulgar tais informações.

Nessa perspectiva, reconhecendo que o valor cultural não está apenas nas práticas, mas também nas representações feitas através dessas práticas, partindo das produções escritas e da sua circulação, este estudo foi desenvolvido por meio da historiografia e jornais impressos. Os jornais estão sendo lidos, sob o exercício interpretativo, fundamental para compreender e analisar a circulação do pensamento soviético no Brasil.

Desse modo, vale dizer que a imprensa enquanto fonte de pesquisa só foi explorada nas últimas décadas do século XX, com o surgimento de novas possibilidades teóricas e metodológicas no campo historiográfico, onde o próprio conceito de fonte foi ampliado. Até o século XVIII, de acordo com Barros (2019), a historiografia foi pautada em fontes caracterizadas como “fontes realistas”, fundamentado na ideia de veracidade. “Uma fonte de caráter realista é aquele que se apresenta aos seus leitores como portadora de um discurso verdadeiro sobre algo que efetivamente aconteceu.” (BARROS, 2009, p. 111)

O jornal impresso diário, fonte trabalhada neste artigo, é, para Vieira (2007, p. 15), “parte de uma estrutura midiática de enorme impacto e, cada vez mais, diversificada ação política e cultural”. No Brasil, o seu surgimento remonta ao início do século XIX e permaneceu como ramo principal da imprensa por muitos anos, mais precisamente até metade do século XX. Vieira ainda afirma, que o jornal assumiu uma importante função no processo de formação das representações sobre o mundo. Assim, os jornais são vistos como meio de transmissão não apenas de informações, mas de ideias e representações.

Complementando o entendimento sobre a opção pelos jornais enquanto fonte documental e representação, adere-se neste texto às palavras de Pasquini (2014) ao apontá-los como “um rico instrumento para a investigação em história da educação, principalmente porque fornece elementos que clarificam os debates realizados na esfera social”. (PASQUINI et al., 2014, p. 12).

A pesquisa documental, que utiliza os jornais como meio, contribui para a análise de um determinado momento histórico, dos fatos e discursos expressos e que constituem em fontes de informações. Pela leitura dos jornais antigos:

conseguimos nos aproximar de projeções coletivas sobre um tempo de então, sobre atores e espaços dados em relação de anterioridade - uma anterioridade presentificada no ato e pelo ato da pesquisa. Por meio da observação feita de uma crônica social, de um poema publicado num canto de página, de um artigo científico, de uma propaganda ou de um editorial, colhemos segmentos de cultura que ancoram dilemas e desejos humanos. (CAMPOS, 2012, p.65)

A aproximação com o passado “presentificado”, possibilitada pelo “rastro de velhos jornais”, auxilia na compreensão de uma dada realidade social, bem como os sentidos que os “homens do passado” deram em cada momento por meio da escrita. Para Campos, utilizar jornais antigos para a escrita da história da educação “significa compreendê-los, portanto, muito mais como fragmentos verossímeis da cultura de um tempo e de um espaço do que pensá-los como provas fidedignas do passado” (2012, p.66).

Sobre o uso da imprensa, vale ressaltar o entendimento de Bandeira, Melo e Andrade (1980) ao afirmarem que as notícias refletem as posições de classe e que:

Acontecimentos, manipulados no papel e transmitidos pelo telégrafo, valem mais, geralmente, que as opiniões, solenemente inseridas num editorial de quarta página. Mais facilmente enganam. Atrás da aparente objetividade escondem-se os fins da propaganda política. Fundem-se realidade e desejos. Confundem-se o fato e o boato. Difundem-se as informações, formadas ou deformadas ao sabor das conveniências, num contexto de permanente guerra psicológica. E, quanto mais entram em jogo os interesses vitais da burguesia, tanto mais desaparecem as fronteiras entre a ficção e a história. (BANDEIRA, MELO E ANDRADE, 1980, p. 73)

Sob esta ótica, neste artigo reiteramos que os jornais, como fonte de pesquisa, são usados também como base de sentidos e representação do modelo cultural e literário soviético, entre 1945 e 1962 no Brasil, por Jorge Amado e Paschoal Lemme.

Jorge Amado e Paschoal Lemme em defesa da educação e literatura soviética - a imprensa como lugar de divulgação

As notícias sobre os acontecimentos políticos, sociais e econômicos da Rússia, que no início do século XX ainda vivia sua fase imperial, estando no poder a dinastia Romanov4 sempre estiveram presentes na imprensa brasileira. Entretanto, o interesse se intensifica após o advento da Revolução de 19175. Os assuntos circularam em diferentes veículos de informação, como revistas e jornais, que tentavam esclarecer para o público brasileiro os acontecimentos pós-revolucionário na Rússia.

De acordo com Bandeira, Melo e Andrade (1980), no Rio de Janeiro as pessoas lotavam os cinemas para assistirem à exibição de um documentário realizado pela Cruz Vermelha Internacional sobre Kerenski6 e sua atuação política após a queda do Czar, um tema que foi bastante discutido naquele momento.

Cientes do papel desempenhado pela imprensa, assim como sua vinculação com grupos que possuíam específicos interesses políticos, sociais e, também, educacionais, pesquisou-se nas páginas dos jornais ligados ao movimento dos trabalhadores - maiores interessados pelos acontecimentos socialistas no período - que estampavam reportagens em defesa do modelo educacional e literário decorrente da Revolução de 1917.

Foi nos jornais proletários que as notícias dos revolucionários russos ganharam destaque e maior projeção. Neles, desfilaram reportagens e informações sobre os principais escritores, poetas, políticos e professores que assumiram o ideário socialista. Adotando-se como ponto de partida, o princípio exposto por Pasquini, Guedes e Chaguri (2013, p. 13) em que relaciona a educação e a imprensa como sendo:

Dois elementos aparentemente desvinculados, mas que se revelam como unidades estruturais que possibilitam a análise de diferentes grupos representantes de determinadas forças de poder, sejam elas expressas nas questões políticas, religiosas ou educacionais.

O uso dos jornais, como meio para propagar as realizações da então União Soviética na área educacional e literária, foi pensada pelo alcance que esse meio de comunicação teve na primeira metade do século XX. Foi grande a influência que o jornal exerceu na formação da opinião pública de parte relevante da população. Discorrendo sobre o uso da imprensa, afirmou Vieira (2007, p. 19):

as questões que se impõe não estão associadas às ideias do verdadeiro e do falso, da imprensa dizer ou não a verdade, mas sim no entendimento dos motivos que a levaram a defender determinadas teses, bem como no desvelamento das estratégias discursivas mobilizadas para sustentá-las e, assim, persuadir o seu público leitor.

Desse modo, e, considerando a posição de Vieira, a seguir serão destacadas publicações de Jorge Amado e Paschoal Lemme, respectivamente, em defesa da literatura e da educação soviética. São artigos que alcançaram notoriedade, sobretudo nos setores trabalhistas, e representaram anseios dos que admiravam os acontecimentos revolucionários. Esses autores, utilizavam os jornais como meio de divulgar as conquistas educacionais e literárias do país, em periódicos como A Imprensa Popular, Diário de Notícias e O Jornal e Diário da Noite .

De acordo com Ribeiro (2011), o jornal Imprensa Popular (1951-1958), do Rio de Janeiro, foi criado em meio a uma fase de extrema radicalidade do Partido Comunista Brasileiro, pois em maio de 1947 o registro do Partido foi cassado pelo Supremo Tribunal Eleitoral, ficando na ilegalidade. Nesta condição, esse partido pôde manter seus jornais e publicações, passando por frequentes manifestações de repressão policial e fechamentos temporários. Esse jornal foi criado como uma forma de difundir as ideias do Partido, bem como os acontecimentos no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo. Ribeiro ainda ressalta que a imprensa do Partido

contribui para que os trabalhadores de diversos setores da economia brasileira levassem ao conhecimento de amplas parcelas da sociedade os seus problemas, as violências de que eram vítimas, as suas reivindicações etc., fazendo com que suas lutas ganhassem legitimidade e algum tipo de reconhecimento no cenário político do país (RIBEIRO, 2011, p. 8).

O jornal Diário de Notícias surgiu em 1930 no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Fundado por Orlando Ribeiro Dantas, tendo perdurado até 1974. Manifestando-se como porta voz revolucionário, opunha-se a oligarquia republicana defendendo transformações sociais. Passou por diferentes fases, tais como o apoio a candidatura - derrotada - de Vargas a presidência em 1930, também defendeu os princípios da aliança liberal de anistia, voto secreto e reestruturação da justiça, sob a bandeira revolucionária. Nessa perspectiva, combateu a monocultura de café - à qual atribuía as dificuldades econômicas do país de então. Esteve também preocupado com as questões trabalhistas, defendendo a necessidade de legislação para a melhoria da situação dos operários, em relação a salário-mínimo, jornada de trabalho, entre outros. Devido a sua posição, Dantas foi chamado para prestar esclarecimentos à polícia quando da explosão da revolução de 1930. Apoiou, mas também se opôs, a Vargas no governo provisório. Como opositor, foi rígido contra os setores do governo que não eram favoráveis a composição de uma assembleia nacional constituinte. Apoiou a Revolução Constitucionalista, que, para o jornal, representava os anseios essenciais do povo brasileiro. Por isso, foi censurado pelo governo.

Com a Constituição de 1937 e a instalação da Ditadura Vargas, conteve-se em apenas divulgar as ações do governo, porém sua trajetória combativa rendeu a prisão de seu criador. Nesse período, o jornal passou por dificuldades financeiras, contudo, manteve-se moderado também depois de finda ditadura de Vargas. Manifestou ferrenha oposição a candidatura Vargas mesmo depois de sua posse em 1951. Após os anos de 1950 passa a enfrentar dificuldades financeiras, porém sua posição combativa se manteve depois da morte de Vargas e chegada de Juscelino Kubitschek à presidência da República. Apoiou Jânio Quadros, e, posteriormente à sua renúncia, João Goulart, quando viu caminho aberto para concretizar seus ideais de revolucionar o país. Apoiou o golpe de 1964, mas depois se opôs ele.7

O Jornal, lançado em 17 de junho de 1919 no Rio de Janeiro (RJ), diário matutino de grande circulação esteve vinculado à política. De início teve como diretor Renato de Toledo Lopes, editor da versão vespertina do Jornal do Commercio carioca. Por conflitos com a direção geral do Jornal do Commercio, demitiu-se e fundou a folha. Depois de cinco de publicações, O Jornal foi comprado por Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello. Sob o comando desse jornalista, a folha se tornou o primeiro órgão da cadeia dos Diários Associados, e, sob essa direção, obteve importância na história da imprensa brasileira, até sua extinção, em 19748.

Sob a iniciativa de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, foi criado o Diário da Noite, o primeiro jornal paulista constitutivo da rede nacional de Diários Associados, no dia 2 de junho de 19259.

Jorge Amado e a literatura soviética

Jorge Amado10 foi um dos escritores que utilizou o jornal como meio de divulgação da educação e da literatura soviética. Ele participou do II Congresso dos Escritores Soviéticos, realizado em Moscou no ano de 1954. Evento que teve por objetivo divulgar a literatura russa, expandindo a sua influência para os escritores progressistas de diferentes países, incluindo o Brasil.

Após participar do evento, o literato baiano tornou pública as suas impressões e análises em uma série de reportagens, veiculadas no jornal Imprensa Popular, sediado no Rio de Janeiro e que tinha ligações com o Partido Comunista.

A primeira reportagem, de 27 de fevereiro de 1955, trazia o título: “Uma literatura a serviço da paz e do futuro do homem”, nela o autor faz menção ao evento e defende a influência e importância da literatura soviética na formação de escritores de diversos países, entre eles o Brasil.

Outra reportagem do jornal Imprensa Popular, de 13 de março de 1955, dava continuidade aos assuntos do II Congresso de Escritores Soviéticos, referindo-se Jorge Amado à Revolução de Outubro como um acontecimento que transformou a face do mundo, influenciando não apenas a vida política e econômica como também o desenvolvimento da literatura, da arte e da cultura em geral. A literatura, de acordo com o autor, passou das mãos dos intelectuais burgueses para as mãos dos proletários, dos trabalhadores, tornando-se instrumento de transformação.

Amado citava a realidade educacional do Brasil, assim como a intenção de alguns políticos de seguirem os mesmos passos da educação soviética para liquidar o analfabetismo em nosso país, aproveitando para fazer menção à discussão política sobre a educação brasileira reinante na década de 1950, comparando-a com as conquistas russas (AMADO, 1955b, p. 12):

Recordo uma discussão, certa vez, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara de Deputados, durante o tempo em que ali tive assento. Um deputado do Paraná, no fogo dos primeiros meses de Parlamento, apresentou um projeto de lei para rápida e total alfabetização do nosso povo. E na exposição de motivos êle pergunta agoniado: “Se a Rússia Soviética pôde liquidar em poucos anos o analfabetismo tão total do povo russo, porque não o poderemos fazer nós mesmo?”.

Diante do questionamento de um Deputado paranaense11 às suas reportagens, Jorge Amado, em resposta, citou os principais motivos pelos quais a Rússia havia inovado e estava atingindo êxito na área da educação, destacando que isso só foi possível pela conquista do “poder do povo” a “serviço do povo”.

A conquista do poder pelo povo, demostrou que no projeto pós-revolucionário havia ênfase no desenvolvimento, assim como a preocupação de estender às massas populares o acesso à Cultura. Jorge Amado, afirma que:

Não se liquida o analfabetismo em nosso país, nos países da América Latina, nos países coloniais e dependentes em geral, porque os governos desses países são os maiores interessados na existência e na preservação do analfabetismo. Massas esclarecidas e cultas significam massas contra esses governos obscurantistas, antiprogressistas, de vende-pátrias (1955b, p. 12).

Jorge Amado aproveita a reportagem mencionada, para lançar crítica ao governo e à realidade brasileira, destacando que o analfabetismo era um dos principais motivos que impediam o progresso do nosso país naquele período. A Rússia, ao contrário, obteve sucesso porque facilitou o acesso à cultura às massas populares, resultando em grandes feitos na educação e na literatura - “a literatura soviética se tornou, rapidamente, a mais importante do nosso tempo”. (AMADO, 1955b, p. 12)

Jorge Amado criticou também a limitação da divulgação da literatura russa naquele período. Em suas palavras:

Várias circunstâncias, sobretudo a constante posição obscurantista dos governos brasileiros nesses últimos anos - basta recordar o período do Estado Novo -, fizeram com que fosse sempre pequena e limitada a divulgação da literatura soviética no Brasil e grande o seu desconhecimento não só por parte do público ledor como também dos intelectuais (AMADO, 1955c, p. 14).

Para o autor, a limitação dos assuntos educacionais, políticos e literários fez com que muitos intelectuais russos deixassem de ser conhecidos e divulgados aqui no Brasil - o que demonstrava um intento de ignorá-los ou escondê-los - sendo que os poucos que ganharam notoriedade em nosso país foram taxados de subversivos ou de divulgadores de teorias atentatórias aos valores nacionais. Essa realidade somente foi alterada na segunda metade do século XX, quando houve uma maior divulgação da literatura soviética no Brasil.

Para Jorge Amado, a não divulgação das obras e ideias desses intelectuais foi um erro cometido pela imprensa brasileira diante da grandeza expressa por esta literatura. Pode-se constatar a sua indignação a esse fato quando Amado ressalta o trabalho de “calúnia do inimigo” e a má vontade reacionária:

Quando se constata o desconhecimento ainda tão grande da literatura soviética e os erros cometidos em relação a ela na imprensa brasileira, nos suplementos e jornais e revistas literárias, quando se constata o desconhecimento existente entre os intelectuais a respeito da importância e da grandeza da literatura soviética, deve-se levar em conta não só o trabalho de calúnia do inimigo, a posição de classe de certos intelectuais, a má-vontade reacionária, mas também o pouco que se tem divulgado no Brasil essa grande literatura (AMADO, 1955c, p. 14).

Dentre os escritores considerados mestres da literatura soviética, cita Máximo Gorki, Tolstoi, Makarenko12 e demais autores não traduzidos para o português. Sobre isso, Amado questiona,

Como ousam êsses literatos falar em cultura e dizer que não existe uma literatura soviética? O que não existe é honestidade por parte de certos literatos e também um sensível atraso na necessária e indispensável divulgação em nossa língua da grande literatura soviética (AMADO, 1955c, p.14).

Para o escritor baiano, o que preocupava não eram os literatos que negavam a literatura soviética, mas os homens “honestos enganados pelos desonestos”, os ignorantes. Contra isso, Jorge Amado sugeria lutar pela divulgação dessas obras para maior esclarecimento dos intelectuais, propiciando maior democratização dessas ideias, defendendo ainda a utilização dos livros soviéticos no processo da formação das massas populares no Brasil.

Anton Makarenko13, o “mestre do humanismo” e o “construtor de homens”, também foi agraciado em suas publicações, revelando aos leitores brasileiros que as suas obras foram publicadas, no Brasil, entre os anos de 1934 e 1939:

Nesses vinte anos foi publicada a maior parte da obra de outro clássico da literatura soviética e também da Pedagogia soviética: Makarenko. O Poema pedagógico, O livro dos pais, As bandeiras sobre as torres aparecem entre 1934 e 1939. Quando a morte nos roubou esse mestre do humanismo e de sua aplicação prática, esse reeducador de crianças, esse construtor de homens, essa grande figura da época staliniana (AMADO, 1955c, p. 14).

Um fato a destacar e que reforça o envolvimento de Jorge Amado, e o proselitismo por este desenvolvido, foi o relato de suas visitas à União Soviética. Segundo o autor, entre os anos de 1948 e 1954 ele esteve seis vezes no país, “e algumas dessas visitas duraram longo tempo”. Essas visitas possibilitaram o contato direto com a cultura e a educação do país.

Conheço esse povo de haver vivido com ele, de haver ao seu lado lutado pela paz e de haver aprendido com ele a ser melhor do que era antes. Amo cada partícula desse país e amo ai seu povo com todas as fibras do meu coração, carrego comigo, por onde vou, a esse povo e a esse país. (AMADO, 1955a, p. 11)

Sua experiência em terras socialistas permitiu presenciar o surgimento de escritores da classe proletária e do campesinato. Novos escritores que, para o autor baiano, por muito tempo foram obrigados a abafar suas vocações, mas que ganharam espaço e passaram a influenciar gerações. A partir daí, Amado (1955c, p. 14) afirma que:

Sim, a literatura soviética tem exercido cotidiana e benéfica influência sobre os escritores de todo o mundo. Tem sido o grande exemplo de uma literatura a serviço do proletariado, de suas ideias, de uma literatura em luta contra o imperialismo e a guerra, contra a opressão dos povos e a exploração do homem pelo homem. Literatura generosa, de conteúdo nobre e belo, não poderia senão influenciar milhões de leitores, e os escritores mais avançados do nosso tempo.

Como já dito, o interesse dos soviéticos com a realização do seu II Congresso dos Escritores foi reunir escritores progressistas que atuavam em diversos países, entre eles o Brasil. A atuação literária e jornalística de Jorge Amado pode ser entendida como um elo entre a literatura nacional e a da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Como resultado do evento, ocorreu a criação de uma revista, a Literatura Internacional - periódico de divulgação da literatura estrangeira de tendência socialista - no intuito de ampliar e intensificar os laços literários nos diversos países, além de estimular um movimento internacional pela paz literária independentemente das convicções políticas ou religiosas dos autores envolvidos.

Jorge Amado, logo após o seu retorno ao Brasil, fez um apelo aos escritores brasileiros, conforme orientação da direção da União dos Escritores Soviéticos, em que rogava para que escrevessem para a nova revista, enviando contos, poemas, poesias, escritos críticos, não importando o gênero literário adotado. O objetivo era divulgar a nova revista e promover a sua inserção no meio intelectual.

Nas comunicações, o autor ressaltava que a Literatura Internacional não era exclusiva dos autores comunistas, mas que era destinada aos “bons escritores”, aqueles que são da paz e que traduzem em sua literatura suas características nacionais, os valores e anseios de sua pátria.

Como relata Jorge Amado, um dos primeiros números da revista publicaria uma seleção de contos brasileiros, figurando entre os autores selecionados Monteiro Lobato; Marques Rebelo; Mário de Andrade; Afonso Schmidt; Orígenes Lessa; Graciliano Ramos; Peregrino Júnior; Dias da Costa, dentre outros, o que confirmou a posição eclética do periódico e sua nova proposta estética e política.

Dos escritores soviéticos lidos e divulgados por Jorge Amado, destaca-se Máximo Gorki, que ganhou notoriedade no Brasil, tendo grande parte de sua obra traduzida para o português. A atuação de Gorki perpassou o campo literário, sendo o autor russo defensor da instrução pública.

Para Mariátegui (2012), Gorki não foi somente um narrador da Rússia, mas um dos seus principais protagonistas, participando do debate público, dos seus críticos, cronistas e atores, que não fez a Revolução, mas viveu-a:

Máximo Gorki é o romancista dos vagabundos, dos párias, dos miseráveis. É o romancista das sarjetas, da má vida e da fome. A obra de Gorki é peculiar, espontânea, representativa deste século de multidões, do Quarto Estado e da revolução social. Muitos artistas contemporâneos extraem seus temas e seus personagens das camadas plebeias, inferiores. A alma e as paixões burguesas já foram demasiadamente exploradas e, portanto, são um tanto antiquadas. Já no caso do proletariado, ao contrário, existem novos matizes e linhas insólitas (MARIÁTEGUI, 2012, p. 121).

Gorki, antes de se tornar escritor, exerceu diversas atividades e ofícios, todavia, foi a leitura a sua paixão maior, o que o levou a tornar-se um dos escritores mais importantes e destacados da União Soviética, sendo reconhecido mundialmente pelo valor de sua obra.

No Brasil, uma das obras de Gorki - Ralé - foi encenada na década de 1950 no Teatro Brasileiro de Comédia14 em São Paulo e tratava da exploração cotidiana sofrida por indivíduos pobres e marginalizados, que conviviam em uma habitação coletiva, por seu senhorio, alcançando a peça uma crítica favorável e grande interesse do público paulista por trazer ao palco temas sociais.

Conforme o jornal Diário da Noite a reportagem intitulada Maximo Gorki na TV, repercutiu em todo o estado a transmissão direta da peça pela PRF3-TV. “O sucesso da temporada teatral em nossa Capital, foi assim, proporcionado a milhares de pessoas, transformando-se a televisão nesse particular, num magnífico veículo de difusão do teatro". A reportagem exalta a associação da TV e do teatro na exibição da peça. (DIÁRIO DA NOITE, 1951, p. 8)

Paschoal Lemme e a educação escolar

No campo educacional, Paschoal Lemme15 foi um dos defensores da educação soviética como modelo a ser seguido no Brasil. Em seus artigos jornalísticos e obras acadêmicas, o educador fez importante defesa do êxito alcançado pelo país. Destacava que apesar da Rússia possuir grandes diferenças linguísticas e culturais com o Brasil, poderia servir como uma importante referência e uma nova matriz teórica para os estudos no campo da educação.

Em seu livro, intitulado A educação na URSS - 1953, o autor retratou sua experiência e as informações obtidas em sua viagem à União Soviética, ocorrida no ano de 1953, após participar da “Conferência Mundial de Educadores”, em Viena - Áustria, em abril do mesmo ano. Pascoal Lemme e demais educadores participantes foram convidados para visitarem a União Soviética, o que lhe propiciou conhecer o sistema escolar do país.

No livro, expôs sua admiração pela história do país do leste europeu, que apresentava exitosas realizações em matéria de educação e cultura, ofertando exemplos que precisavam ser conhecidos mundialmente. Defendia, enfaticamente, que a relação entre Brasil e União Soviética traria benefícios ao modelo educacional e cultural brasileiro.

Para Lemme (1956), a União Soviética realizou grandes feitos em matéria de ciência, cultura, arte, técnica e educação. O Brasil, na década de 1950, apresentava imensos problemas educacionais:

em matéria de educação e ensino, não pode mais ignorar as experiências e realizações dos educadores e pesquisadores soviéticos. É necessário, pois, que sejam estabelecidas, com maior brevidade possível, as relações entre os dois países, pois o povo brasileiro não deve por mais tempo ser privado dos benefícios que essas relações lhe podem proporcionar, quer do ponto de vista econômico, quer do ponto de vista cultural. (LEMME, 1956, p. 14)

O autor evidenciava a organização do ensino soviético, tendo visitado vários estabelecimentos educativos, desde os destinados ao jardim de infância até os de ensino superior. Em seu relato, explicitava que as escolas eram organizadas por meio de um sistema único, não havendo diferença na educação de um ou outro aluno; todos recebiam a mesma formação - tanto era assim que não existiam escolas particulares. Segundo o autor, a educação era feita no coletivo e para o coletivo, igual para ambos os sexos.

Quanto ao ensino profissional, segundo Lemme, era baseado essencialmente no trabalho, na técnica e na ciência. Esse ensino estava dividido em três tipos de estabelecimentos: as escolas profissionais, que preparavam mão de obra qualificada em pouco tempo; os tecnicuns, espaços para formação com nível profissional mais elevado, o que os soviéticos denominavam de engenheiros práticos; por fim, os institutos, que ministravam o ensino técnico de nível superior. A partir do contato direto com a educação soviética, Lemme (1956), concluiu que:

No ensino da União Soviética, existe um nexo indissolúvel entre a teoria e a prática e entre a escola e o povo. Com efeito, não existe um único estabelecimento escolar que não esteja dotado, dentro de sua respectiva especialidade, de oficinas, laboratórios, gabinetes, material diverso, que permitem ao educador e aos alunos a aplicação prática dos conhecimentos teóricos adquiridos. Por outro lado, esse sentido prático entende-se somente em função da produção de paz, em que a classe operária e todo o povo estão decididamente empenhados. (LEMME, 1956, p. 258)

Paschoal Lemme, enquanto professor e defensor da escola pública, expressou o seu encantamento com o modelo de educação soviético e apontou os caminhos que deveriam ser seguidos, dentre eles o incentivo ao estudo, à pesquisa e participações em diversos assuntos ligados ao ensino e à cultura.

Em O Jornal, de 1945, Lemme publicou um artigo com o título: Educação de Adultos, em que menciona as dificuldades de acesso à educação primária e secundária no Brasil. Dificuldades que exigiam obras urgentes para atender aos adultos que não puderam frequentar escolas na idade adequada.

O autor utiliza como referência no investimento da educação de adultos, a experiência soviética, afirmando que, após o reatamento das relações diplomáticas com o país seria possível conhecer os “gigantes” aspectos da educação e reeducação de adultos que a revolução empreendeu e “cujos resultados espantaram o mundo com as vitórias esmagadoras sobre a Alemanha nazista, tão orgulhosa de seu alto nível cultural e técnico” (LEMME, 1945).

No ano de 1962 no jornal Diário de Notícias do dia 23 de dezembro de 1962, com o título "A Escola Regional de Meriti: uma experiência brasileira de educação", Lemme destaca a experiência de uma escola criada nos moldes da Pedagogia socialista na cidade de Caxias, Rio de Janeiro, instituída em 13 de fevereiro de 1921 por Armanda Álvaro Alberto16.

A escola surgiu com o intuito de atender crianças e adolescentes pobres da região, caracterizando-se por ser um lar-escola. Como modelo de externato, ela abrigava um número limitado de alunos, não existindo notas, prêmios ou castigos. Porém, os alunos tinham educação integral e iniciação ao trabalho.

Sobre as “feições próprias”17 da Escola Regional de Meriti, Armanda Álvaro Alberto, sua idealizadora, deixou registrado que:

Não tendo sob os olhos nenhum modelo a seguir, foi inaugurada em 13 de fevereiro de 1921, sem um só programa escrito; tomou desde o começo, no entanto, a feição de um lar-escola, embora externato, com número limitado de alunos, a quem não se dão notas, prêmios ou castigos. A orientação geral apresentava-se resumida em quatro cartazes com os dizeres: Saúde, Alegria, Trabalho e solidariedade. Juntamente coma Escola, considerada anexo indispensável, inaugurava-se a Biblioteca Euclides da Cunha, repartida em três seções: para alunos, professores e moradores de Meriti. Um museu escolar foi-se logo organizando, em parte com as contribuições trazidas pelos próprios alunos, da natureza local. Muito naturalmente, as funções domésticas, mais as de auxiliar da biblioteca e do museu, e outras que a vida do estabelecimento ia exigindo, foram sendo exercidas pelas crianças. Nunca tivemos um servente ou outro empregado para tais misteres. (ALBERTO, 2016, p. 47)

Essa iniciativa sofreu repressão e resultou na prisão da fundadora por suspeita de ligação com o comunismo. Utilizando esse exemplo, Paschoal Lemme compara o esforço educativo desenvolvido por Armanda Alberto - em Meriti no Rio de Janeiro - com o do escritor russo Anton Makarenko, pois possuíam as mesmas aspirações pedagógicas, defendendo ainda que um dos principais livros de Makarenko, Poema Pedagógico, poderia ser considerada uma das mais notáveis obras da Pedagogia e da literatura contemporâneas.

O livro Poema pedagógico, citado por Lemme e por Jorge Amado, foi enaltecido como uma das referências em educação, no ano de 1954, no jornal Imprensa Popular. A reportagem foi feita em resposta às críticas proferidas pelo jurista Nélson Hungria, então Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), à União Soviética, por ocasião do seu discurso como paraninfo de uma turma de bacharéis da Faculdade de Direito de Goiás. Conforme o jornal, o Ministro afirmou que na União Soviética operara-se a “supressão da vocação humana”.

Em resposta, o jornal criticava e destacava os equívocos da afirmação de Nelson Hungria, publicando matéria com o sugestivo título: “Os enganos do Sr. Hungria”, na qual replicava que a supressão da vocação humana ocorria no Brasil e em países em que a infância e a juventude estavam em situação de abandono, com elevados índices de analfabetismo, por falta de escolas e de políticas voltadas para sua erradicação.

O ministro deveria saber, e ao tratar do caso ter a honradez de confessá-lo, que em poucos outros países a infância e a juventude se encontram em situação de abandono igual à do Brasil. Os reformatórios são antros de criminalidade. Isto reconhecem os próprios juízes e de poucos dias era um veemente despacho nesse sentido do juiz Stampa Berg. Quanto à falta de escolas e ao índice de analfabetismo, todos o sabem, são clamorosos. (IMPRENSA POPULAR, 1954, p. 3).

Segundo o jornal, a realidade brasileira não poderia ser comparada à União Soviética, pois lá não havia analfabetismo e o ensino era o mais “florescente do mundo” - diferentemente do Brasil, onde, nesse período, com uma população de 54 milhões de habitantes mais da metade era analfabeta. Por fim, foi sugerido ao Ministro a leitura do livro Poema Pedagógico, de Anton Makarenko, para que ele pudesse ter maior conhecimento sobre o trabalho pedagógico desenvolvido na União Soviética:

Mas se o ministro quer se informar sobre a extraordinária obra pedagógica realizada na URSS, não precisa ir longe. Aconselhamos-lhe um livro traduzido para o espanhol. Que o ministro leia, sem paixão reacionária, o Poema pedagógico de Makarenko. Poderá, assim, inteirar-se das inverdades que divulga (IMPRENSA POPULAR, 1954, p. 3).

Nesse pronunciamento, nota-se a defesa do jornal pelo ensino praticado na União Soviética como referência em educação, modelo a ser seguido e estudado. O pedagogo Anton Makarenko foi sugerido como extraordinário educador por meio da sua principal obra, Poema Pedagógico, traduzida nesse período apenas para o espanhol.

Considerações finais

O jornal impresso, enquanto meio de comunicação, de circulação de ideias e de representações, foi uma importante ferramenta tanto na recepção quanto na divulgação do pensamento educacional e literário russo no Brasil entre 1945 e 1962.

No campo literário, Jorge Amado pode ser considerado o elo entre os escritores soviéticos e os brasileiros. Sua participação no II Congresso dos Escritores Soviéticos, realizado em Moscou no ano de 1954, bem como o apelo para que os escritores brasileiros escrevessem para a revista Literatura Internacional, representa o interesse em manter um diálogo literário entre os dois países. Nas reportagens apresentadas, o escritor enfatizou diferentes nomes da literatura soviética, porém, três nomes ganharam destaque e foram considerados como os grandes mestres: Máximo Górki, Liev Tolstoi e Anton Makarenko.

Já no campo educacional, Paschoal Lemme foi um dos defensores e entusiastas do modelo soviético. Sua visita ao país, no ano de 1953, resultou no livro dedicado à compreensão do seu sistema educacional, desde o ensino infantil ao superior, intitulado: A Educação na U.R.S.S. - 1953. Na obra, o autor relata aspectos considerados relevantes da formação educacional e cultural do país. Lemme, enquanto professor e defensor da democratização da educação brasileira, encontrou na experiência soviética uma referência a ser seguida pelo Brasil no enfrentamento dos altos índices de analfabetismo que assolavam o país. A experiência russa, considerada exitosa pelo autor, faria com que o nosso país atingisse avanços em matéria de educação e cultura.

No entendimento da História Cultural as representações (Chartier, 1990) são determinadas por interesses de indivíduos ou grupos. Nessa perspectiva, podemos concluir que a circulação do pensamento educacional e literário soviético no Brasil, entre 1945 e 1962, foram feitas a partir das representações criadas na imprensa brasileira e por intelectuais como Jorge Amado e Paschoal Lemme que almejaram por mudanças similares as ocorridas na União Soviética para a realidade nacional. Os autores deram ênfase a esse pensamento literário e educacional, utilizando as páginas dos jornais para propagar um modelo de educação e de literatura que percebiam como seguro e plausível para que o Brasil atingisse avanços significativos, garantindo conquistas expressivas nos campos educacional e cultural.

Referências

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1Revolta ocorrida no estado de São Paulo contra o governo provisório de Getúlio Vargas, exigindo a constitucionalização do Brasil e decorrência da insatisfação das elites paulistas com o rumo político então adotado.

2Para Vieira (2007, p. 22), “Os intelectuais se envolveram com as paixões da cidade e, assim, defenderam a centralidade da questão educativa no projeto da modernidade brasileira. Nesse cenário, que envolvia sentimentos de missão e engajamento político dos intelectuais, o magistério e o jornalismo tornam-se meios de intervenção pública importantes.”

3A pesquisa foi realizada com base no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

4A dinastia Romanov foi a última família imperial russa, tendo o Czar Nicolau II e toda sua família sido executada em 1918 no bojo da Guerra Civil Russa desencadeada pela Revolução de 1917.

5Nesse sentido ver: BANDEIRA, Moniz; MELO, Clóvis. O ano vermelho: a revolução russa e seus reflexos no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1980 e WAAK, W. Camaradas nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de 1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

6Deputado do Governo Provisório Russo entre 21 de julho a 8 de novembro de 1917.

7Melhor detalhamento sobre importantes aspectos da trajetória desse controverso jornal podem ser lidas em Ferreira, Marieta de Morais. Verbete: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/diario-de-noticias-rio-de-janeiro. Acesso em junho 25 de junho de 2022.

8Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/artigos/o-jornal/. Acesso em 12 de fev. 2020.

9Disponível em: http://200.144.6.120/exposicao_diariosassociados/historico.php. Acesso em 21 de jun. 2020.

10Jorge Amado, entre as décadas de 1930 a 1950, foi membro do Partido Comunista e elo entre escritores russos e brasileiros.

11O nome não foi identificado no texto.

12Muitos intelectuais são referidos por Jorge Amado, como Fladeev, Gladkov, Serafimovich, Cholokov, Simonov, Erenburg, Wanda Wassilewska, Fedin, Ivanov, Grosmann, Ilf e Petrov, Lavrenev etc. Esses são alguns dos vários escritores e suas respectivas obras citados pelo autor; porém, como apenas Gorki, Tolstoi e Makarenko são postos neste trabalho, resolvemos limitar a referência a eles.

13Anton Semionovich Makarenko (1988-1939) foi um pedagogo ucraniano que dirigiu uma colônia para menores infratores e crianças abandonadas após Revolução Socialista Russa de 1917. Tornou-se conhecido por aliar educação, trabalho e coletividade no espaço escolar. A colônia recebeu o nome de um dos maiores escritores do seu tempo, Máximo Gorki. Entre suas obras está Poema Pedagógico.

14Sobre a peça Ralé, de Máximo Górki, consultar: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento397619/rale. Acesso em 16 de ago. 2020.

15Paschoal Lemme (1904-1997) lutou em defesa da escola pública e da democratização da educação; foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova; foi Técnico de Educação do Ministério de Educação e Cultura; e professor do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.

16Armanda Álvaro Alberto foi uma educadora e uma das fundadoras da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, tendo também sido uma das 03 mulheres - as outras foram Cecília Meirelles e Noemi Rudolfer - que assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação de 1932. Ficou bastante conhecida no meio educacional e intelectual brasileiro por sua experiência à frente da Escola Regional de Meriti, fundada em 13 de fevereiro de 1921.

17Expressão utilizada pela educadora Armanda Alberto para caracterizar a proposta pedagógica desenvolvida por sua instituição como um “lar-escola”.

Recebido: 27 de Maio de 2022; Aceito: 29 de Agosto de 2022

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