Introdução
O papel da escola na formação político-cultural do estado nacional brasileiro é um tema que se discute desde o século XIX. Apesar dos limites impostos pela sociedade oitocentista sustentada na escravidão, a influência do pensamento iluminista impulsionou a busca pelos métodos mais adequados à popularização da instrução primária e elementar; alternativas que foram das escolas de primeiras letras em meados de século, até as escolas graduadas nas últimas décadas, já na transição para o período republicano. Quanto a estas últimas, sob a modalidade de grupos escolares, responderam pela primeira vez à tentativa de padronização arquitetônica, organizacional e curricular do ensino primário brasileiro. Sua materialização, porém, foi bastante variável, sujeitando-se aos processos históricos de expansão da escolarização que diferem em cada região do país (FARIA FILHO, 2000; SOUZA, 2013). Em relação ao ensino secundário, inúmeros obstáculos foram postos à sua regulação: a ausência de um lugar próprio, a predominância das instituições privadas, a liberdade quase absoluta de composição dos programas curriculares e a seriação flexível (PALMA FILHO, 2005).
Em meados do século XX, com a influência dos intelectuais pioneiros da “educação nova” ou “escola nova” e, sob os moldes das reformas de Francisco Campos (1931) e de Gustavo Capanema (1942), ensaiou-se um movimento no sentido de dar ao secundário um ordenamento pedagógico; o currículo seriado começou a se impor dividindo-se em dois ciclos ou etapas: o curso ginasial (que variou entre quatro e cinco anos iniciais) e o curso colegial (os dois ou três anos finais), o que aponta um crescimento do número de ginásios e colégios (DALLABRIDA, 2009). Nestas instituições estudavam aqueles que deveriam candidatar-se a uma vaga no ensino superior; mas ainda sob a influência dos educadores escolanovistas, que visaram principalmente a qualidade do ensino secundário, foram idealizados ginásios de aplicação vinculados às faculdades de filosofia da rede federal, de modo a proporcionar atividades de estágio supervisionado aos estudantes de licenciatura - futuros professores.
A criação desses ginásios, prevista nos Decretos-Leis de n° 9.053, de 12 de março de 1946, e n° 9.092, de 26 março do mesmo ano, materializou-se a partir do Colégio de Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, ‒ hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nas décadas seguintes verificar-se-ia uma tímida expansão dessas instituições escolares conforme surgiam as referidas faculdades - embriões das universidades federais - em outros estados1. Além disso, diante da precariedade do ensino público e com a vantagem social de se estudar em escolas secundárias tão avançadas do ponto de vista pedagógico, esses estabelecimentos tiveram que selecionar seus alunos, refinando seu público por meio de exames classificatórios.
Contudo, nem mesmo no interior das universidades federais seria possível garantir qualquer uniformidade desse nível de escolarização. Com a Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que manteve e até reforçou a divisão em cursos profissionalizantes e propedêuticos, unificados apenas na expressão ensino médio, determinou-se que:
A universidade pode instituir Colégios Universitários destinados a ministrar o ensino da 3ª (terceira) série do ciclo colegial. Do mesmo modo pode instituir Colégios Técnicos Universitários quando nela exista curso superior em que sejam desenvolvidos os mesmos estudos. Nos concursos de habilitação não se fará qualquer distinção entre esses colégios e os que provenham de outros estabelecimentos de ensino médio (BRASIL, 1961, p.60-61).
A figuração do Colégio Universitário2 trazida por este documento indicava o caminho para a implantação de cursos preparatórios regulares em instituições escolares criadas para tal fim, sendo que em 1968, na cidade de São Luís, a Fundação Universidade do Maranhão (FUM) implementou o seu próprio estabelecimento conforme previsão legal. Instituição de ensino médio com oferta do 3° ano colegial (3º ano do 2° grau a partir da Lei n° 5.692, de 11 de agosto de 1971), que se transforma em Colégio de Aplicação pelo seu regimento interno de 1972, ampliando-se, em 1974 para os três anos do 2° grau e em 1980 para os oito anos do 1° grau; enfim, este estabelecimento escolar exerce algum papel no processo de expansão da escolarização tão reclamada em solo maranhense por atores escolares e não escolares apresentados “[...] como sistemas próprios, abertos, orientados para a reciprocidade, ligados por interdependências dos mais diversos tipos e que formam entre si figurações específicas em virtude de suas interdependências” (ELIAS, 2001, p. 51).
Nesse sentido, nossa problemática baseia-se em inquirirmos em que medida o processo de criação e implementação do Colégio Universitário no campus da universidade, até sua transferência para a Vila Palmeira na periferia de São Luís a partir de 1980 (momento em que se inicia um novo ciclo na sua trajetória consolidando-se como Colégio de Aplicação) foi influenciado pelas relações de forças estabelecidas entre as estratégias de imposição instituídas pelo estado e/ou governo via dispositivos legais e as táticas de apropriação inventadas pelos professores, diretores, reitores e alunos? Assim, analisar e discutir dito processo de criação e implementação do Colégio Universitário da Fundação Universidade do Maranhão (1968-1980), sua trajetória como instituição diferenciada e os movimentos que intentaram conformá-lo enquanto Colégio de Aplicação, ao abordarmos as mudanças sociais na sociedade maranhense que interferiram nas estratégias político-educacionais que exigem indagar os processos de escolarização, as tentativas de modernização deste ensino a nível estadual e o papel ocupado pela Universidade Federal e pelo Colégio Universitário num equilíbrio de tensões entre imposições e práticas ressignificadas, para além da comparação com outros colégios de aplicação em diferentes estados com diferentes ditames, é o objetivo deste artigo. Destarte, o recorte temporal se faz necessário, uma vez que, dadas as circunstâncias históricas que o fizeram surgir e se estabelecer, este educandário produziu uma cultura escolar capaz de distinguir-se tanto dos ginásios e colégios de aplicação já consolidados em alguns pontos do território nacional, como também de outras instituições escolares no âmbito das universidades brasileiras, a exemplo do Colégio Universitário da Universidade Federal de Viçosa, àquela altura federalizado e com perfil identitário ou cultura escolar própria; espaços heterogêneos definidos por práticas diferenciadas, conforme as indicações do seguinte quadro:
ANO | INSTITUIÇÃO | SUSTENTAÇÃO LEGAL |
---|---|---|
1948 | Colégio de Aplicação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1949 | Colégio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1954 | Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1954 | Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1958 | Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1959 | Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1961 | Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Santa Catarina | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1965 | Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Juiz de Fora | Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de 1946 |
1965 | Colégio Universitário da Universidade Rural do Estado de Minas Gerais | Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 |
1968 | Colégio Universitário da Fundação Universidade do Maranhão | Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 |
Fonte: autores, 2023.
Como corpus empírico nos utilizamos dos dados garimpados em jornais impressos disponíveis no Arquivo Público do Estado, tendo como critério de seleção aqueles que se inseriam na temporalidade em foco, que registravam temáticas referentes ao Colégio Universitário e que apresentavam maiores períodos de circulação no intuito de identificarmos as representações, denúncias, conflitos e concessões registrados sobre a instituição, e de dados examinados nos documentos oficiais e no arquivo escolar para se compreender as táticas de apropriação inventadas pelos atores inseridos, segundo as imposições estabelecidas em lei pelo estado e/ou governo; informações que foram identificadas, cruzadas e analisadas à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da história cultural que auxiliam na compreensão de diferentes concepções, posicionamentos e práticas que demarcam a diferenciação via representações e diversas formas de fazer.
Panorama da educação maranhense
No Maranhão, o cenário educacional desenhado no período oitocentista adentrou a República com o ensino primário entregue ao descaso e o secundário restrito à cidade de São Luís, onde o Liceu Maranhense, ao lado de um crescente número de escolas privadas, desempenhava papel central na formação dos filhos da elite, preparando-os para o ensino superior que geralmente cursavam em outros estados mais desenvolvidos ou mesmo no estrangeiro. Situação que sofreu algumas alterações em decorrência das reivindicações republicanas que fizeram surgir: a escola modelo anexa à escola normal, com a finalidade de constituir-se campo para o tirocínio docente de estudantes normalistas, visando-se desenvolver o currículo e aplicar os métodos de ensino a serem difundidos nas escolas primárias, as quais ganharam forma organizada a partir da institucionalização dos grupos escolares; a implantação das primeiras faculdades de ensino superior na capital (Direito em 1918, Farmácia em 1920 e Odontologia em 1925); e os primeiros estabelecimentos de ensino secundário no interior do estado a partir de 1926 (CASTELLANOS, 2010).
As ideias escolanovistas que, nos anos 1920, influenciaram várias reformas estaduais até convergirem para a esfera federal no governo Vargas, com o Ministério da Educação e Saúde sob a gestão de Francisco Campos (1930-1932) e de Gustavo Capanema (1934-1945), também vinham ganhando terreno no Maranhão, ao provocarem algumas “[...] inovações pedagógicas [...] que iria[m] culminar com a reforma do ensino primário de 2 de março de 1932, [que modificaram e ampliaram] as ações da Escola Modelo e dos grupos escolares” (CASTELLANOS, 2010, p. 136). Entretanto, o ambiente político instável dos anos 1930, com a frequente troca de interventores3 federais no comando do executivo estadual até 1936, não favoreceu maiores avanços na expansão da escolarização em terras maranhenses. O mandato governamental de Paulo Ramos (1936-1945) que coincide com a ditadura varguista do Estado Novo (1937-1945), apesar de ter promovido uma reorganização administrativa de cunho centralizador responsável por alguma racionalização do serviço público, inclusive melhorando a organização do sistema de ensino, nem por isso foi suficiente para transformar a realidade educacional do estado.
Esta inércia tampouco foi superada durante o longo período da oligarquia vitorinista4 (1945-1965), mesmo havendo pequenas melhorias na década de 1950, como a expansão dos grupos escolares e a criação da Faculdade Católica de Filosofia, a qual foi pioneira na formação de professores em nível superior nesse estado, enfrentando por outro lado, sérias dificuldades para sustentar-se sem o apoio financeiro do poder público; razão pela qual esta instituição não pôde fazer muito para reverter a penúria em que se encontrava a educação maranhense. Sistema estadual de ensino por décadas arrastado entre o improviso das instalações físicas, a carência de recursos humanos, o despreparo pedagógico e a forma de organizar a educação escolar que avançava em ritmo lento, haja vista que estas instituições em número muito aquém da necessidade, eram bastante limitadas em sua capacidade de atendimento, principalmente pelo reduzido quadro docente (PINTO, 1982); profissionais carentes de qualificação e remuneração com dificuldades para dedicar-se ao ensino e o cenário de total abandono que chega aos anos de 1960 provocam o clamor público por providências.
A Diretoria de Instrução Publica deveria fiscalizar melhor os setores que estão sob a sua supervisão administrativa, especialmente a frequencia das professoras de nossas escolas primárias. Temos recebido denúncia de que algumas educadoras primárias vêm faltando muito, o que prejudica os alunos. A professora do segundo ano primário, do Grupo Escolar Barbosa de Godois, há um mês que não comparece a sala de aula, ficando os estudantes privados da sua assistência educacional. Isso já se tornou um abuso e esse abuso não pode nem deve continuar, porque sacrifica a instrução do aluno. Há professoras primárias que só vivem em regime de licença, ganhando facilmente os seus vencimentos mensais. A anarquia completa em que se acha o ensino público, no Estado, responde por essa ausência, quase diária, de certas professoras que lecionam em nossos educandários primários. Há pouco tempo, contaram-nos que uma professora que ensina na Casa da Previdência havia dito que não ia às aulas porque não necessitava de ensinar, tinha com que viver e podia deixar de trabalhar. Que pobre mentalidade! Existem educadoras que são afeiçoadas à causa do ensino primário. Ganham um salário de fome, que não compensa a energia mental dispendida na patriótica missão cotidiana de instruir os que anseiam para aprender e têm sede de conhecimentos. A culpa de tudo é o indiferentismo dos que dirigem o governo do Estado, que fazem vista grossa sobre a instrução pública, nesta terra, pagando um vencimento irrisório às professoras de nossas escolas primárias (JORNAL PEQUENO, 1960a, p.2).
Apesar das críticas estarem direcionadas para as professoras, das quais cobra-se a devida “assistência educacional” e mais engajamento na “patriótica missão cotidiana de instruir”, mesmo recebendo “um salário de fome”, conclui-se que “a culpa de tudo” é do governo e de seu “indiferentismo”. Percebe-se nesse sentido, que a falta de investimento em educação, que neste caso envolve principalmente a despreocupação do estado quanto à formação e profissionalização docente estava gerando inquietações cujos efeitos sobre a situação política não podem ser desprezados.
Nesse contexto, era forte o descontentamento popular em relação à estrutura de poder vigente no estado que de certa forma representava uma continuidade do pacto coronelista. As reivindicações em favor da modernização do sistema político eram particularmente manifestas entre os jovens estudantes secundaristas e das faculdades de São Luís. Grupo seleto formado pelo Liceu e a Escola Normal (estaduais), o Colégio Luís Viana (municipal), a Escola técnica e o Colégio Agrícola (federais) e, mesmo as escolas particulares, denominados de escolas de ensino médio pela Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que só podiam atender uma pequena parcela da população em idade escolar correspondente a esse nível; além das poucas faculdades existentes que na sua maioria foram reunidas sob a denominação de Universidade Católica a partir de 1959. Estudantes que encontraram na imprensa jornalística o espaço privilegiado para a difusão de suas ideias, criando importantes lugares de atuação nestes dispositivos culturais; táticas de apropriação em uso que apontam resistências organizadas em contraposição ao poder que se institui via estratégias de imposição, “[...] verdadeira prestidigitação, que se introduz por surpresa numa ordem. A arte de ‘dar um golpe’ é o senso da ocasião” (CERTEAU, 2012, p. 101). Segundo a “Coluna estudantil” do Jornal Pequeno, se denunciava que:
Ver o Maranhão em sua seríssima crise política [era] sentir uma inquietação sem precedentes. Não se [podia] admitir por hipótese alguma que os jovens estudantes de nossa terra não enxerguem a grande quantidade de lama que cobre o nosso estado. Não quero ser político de partidos, mas, quero ser um político independente, quando nesta pequena crônica, lanço aos meus colegas de classe um apoio de fé e esperança por um Maranhão melhor. Quisera eu ter a oportunidade de uma liderança, que revolucionaria toda essa inépcia existente no Maranhão. Quisera ter poderes para banir os cães que uivam em nosso estado. Quisera ter a chance de conquista que mostraria a todos que o sangue de um maranhense pode valer a glória do seu estado. Pouco me importa derramá-lo, pouco me importa ser drástico e sincero, pouco me importa a vida sem glória. Não posso crer que os jovens de espíritos moços cheguem a vender ou dar a troca de cargos públicos os seus ideais (JORNAL PEQUENO, 1960b, p. 5).
Estes vestígios históricos mostram que havia consciências progressistas favoráveis a mudanças naquela estrutura administrativa arcaica que caracterizava o estado do Maranhão, pavimentando-se o terreno para o surgimento de líderes partidários afinados com a política desenvolvimentista em voga no país, que parecem apontar exemplos de sujeitos, fatos e feitos dos tempos idos que podem ter repercutido no ideário estudantil. “Quisera ter poderes para banir os cães que uivam em nosso estado” e “Não posso crer que os jovens de espíritos moços cheguem a vender ou dar a troca de cargos públicos os seus ideais”, parecem expressões similares à expressão de César Augusto Marques, em 1874, quando se reporta “Aos Leitores” de sua obra, ao afirmar-lhes que estava sendo publicada a uma boa hora e com o apoio dos que denominava de “[...] verdadeiros jornalistas desta Província, [que acreditavam] na justiça contra tantos cães, que investem contra todos e até ladram à lua” (MARQUES, 1874, p. 9), evidenciando nessa expressão as disputas políticas presentes entre pessoas e instituições, sendo os jornais os espaços privilegiados para o ataque e a defesa (CASTELLANOS, 2017). Também essas declarações nos remetem à expressão publicada n’A Revista (1853) pelo professor liceísta Sotero dos Reis, quando o exoneram do cargo de diretor do Liceu: “Está satisfeita a mesquinha vingança dos Paços e a baixa inveja dos Rafaés! Passou ontem - em terceira e última discussão a lei pessoal em que se decreta a nossa destituição [...] É fora de dúvida, pois que, de quando em quando a política malsã da terra penetrava no Liceu” (JORNAL A REVISTA, 1853, p. 4, grifo nosso).
Relação de forças que está no princípio “[...] de uma criatividade intelectual tão tenaz como sutil, incansável, mobilizada à espera de qualquer ocasião, [tática de apropriação] espalhada nos terrenos da ordem dominante” (CERTEAU, 2012, p 102). Ideologia sustentada pelo entusiasmo daqueles que acreditavam na industrialização como a principal saída para tirar o Brasil do mapa do subdesenvolvimento. Foi na crista dessa movimentação política que o deputado federal José Sarney se elegeu governador do estado no pleito eleitoral de 1965, recebendo os tais “poderes para banir os cães que uiva[va]m em nosso estado”, aparentemente; no entanto, deu início a uma nova oligarquia legitimada pelo discurso do progresso e da modernização que beneficiou o golpe civil-militar de 1964, o qual se autointitulou “revolução democrática de 64”, que impôs ao país a sua ditadura mais longa (1964-1985).
Nesse governo (1966-1970), sob o signo modernizante do “Maranhão Novo”, destacaram-se algumas ações que visavam mudanças no sentido de impulsionar o desenvolvimento econômico do estado dentro da estratégia política do regime civil-militar, que consistia em fomentar a economia capitalista como forma de garantir a ordem social. Nesse sentido, houve o investimento em grandes obras de infraestrutura, como a abertura e asfaltamento de estradas pelo interior do estado, a construção da usina hidroelétrica de Boa Esperança (inaugurada em 1970) e do Porto do Itaqui, cujas obras foram iniciadas em 1966; vértices do “milagre maranhense”, como ficou conhecido esse período, em alusão ao “milagre brasileiro” inventado pela ditadura civil-militar naqueles anos. “Energia e transporte constituiriam aspectos infraestruturais para o passo seguinte que seria a industrialização e a montagem de grandes projetos agropecuários no Maranhão” (PINTO, 1982, p.84).
No entanto, essa nova dinâmica econômica produziu efeitos contrários ao equilíbrio social, principalmente quando se leva em conta que a pressão capitalista sobre as propriedades rurais, muitas das quais habitadas por posseiros, provocou intenso êxodo dessa população com a migração de numerosas famílias para a capital, onde não havia oportunidade de emprego para todo esse contingente de mão de obra ociosa, apesar do que anunciava a propaganda governamental, faltando também estrutura urbana em São Luís para atender as demandas educacionais, de saúde pública e habitacional para populares, geradas pela explosão demográfica que então se iniciava. Essa expansão urbana desordenada acabou criando um quadro de segregação socioespacial, o contraste entre luxo e pobreza transparecia em cores vivas; instabilidade social que ensejou as reivindicações por serviços urbanos, públicos e particulares, para atender as diferentes demandas desses grupos sociais. Desta configuração histórica emergiram entre outras atuações governamentais, as ações de ampliação do ensino a nível estadual. Estratégias de imposição que “[...] graças ao postulado de um lugar de poder, elaboram lugares teóricos capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem” (CERTEAU, 2012, p. 102); no entanto, são mobilizadas e até transformadas no confronto com as táticas de apropriação, neste caso, da segregação socioespacial instituída que “[...] aponta para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder” (CERTEAU, 2012, p. 102). Em outras palavras, lutas silenciosas e até inconscientes que na análise figuracional, “a luta dos indivíduos com as coerções de sua interdependência também nunca perdem totalmente seu significado, mesmo quando as coerções individuais [sejam] de outro gênero” (ELIAS, 2001, p. 95).
Nos anos finais da década de 1960 houve algum avanço na oferta do ensino público. Diante da pressão popular por vagas nas escolas primárias, a Secretaria de Educação declarou que “[...] na forma de recomendação do governo, o problema [estava] praticamente resolvido, com a instalação e funcionamento de novos turnos intermediários na maioria dos grupos escolares da capital e do interior.” (O IMPARCIAL, 1966, p. 4). Medida emergencial, que ao mesmo tempo em que sobrecarregava o sistema sem estrutura para atender tantos alunos adequadamente, tornava imperiosa a necessidade de se construírem novos prédios com a subsequente contratação de professores e abertura de matrículas.
Ainda nessa década, com a Secretaria de Educação sob a gestão de José Maria Cabral Marques (1967-1970), a ação do estado se fez sentir nos processos de escolarização pelas seguintes estratégias: o Projeto João de Barro, iniciado em 1967 a partir de Chapadinha, Itapecuru e Vargem Grande, que consistia na criação de escolas nas zonas rurais dos municípios maranhenses como forma de combate ao analfabetismo e à “marginalidade social dessas populações”; o Projeto Bandeirante, que em 1968 começou a implantar ginásios em várias cidades, inclusive em São Luís, ampliando o acesso ao Ensino Médio, até então fortemente dominado pela rede privada; o Projeto TV Educativa, implementado em 1969 com o objetivo de popularizar o Ensino Médio, principalmente na capital, incluindo cursos para jovens e adultos, contribuindo ao mesmo tempo na qualificação de pessoal docente (KREUTZ, 1982; PINTO, 1982).
A cada ano crescia a pressão popular por vagas em escolas públicas de modo que era necessário construir novas unidades de ensino. Na mensagem dirigida à Assembleia Legislativa no início de 1968, o governador destacava como grandes realizações: a entrega de novas unidades escolares na capital e no interior em número de 200; o andamento dos projetos educacionais João de Barro e Bandeirante; a multiplicação das matrículas nos ensinos primário e médio; o apoio à Universidade Federal recém-criada, no sentido de aumentar o número de vagas; e o “[...] funcionamento das Faculdades de Engenharia, Administração e Pedagogia, que oferecem oportunidades de qualificação de técnicos de nível superior reclamada pelo próprio processo de desenvolvimento” (O IMPARCIAL, 1968b, p.8).
Apesar do tom otimista da mensagem, que representava a educação como um dos aspectos do “Maranhão novo”, respondendo pelo processo de desenvolvimento econômico, na verdade todas as medidas anunciadas eram de caráter emergencial, se considerarmos que apenas principiavam as providências no sentido de suprir ou pelo menos amenizar diversas deficiências: do ensino primário, com 66% de crianças em idade escolar fora da escola no interior, e 23% na capital, até 1966 (MARANHÃO, 1967); do ensino médio, dominado pelo setor privado; e do ensino superior, em fase incipiente.
A Fundação Universidade do Maranhão e o Colégio Universitário
Quanto ao Ensino Superior, além das Faculdades de Direito, de Farmácia e Odontologia (federais), e de Ciências Econômicas (particular), havia a Universidade Católica, na qual se congregavam a escola de enfermagem São Francisco de Assis e as Faculdades de Medicina, Serviço Social e Filosofia, esta última composta pelos Cursos de Licenciatura (Letras, Pedagogia, Geografia, História e Filosofia). Pela Lei n° 5.152, de 21 de outubro de 1966, a união assumiu o controle da antiga Universidade Católica e das Faculdades Federais de Direito, Odontologia e Farmácia, sendo instituída a Fundação Universidade do Maranhão (FUM), no intuito de conduzir o processo de implantação e estruturação da nova universidade que deveria erigir-se em uma “[...] instituição de ensino superior, de pesquisa e de estudo em todos os ramos do saber, visando, imediatamente a contribuir para a solução de problemas regionais de natureza econômica, social e cultural” (BRASIL, 1966, p. 279).
Como o Brasil vivia os primeiros anos de uma ditadura civil-militar e a principal estratégia de legitimação do regime político consistia na difusão da ideologia desenvolvimentista, cujo porta-voz no Maranhão foi o governador José Sarney eleito em 1965, este saudou a chegada da instituição, sobretudo porque “[...] era plano do recém-instalado governo [de] recorrer à universidade para a preparação de recursos humanos para preenchimento e expansão do seu quadro de pessoal” (PINTO, 1982, p. 185). Nos anos seguintes, novas unidades seriam acrescidas a esta estrutura, a começar pela incorporação da Faculdade de Ciências Econômicas em 1967. Paralelamente, o governo estadual estabeleceu suas próprias escolas superiores: Administração Pública e Engenharia, criadas em 1967; Agronomia, em 1969; e, em 1970, entrou em funcionamento uma Faculdade de Educação em Caxias para formação de professores.
Com a expansão do ensino superior na capital houve uma grande procura por cursos preparatórios como forma de complementar e intensificar os estudos de matérias específicas por parte daqueles que estavam no último ano do ensino médio ou que já haviam concluído os estudos básicos e pretendiam submeter-se aos concursos de habilitação. Terreno fértil para a indústria do ensino particular. Assim, o Curso Pré-Universitário Professor Castro, proporcionava aos que desejassem ingressar no ensino superior em Direito, Economia, Filosofia, Administração e Serviço Social, e pudessem pagar pelas aulas, “[...] professores especializados [...] turmas à tarde e à noite [...] matrículas abertas [...] na rua Humberto de Campos (antiga travessa do comércio), 185, sala 2” (O IMPARCIAL, 1968a, p. 8). Em semelhantes condições, o curso preparatório ao vestibular prof. José Maria do Amaral anunciava aos candidatos à graduação em Medicina, Farmácia, Odontologia, Enfermagem, Engenharia, Geologia e Química que suas matrículas estavam “[...] abertas [com] número limitado de vagas [...] turmas à tarde e à noite [...] equipe especializada de professores universitários [e] início das aulas [a] 10 de março [na] rua José Bonifácio, 538” (O IMPARCIAL,1969, p.8).
Cursos pré-universitários que se multiplicaram rapidamente à medida que foi crescendo a busca por aquelas graduações. Concorrência acirrada que animava a paisagem colonial e oitocentista do centro de São Luís, cujos casarões serviram de abrigo improvisado para as Faculdades e setores administrativos da Fundação Universidade do Maranhão. A Reitoria e as vice-reitorias administrativa e Pedagógica, por exemplo, foram reunidas à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no Palácio Cristo Rei5, chegando a oferecer seu próprio curso pré-universitário.
A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Maranhão, de ordem da Reitoria, avisa aos interessados que se acham abertas na sua sede, à Praça Gonçalves Dias, n° 351, até o dia 30 do mês em curso, as inscrições para o Curso Pré-Universitário, que tem por finalidade preparar candidatos aos Cursos Superiores de Física e Matemática. Poderão inscrever-se não só os que tenham concluído o 3° ano colegial, como os que nele estejam matriculados. Considerando o número limitado de vagas, haverá teste de seleção (O IMPARCIAL, 1968c, p.5).
É necessário esclarecer que a denominação “Curso Pré-Universitário” utilizada nos anúncios de jornais não significa que estas aulas de preparação configuravam um curso do ponto de vista formal. Na verdade, eram exercícios dirigidos por professores experientes em lecionar determinada disciplina escolar e que, na prática, se especializavam em “aprovar” candidatos naquelas seleções. Ou seja, o planejamento das disciplinas que impõe a constante renovação dos conteúdos em sintonia com os programas de ensino e com os regulamentos da instrução pública que estão atrelados às constantes mudanças segundo os avanços teórico-metodológicos que estão implícitos na história das disciplinas, e a necessidade de estar vinculado com as próprias concepções e posicionamentos sobre as áreas do conhecimento e sobre a instrução, “[...] estimando-se, ordinariamente, de fato, que os conteúdos de ensino são impostos como tais à escola pela sociedade que a rodeia e pela cultura na qual se banha” (CHERVEL, 1990, p. 181), não estão presentes nestas aprovações de concorrentes como objetivos destes “cursos”.
Os cursos funcionavam geralmente em sala única e tinham seu poder atrativo no respeito conquistado pelos professores como reconhecimento da eficiência demonstrada nos “resultados” dos concursos, sem que existisse avaliação regular dos alunos e do próprio curso, ou qualquer padronização arquitetônica, curricular ou etária. Ao mesmo tempo, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, ao ofertar vagas em uma de suas salas para o pré-universitário, revela sua preocupação com a qualidade dos discentes que iam adentrar as portas da Universidade no ano seguinte na condição de graduandos. Experiências que levaram aquela Faculdade, dirigida pelo professor José Maria Ramos Martins, a criar o Colégio Universitário destinado a alunos que cursam o 3° ano do curso colegial “[...] e, portanto, [os prepara] a ingressar numa escola superior. O Colégio Universitário [deveria] estar em funcionamento dentro de poucos dias no mesmo prédio da Faculdade de Filosofia” (JORNAL DO DIA, 1968b, p.1).
Neste caso, já se trata de uma instituição escolar criada pela legislação educacional vigente, propondo um currículo seriado, apesar de ofertar apenas o 3°ano colegial. Inserida numa rede de escolas federais, embora fosse a única na sua modalidade, submete-se à avaliação do órgão competente, que era o Conselho Estadual de Educação. Sua finalidade segundo a Resolução n° 42 do Conselho Diretor, de 20 de maio de 1968, consistia em:
a) contribuir para a preparação de candidatos aos concursos de habilitação para o ingresso nos estabelecimentos de ensino superior; b) ministrar o ensino diversificado da 3ª série [colegial] às diversas áreas; c) dar orientação adequada ao aluno para que este pudesse fazer opção profissional. [...] (COLÉGIO UNIVERSITÁRIO, 1985, p.1).
Reforçando a tendência histórica do ensino secundário brasileiro, o Maranhão mantém “tipos de ensino diferentes para alunos provenientes de classes sociais diferentes” (NUNES, 1979, p. 26); sendo que este colégio na sua origem parecia fortalecer tal heterogeneidade. Estado onde se verificava pavoroso déficit educacional, sobretudo nesse nível de ensino, nem por isso houve preocupação das autoridades governamentais ou mesmo da universidade em criar uma instituição que atendesse pelo menos os três anos do ciclo colegial, preferindo-se investir nessa modalidade nova que se ajustava à demanda imediata: preparar candidatos aos concursos de habilitação à universidade, sem deixar de seguir-se o ordenamento pedagógico de uma instituição de ensino regular, seguindo o currículo oficial e sendo reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação, em 1969.
Inicialmente, “as aulas, supervisionadas pelo ilustre professor Gualter Gonçalves Lopes, funciona[va]m das 7 às 12 horas, inclusive sábado” (O IMPARCIAL, 1968d, p. 2). Sob a direção da professora Liene Sampaio Teixeira, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, os estudantes matriculados no 3° ano colegial cursaram disciplinas organizadas em um tronco comum, com Português, Matemática, Língua Estrangeira (Espanhol, Francês ou Inglês), Cultura geral, Educação Moral e Cívica, e uma parte diversificada de acordo com os interesses da área de formação escolhida para realizar o concurso de habilitação na Universidade. Na área humanística havia as disciplinas de História do Brasil, História Geral, Filosofia, Sociologia, Geografia; na área de saúde e tecnológica, Física, Química, Biologia, Desenho. Na abertura do ano letivo de 1969, houve uma aula inaugural
Proferida pelo professor José Maria Ramos Martins, diretor daquela escola de nível superior, que abordará o tema, O Universitário Integrado no Atual Processo de Desenvolvimento do País. A direção do Colégio Universitário convida todo o corpo docente da Universidade, além de autoridades e os estudantes em geral, para assistirem a sua aula inaugural (JORNAL DE BOLSO, 1969, p.4).
A Universidade, em sintonia com os projetos econômicos dos governos militares que repercutiam no Maranhão nos investimentos em infraestrutura para o crescimento industrial e a dinamização do setor agrário, tentava infundir nos seus estudantes um perfil produtivo e afinado com as ideias políticas dominantes na cena nacional; “[...] conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar” (JULIA, 2001, p.10) que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras pretendia transmitir àqueles que concluíssem o ensino médio no Colégio Universitário. Euforia desenvolvimentista que esbarrava nos limites orçamentários da Universidade, a qual, no ano anterior, tivera de recorrer a convênio com o governo estadual para garantir a matrícula de excedentes da área médica no concurso de habilitação, obtendo “[...] recursos para a sustentação de turmas suplementares, embora esta solução não fosse total” (JORNAL DE BOLSO, 1968a, p. 4), pois era cada vez maior a concorrência desses concursos e os excedentes de outras áreas também pressionavam a instituição pelo direito à vaga. Crise decorrente de cortes orçamentários da união que ameaçavam o crescimento da Universidade.
A defesa da Universidade convoca a todos, políticos, administradores e, como acentuou o Reitor, aos estudantes, porque as reduções orçamentárias podem dar em calamidade. A Universidade do Maranhão tende a crescer e se consolidar, não somente ampliando seus quadros discentes e aperfeiçoando seu corpo docente como implantando institutos básicos e anexos, partindo para a cidade universitária e outras conquistas. Em têrmos de futuro a Universidade é a grande perspectiva para nossa libertação do subdesenvolvimento. A luta, não pela sua sobrevivência - que está assegurada - mas pela sua afirmação como uma grande universidade deve ser a decisão de todos os maranhenses (JORNAL DE BOLSO, 1968a, p.4).
Sem um campus universitário era impossível essa consolidação. O sonho da cidade universitária, contudo parecia distante naquele momento de crise. Sua idealização pelo Poeta Bandeira Tribuzzi previa a remodelação dos sobradões da Praia Grande para esta finalidade, recorrendo ao apoio da UNESCO, a qual “da[va] recursos financeiros para a recuperação de casas antigas, interessada em salvaguardar patrimônios valiosos da arquitetura, como faz na Europa [...] com muito mais facilidade, em se tratando de [...] um centro universitário” (JORNAL DE BOLSO, 1968b, p.6).
Em outra linha, o Cônego José de Ribamar Carvalho que, em 1968, sucedeu Pedro Neiva de Santana na reitoria, optou pela construção do campus na margem esquerda do Bacanga com as obras da barragem em processo de conclusão. Mas apenas em seu último ato como reitor foi “[...] entregue [...] à classe universitária do Maranhão, o edifício Castelo Branco, primeira unidade do ‘campus’ do Bacanga, onde [funcionaria] o Instituto de Ciências Físicas e Naturais” (O IMPARCIAL, 1972b, p.12), ficando, porém, as demais unidades aguardando providências em relação à transferência de suas instalações. Com isso, o Colégio Universitário permaneceu no centro da cidade. A concorrência do seu exame de seleção parece ter aumentado a cada ano, pois em 1970, “[...] foi só a notícia se espalhar na imprensa local, [e] grande número de candidatos acorreram à Faculdade de Filosofia para se inscreverem ao Colégio Universitário” (O Imparcial, 1970, p. 3). Inscrições que em 1972 foram “[...] abertas na secretaria deste estabelecimento, situado à Rua Viana Vaz, n° 280 (quinta do Macacão)” 6 (O IMPARCIAL, 1972a, p.9).
Neste novo endereço se reformulou seu regimento interno ainda em 1972, determinando-se a sua adequação à Lei n° 5.692, de 11 de agosto de 1971, que, entre outras alterações, ampliava a obrigatoriedade do ensino (de quatro para oito anos), dividindo a educação básica em 1° grau, pela junção do primário ao ginásio e a eliminação dos exames de admissão a este último, e o segundo grau unificando os cursos colegial e técnico pela via da profissionalização. Com isso, o Colégio deveria ofertar os três anos do 2° grau e definir uma ou mais habilitações profissionais, o que não aconteceu de imediato. Quando desta reformulação, a Faculdade de Filosofia já havia sido desmembrada e o Colégio estava atrelado à nova Faculdade de Educação, estabelecendo o regimento que com a ampliação da oferta deveria adotar a função de Colégio de Aplicação, “transformando-se em campo de estágio, experimentação e aplicação da Faculdade de Educação” (SANTOS, 2012, p. 61).
Esta última mudança vinha ao encontro dos projetos de modernização e ampliação do sistema de ensino que reclamavam medidas urgentes no sentido de dinamizar a formação de professores, de modo a proporcionar a necessária renovação metodológica das escolas públicas e privadas. Mas apesar do vínculo com a Faculdade de Educação e do seu funcionamento no centro histórico de São Luís, junto aos demais cursos de licenciatura da universidade, faltava-lhe a devida estrutura para desempenhar esse papel, pois não havia sequer espaço e tempo escolar adequados, comprometendo a sua atuação como campo de estágio docente, laboratório de ensino e de pesquisas educacionais.
Por outro lado, houve alteração no programa curricular, inserindo-se a disciplina Organização Social e Política do Brasil em detrimento de Filosofia e Sociologia. Sob a orientação ideológica do regime civil-militar, deveriam ser ofertados os seguintes componentes curriculares: Português, Matemática, Língua Estrangeira, Organização Social e Política do Brasil, Física, Química, Biologia, História e Geografia. Reconfiguração implementada lentamente, de modo que o ano letivo de 1973 trouxe poucas novidades: manteve a restrição da oferta ao 3° ano e, permaneceu no edital de inscrição o termo “colegial”, aumentando-se o rigor do exame de seleção. “Reconfiguração, cujas dimensões podem ser muito variáveis, em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um modo específico de dependências recíprocas e cuja reprodução supõe um equilíbrio móvel de tensões” (CHARTIER, 2001, p. 12). Nesse sentido, achavam-se
abertas no período de 29 de janeiro a 05 de fevereiro as inscrições para seleção de candidatos ao 3° ano Colegial do Colégio Universitário, nas diversas áreas. As inscrições se realizarão na Secretaria do Colégio, à Rua Viana Vaz, n° 280, no horário de 8 às 11,30 horas. A seleção será realizada em três fases:
1°- ENTREVISTA - quando serão esclarecidos ao candidato o conteúdo da área escolhida e as possibilidades do mercado de trabalho - 06 a 09 de fevereiro.
2°- TESTES DE CONHECIMENTOS GERAIS - correspondentes ao currículo desenvolvido nos 1° e 2° anos Colegial, feitos por área, sem caráter eliminatório - 12 a 14.02
3°- CURSO INTENSIVO DE 2 SEMANAS - conhecimentos da capacidade de assimilação por parte do aluno, sendo, ao final, realizados testes de verificação sobre as disciplinas lecionadas. Terá caráter eliminatório e 4 será a nota mínima para aprovação.
Serão oferecidas 90 vagas, distribuídas 30 vagas para cada área. Constitui exigência à inscrição: Atestado de boa conduta fornecido por dois professores; Atestado do Colégio em que concluiu o 2° ano colegial; Pagamento da taxa de inscrição, no valor de Cr$ 20,00 (O IMPARCIAL, 1973, p. 3).
Ao que parece, a ênfase cada vez maior do Colégio era no recrutamento de candidatos ao ensino superior, os quais passavam por uma espécie de nivelamento desde a seleção, sendo depois direcionados para uma das três áreas específicas em que estavam organizados os cursos da Universidade (sócio-humanística, saúde e biomédica, e ciências exatas e tecnológicas), de acordo com o perfil obtido pelo diagnóstico dos avaliadores. Somente em 1974 foram implementadas as modificações por força da Lei 5.692/1971, abrindo-se as inscrições:
no período de 16 de janeiro a 16 de fevereiro [...] para a 1ª. e 3ª., série do 2° grau (especialização profissional) na secretaria do Colégio Universitário, no prédio da Faculdade de Educação à Rua das Hortas n. 109 A, nos horários de 8,00 às 11,30 e 14 às 17, 30 horas. Oferecemos as seguintes opções profissionais: 01-Técnico de Administração 2- Técnico de Estatística 3- Técnico de Secretariado (O ESTADO DO MARANHÃO, 1974, p. 2).
No mesmo endereço da Rua das Hortas, junto à Faculdade de Educação, em 1975, o Colégio oferecia ao longo dos 3 anos do 2° grau, um núcleo comum (Português, Matemática, Língua Estrangeira, Física, Química, Biologia, Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil, Educação Artística, Educação Física e Programas de Saúde) e uma parte diversificada que correspondia às habilitações profissionais (Técnico em Administração, Técnico em Contabilidade e Técnico em Secretariado). Finalmente, após muita resistência dos docentes e discentes pouco entusiasmados com “[...] os cinco pavilhões [...] destinados às Faculdades de Direito, Ciências Econômicas, Serviço Social, Educação, Filosofia e Colégio Universitário” (O ESTADO DO MARANHÃO, 1975a, p. 8); sobretudo, porque não era boa a fama construída entre estudantes e professores acerca daqueles espaços pelos “[...] mais de dois mil alunos [que] estuda[va]m no campus universitário do Bacanga [com] apenas dois ônibus [...] cidade-campus trafegando sem horário” (O ESTADO DO MARANHÃO, 1975b, p. 3); Em meados de 1975, a Faculdade de Educação transferiu-se para o novo prédio conhecido por Pombal à época, onde a Universidade implantou o Centro de Estudos Básicos (atual CEB velho) no Bacanga. Ali, o Colégio Universitário continuou desprovido de um prédio escolar que o caracterizasse como Colégio de Aplicação.
No campus, seu funcionamento foi ainda mais sofrível com suas parcas instalações sendo removidas não poucas vezes, chegando a ocupar algumas salas do Centro de Estudos Básicos (Prédio Pombal) e do Centro de Ciências Sociais (Prédio Pimentão). Nestes espaços improvisados continua oferecendo o 2° grau de acordo com a Lei 5.692/1971, apresenta resultados satisfatórios nos vestibulares e ficam suas matrículas reservadas aos filhos e parentes de servidores da universidade (SILVA, 1987; SANTOS, 2012), o que explica a ausência dos editais de inscrição nos jornais de grande circulação da época. Esta situação perdurou até o final de 1979. No ano seguinte, houve uma ampliação da oferta, incluindo-se o ensino de 1º e 2º graus, o qual se reestrutura em convênio com o governo do estado, transferindo a instituição para a Vila Palmeira na periferia de São Luís; momento em que se inicia um novo ciclo na sua trajetória, consolidando-se como Colégio de Aplicação.
Considerações finais
O processo de renovação do ensino primário e secundário, idealizado pelos escolanovistas brasileiros na década de 1930, acendeu intensos debates sobre os rumos da educação no Brasil e acentuou a tendência em atribuir à união a responsabilidade pelo estabelecimento de diretrizes legais válidas para todo o território nacional, no que tange à ampliação da escolaridade obrigatória; tarefa urgente no sentido de viabilizar a formação de uma sociedade moderna, liberal e democrática conforme o espírito que animou a constituição de 1946.
Entre o fim da era Vargas e o início do regime civil-militar tais discussões foram intensificadas no plano legislativo, onde o projeto político-cultural de padronização dos processos de escolarização defendido por educadores liberais se defrontou com propostas conservadoras que defendiam a manutenção de uma estrutura educacional de caráter dualista, responsável pela existência do ensino propedêutico, geralmente pago (destinado a uma espécie de elite burguesa com resquícios aristocráticos ou, quando muito, à classe média urbana) e a oferta do ensino profissionalizante (para as camadas populares); dicotomia que foi favorecida pela Lei 4.024/1961.
Nesse contexto, os ginásios e colégios de aplicação das universidades federais, que haviam sido idealizados conforme o plano de uniformização do ensino, acabaram fortalecendo a dualidade já mencionada pela baixa quantidade e qualidade das escolas públicas. A mesma situação acontece em relação a outras modalidades escolares vinculadas às instituições de ensino superior, a exemplo dos Colégios Técnicos e do Colégio Universitário. Este último, especialmente concebido como um “3° ano colegial preparatório ao ensino superior” teve sua primeira unidade federal inaugurada em 1968, na Fundação Universidade do Maranhão (FUM).
Tentativas de reformulação e ampliação do Colégio Universitário da FUM (sua transformação em Colégio de Aplicação, em 1972 e, a oferta dos 3 anos do 2° grau, a partir de 1974) ocorreram em meio à tendência de inovação educacional que culminou com a Lei 5.692/1971, que dava um viés profissionalizante a este nível de ensino. Entretanto, sem sede própria onde pudessem acontecer tanto as práticas educativas que orientavam profusa e amplamente a atuação dos sujeitos, como também as práticas pedagógicas que operavam, nas condutas individuais, as mudanças vislumbradas pelo projeto educativo da instituição (FRANCO, 2006); o seu pleno funcionamento como Colégio de Aplicação ficava comprometido, pois não havia espaço e tempo dedicados com exclusividade à imposição da sua ordem escolar (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2001). Esta realidade sonhada por professores e técnicos da universidade seria verificada na instituição em apreço somente a partir de 1980, quando a mesma passaria por um processo de reestruturação que foge aos objetivos deste trabalho.