Introdução
Os estudos sobre cultura escolar remetem à apreensão de questões acerca da internalização de comportamentos, seja por meio de costumes partilhados, normatizações curriculares, práticas e vivências em tempos e espaços escolares específicos. Nesse sentido, a pesquisa teve por objetivo analisar ações cotidianas do ambiente escolar, levando em conta novas formas de organização do tempo e do espaço escolar nas primeiras décadas de criação dos grupos escolares no Brasil, com especial ênfase para o Grupo Escolar Senador Correia, em Ponta Grossa - PR. Pautando-se, especialmente, em estudos da área da História da Educação, procurou-se identificar indícios de formação da cultura escolar e da cultura material escolar no referido grupo. A pesquisa foi de caráter documental, tomando como fonte referencial atas escolares de 1912 a 1930, registros estes que possibilitaram compreender a formação de elementos culturais a partir do ambiente escolar (SOLOMON, 2017).
Na Primeira República, desde as primeiras edificações dos grupos escolares, no final do século XIX, é possível apontar intencionalidades do Estado republicano em redimensionar objetivos para a instrução pública. É nessa direção que a literatura histórica educacional aponta para a idealização de grupos escolares enquanto modelos de escola primária no Brasil. No Paraná, algumas cidades interioranas receberiam iniciativas de instalação dos grupos escolares a partir dos primeiros anos do século XX. Ponta Grossa destacava-se no cenário político e econômico regional. Sua constituição geográfica de entroncamento ferroviário propiciava intercâmbio com Curitiba e São Paulo, servindo-se, inclusive, de local de ligação entre as cidades do interior ao litoral portuário paranaense, como Paranaguá e Antonina. Num contexto de apogeu da política econômica da erva-mate, as primeiras décadas do século XX são representativas do processo de urbanização de algumas cidades paranaenses como Curitiba e Ponta Grossa, em que se evidenciavam elementos de crescimento populacional, socioeconômico e notadamente de produção simbólica, identitária e cultural (CORDOVA, 2008). É nesse cenário que se criou o primeiro grupo escolar da cidade de Ponta Grossa, em meio a um contexto nacional e regional de implementações educacionais que vinham com um caráter inovador e mesmo de monumentalidade (FARIA FILHO; VIDAL, 2000).
Procurou-se, num primeiro momento, articular a exposição sobre os registros de distinção por graus, que não podem ser compreendidos como processos meramente valorativos, mas reveladores de especificidades de uma cultura escolar que se evidenciava no ato de avaliar e de distinguir por graus. Da mesma forma, quando se tratou de regras e de normatização de comportamentos, procurou-se analisar alguns aspectos centrais que permearam as práticas e os processos educativos no Grupo Escolar Senador Correia. Foram também identificados elementos referentes à cultura material escolar e, nesse sentido, a dimensão social e histórica inerente às condições materiais e pedagógicas daquele contexto.
Os registros de distinção por graus e os delineamentos de uma cultura escolar
Em sua inauguração, em 1912, foi registrado o termo de abertura do Grupo Escolar Senador Correia, assinado pela diretora Professora Luzia Fernandes1, que pontua:
Aos 18 dias do mez de Maio de 1912 presentes alguns alumnos2 a matricular dei por installada a escola promiscua desta cidade para qual fui removida por decreto do Exmo Snr Dr Presidente do Estado Carlos Cavalcanti de Albuquerque sendo o Diretor da Instrução Pública Dr Claudio dos Santos e Inspector Escolar desta cidade Dr Manoel de Oliveira Franco e tudo isto para em todo tempo constar lavrei a presente acta que passo assignar. Luzia Fernandes (SENADOR CORREIA, 1912, p.16).
Na estrutura física, o grupo contava com cinco salas de aula, um gabinete para o diretor e uma pequena sala que era utilizada para outras atividades do cotidiano escolar (LUPORINI, 1987, p. 23). Embora possa ser considerada pequena, a construção seguia os modelos dos primeiros grupos escolares implementados na cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal e São Paulo. Desde o início da Primeira República, educadores e arquitetos pensavam a criação dos grupos escolares enquanto espaços adequados aos preceitos sanitários e higiênicos da primeira metade do século XX, desde a dimensão do edifício escolar, as divisões, os espaços compartilhados e os lugares de circulação. Sua arquitetura em U proporcionava à diretoria uma visão geral do espaço escolar: à entrada, porta centralizada com escada em degraus, salas com entradas de ar e luz pelas várias janelas grandes envidraçadas em formato arqueado, pátio e jardim, faixada com ornamentos e frontões, acabamentos sofisticados. O edifício do grupo escolar deveria ilustrar grandiosidade, enquanto demonstração de progresso e modernidade educacional. Em Ponta Grossa, constituiu-se num marco de inserção da educação pública e gratuita em um espaço devidamente apropriado.
Esse tipo de organização espacial vinha a colaborar para o processo de fiscalização das atividades escolares: a entonação da voz, a organização da sala de aula, a disciplinarização, a sistematização das atividades pedagógicas, a preocupação em não haver tempo ocioso, elementos estes que foram anotados em várias das atas e avisos consultados, delineadores de uma cultura escolar, mas especialmente por se entrelaçarem com a própria materialidade escolar. Ou seja, a criação dos grupos escolares correspondeu a um novo modelo de organização predial, administrativa e pedagógica (SOUZA, 1998; FARIA FILHO, 2000; BENCOSTTA, 2001) e que, conforme assinala Faria Filho (2002, p. 24), concebia-se a escola como uma “instituição capaz não apenas de instruir e educar a infância e a juventude, mas de produzir um país ordeiro, progressista e civilizado”. Nessa direção, importante também frisar o que Veiga (1997) aponta sobre os desdobramentos do processo civilizador justamente pela permanência de formatos de escolarização, associado à monopolização de saberes elementares pelo Estado. A questão do espaço predial no Grupo Escolar Senador Correia foi devidamente registrada em ata, alegando-se, inclusive, não ser suficiente para comportar o número de alunos matriculados - ainda que a porcentagem de presença evidencie problemas de infrequência escolar, tal qual era uma constância nas primeiras décadas do século XX. Um ano depois de sua inauguração, a inspetoria assim registrou:
Visitei hoje a escola regida pela professora D. Luzia Fernandes. Estavam presentes 50 alumnas, sendo a matricula de 70. Verificamos o maó [sic] estado do mobiliario escolar providenciei no sentir de além a escola de matricula sufficiente e melhor. Encontrei asseio e ordem (SENADOR CORREIA, 1913, p.11).
Para Viñao Frago (1995), cultura escolar define-se por um conjunto de aspectos institucionalizados, os quais incluem, por exemplo, práticas, condutas, hábitos e rituais. Assim como por elementos intrínsecos à materialidade do cotidiano escolar. A cultura escolar do Grupo Escolar Senador Correia foi permeada também por aspectos que compõem a cultura material escolar. Ciavatta (2009, p. 39) entende que a cultura material escolar perpassa pela implicação de uma “relação social” com a “materialidade” e o “simbólico”, e com os significados dessa relação nos objetos presentes, ou ainda, pode-se dizer, pela ausência destes na falta de acomodação adequada e/ou de mobiliário.
A delimitação temporal do estudo foi de 1912, ano da criação do Grupo Escolar Senador Correia, até 1930. Ainda que se evidencie o marco temporal de final da Primeira República (1889-1930), a escolha desta delimitação teve como motivo principal a forma de registro escolar nas atas consultadas, já que, posteriormente ao período delimitado, os apontamentos em atas referiam-se quase que exclusivamente aos registros de resultados e/ou de quantificações de avaliações de turmas e de alunos matriculados. Uma das hipóteses aventadas para tal mudança de hábito nos registros de atas, diz respeito ao contexto político conflituoso vivenciado a partir de 1930, na Era Vargas (1930-1945), tendo em conta mudanças na legislação educacional e novas implementações normativas a partir do ministério de Francisco Campos (1891-1968). Todavia, os registros de 1912 a 1930, permitiram identificar traços da cultura escolar em formação, seja pela forma da escrita escolar para que se cumprissem prescrições, regimentos e regulamentos, seja pela disciplina e silêncio exigidos, perceptíveis no ato de se autorresgistrar e que se constituiu numa forma de memorializar ações do próprio cotidiano escolar.
O ato de se registrarem em ata ações do cotidiano escolar possibilitou identificar algumas características presentes no cotidiano escolar do Grupo Escolar Senador Correia. O que é indicativo, portanto, de que a análise do espaço escolar, das atividades pedagógicas, das práticas, da rotina escolar, da frequência, das punições, das reuniões, dos testes por graus, dentre outros elementos, permite traçar um mapeamento dos componentes constitutivos da instituição escolar em questão. Ou seja, a prática de registar em atas o cotidiano escolar, acabava mesmo por tonar exequível o trabalho de inspeção e, por conseguinte, se a direção zelava ou não pela organização adequada do grupo escolar. No que se refere ao registro dos resultados de testes por graus, é significativa a ênfase dada ao trabalho dos professores3, que foi destacado, inclusive, em registros de termos de abertura e encerramento de atas, denotando uma finalidade organizacional, demonstrável às visitas regulares da Inspetoria Geral do Estado. Saliente-se que é justamente desses direcionamentos que se percebeu o delineamento de uma cultura escolar.
Os registros nas atas consultadas referem-se aos testes de distinção por graus, bem como aos exames que o precediam, os quais eram divididos em exames finais, parciais e de classe. Luporini (1987, p. 57) afirma que,
ocorriam no mês de novembro, eram presididos pelo Inspetor Escolar, que marcava antecipadamente, nomeando uma comissão examinadora composta por duas pessoas idôneas. As provas eram orais e escritas. Nas escolas para o sexo feminino e promíscuas, integrava a comissão uma examinadora de trabalhos de agulhas e prendas domésticas.
Saliente-se que a autora supracitada se baseou no Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná de 19014, em que o ensino ofertado pelo Grupo Escolar Senador Correia seguia estas determinações, conforme consta no referido Regulamento (1901, p. 97-98):
Art. 50º. Os alumnos matriculados nas escolas de ensino primario ficarão sujeito ás seguintes penas, cuja applicação será determinada pelo prudende arbitrio dos professores, conforme a gravidade das faltas, depois de reconhecidos improficuos os meios suasórios que deverão preceder sempre qualquer pena:
a) admoestação particular;
b) más notas dos boletins quinzenaes, que devem os professores dirigir aos paes, tutores, curadores, etc.
c) reprehensão da aula;
d) reclusão da escola, depois de concluido o trabalho diario, por espaço maximo de uma hora;
e) exclusão da escola até um mez;
f) exclusão permanente.
Por outro lado, pelo teor da ata n.º 21 (SENADOR CORREIA, 1914, p.21), os professores expunham com entusiasmo o resultado dos exames prestados.
Durante a arguição não pude conter o enthusiasmo pelo adiantamento que demonstraram ter todos os alumnos das duas series, pela ordem, respeito e asseio que notei; prova evidente de dedicação e muito esforço da digna collega no desempenho da ardua quão espinhosa, mas nobre missão de professor. Feliz do pae que lhe confiar a instrucção de seus filhos e feliz da criança que fôr vosso alumno. Só tenho palavras de louvor a digna collega e aos seus dedicados alunos (SENADOR CORREIA, 1914, p. 21).
Pressupõe-se que palavras de entusiasmo, dedicação, ordem e respeito, registradas com admiração e reforçadas por criteriosos registros de resultados de distinção por graus dos alunos, demarcavam modelos de ação às visitas da inspeção escolar, indicando como se deveria ensinar e avaliar e, portanto, evidenciando traços de uma cultura escolar em formação. Julia (2001, p.10) define cultura escolar como “um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar”. E a escola seria um espaço de inculcação de comportamentos a serem seguidos, delineados por normas e práticas.
Assim, tomando como fonte as anotações das distinções por graus nas atas consultadas, pode-se presumir que a cultura escolar não se delineava pelo ato de avaliar. Ao avaliar, o professor acabava por demarcar um dado valor que quantificava e qualificava o desempenho escolar. Ao mensurar o aprendizado, normatizava-se a forma de avaliar, incorporando igualmente indícios de uma cultura escolar. Tal cultura reverberava significados e representações aos sujeitos que pertenciam àquele espaço, ultrapassando, por certo, os muros da escola.
Um dos requisitos essenciais nas arguições registradas com vistas a um resultado satisfatório, residia na precisão e clareza das respostas dos alunos. Tal condição deveria imprimir uma boa impressão nos inspetores de ensino e ser demonstrativa do comprometimento do trabalho dos professores. Em uma das visitas da Inspetoria, assim foi registrado sobre os “modernos” critérios de arguição:
Hoje, a convite da nossa distincta collega D. Luzia Fernandes, estivemos em visita a esta escola. Arguimos a todos os alumnos e com satisfação declaramos aqui que os methodos empregados por D. Luzia são os mais modernos, são os melhores. Alumnos ha, desta escola, que, nas materias do curso primario respondem ás perguntas com bastante precisão e clareza, agradando assim, sobmaneira os visitantes. E isto constitui uma vitoria para a professora desta cadeira. [...] a nossa impressão sob a visita que fizemos, não nos podemos justar de apresentar a D. Luzia nossos parabens sinceros pelo feliz exito de seus labores escolares (SENADOR CORREIA, 1915, p. 22).
Pelo resultado da arguição, percebeu-se que tanto a direção como os professores seguiam as determinações da Inspetoria Geral do Estado. O processo de formação de uma cultura escolar perpassa por ações do cotidiano, referendadas por aspectos institucionais, procedimentos, formas de ação, linguagens, dentre outros elementos constitutivos do ambiente escolar. O que se pode depreender que uma cultura escolar foi paulatinamente se institucionalizando no Grupo Escolar Senador Correia, pelas ações registradas e pela forma como eram feitos tais registros, seja em resultados de exames e distinções por graus, seja pelo zelo e disciplina evidenciados em formato de elogios ou punições, enquanto modelos de ação a serem seguidos. No decorrer do estudo, identificaram-se várias questões que apontam para a formação de uma cultura escolar, dentre as quais a questão da disciplina, demarcando espaços e estabelecendo relações entre sujeitos pela inculcação de valores, comportamentos e pela busca do controle na organização espaço-tempo. Compreender o processo de internalização de comportamentos requer que se apreendam as formas de organização e de ação no que se refere à padronização de comportamentos e os possíveis conflitos daí decorrentes. Julia (2001, p. 10) atenta que a “[...] cultura escolar não pode ser estudada sem a análise precisa das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém”. Relações que aconteciam permeadas pela disciplinarização de sujeitos e pela temporalidade do contexto abordado.
Entre regras e práticas: normatizando comportamentos
São vários os elementos que permeiam o tempo e o espaço escolar: toque do sino, trabalhos extracurriculares, hora do recreio e de formar fila, de cantar o hino nacional, de ficar em silêncio, de competição, de subordinação, de interação, de ordenação, dentre outros elementos. Para Dussel (2003) ocupar um espaço refere-se a fazer parte do já existente, móveis, rotinas e tarefas do cotidiano, contudo, habitar uma sala de aula significa também formar um espaço de acordo com gostos, ritmos e escolhas. É importante ressaltar que, de acordo como Pineau, Dussel e Caruso (2001), assim como outras instituições modernas, a regulação de tarefas no interior da escola assenta-se também em critérios próprios, porém em consonância com outras práticas sociais que ocorrem em seu entorno, pois uma normatização escolar contém elementos advindos de uma sistematização mais ampla, indicativa de ritmos, horários, recreações e trabalhos de professores e alunos (PINEAU; DUSSEL; CARUSO, 2001). Nessa direção, a partir da pesquisa documental realizada, foram elencados quatro aspectos que se articularam na inculcação de comportamentos do grupo escolar pesquisado, que são: o silêncio, o tempo, a ordem e a conduta do professor.
O primeiro aspecto, o silêncio, foi recorrentemente descrito na maior parte dos avisos da diretoria aos professores e alunos. Demonstrativo desta recorrência encontra-se no teor do aviso n.º 6 “[...] de acordo com o art. 45. § 29 n.º 1 do Regimento Interno, determino que vos devereis collocar, ao primeiro signal, e em silencio, em frente ao logar onde irá formar a classe” (SENADOR CORREIA,1918, p.32). Presume-se que ficar em silêncio era de extrema importância, tanto para formar fila, entrar em sala de aula, como para fazer outras atividades propostas. Ou seja, o ato do fazer silêncio era uma constante no meio escolar: ficar em silêncio para escutar, silenciar-se e para se adequar à normatização impingida. Evidente que as normativas do grupo escolar objetivavam controlar os comportamentos dos alunos, tornando-os, essencialmente, obedientes.
O segundo aspecto seria o tempo. Controlar o horário permitia ao diretor o controle completo das atividades de professores e alunos, disciplinando-os e organizando as atividades escolares. Em um dos avisos, um diretor chama a atenção dos professores em relação ao cumprimento devido do horário, solicitando-lhes que levassem um relógio para verificação do tempo escolar em sala de aula. As regras com relação ao tempo escolar primavam pela rigidez e deveriam ser cumpridas para que a disciplina prevalecesse. O aviso n.º 1 (1926, p. 49) indicava a devida demarcação do tempo, expondo as seguintes determinações:
De accordo com o Art. nº 3 do Regimento Interno todas as professoras devem estar no Grupo 15 minutos antes do inicio do trabalho sob penna de perderem a gratificação diaria. Assim que a professora chegar ao grupo devem assignar o ponto, procurar as gravuras necessarias ás lições do dia, em seguida passar para o pateo de recreio, afim de attender os alumnos. Todo o tempo em que os alumnos permanecerem no pateo é considerado recreio, e portanto necessita de fiscalisação das professoras para corrigirem os brinquedos e o modo de tratar dos collegas. Fiscalisar, não é formar grupo de prof. aqui e acolá e palestrar [sic] é o que já ficou dito e não consentir agglomerações nas casinhas, etc. [...].
O controle sobre os horários possibilitava maior rendimento às atividades. E aqueles que não seguissem com a máxima pontualidade e precisão, sofreriam punições. Aos professores poderia ser uma advertência que seria exposta no formato de aviso, ou ficar sem o recebimento de gratificações; aos alunos era destinado que ficassem na sala do diretor ou sem recreio. No aviso n.º 2, de 30 de julho de 1925, a diretoria pontuava:
Scientifico-vos que de hoje em diante fica por esta Directoria, prohibido a permanencia de alumnos na sala de aula durante o tempo de recreio, quer estejam de castigo ou terminando trabalhos. Os alumnos que por castigo tiverem de ficar sem recreio permanecerão, durante esse tempo na Portaria. Da mesma forma, permanecerão na Portaria, os que ficarem presos depois das aulas. [...] é preciso cortar, correrias e gritarias dos alumnos no pateo sob pena das classes ficarem sem recreio (SENADOR CORREIA, 1925, p.46).
No aviso n.º 4, a mesma diretora chama a atenção dos professores(as) no que diz respeito à ordem e fiscalização do recreio.
Senhoras professoras, para boa ordem de recreio, cada professora responsabelisa-se pelos actos dos seus alumnos, evitando algazarras e brinquedos grosseiros. Usem brinquedos em ordem, sem offensa aos collegas, demonstrando carinho um ao outro. Essa ordem e união refe-se [sic] tambem em as salas de aula (SENADOR CORREIA, 1926, p.48).
Entretanto, pode-se presumir que a própria recorrência de avisos indica uma certa resistência em cumprir as determinações que eram postas, o que pode também expressar desobediência e indisciplina. Assim é que fiscalizar o recreio era ponto fundamental dentre as atividades escolares. No ano de 1929, no aviso n.º 37, um diretor faz algumas recomendações às professoras, não somente com relação à fiscalização da disciplina no recreio, mas quanto à integridade física do aluno.
Recomendo ás senhoras professoras a mais rigorosa observação á escala de fiscalização ao recreio.Em virtude do excessivo numero de creanças de 6 a 10 annos, no periodo da tarde, essa fiscalização deverá ser exercida com o maximo rigor. Por quaisquer ocorrencias verificadas durante o recreio serão responsaveis os fiscais de dia. A integridade physica das creanças, o seu asseio individual, o asseio dos pateos, a aglomeração nos periodos e as sahidas indiretas pelo portão, exigem; no decurso do recreio e no periodo anterior ao do inicio das aulas, um cuidado todo especial, das senhoras fiscais (SENADOR CORREIA, 1929, p.69).
Preocupar-se com a segurança dos alunos, asseio individual e do espaço escolar é demonstrativo de valores de comportamento e de higiene, constitutivos de uma cultura escolar em formação, fundamentados por padrões de normatizações de caráter social daquele contexto republicano das primeiras décadas do século XX. Outro aspecto bastante relevante diz respeito ao controle do horário das aulas. Os professores que por alguma razão decidissem faltar, tinham que justificar o motivo ao diretor com antecedência. Controlar faltas dos professores fazia parte das atividades da diretoria, o que poderia significar a possibilidade de exercer um controle regular, inclusive, sobre a organização da sua vida social. Na ata n.º 44, outro diretor assim descreve:
Peço-vos que, quando tiverdes de faltar ào exercicio, façais o obsequio de communicar à esta Directoria com antecendencia devida. Num grupo como este onde trabalham 15 funcionarias em horas e periodos diferentes e no diverso, e é de grande vantagem e importancia que a directoria tenha conhecimento de todo o andamento dos trabalhos para por a marcha do ensino. Em caso contrario, as faltas das professoras que são de enormes desvantagem para os alunnos ainda mais se retornam quando não são avisadas em tempo, para que se tomasse alguma providencia no sentido de se arranjar uma substituta. A substituição sempre deixa de satisfazer as condições precisas da substituida. Também para que as faltas sejam justificadas é claro que precizam de uma justificativa. A Inspectoria Geral do Ensino determina aos directores do grupo, que eles podem apenas justificar as faltas por mez, e que as licenças só serão concedidas pelos poderes competentes dentro das formas legais (SENADOR CORREIA, 1922, p.43).
Nessa direção, evidenciou-se a ordem como terceiro aspecto. As regras eram rígidas quanto à circulação nos espaços e aos materiais que deveriam ser utilizados pelos alunos. No aviso n.º 14, um diretor chamava a atenção para o cumprimento da ordem (SENADOR CORREIA, 1918, p. 34):
Senhoras Professoras
Com um meio de ordem e disciplina, determino que observeis rigorosamente as seguintes instrucções:
1º) - cada alumno deve ter o material necessario ao seu trabalho, não sendo permittida as sahidas de uma classe ou carteira para a outra, afim de tomar emprestado um lapis, pennas, canetas, etc, de collegas, mesmo irmãos. Aos alumnos infractores desta disposição aplicar-se-á, como pena, a diminuição da nota de applicação.
2º) - que as canetas usadas devem ser as do typo adaptado em cada classe, não sendo em absoluto consentido o uso de outros typos.
3º) - que não devem consentir que os alumnos durante a aula mudem de logar, excepto quando houver conveniencia no ensino ou na disciplinas.
4º) - que não é permitido deixar retidos alumnas nas salas de aula durante o recreio, e sim em logar por mim determinado [...].
Segundo Alcântara e Vidal (2018, p. 236), “A carteira escolar é um dispositivo pedagógico que participa do processo de subjetivação discente, cria condutas corporais no aluno, dentro e fora da sala de aula”. Ficar sentado, portanto, em uma carteira escolar, permite criar uma assimilação corporal, compatível com os preceitos higiênicos da época. As referidas autoras apontam que o senso de hábito é inculcado por meio de práticas corporais, e essa incorporação repetitiva de movimentos corporais prescritos, formam culturalmente a memória corporal. A citação acima exemplifica a sala de aula do Grupo Escolar Senador Correia, em que as carteiras de madeira com pés de ferro eram dispostas em fileiras, com espaçamento, acomodando dois alunos por carteira.
Para Silva, Souza e Castro (2018), a carteira escolar, objeto da cultura material escolar, constitui-se em um artefato que revela a organização de sala de aula, a ordem moral dos corpos no espaço físico e a disciplina exigida entre professores e alunos. Formando a memória corporal, colaborando com os preceitos higiênicos, com a disciplinarização, a carteira escolar, pelo uso e pela sua própria materialidade, corrobora diretamente na inculcação de comportamentos, o que implica também em atentar-se para os elementos subjetivos e específicos da cultura escolar. Ou seja, os movimentos corporais são indicadores de disciplina, que se estabelecia pela rigidez na fiscalização e, por conseguinte, a ordem é um dos elementos constitutivos no delineamento da cultura. Em 1928, algumas normativas determinavam a organização do tempo e do espaço enquanto “vantagens praticas” de “dedicação e idoneidade profissional”. Um diretor discorre em detalhes o que deveria ser seguido, de forma uniforme:
1º - que, a partir de hoje e nos dois períodos escolares, as turmas deverão formar defronte ao edifico em situação correspondente ás respectivas unidades escolares [...].
2º - que, as sahidas tanto para o recreio como para a casa, no final das aulas, deverão ser pela porta da frente obedecendo o desfile, sempre, á ordem ascendente das classes.
3º - que, no final de cada periodo escolar três signais de campainha determinarão: 1º a formatura das turmas nas suas respectivas sedes; 2º silencio absoluto; 3º desfile.
4º - que, as turmas da tarde cujas regentes dispõem de auxiliares imediatas, deverão ser acompanhadas infalivelmente pela respectiva professora na extremidade anterior e pela adjunta na extremidade posterior tanto no seu deslocamento para a sala como desfile para o recreio ou até ao portão, no final das aulas.
5º - que, para trazer sempre viva no espirito da creança, a idéa da Patria, como também, para exercício diariamente da voz, serão cantados em coro o hino, no inicio e no final de cada periodo escolar [...]. Não é necessário comentar aqui as vantagens praticas que trará applicação exacta desta medida. Confiando sempre na competência, dedicação e idoneidade profissional de cada preceptora- espero o cumprimento fiel destas instrucções sem qualquer obstáculo. (SENADOR CORREIA, 1928, p. 3)
Pressupõe-se que a elaboração e o registro deste documento se constituíram num mecanismo de controle institucionalizante de comportamentos, perpassando desde o aspecto visual de organização das atividades escolares à fiscalização do trabalho dos professores. E aos alunos era essencial o cumprimento de tais orientações disciplinares como parte de seus deveres escolares. A conformação corporal e mental era indispensável para atingir a disciplina esperada pela equipe pedagógica. No entanto, observando as fontes documentais, é perceptível muitos traços de resistências à tais normatizações no âmbito escolar.
Appéllo para o auxilio extraordinariamente efficaz e indispensavel das senhoras professoras no sentido de se manter disciplina entre os discentes dos diversos cursos deste Grupo. Disposto como estar a introduzir no espirito da creança a comprehensão de seus deveres escolares, qualquer meio, ao meu alcance, será empregado desde que pela brandura não consiga refrear os seus instinctos. Devemos, para que não se abale a nossa capacidade profissional, perante os demais collegas da Escola Normal desta cidade, empregar todos os esforços [...] para conseguirmos o todo, homogeneo, disciplinado, modelar (SENADOR CORREIA, 1928, p. 57).
Note-se que o diretor do grupo escolar enfatiza a questão da uniformização no cumprimento de deveres de ambas as partes, ou seja, de professores e alunos. A inculcação de deveres pelos alunos poderia representar o modelo ideal de trabalho docente. O cumprimento da ordem e da disciplina era especialmente demarcado pelo fator tempo, num processo de internalização de valores e normas. O tempo ocioso do aluno poderia levar à indisciplina, conforme foi expresso no aviso n. º 23: “[...] falta distribuição de trabalho no decorrer da aulas, aos alumnos, pois sabido é que alumno com trabalho não tem tempo de brincar. É o primeiro meio de manter-se disciplina em classe” (SENADOR CORREIA, 1928, p. 51).
É importante ressaltar que um dos elementos que norteou a elaboração da normatização interna do grupo escolar foi o próprio Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná de 1901. Mas dentre as normativas desta regulamentação (1901, p. 94-95) destaque-se o direcionamento no quesito sobre punições.
Art. 42º. São absolutamente prohibidos, nas escolas publicas, os castigos corporaess e os que possam prejudicar a saude e o moral dos alumnos, sendo a infracção punida com a multa de 50$000 e na reincidencia soffrerá o professor a pena de suspensão por um mez. §Único. A applicação da multa de que trata este artigo compete ao inspector escolar respectivo, e a da pena de suspensão cabe ao director-geral, por communicação que a respeito lhe fôr feita pelo mesmo inspector.
Logo, o quarto aspecto diz respeito à conduta idealizada para o professor: que fosse pontual, que tivesse boa entonação de voz e que soubesse conduzir, com maestria, as atividades escolares indicadas. Deveria ser firme, demonstrando autocontrole pessoal, de forma a obter o respeito dos alunos, que não necessariamente deveria temê-lo. Em um dos avisos da diretoria, enfatiza-se a questão do comportamento e da assiduidade, utilizando-se de termos como “desvelo” e “carinhos paternais”:
Tratar os alumnos com desvelo e carinhos paternais, esforçando-se pelo adiantamento de cada um e tornando aprasivel a escola. Demonstrar a obrigação de assiduidade. Creio que dessa maneira a prof. obtem a confiança do alumno e vice versa. As creanças não devem temer a professora, mas respeitar. É dever tratar os alumnos com igualdade, quer seja rico ou pobre, preto ou branco. A educadora deve estabelecer um lugar de honra ao alumno-assiduo, comportado, applicado, etc, para estimular os outros. Compete ainda ao mestre, fazer o alumno zelar pelos moveis (SENADOR CORREIA, 1926, p.50).
Em 4 de fevereiro de 1928, a diretora reforça a máxima atenção dos professores com relação ao artigo n.º 114 do código de ensino do Regimento Interno, no qual registra-se que é dever dos professores “dar por seus actos, no cumprimento dos deveres de mestre, exemplo aos alumnos de pontualidade, assiduidade, energia, perseverança e amor ao trabalho.” (SENADOR CORREIA, 1928, p. 55). A busca pelo exemplo foi também uma constante na documentação consultada. Na ata n.º 51, a diretora determina que um professor atente para o teor do Regimento Interno no que diz respeito a manter com “energia e carinho” a disciplina da classe.
Determino-vos que executeis o paragrapho 15 do Art. 12 do Regimento Interno. Deveis com energia e carinho manterdes a disciplina em nossa classe. Pelo código de Ensino, já vos appliquei a 1ª repressão do Artigo 161, e, se assim continuar appplicar-vos-hei a 2ª, 3ª e assim por diante. A indisciplina de vossa classe é tal que as professoras das salas contiguas não podem leccionar com presteza. (SENADOR CORREIA, 1927, p.51).
Ao não se cumprirem as prescrições referentes à disciplina, evidencia-se uma certa resistência do professor pela não internalização de normativas, o que poderia representar falta de controle não somente do professor, mas da própria direção da escola. Uma das medidas cabíveis para tais situações era a troca de professores de salas, que aconteciam esporadicamente. (SENADOR CORREIA, 1928, p. 51).
Uma das regras impostas pela diretoria era a proibição da permanência de alunos na sala de aula durante o recreio, mesmo estando de castigo ou terminando as atividades. Aos alunos que por motivo de castigo ficassem sem recreio, deveriam permanecer durante o tempo exigido na portaria. Para se fazer o atendimento no período do recreio realizava-se uma escala de professores com o objetivo de fiscalizar os alunos. No recreio, era proibido gritar ou correr; caso não fosse cumprida esta determinação, a classe a quem pertencia o aluno seria privada do horário de recreio. A ordem do pátio, no momento do recreio, era também de responsabilidade dos professores (SENADOR CORREIA, 1921, p. 40-41). Um diretor, na ata n.º 44, chama a atenção das professoras e suas auxiliares com relação a fiscalização do recreio para o teor dos artigos 38, 39, 40, 41 e 42 do Regimento Interno: “As classes que contam com auxiliares ficarão sem recreio caso suas respectivas professoras não obedeçam a determinação dos artigos acima mencionados” (SENADOR CORREIA, 1923, p. 44). Da mesma forma, as aglomerações de grupos de professores não figuravam como um bom exemplo, já que nesta condição deixariam de cumprir com o próprio objetivo de fiscalizar o comportamento dos alunos. Segundo uma diretora, na ata n.º 50 (SENADOR CORREIA, 1926, p. 49-50),
A tarefa da professora, não é só instruir é também educar. Não se corrige e não se ensina com palavras grosseiras, mas sim, com boas maneiras e exemplos, fazendo comprehender, tocando-lhes á alma. A prof. tem o dever de corrigir desde o modo do alumno entrar em aula, como sentar, pegar o livro, pedir alguma cousa, enfim comportamento em toda a parte. Dar exemplo de pontualidade, energia (mas não com gritos e nem reguadas) perseverança e amor ao trabalho.
A imagem do professor, mas especialmente da professora, deveria transparecer delicadeza, compreensão e seriedade. E seu comportamento estendia-se, certamente, à sua vida social, não se restringindo somente ao interior do grupo. Inclusive, em muitos dos documentos consultados, elementos de cunho cívico deveriam ser reforçados a partir do que se colocava como “missão de professora”, cujo sentimento patriótico evidenciava-se na escritura das atas, conforme a seguinte transcrição:
Senhoras professoras
Commemorando-se a data da Independencia de nosso Paiz, pelas crianças deste Grupo, cumpri-me agora lavrar as distinctas professoras, cujos esforços empregados muito concorriam para o bom desempenho dos festejos. Se bem que taes encargos estejam prescriptos nos regulamentos do Ensino, como uma das missões daqueles que são os mestres, afim de que se faça vibrar a alma da criança pela cauza da patria; e apezar de se constituirem esses feitos em facto vivos em verdadeiramente veridicos no scenario de nossa historia, eu reconheço e tenho a agradecer todo o consenso daqueles que, bem comprehendendo os seus deveres para com a Patria, sonheram [sic] e por bem houviram patentear com o exemplo de sua dedicação, o interesse que tomam pelo encargo que lhes foi confiado pelos poderes do Estado [...] a missão de professora que em sua escola manifesta e insista nos espíritos de seus alumnos os santos princípios do saber, arrancando das trevas da ignorância os nossos futuros homens, melhor é o dever de tornar esses ensinamentos quando relacionados com o Paiz o mais entusiástico eloquentes patrioticos possíveis [...]. (SENADOR CORREIA, 1921, p.40-41).
A devida conduta do professorado constituía-se em força motriz na normatização de comportamentos. Entre regras e práticas, o professor e acabava por ser o responsável pela instituição do silêncio, do tempo e da ordem. Segundo Julia (2001, p. 10-11):
Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores.
A disciplina permeava a ação dos sujeitos, a organização das práticas escolares, os rituais cotidianos, constituindo-se em formas de pensar, fazer, ver, ouvir e sentir. Silêncio, controle do tempo e ordem formavam o composto essencial para a formação de uma cultura escolar nas primeiras décadas do século XX. Importante também frisar que, de acordo com Silva e Souza (2018, p. 110), o alcance da dimensão pedagógica que compreende a cultura escolar encontra extensão na própria formação dos sujeitos e das coletividades, pois processos culturais dizem respeito à “percepção dos modos de sociabilidade que formam a base de nossa identidade narrativa e o conhecimento dos valores, conteúdos e métodos transmitidos na infância”. O período da infância, ou da educação primária conforme tratada nesse artigo, refere-se também aos “pares de uma mesma geração” e aos “padrões que formaram em grande medida nossos modos de comunicação intersubjetiva e de relação com o mundo da vida e com a cultura”.
Considerações Finais
A criação de grupos escolares tinha como prioridade as cidades consideradas prósperas. Em Ponta Grossa, a edificação do Grupo Escolar Senador Correia foi na área central da cidade, espaço circundado por casas comerciais, residências de famílias tradicionais e lugares de representatividade política do poder local, como a Igreja Matriz, o Paço Municipal e o Fórum. No contexto de consolidação do regime republicano das primeiras décadas do século XX, iniciativas governamentais fomentavam a alfabetização da população, tomando por base uma educação voltada aos valores e símbolos nacionais. A construção dos grupos escolares orientava-se por padrões cívicos nacionais seguindo modelos de construção arquitetônica dos primeiros grupos criados em São Paulo e no Distrito Federal. O grupo pesquisado simbolizava, portanto, o progresso republicano no Paraná e o projeto de modernidade educacional aos moldes nacionais, possibilitando a uma parcela da população o acesso à instrução pública na cidade de Ponta Grossa.
Desde a sua criação, o Grupo Escolar Senador Correia principiava encaminhamentos pedagógicos por meio de uma organização conjunta entre professores, diretores e inspetores de ensino. Estes últimos, interferiam diretamente nos processos de normatização das atividades de ensino, que culminariam por reverberar formas de inculcação cultural. E se os inspetores de ensino eram responsáveis por fiscalizar e redigir com precisão relatórios à Inspetoria Geral de Ensino, logo, foi possível perceber os esforços do grupo escolar em seguir tais determinações, bem como algumas lacunas dessa idealização.
Quanto às formas de organização do espaço e do tempo escolar, perceberam-se alguns pontos que permeavam as relações, especialmente a questão da disciplina e da hierarquização, tendo em conta o silêncio, o tempo, a ordem e a conduta do professor e, especialmente, da professora. Demonstrativo da hierarquização no espaço escolar configurava-se nos dispositivos pedagógicos capitaneados pela Inspetoria Geral de Ensino e perpassados pelas ações da inspetoria, diretoria, professorado e alunado. No entanto, é necessário frisar que, ao consultar as fontes documentais, foi notório o registro do não cumprimento de normas e regras no cotidiano escolar daquele contexto. Salas barulhentas, atrasos e infrequências de professores e alunos eram recorrentes, principalmente nos chamados avisos, que reforçavam a necessidade de se fazer valer as determinações impostas pela direção da escola, tendo em conta o regimento interno escolar embasado na regulamentação estadual.
Em suma, percebeu-se a formação de uma cultura escolar, bem como aspectos da cultura material escolar daquele contexto, evidenciados por meio de registros do cotidiano escolar, desde o ato de avaliar, da fiscalização dos recreios, da manutenção do silêncio nas salas de aula, dos processos de uniformização e de disciplinarização, da organização de tempos e de espaços, enfim, mediante regras e normas de comportamentos a serem inculcadas pelos sujeitos mencionados. Elementos representativos de heranças culturais inerentes ao contexto educacional republicano em que se almejava um redimensionamento para a instrução pública a partir da idealização de modelos de escola primária no Brasil.