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Cadernos de História da Educação

versión On-line ISSN 1982-7806

Cad. Hist. Educ. vol.22  Uberlândia  2023  Epub 07-Ago-2023

https://doi.org/10.14393/che-v22-2023-230 

Resenhas

História da Educação Sul-rio-grandense: Vale dos Sinos e Serra Gaúcha em destaque

History of Education in Rio Grande do Sul: Vale dos Sinos and Serra Gaúcha highlighted

Historia de la educación en Rio Grande do Sul: Destacan Vale dos Sinos y Serra Gaúcha

1Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil). ju_stta@hotmail.com

SOUZA, José Edimar de. Grupos escolares no Rio Grande do Sul: escolarização primária em perspectiva regional no século XX. São Leopoldo: Oikos, 2021.


“Sem memórias não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir” (SARAMAGO, 1995, p.63). A citação é oriunda dos Cadernos de Lanzarote, livro do laureado escritor José Saramago que é inspirado em seus diários. Assim se vincula ao universo da seleta obra aqui apresentada, pois quem se propõe a pesquisar em História da Educação tem uma honrosa e desafiadora missão ao recompor traços do passado, a partir de diversos elementos que são desvelados pelos estudiosos, em particular neste caso, no âmbito do estado do Rio Grande do Sul.

O organizador do exemplar é o professor José Edimar de Souza, Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com estágio pós-doutoral na mesma instituição. É docente no Programa de Pós-Graduação em Educação e também no Programa de Pós-Graduação em História, ambos na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Atualmente é vice-líder do Grupo de Pesquisa História da Educação, Imigração e Memória (GRUPHEIM) e participa de importantes instituições como membro: Associação Nacional de Pesquisadores da História das Comunidades Teuto-Brasileiras (ANPHCTB), Grupo de Trabalho de História da Educação da Associação Nacional de História (ANPUH-RS), Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação (ASPHE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), e Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE).

A publicação é resultado do projeto Instituições escolares no Vale do Rio dos Sinos e na Serra Gaúcha que teve aporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). A apresentação é do organizador José Edimar de Souza e, na sequência, o prólogo, em espanhol, foi redigido pela Professora Doutora Alícia Civera Cerecedo que desenvolve suas funções no Departamento de Investigaciones Educativas do Centro de Investigación y de Estudios Avanzados (Cinvestav) no Instituto Politécnico Nacional do México.

A apresentação feita por Souza (2021) situa a ascensão dos estudos contemplando a história das instituições dos quais emergem subsídios que, ajudam a compreender as dinâmicas escolares a nível de ensino primário, presentemente é o Ensino Fundamental nos Anos Iniciais. O livro abarca, sobretudo, o período em que se instituíram os grupos escolares, proposta diferenciada das aulas isoladas que aconteciam em escolas técnicas e/ou até em escolas paroquiais - isso na Serra Gaúcha e no Vale do Rio dos Sinos. Então, cabe evidenciar que, nas zonas em investigação imperam a colonização europeia, em especial, alemã e italiana que, de acordo com o organizador da publicação, geram implicações que repercutem nos modos de ser e fazer a educação.

Já no prólogo, Alícia Civera Cerecedo reforça da pertinência dos estudos regionais acerca de cultura escolar no campo da História da Educação, a organização nas perspectivas temporal e espacial suscita as possíveis correlações em esfera global, tanto a termo de aproximações e como de distanciamentos. Contudo enfatiza que, ao analisar presença da escola em determinado local, há uma tendência de ampliação para as dimensões econômicas, políticas, sociais, demográficas, étnicas e outras. Cerecedo afirma que a ausência de instituições de ensino pode ter favorecido movimentos de migrações, podendo até mesmo ocasionar alterações demográficas. Salienta ainda que, nesta obra, a articulação entre os testemunhos orais com acervos pessoais e/ou arquivos públicos constituem das mais valiosas fontes, assinalando ao leitor o papel protagonista dos grupos escolares.

Desta forma, o livro se estrutura em dois eixos, o primeiro retrata a região do Vale do Rio dos Sinos (trazendo seis capítulos) e o segundo abarca a Serra Gaúcha (com nove capítulos). São vinte e três autores que deram vida aos quinze capítulos, estes realizam suas pesquisas nas mencionadas áreas geográficas, tal constatação e mais informações seguem na última parte denominada “Sobre os autores e as autoras”. Isto posto, as 243 páginas têm uma leitura que flui agradavelmente, tanto pelo enredo proposto, bem como pelos quadros e imagens que ilustram com estilo harmonioso o contexto.

Após as ponderações preliminares se avizinham os capítulos!

O primeiro deles é de Isabel Rosa Gritti e Silvana Maria Gritti sendo nomeado Educação no RS: os colégios elementares e grupos escolares - uma revisão de literatura (1909-1950). As autoras fizeram um levantamento das produções alusivas à escolarização primária no Rio Grande do Sul de 1877 a 1970. Categorizam seus achados em: arquitetura escolar; currículo; nacionalização, legislação e reorganização do ensino; fotografias; escolas e memórias; educação rural; educação física na formação de professores; colégios elementares e grupos escolares. As conclusões apontam a necessidade de mais pesquisas por ser um campo fértil e com lacunas que podem ser preenchidas.

José Edimar de Souza traz no capítulo 2 a seguinte tônica Os grupos escolares em Campo Bom, Sapiranga e Novo Hamburgo/RS (1930-1934): os processos de constituição e de escolarização. Descreve uma rica retrospectiva que pretende localizar o leitor na história da educacional no Brasil, com ênfase no ensino primário, acima de tudo nos municípios observados tem o marco da instituição escolar ligado à colonização alemã. Um dos ápices é o uso da pedra conhecida como ardósia para escrever as primeiras letras, ressaltando as dificuldades para aprender e os esforços de todos em promover meios para ensinar.

No terceiro capítulo intitulado Grupo Escolar Visconde de São Leopoldo (São Leopoldo/RS, anos 1940): anatomia de um espaço educativo moderno, Jauri dos Santos Sá dedica-se a arquitetura dos prédios escolares. O Colégio Elementar de São Leopoldo foi inaugurado em 1913 onde funcionou uma fábrica de calçados que passou por adequações para receber os alunos. Somente em 1944, iniciou um movimento para construção de um edifício para a instituição ficando pronto em 1947, é preciso pontuar que está em pleno funcionamento.

Em Grupo Escolar Maria das Neves Marques Petry - Novo Hamburgo/RS (1942) vem o quarto capítulo redigido por Paulo Daniel Spolier. Em justa homenagem à professora Maria das Neves Marques Petry que tanto colaborou para a escolarização de Novo Hamburgo teve a escola da Vila Industrial recebendo seu nome no ano de 1960. A referida professora nascida em 1887, assumiu o concurso para exercer o ofício docente em 1907 no que é hoje a cidade de São Leopoldo, quando casou conseguiu transferência para atualmente o município de Novo Hamburgo, inclusive foi diretora e aposentou em 1942.

Para o capítulo cinco, Nos caminhos do ensino: trajetórias e memórias do grupo escolar de Campo Vicente (1959), Vânia Inês Avila Priamo e Rodrigo Luis dos Santos conduzem o artigo pela História da Educação do atual município de Nova Hartz. A pesquisa relata das dificuldades de alcançar fontes, se guiou por documentos públicos, matérias dos jornais e pessoas entrevistadas que trabalharam ou estudaram na escola. Ocorreram diversas mudanças na denominação da instituição e se justificavam pelas políticas públicas que eram incorporadas. Os depoentes trouxeram momentos de suas memórias que envolviam o educandário e indícios de como se davam as práticas escolares cotidianas.

No sexto capítulo A salvaguarda de uma história: práticas e cultura escolar do Grupo Escolar Antônio Vieira na cidade de Novo Hamburgo/RS (1950-1967) foi escrito por Estela Denise Schütz Brito, Ariane dos Reis Duarte e Pedro Reinaldo Cipriani Manfroi. É estabelecido um diálogo com fotografias que compõem um acervo da própria instituição e foram disponibilizadas pela mesma. Os registros são de comemorações como Páscoa e Semana da Pátria, denotando os vestígios das práticas escolares da época em análise.

A seguir, abrindo a segunda parte do livro vem o capítulo sete reportando a Serra Gaúcha, é elaborado por Manuela Ciconetto Bernardi e tem o título Movimentos e a emergência do grupo escolar de Antônio Prado/RS (1918-1930). O acervo empregado é proveniente do Arquivo Histórico Municipal de Antônio Prado e expõe o percurso para a criação do grupo escolar, seguindo até o período inicial de funcionamento. As fontes utilizadas revelam movimentos políticos e dados numéricos, são compostos de cartas, relatórios, decretos, entre outros.

De Collégio Ellementar (1914) a Grupo Escolar Estadual José de Alencar (1918) em São Francisco de Paula: o contexto inicial dessa instituição escolar nos Campos de Cima da Serra é o oitavo capítulo. De autoria de Dilnei Abel Daros onde esclarece que a fundação da escola mobiliza muito além das esferas políticas e sociais. Um dos pontos altos é a presença de quadros que complementam o texto e que foram sistematizados com base em documentos oficiais.

Rafael de Souza Pinheiro e José Edimar de Souza em Grupo Escolar Frei Caneca de Flores da Cunha/RS: a presença da Caixa Escolar (1925-1940) apresentam o capítulo nove. As informações levantadas a partir de fontes inventariadas, demonstram a relevância das chamadas Caixas Escolares que recebiam doações e, desse modo, proporcionavam aos que tinham muitas dificuldades financeiras o ingresso e permanência dos alunos.

No que concerne ao capítulo dez De Colégio Elementar a Grupo Escolar Bento Gonçalves da Silva: inventários de materiais e livros escolares (Bento Gonçalves/RS, 1930-1939) é de Terciane Ângela Luchese. As documentações analisadas demonstram minuciosamente o mobiliário e variados acessórios que deram permitiram o funcionamento e desenvolvimento das práticas inerentes à instituição supracitada.

O décimo primeiro capítulo recebeu o título Uma instituição cívica: representações do nacionalismo nos grupos escolares estaduais de Caxias do Sul/RS (1930-1950) dos autores Samanta Vanz, Elisângela Cândido da Silva Dewes e José Edimar de Souza. Os pesquisadores tomaram em conta impressos locais, correspondências, decretos e relatórios verificando os traços de manifestações cívicas que se desenrolaram a partir dos grupos escolares atendendo as demandas dos interesses do poder público.

Em seguida, o capítulo doze de Cassiane Curtarelli Fernandes retrata O Grupo Escolar de Picada Velha: dinâmicas e culturas de uma escola estadual para a zona rural de Garibaldi/RS (1939-1952) que explicita as dificuldades da escola existir sem um prédio adequado até a inauguração da sede própria. Mostra ainda as comemorações de datas que visavam cultivar valores nacionais e também sobre os entrelaçamentos com a igreja católica.

No décimo terceiro capítulo Grupo Escolar de São Marcos, Farroupilha/RS: uma análise das atas de exames escolares (1938-1948) Gisele Belusso e Fernando Ripe trataram de muitos aspectos desde a implantação da escola até no decorrer do ano letivo. O teor são as relações de poder, de disciplina e dos critérios que podem ser visualizados nas atas dos exames. Tópico interessante é dos conteúdos avaliados em exames no 1º ano escolar no ano de 1940, estando em ordem decrescente no índice de aprovação: Canto, Desenho, Higiene, Trabalhos Manuais, Geografia, Educação Física, História, Matemática, Linguagem, Estudos Naturais e Civismo.

A trajetória do bairro Galópolis/Caxias do Sul-RS e o Grupo Escolar Paraná (1939 a 1977) de Geovana Erlo e Luiza Horn Iotti, figura como o capítulo quatorze, realça o surgimento do povoado e da unidade de ensino. Sendo uma região formada por imigrantes italianos que eram operários da indústria têxtil refletiu no currículo que ofertava disciplinas como Técnicas Industriais e Técnicas Comerciais.

Finalizando, no último capítulo, Elise Testolin de Abreu e Cristian Giacomoni redigem Professora Ida Marcucci Zanellato: das aulas em sua casa ao Grupo Escolar Henrique Emílio Meyer (Caxias do Sul/RS, 1931 a 1968). Tal material, transparece os esforços que foram necessários enquanto não existiam prédios adequados para ministração de aulas, principalmente de pioneiros como a senhora Ida que iniciou sua jornada docente dentro de sua própria residência, posteriormente utilizando o espaço de um estábulo até a inauguração de escolas pelo município de Caxias do Sul.

Destarte, levando em consideração tudo que tão primorosamente compõe a obra Grupos escolares no Rio Grande do Sul escolarização primária em perspectiva regional no século XX é perceptível que há muito da História da Educação Brasileira a ser (re)conhecido e valorizado através dos estudos, como nas palavras do organizador José Edimar de Souza, logo na apresentação do livro, na página 13 “(...) a partir dos traços de representações aqui reunidas e analisadas em perspectiva cultural, novos ânimos para conhecer algo daquilo que se sabe não existir mais”. Portanto, a importância vai muito além dos que se dedicam a pesquisar a temática, é manter viva a história de uma sociedade, de instituições escolares, a memória de personalidades que tanto contribuíram nas práticas de ensino que envolveram uma incalculável quantidade de pessoas, efeitos tão positivos que a educação reverbera e não são possíveis mensurar.

Referências

SARAMAGO, José. Cadernos de Lanzarote - Diário II. Lisboa: Caminho, 1995. [ Links ]

SOUZA, José Edimar de (org.). Grupos escolares no Rio Grande do Sul: escolarização primária em perspectiva regional no século XX. São Leopoldo: Oikos, 2021. [ Links ]

Recebido: 09 de Dezembro de 2022; Aceito: 14 de Janeiro de 2023

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