Este é um novo trabalho do Professor Agustín Escolano, neste caso sobre educação emocional numa perspectiva histórico-educacional e etnográfica, baseado no original Emociones & Educación. La construcción histórica de la educación emocional (Berlanga de Duero/Madrid, Visión Libros, 2018). Esta edição portuguesa foi traduzida e tecnicamente revista pelas professoras Heloísa Helena Pimenta Rocha e Andréa Bezerra Cordeiro.
A questão abordada nestas páginas, e que comentamos aqui muito brevemente, é uma nova contribuição do autor sobre a história da experiência na educação, uma corrente inovadora de largo alcance, ainda num estado incipiente de proposta e desenvolvimento, que pode afectar o núcleo de conhecimento sobre a construção histórica da cultura escolar centrada no estudo das práticas de formação, e que tem o seu início na sua primeira contribuição para a colecção “Verità Provvisorie” de Volta la Carta.1
Voltando a alguns dos temas que motivaram os seus conhecidos estudos sobre a cultura empírica da escola, ela incorpora agora uma nova perspectiva, neste caso relacionada com a dimensão afectiva da educação, tentando desvendar as chaves e os dispositivos de controlo afectivo que operam na escola. Como salienta a Professora Heloísa Pimenta, “suas reflexões convocam os estudiosos a historicizar as emoções e os sentimentos que acompanham a passagem por essa instituição que foi se tornando, a partir da Modernidade, um lugar central na socialização das crianças e dos jovens”.
Emoções e Educação. A construção histórica da educação emocional está estruturada em torno de um Prefácio do Dr. Pimenta, um Prefácio do Professor Vera Gaspar, uma secção introdutória “A dimensão emocional da formação”; quatro capítulos, “A educação e as emoções”, “A representação das emoções”, “Memória das emoções” e “Climas e dispositivos emocionais na escola”, que desenvolvem cada um dos temas abordados e através dos quais, O Professor Escolano mostra-nos como o espaço académico está fortemente impregnado pelo mundo formado pelo binómio das emoções e dos sentimentos, e como estes marcaram historicamente as relações e dinâmicas no que é conhecido como “cultura escolar”, uma construção ligada à esfera do conhecimento e da racionalidade.
É necessário, argumenta o autor, reescrever a história da educação, mergulhando nos seus silêncios e lacunas, incluindo as que afectam este binómio. Do mesmo modo, é necessário “reposicionar”, com base num novo pragmatismo, certas abordagens que têm distorcido a compreensão da cultura da escola, e da educação em geral, retirando-a da sua dimensão empírica ou material. Como salienta Heloísa Pimenta, através destas secções propostas pelo professor Escolano “tornam-se visíveis as práticas através das quais se materializam a governação das instituições educativas e a gestão das emoções; as representações das emoções em fontes textuais e iconográficas, em objectos materiais e nas narrativas dos sujeitos escolarizados; bem como os climas emocionais e os dispositivos de controlo da afectividade”. A obra termina com um Coda intitulado “Experiência & emoções”.
No Prefácio, a Dra. Pimenta Rocha começa por citar o historiador Lucien Febvre, que nos anos 40 apelou aos historiadores “para reconstruírem a vida afectiva do passado, colocando as emoções no centro da investigação histórica; uma tarefa que, segundo as suas advertências, se revelou extremamente atractiva e terrivelmente difícil”. Acrescenta ainda que os historiadores da educação não ficaram indiferentes a este discurso, e cita um artigo publicado em 2012 no qual o Professor Noah Sobe explorou as contribuições do estudo das emoções e dos seus efeitos na compreensão do passado educativo. Partindo da suposta legitimidade da história das emoções, “suas análises permitem prever o florescimento de estudos histórico-educativos que se voltem para as dimensões social e cognitiva da vida emocional. Apontam, ademais, para a possibilidade de que tais estudos não se limitem apenas às regras que prescrevem os comportamentos e regulam as condutas, mas contemplem também a experiência emocional dos sujeitos da escolarização”. Mais recentemente, Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine ou Georges Vigarello também estiveram envolvidos na tentativa de “fazer da emoção o objeto central de um estudo de longa duração”.
No Prólogo, a Dra. Vera Gaspar apela à escola como um local onde se pode “arquitetar formas mais solidárias e universais de existência e garantia de sobrevivencia”. Vera Gaspar pensa concretamente nesse Brasil “político” no final da segunda década do novo século, onde “muito do que imaginávamos educado se expressa, mundo afora, em ataques xenofóbicos, homofóbicos, racistas... numa onda de destruição”, como resultado dos feitos que tiveram lugar “em um país cindido, um Brasil assustado pelos resultados das eleições gerais, que incluem a presidência da República”.
Portanto, segundo Vera Gasar, é necessário enfrentar este cenário “buscando uns nos outros, amparo, força, equilíbrio e compreensão. E, no que nos cabe como ofício, cada um de nós, individualmente e no coletivo, precisará ajustar suas emoções para exercer sobre e com os outros uma educação sentimental de influência duradoura como nos ensina Agustín Escolano”.
No primeiro capítulo, “A educação e as emoções”, o Professor Escolano alude à concepção do cérebro humano como uma estrutura complexa na qual diferentes substratos impressos podem ser explorados como um palimpsesto. A memória também teria sido depositada em diferentes níveis ou registos que a evocação exumes e apresenta para análise e interpretação. Agustín Escolano argumenta que, seguindo este modelo de investigação, as nossas experiências vividas, tanto as associadas ao conhecimento como as que afectam as emoções, teriam acumulado em diferentes camadas da nossa memória pessoal e, por extensão e generalização, da memória colectiva.
A fundamentação para o tema é exposta em várias secções: As emoções e o passado: a virada afetiva; Corporalidade, emoções e educação; Antropologia, filosofia moral e emoções; Mundo emocional e cultura da escola. “As emoções, sublinha o Professor Escolano, foram um motor fundamental da evolução, da história e da vida em comunidade, entretanto os historiadores demoraram bastante tempo para se dar conta disso e, mais ainda, para valorizar a existência e o significado do mundo afetivo, na compreensão e na interpretação da antropologia subjacente às práticas pedagógicas, vigentes em cada um dos contextos das sociedades pretéritas”. Ao mesmo tempo, são apresentadas as ligações entre história e neurociência, dando origem a novas abordagens que tornarão possível integrar histórias afectivas num novo paradigma interpretativo, sem esquecer que, a partir do pensamento clássico, como Aristóteles, “as emoções e os sentimentos eram os motores primários da sociabilidade humana; por conta disso, fizeram a história nascer entre a tragédia, a comédia e a retórica”. Esta é uma percepção, reforçada na modernidade, pela nova visão integradora “mente/corpo” na obra de Blaise Pascal, David Hume e Adam Smith, até Rousseau, que, em Émile, oferece numerosas e precisas observações sobre a presença de sentimentos nas práticas educativas desenvolvidas em tempos anteriores, ainda dominantes na altura, mas prefiguraram o papel de liderança que as emoções iriam desempenhar no romantismo do século XIX, e onde quere aparecer "um deslocamento na forma de historializar as formas de socialização doméstica e escolar".
Mas será na pós-modernidade que haverá uma viragem, uma revalorização do mundo emocional, “um novo enfoque, sem dúvida mais global e integrado do que aquele que informou e sustentou os dualismos e idealismos, as emoções foram valorizadas no âmbito da história da sociedade e da configuração dos sujeitos que nela se educam”. E é precisamente esta nova sensibilidade que sustenta a chamada viragem afectiva, uma mudança interpretativa que está agora presente na história e numa grande parte das ciências humanas, e para a qual as correntes que surgiram há algum tempo atrás em neurociência e psicologia, preocupadas em integrar aspectos cognitivos e emocionais numa nova construção do comportamento humano, contribuíram em grande medida.
Para Escolano, tanto os sistemas de ensino tradicionais como os actuais são articulados e funcionam, para além dos modelos instrucionais que compõem os currículos e métodos, através de dispositivos sistémicos concebidos para regular o comportamento dos alunos e para ordenar as estratégias de governação das instituições de formação. E neste sentido, as punições disciplinares escolares, por exemplo, são estímulos emocionais de natureza aversiva que levam ao medo, à vergonha ou à culpa. As recompensas ou prémios, pelo contrário, têm sido sempre estímulos emocionais competentes que induzem sentimentos positivos, tais como alegria e felicidade. Rituais, de longa duração na vida escolar, que por vezes podem ser disciplinares e por vezes lúdicas, promovem sempre emoções e sentimentos de apego e identidade pessoal e comunitária.
As emoções, argumenta o autor, têm desempenhado um papel decisivo na educação prática, mesmo na base dos discursos pedagógicos teóricos. No entanto, os historiadores, abstraídos por interpretações logo-cêntricas e ideologias supostamente progressistas e emancipatórias do passado educacional, quase não tinham estado interessados em destacar esta dimensão dos modelos educacionais. Foram as novas disciplinas, com as quais os historiadores estão em diálogo, que levantaram questões sobre estes silêncios na história pragmática ou eficaz do mundo da educação, com a qual a história foi de facto moldada.
É necessário estimular, adverte o autor, uma história educativa renovada, capaz de compreender e interpretar as práticas dos sujeitos, ou seja, as acções e os resultados que advêm da experiência, onde é possível visualizar a cultura empírica criada pelos actores humanos. Uma cultura, como já foi discutido, em que as emoções estão explicitamente envolvidas. Uma nova visão historiográfica que procura uma perspectiva mais panorâmica da cultura e uma nova interpretação da experiência. É a lógica empírica do “senso comum” que informa o mundo quotidiano, tal como definido por Bourdieu; ou a cultura como prática, que é o título da conhecida obra de Zigmunt Bauman.
O segundo capítulo, titulado “A representação das emoções”, divide-se em tres apartados: As emoções na história registrada, Tempos, espaços, emoções, As emoções em manuais e escritas. Agustín Escolano aborda o estudo das emoções relacionadas com a vida escolar através das imagens que chegaram até nós, preservadas no arquivo histórico da educação. O autor sublinha que este exercício nos permite avaliar criticamente o valor da iconografia como fonte historiográfica, bem como outros aspectos relacionados com os processos de criação, circulação e apropriação de imagens, “processos esses que foram afetados, como se observou, por diversas questões contextuais e hermenêuticas. A imagem se constituiu, sem dúvida, a pesar das reservas críticas com que a examinamos, em uma das representações mais objetivas do passado, ao menos a de maior visibilidade”.
No terceiro capítulo, “Memória das emoções”, o autor introduz-nos no universo escolar emocional contido nas narrativas orais ou escritas ligadas à memória, analisando as representações, explícitas ou implícitas, evocadas pela memória. Estas representações estão sempre sujeitas ao efeito de “deformações, metamorfoses, idealizações, esquecimentos e outros trastornos e desvios, muitos dos quais são condicionados também pelas intenções e pelos sentimentos dos sujeitos e dos pesquisadores”. Assim, parte desta memória é evocada pelos espaços de actividade escolar, “domínios nos quais se realizou sua primeira educação, lugares que ficaram emocionalmente vinculados à memória biográfica”. Para isto, o autor utiliza duas experiências em Os espaços vividos. A primeira, pessoal, que se refere às emoções que experimentou quando encontrou, na maturidade, os cenários escolares da sua infância. A segunda refere-se a uma experiência colectiva, por ocasião do encontro realizado por um grupo de investigadores, de diferentes origens geográficas, num pequeno museu-escola nos arredores de Berlanga de Duero, onde está localizado o CEINCE.Esse encontro trouxe à tona emoções e sentimentos mais estruturados, que mostram as inter-relações entre culturas escolares de diferentes ambientes e a construção da subjectividade da memória social. Em Oralidade e memória emocional cita uma interessante pesquisa realizada numa zona fronteiriça entre o norte português de Trás-os-Montes e o noroeste espanhol da Galiza e Castela e León, que se centra na memória escolar das disciplinas, agora adultas, e nas suas memórias da escola frequentada durante as respectivas ditaduras de Franco e Salazar. Através de entrevistas pessoais específicas, verificou-se que não existiam diferenças marcadas tanto nas relações institucionais como nas relações sociais.
No quarto capítulo, “Climas e dispositivos emocionais na escola”, discute práticas educativas dirigidas ao domínio das emoções, que podem ser examinadas como acções semelhantes, àquilo a que Michel Foucault chamou “a microfísica do poder”. O Professor Escolano sugere que todas as biopedagogias de infância, concebidas como estratégias de poder, se concentrem em estabelecer “coações calculadas” com o objectivo de apoiar “a piedosa pastoral das almas e um saudável cuidado dos corpos”, onde se concentra a chamada “boa orientação”, e que afecta directamente o controlo das emoções e dos sentimentos; um conjunto de regras corporizado nesse tipo de “contabilidade moral” a que o próprio Foucault se referiu.
O Professor Escolano conclui na última parte, “Experiência & emoções. Coda final”, que a experiência de vida dos indivíduos está intimamente ligada ao mundo das emoções, como ele foi capaz de salientar ao longo da sua apresentação nos capítulos anteriores: “Entre ambas se tecem sinergias pragmáticas, que geram condutas interativas e remetem a uma formação discursiva coesa”. Uma simbiose observada pela neurociência, explorada pela antropologia cultural e apoiada pelo debate cultural proposto pela nova filosofia moral. Além disso, a história não está longe desta abordagem ao verificar que tanto o passado das sociedades como o dos indivíduos, “não é, de modo algum, um efeito derivado da racionalidade dos discursos, nem tampouco a consequência de uma determinada teleologia, mas o resultado do jogo de influências que operam na realidade, entre as quais cabe contar, necessariamente, com as que advêm do mundo das emoções e dos sentimentos”. A história do sujeito educado é uma síntese da sua socialização moral, forjada entre a sensibilidade pessoal do indivíduo e os códigos que emanam dos regimes ou climas emocionais, que por sua vez moldam a vida nas escolas como instituições de educação formal, bem como no contexto da civilização que as rodeia. “Se a historiografía educativa ignorar esta dimensão afetiva do passado das sociedades, suas conclusões sobrevoarão a realidade do mundo da vida na qual se formam os sujeitos, derivando para uma nova forma de alienação intelectualista e moral, isto é, para uma episteme enviesada e superestrutural”.
Emoções & Educação. Uma construção histórica da educação emocional é, para concluir, uma nova contribuição académica, na linha de trabalhos anteriores do Professor Agustín Escolano, intelectualmente provocadora, traçada em linguagem densa mas precisa, cheia de abundantes apelos à historiografia clássica e condensando diversas contribuições de filosofia, antropologia e pedagogia, bem como de história.
É completado com um tratamento iconográfico cuidadoso e atractivo, que é já uma característica do seu trabalho como um todo. Neste caso, um catálogo composto por quase uma centena de ilustrações a cores muito variadas reproduz as capas de livros escolares, fotografias de imprensa, extractos de cadernos, gravuras, fotografias, desenhos escolares, cartazes... que, em conjunto, distribuídos pelas seis secções, acompanham adequadamente os argumentos e explicações do autor e reforçam o discurso sobre as sinergias emocionais que a práxis educativa tem vindo a construir, como um palimpsesto, através dos seus diferentes agentes, o que hoje conhecemos como cultura escolar.
Através deste trabalho, Agustín Escolano proporciona um olhar renovado sobre as chaves e dispositivos do controlo afectivo que funciona na escola, que vem juntar uma intensa actividade de investigação em todas as áreas da prática escolar com atenção histórico-educacional. O Professor Escolano é também o criador e promotor do CEINCE (Centro Internacional de la Cultura Escolar), em Berlanga de Duero, na província de Soria, uma instituição essencial no contexto nacional e também um ponto de referência internacional para todos os estudiosos de manuais escolares, a partir do qual propostas e iniciativas constantes são constantemente irradiadas. Uma carreira académica e de investigação, em suma, de grande prestígio em Espanha e no estrangeiro, como o demonstra a sua nomeação como Doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa em 2015, para além de muitos outros prémios ao longo dos anos.