INTRODUÇÃO
Na perspectiva da educação inclusiva, a organização do trabalho pedagógico (OTP) no atendimento educacional hospitalar se configura como um ato educativo intencional que ocorre para efetivar o processo de ensino realizado por profissionais da educação. Tem por objetivo planejar e realizar ações educativas aos estudantes que estão impossibilitados de frequentar a escola, em virtude da situação de hospitalização ou tratamento de saúde, permitindo-lhes a continuidade do processo de escolarização.
O atendimento educacional hospitalar enquanto uma política educacional, tem como princípio consolidar o direito de todos à educação, sendo assegurado na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 (BRASIL, 1996). É mister destacar que recentemente o atendimento educacional hospitalar foi reconhecido como uma política educacional ao ser incluído na lei nº 13.796/18 (BRASIL, 2018, p. 02) que “assegura atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar [...]”, representando um avanço significativo tanto para educação quanto para saúde.
Cabe salientar que o termo atendimento educacional hospitalar foi empregado a partir da Lei nº 13.796 de 2018, pois até então, diferentes terminologias eram adotadas na literatura para mencionar o processo de escolarização que ocorre no ambiente hospitalar, apresentando assim, um impasse para o entendimento e análise desse fenômeno educacional. Outro aspecto de objeção que merece destaque, consiste na implementação do atendimento educacional em hospitais, embora a legislação nacional reconheça o direito à educação, a grande maioria dos hospitais do país não garantem a oferta desse serviço, principalmente nos hospitais particulares.
A partir do direito e da legalidade ao atendimento educacional hospitalar para crianças e adolescentes em tratamento de saúde e da necessidade da organização do trabalho pedagógico no ambiente hospitalar, essa investigação apresenta como problema de pesquisa, a seguinte indagação: Quais são as atribuições e contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar? Para responder essa indagação, esse artigo tem o objetivo de mapear e analisar as atribuições e contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar presente nas pesquisas acadêmicas, teses e dissertações.
A investigação ocorreu na plataforma digital do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), onde as pesquisas acadêmicas foram mapeadas durante o durante o período de 2008 a 2018 e analisadas a partir da técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2016). Para Vosgerau e Romanowski (2014), a pesquisa do tipo Estado da Arte, pode corroborar com o campo teórico investigado, ao elucidar restrições e elementos significativos no contexto investigado. Nesse tipo de pesquisa “o volume de produção pode ser grande, é usual, além de se estabelecer o campo de pesquisa e o tema pesquisado, definir um período de pesquisa, e estabelecer uma determinada fonte de dados, como artigos de uma determinada revista, teses e dissertações” (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014, p.171).
Esta investigação permite compreender melhor as atribuições e as contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar para que os profissionais da educação possam compreender e ressignificar a prática pedagógica no contexto hospitalar, assim como a melhoria da qualidade da aprendizagem em relação à convergência entre educação e saúde.
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO ATENDIMENTO EDUCACIONAL HOSPITALAR
No ambiente hospitalar a organização do trabalho pedagógico é promovida e estruturada por profissionais da educação, professor e/ou pedagogo e está relacionada ao acompanhamento pedagógico intencional e sistemático, com a mesma finalidade que ocorre na escola, porém o processo educativo no ambiente hospitalar é diferenciado.
A organização do trabalho pedagógico desenvolvida no ambiente hospitalar, configura-se em “ações de ensino e aprendizagem mais sistematizadas, às vezes individualizadas, sempre levando em conta as necessidades e as possibilidades de cada criança e ou adolescente” (SIMÕES; SALDANHA, 2016, p. 227). Santos e Menezes (2013), enfatizam que as atividades educativas no contexto hospitalar precisam atender as características do estudante e limitações do ambiente para contribuir no processo de democratização e universalização do ensino. Assim, “a organização do trabalho pedagógico é de vital importância para a efetivação do processo de ensino-aprendizagem, atendendo às suas necessidades diferenciadas” (SANTOS; MENEZES, 2013, p. 460).
Neste sentido, professores e/ou pedagogos enfrentam diversas interfaces para efetivar a organização do trabalho pedagógico diante das especificidades inerentes do contexto hospitalar. Exigindo assim, do professor e do pedagogo do atendimento educacional hospitalar “[...] diversos conhecimentos específicos, habilidades e técnicas [...]” que são fundamentais para exercer a ação educativa pautada nas características e nas circunstâncias próprias do ambiente hospitalar (FERREIRA, 2011, p. 166).
A organização do trabalho pedagógico em situações distintas, como no ambiente hospitalar, requer do professor e do pedagogo habilidades de “exercer suas atividades em sistemas integrados, em que as relações multi/inter/transdisciplinares devam ser estreitas” (MATOS; MUGGIATI, 2009, p. 116). Este sistema integrado, abordado pelas autoras, constitui-se por envolver o processo de ensino e aprendizagem, os profissionais da educação e da saúde, familiares, escola de origem do estudante e Secretarias de Educação, formando uma teia de relações que interagem em prol do estudante hospitalizado.
Cabe destacar que cada segmento no ambiente hospitalar exerce funções distintas, mas que se complementam quando tornam-se integrados para a efetivação do processo educacional dos estudantes em tratamento de saúde. Neste cenário, Ortiz (1999) destaca a relevância da ação do professor e do pedagogo como interlocutor e mediador, numa relação de intérprete dessas relações.
A organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar se constitui principalmente na reciprocidade entre os profissionais de saúde e da educação, num processo em que a educação integra-se ao sistema de saúde, requerendo do professor e do pedagogo uma estruturação do trabalho pedagógico especializado, considerando: o planejamento personalizado; a articulação com a família; a adequação de recursos e diferentes estratégias didático-pedagógicos para adaptação curricular; promover o vínculo com a escola de origem do estudante; facilitar a integração entre hospital, família e escola de origem do discente; a mediação entre o aluno e o ambiente hospitalar; seguir a proposta curricular da Secretaria de Educação Estaduais e Municipais, além das legislações educacionais.
Diante de alguns aspectos apresentados do atendimento educacional hospitalar, cabe reconhecer o caráter multidimensional, compreendido pelo princípio da interdependência e interligação entre os segmentos envolvidos no processo educativo hospitalar, ou seja, a relação que estabelece entre o estudante e o contexto, entre a equipe de educação e a equipe de saúde, entre o hospital e a escola, entre a família e o hospital, constituindo-se em uma teia complexa de relações. Neste sentido, Sá (2019, p. 47) expõe que o processo educativo se configura a partir do entendimento de que o “fenômeno educativo (escolar e não-escolar) é percebido em sua especificidade, em suas características multidimensionais, ao mesmo tempo, relacionadas de forma mediata ou imediata com um determinado contexto que também é multidimensional”, formando um sistema complexo.
A organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar é um sistema complexo que acontece por meio da ação pedagógica específica que integra educação e saúde, a fim de promover não só a recuperação da saúde, mas também a efetivação do direito à educação de qualidade.
METODOLOGIA DA PESQUISA
Esta pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo do Estado da Arte, apresenta-se como uma investigação que permite maior compreensão de um objeto investigado. Neste sentido, Vosgerau e Romanowski (2014, p. 172), enfatizam que a pesquisa do tipo Estado da Arte tem por finalidade mapear e analisar as produções acadêmicas de uma área específica, possibilitando constatar o que se conhece sobre o assunto, isso “[...] não se restringe a identificar a produção, mas analisá-la, categorizá-las e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas [...]”.
Na área da Educação, esse tipo de pesquisa permite compreender os elementos significativos da teoria e da prática pedagógica diante da sua complexidade, além de levantar indicadores que facilitem a compreensão do contexto investigado acerca dos problemas educacionais e das suas possíveis respostas.
A partir desse pressuposto, este estudo visa compreender como as pesquisas acadêmicas abordam as atribuições e as contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar. Assim, para mapear as pesquisas acadêmicas foram realizadas a identificação e a coleta de dados de forma online no Instituto Brasileiro de Teses e Dissertações (IBICT) na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A investigação ocorreu a partir da opção busca avançada, recurso disponível da plataforma digital. Foram levantadas algumas probabilidades de palavras-chave como: Pedagogia Hospitalar, Classe Hospitalar, Atendimento Pedagógico ao Escolar em tratamento de saúde e Atendimento Educacional Hospitalar. Foram utilizadas essas palavras-chaves, pois são as que mais aparecem em livros, artigos, teses e dissertações, referente a temática investigada.
No entanto, após realizar as probabilidades com as palavras-chave na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, foi possível identificar que a palavra-chave “Pedagogia Hospitalar” associada à “Pedagogo”, apresentou o maior número de pesquisas, 231, considerando que o recorte temporal foi de 2008 até 2018, dez anos investigados. É possível ratificar o uso do descritor através da investigação realizada por Ferreira (2015), onde o pesquisador realizou uma pesquisa de levantamento em bancos de Teses e Dissertações e identificou que a palavra-chave mais utilizada nas pesquisas acadêmicas para a escolarização que ocorre dentro dos hospitais é Pedagogia Hospitalar.
Com vistas a selecionar as teses e as dissertações que irão constituir o corpus de análise, foi efetuada uma leitura criteriosa do resumo e da introdução das 231 pesquisas, para identificar e separar os estudos que tratam da temática investigada, atendimento educacional hospitalar e organização do trabalho pedagógico. Dessa forma, o corpus de análise mapeado foi de 55 estudos acadêmicos, sendo 10 teses e 45 dissertações . Foram excluídas 176 pesquisas acadêmicas do corpus de análise, tendo em vista que as pesquisas correspondiam a outros aspectos do contexto hospitalar, como: psicologia, enfermagem, assistente social, bioética, medicina, entre outros.
Com a constituição do corpus de análise, os pesquisadores utilizaram a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2016), na parte das considerações finais das pesquisas acadêmicas, haja vista que nesta seção dos estudos retoma-se o problema de pesquisa, bem como os objetivos e as considerações que a pesquisa revelou. Os pesquisadores optaram pela análise de conteúdo de Bardin (2016), pois a técnica é muito utilizada em pesquisas de diferentes áreas do conhecimento, principalmente na educação. A técnica permite codificar e categorizar de forma sistemática a mensagem contida em textos, vídeos, imagens, entre outros materiais.
A análise de conteúdo proposta por Bardin (2016) ocorre a partir de três fases: (a) pré-análise, (b) exploração do material e (c) tratamento dos resultados. Na fase de pré-análise, ocorre o primeiro contato com o material que será analisado. Uma das ações que o pesquisador realiza nessa fase é a leitura “flutuante”. A leitura flutuante consiste em organizar e selecionar os documentos, bem como levantar hipóteses, objetivos e preparar o material para a próxima fase.
Na fase seguinte, denominada exploração do material, ocorre duas ações, a codificação e a categorização, sendo que o processo de codificação, consiste na criação de códigos para organizar o material analisado. “A codificação é o processo pelo qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes do conteúdo” (BARDIN, 2016, p. 133). Assim, a codificação permite a organização e a classificação das mensagens por meio da atribuição de um código para, posteriormente operar a categorização. Já a categorização, é a união dos códigos por incidência e semelhança semântica, de acordo com Bardin (2016, p. 147) “as categorias, são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos [...]”, esse agrupamento ocorre devido as características em comum entre os elementos.
A última fase, tratamento dos resultados, o pesquisador verificar os resultados de forma significativa e válida, utilizando recursos que permitem ressaltar informações evidenciadas pela análise, como operações estatísticas simples ou complexas, estabelecer quadros de resultados, diagramas e figuras. “O analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos - ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas” (BARDIN, 2016, p.131).
Na próxima seção, apresenta-se a análises de dados e os resultados levantados em 55 pesquisas acadêmicas que evidenciam os elementos das atribuições e das contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar.
ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS
Esta seção apresenta a análise dos dados a partir da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2016). O desenvolvimento da análise dos dados, a partir do que foi descrito na metodologia da pesquisa diante da preparação dos dados, exploração do material e o tratamento dos resultados, das 10 teses e 45 dissertações que constituíram o corpus de análise serão detalhados a seguir:
Fase 1 - Pré-análise: Os dados para análise foram coletados a partir da busca avançada na plataforma da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que ocorreu entre os dias 02 e 06 de outubro de 2019. Foram selecionadas 231 pesquisas acadêmicas, salvas em formato PDF e renomeadas com um código para identificação das mesmas. As dissertações receberam o código (D) e as teses (T), porém para diferenciar o autor foi incluído após a letra um número, como, por exemplo - D01. Em seguida foi realizada a leitura do resumo e introdução das 231 pesquisas, organizadas em três pastas - uma para as dissertações, uma para as teses e outra para as pesquisas que não apresentavam elementos para este estudo. Esta fase permitiu formar o corpus de análise desse estudo, sendo 10 teses e 45 dissertações.
Fase 2 - Exploração do material: A continuidade da análise ocorreu a partir da codificação e categorização nas considerações finais das 55 pesquisas acadêmicas. Codificação: nesta etapa da pesquisa, criou-se os códigos, os quais representam um sistema de símbolos que possibilitam organizar o processo de categorização. Foi realizada uma leitura crítica das considerações finais das pesquisas selecionadas e no momento da leitura onde aparecia atribuições e contribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar os códigos foram criados, resultando em 24 códigos para atribuições e 16 códigos para contribuições. Exemplos dos códigos criados durante a codificação: melhora na aprendizagem, reinserção escolar, acompanhar o currículo escolar, atividades planejadas, entre outros. Depois da codificação ocorreu a categorização, nesta etapa da pesquisa os códigos que se repetiram foram agrupados e deram origem as categorias, esta dinâmica possibilita associar elementos e estabelecer um significado emergido dos dados coletados, assim como identificar a incidência que o código teve. Os códigos que apresentaram maior incidência foram os seguintes: ensino e aprendizagem com 107 incidências e estratégias pedagógicas diversificadas com 80 em relação as atribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar. Nas contribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar emergiram os códigos: continuação da vida escolar com 51 incidências e atenção terapêutica com 36.
Fase 3 - Tratamento dos Resultados - Análise de Conteúdo: Os quatro códigos que apresentaram maior incidência foram submetidos as seguintes ações dos pesquisadores: (1) a leitura dos resultados evidenciados, a partir da análise detalhada das considerações finais das teses e dissertações (2) reconhecer e eleger os grupos de categorias para constituir um sentido e organizar categorias de significados. Ao reconhecer as categorias resultantes, a análise de dados permitiu verificar a incidência dos códigos nas teses e dissertações que constituíram o corpus de análise deste estudo, culminando no estado da arte que apresenta as atribuições e as contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar.
Apresenta-se a seguir uma sequência de quadros que retratam os fragmentos textuais retirados das considerações finais das pesquisas acadêmicas, com vistas a justificar cada categoria que esboça as atribuições e as contribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar.
No Quadro 1, exibe-se as categorias que emergiram da análise realizada nas teses e dissertações, elucidando as atribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar a partir do código “ensino e aprendizagem” que apresentou 107 incidências.
CATEGORIAS | TESE E DISSERTAÇÃO |
Acompanhar o Currículo Escolar | Quantidade de Incidência do código: 35 |
“[...] o trabalho educacional realizado no referido hospital tem conseguido quebrar a rotina hospitalar, resgatar a escolarização e a autoestima dos enfermos do HU por meio do ensino de conteúdos escolares [...]”. | D15, p. 14 |
“A aposta das professoras no seu fazer pedagógico gira em torno da vida pós-hospital na qual as mesmas procuram dar continuidade ao conteúdo do currículo de cada série dos seus alunos”. | D06, p. 96 |
“[...] classe hospitalar se configura numa estratégia pedagógica que possibilita o atendimento educacional especializado, que dá seguimento ao currículo escolar, [...]”. | D26, p. 86-87 |
Atendimento Pedagógico Integral | Quantidade de Incidência do código: 28 |
“[...] acreditando na importância da intervenção pedagógica em ambiente hospitalar, com a finalidade precípua para que a criança seja atendida em sua integralidade [...]”. | D32, p.157 |
“[...] recorremos ao histórico das instituições hospitalares configuradas como lugar da prática de saúde, buscando legitimá-las também como ambiente de práticas pedagógicas, no que tange à necessidade de prestar um atendimento integral à criança em questão”. | D55, p.113-114 |
“[...] educação nas classes hospitalares e do brincar é fundamentada nos princípios de cidadania e do direito à educação e à saúde, reconhecendo a necessidade de um atendimento integral à criança/adolescente hospitalizada [...]”. | D20, p.119 |
Fonte: os autores
Pode-se identificar no Quadro 1, que a categoria “acompanhar o currículo escolar” apresentou 35 incidências e constitui-se como uma atribuição da OTP no atendimento educacional hospitalar. Essa categoria evidencia que as pesquisas acadêmicas analisadas apontam que uma atribuição da OTP para o atendimento educacional hospitalar está relacionada à organização do processo de ensino e aprendizagem mediada a um currículo que permite a sistematização do conhecimento, a organização dos conteúdos para a aprendizagem no ambiente hospitalar. Tal organização é de extrema importância para a prática pedagógica do professor no hospital. A ação pedagógica educacional no ambiente hospitalar tem como intuito “à continuidade do ensino de conteúdos da escola de origem da criança e/ou o trabalho educativo com conteúdos programáticos próprios à cada faixa etária das crianças hospitalizadas” (CECCIM, 1999, p. 43).
Foi possível também reconhecer que uma atribuição da OTP em relação ao processo de ensino e aprendizagem no ambiente hospitalar está vinculada à importância em propiciar um atendimento pedagógico integral em atenção às necessidades de cada estudante, considerando os aspectos pedagógicos e clínicos. Para Wong (1999), o atendimento integral à criança em tratamento de saúde deve estar pautado nas diferenças individuais e nas reais necessidades de cuidados do hospitalizado. Compreende-se ainda, que para assegurar um atendimento pedagógico integral, requer uma ação pedagógica ampla que considere a articulação entre a educação e a saúde, que respeite as necessidades, a diversidade e o ritmo de cada estudante. Neste sentido, Matos e Muggiati (2009), enfatizam que a ação pedagógica precisa ser compreendida a partir de uma visão sistêmica da realidade do estudante e do contexto hospitalar, uma perspectiva integradora, que prioriza o conceito integral de educação para promover o aperfeiçoamento humano.
Outro código que mostra maior incidência e semelhança nas pesquisas acadêmicas analisadas, foi “estratégias pedagógicas diferenciadas”, com 80 incidências, como atribuição da OTP no atendimento educacional hospitalar conforme o Quadro 2.
CATEGORIAS | TESE E DISSERTAÇÃO |
Atendimento adequado às necessidades educacionais específicas | Quantidade de Incidência do código: 35 |
“[...] às necessidades educacionais especiais da pessoa enferma (flexibilização de tempo e espaço, reconhecimento das potencialidades e das limitações decorrentes do estado de saúde, respeito ao ritmo e condições de saúde, utilização de tecnologias assistivas) é uma forma de tratamento diferenciada [...]”. | D63, p.79 |
“[...] as professoras afirmaram realizar algumas adaptações nas atividades desenvolvidas, tanto na forma de aplicação das estratégias utilizadas, quanto na realização de adequações dos recursos utilizados, sempre no intuito de atender as necessidades específicas de aprendizagem das crianças hospitalizadas”. | T10, p.196 |
“[...] pudemos comprovar também que a intervenção pedagógica focada na singularidade, considerando as necessidades de cada criança, é capaz de alcançar êxito na aprendizagem em tempo curto”. | T02, p.75 |
Acompanhamento Pedagógico Significativo | Quantidade de Incidência do código: 22 |
“[...] no contexto pedagógico hospitalar, as atividades lúdicas contribuem inegavelmente para um atendimento pedagógico mais sensível e significativo ao educando enfermo”. | D02, p.116 |
“[...] professores hospitalares requer divulgação para que outros possam ter acesso e apreender aquilo que for significativo, refletindo, adaptando e reorganizando o serviço pedagógico-hospitalar, [...]”. | T03, p.108 |
“[...] se faz necessário que os envolvidos no processo ensino-aprendizagem se distanciem de ‘modelos’ tradicionalmente restritivos e acríticos. Aprendizagem significativa pressupõe experiências vividas no cotidiano e saberes compartilhados dotados de sentidos”. | T06, p.177 |
Fonte: os autores
Identifica-se, no Quadro 2, a categoria “atendimento adequado às necessidades educacionais específicas” que apresentou 35 incidências em relação à atribuição da OTP no atendimento educacional hospitalar. É possível de verificar, a partir da análise dos fragmentos das pesquisas, que este código estabelece conexão com a execução de estratégias pedagógicas diferenciadas no processo de ensino e aprendizagem, tal ação permite que a prática pedagógica do professor possa considerar as necessidades educacionais específicas dos alunos, pois o atendimento educacional hospitalar tem como característica atender as carências de aprendizagem que o aluno apresenta. O número de incidência enfatiza a relevância de estabelecer estratégias pedagógicas diferenciadas para atender as necessidades educacionais específicas dos estudantes, um atendimento educacional direcionado àquele que não conseguiu aprender.
Ao encontro do que as pesquisas demonstraram, Matos e Muggiati (2009) destacam que o desenvolvimento de estratégias educacionais específicas é fundamental, pois tem o objetivo de adaptar as condições de aprendizagem do contexto hospitalar, estas por vezes, são diferenciadas das que se desenvolvem no contexto escolar. Corrobora, Fonseca (2008), as estratégias diferenciadas para enfrentar as necessidades especiais no ambiente hospitalar, deve ser compreendido a partir da escuta pedagógica que além de considerar as peculiaridades, cabe atender as necessidades e interesses dos estudantes, são importantes adequações que possibilitam uma educação inclusiva e de qualidade.
Com relação as contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar, as pesquisas acadêmicas apresentaram o código “continuidade da vida escolar”, com 51 incidências, conforme demonstra o Quadro 3.
CATEGORIAS | TESE E DISSERTAÇÃO |
Reinserção na escola regular | Quantidade de Incidência do código: 31 |
“Concluímos então que, a educação oferecida no contexto da classe hospitalar tem possibilidades de favorecer a reinserção da criança na escola regular, e assim contribuir para minimizar a defasagem escolar”. | T10, p.199 |
“[...] à educação das crianças e adolescentes hospitalizados, para diminuir as taxas de repetência e evasão relacionadas às ausências da escola por motivo de internações e para favorecer a reintegração destas crianças e adolescentes à escola de origem após a alta hospitalar”. | D21, p.83 |
“[...]acompanhamento pedagógico realizado na classe hospitalar lócus da pesquisa, e afirmar a importância desse acompanhamento para a não ruptura do processo de escolarização e, consequentemente, nos processos de entrada e retorno à escola regular”. | D42, p.162 |
Inclusão Social | Quantidade de Incidência do código: 08 |
“[...] o aspecto de inclusão social/educacional que, também, caracteriza esta temática, encontrado nos diversos documentos orientadores da Educação Especial e, especialmente, da modalidade Atendimento Pedagógica Hospitalar/Domiciliar. Todos/as entrevistado/as concebem que o Naeh promove a inclusão [...]”. | T05, p.163 |
“Um olhar diferenciado e práticas educativas inovadoras com relação ao atendimento diversidade e a inclusão social se fazem necessários nesse âmbito [...]”. | D45, p.96 |
“[...]a classe hospitalar é de fato um espaço que investe na vida do indivíduo, de modo que a continuidade do seu processo de escolarização é importante e garante a sua posterior reinserção ao grupo escolar e à vida social como um todo”. | D61, p.152 |
Fonte: os autores
No Quadro 3, identifica-se que a categoria “reinserção na escola regular” apresentou 31 incidências e constitui-se como uma contribuição da OTP no atendimento educacional hospitalar. Os resultados das pesquisas acadêmicas revelaram que a OTP no atendimento educacional hospitalar contribui para a continuidade da vida escolar do estudante hospitalizado e a reinserção do discente na escola regular. Os achados no estudo reforçam que o atendimento educacional hospitalar além de possibilitar a reinserção na escola regular, promove a redução da defasagem escolar e diminui as taxas de repetência e evasão escolar, fortalecendo assim, o vínculo do estudante hospitalizado com o processo de escolarização. Para Matos e Muggiati (2009) enfatizam que o atendimento educacional hospitalar apresenta um enfoque instrutivo com finalidade de promover a continuidade da escolarização, para manter o processo de aprendizagem da vida escolar e constituindo assim como motivação para continuidade da vida na sociedade. Nesta perspectiva, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001, p. 39-40) expressam que “as classes hospitalares [...] devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e [...] de aprendizagem de alunos matriculados em escolas de educação básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, [...]”.
Outro resultado explicitado nas pesquisas acadêmicas, quanto as contribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar, refere-se ao código “atenção terapêutica” com 36 incidências, que apresenta-se no Quadro 4.
CATEGORIAS | TESE E DISSERTAÇÃO |
Biopsicossocial | Quantidade de Incidência do código: 22 |
“[...] estudar no momento da hospitalização pode proporciona a criança em tratamento oncológico os seguintes benefícios: o desenvolvimento cognitivo, por meio das atividades acadêmicas; o equilíbrio emocional, pelo cuidado e afetividade desenvolvidos na relação professor e aluno; e a sociabilidade, pelo estímulo as relações interpessoais que as ações pedagógicas propiciam. Isso tudo concorrer para a promoção do bem-estar físico do escolar doente, auxiliando no tratamento de saúde e cumprindo os princípios da integralidade da assistência”. | D33, p.119 |
“[...] a escola alarga a sua função para além de seus muros, sendo do hospital a promoção da saúde física, emocional, cognitiva e social, auxiliado pelo trabalho do pedagogo, [...]”. | D57, p.153 |
“[...] o grupo de saúde do hospital e o grupo pedagógico da escola, promoveu a minimização da solução de continuidade do seu processo de desenvolvimento e crescimento, pelo atendimento adequado das suas necessidades cognitivas, afetivas e psico-motoras, tendo como resultado: atendimento integral do bem-estar biopsicossocial da criança [...]”. | T01, p.119-200 |
Tratamento de Saúde | Quantidade de Incidência do código: 10 |
“[...] as contribuições atribuídas pelos sujeitos da pesquisa, vão muito além da continuidade aos conhecimentos escolares, elas perpassam pela atenuação do sofrimento, promoção de momentos de diversão, apoio psicológico, resgate ao prazer de estudar, favorece a adesão do tratamento e contribui significativamente na atenção terapêutica”. | D35, p.90 |
“[...] as crianças/adolescentes hospitalizados quando recebem acompanhamento pedagógico durante a internação, melhoram seu estado clínico e abreviam o seu tempo de internação, [...]”. | D20, p.118 |
“[...]segundo os depoimentos, estabelecer confiança recíproca entre o professor e o escolar hospitalizado, a par dos aspectos cognitivos e técnicos. Essa condição proximal é decisiva para o escolar hospitalizado no processo de melhora do seu estado de saúde, bem-estar e qualidade de vida”. | T06, p.160 |
Fonte: os autores
Evidencia-se no Quadro 4 que a categoria “biopsicossocial” apresentou 22 incidências. Os achados nas pesquisas acadêmicas revelaram que a OTP no atendimento educacional hospitalar contribui para a realização de ações terapêuticas a partir de uma visão biopsicossocial, ações essas que podem ser compreendidas por promover o bem-estar físico, emocional, cognitivo e social, melhorando a qualidade de vida dos estudantes hospitalizados. É importante que a OTP no ambiente hospitalar possibilite que a equipe multiprofissional do hospital possa juntamente com o professor contribuir com ações específicas de outros profissionais da área da saúde para ajudar no equilíbrio emocional, afetivo e social do discente, favorecendo assim, a continuidade dos estudos e o tratamento de saúde. Ferreira (2017), sustenta que prática pedagógica no atendimento educacional hospitalar precisa considerar os fatores biológicos, psicológicos e educacionais, e para que o docente tenha uma visão sistêmica do discente, é necessário que o docente tenha constituído em sua ação educativa o saber biopsicoeducacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa foi desenvolvida com a finalidade de investigar e analisar os resultados de teses e dissertações, no período de 2008 a 2018, de modo a evidenciar as atribuições e as contribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar.
Os achados das pesquisas inferem que as atribuições da organização do trabalho pedagógico no atendimento educacional hospitalar possibilitam que o processo de ensino e aprendizagem se constitua por meio de uma ação pedagógica pautada no acompanhamento do currículo escolar e no atendimento pedagógico integral.
As pesquisas revelaram também que a OTP no atendimento educacional hospitalar tem a função de cooperar na execução de estratégias pedagógicas diferenciadas para atender as necessidades educacionais específicas dos estudantes internados. Exigindo uma prática pedagógica que extrapole as metodologias tradicionais e promova acompanhamento pedagógico significativo, por meio de ações educativas que contemplem os interesses e as necessidades de cada estudante, realçando a complexidade que representa a organização do trabalho pedagógico no ambiente hospitalar.
Destaca-se as perspectivas que emergiram da pesquisa quanto as contribuições da OTP no atendimento educacional hospitalar. Foi possível identificar que o atendimento educacional hospitalar favorece o processo formativo do estudante hospitalizado ao proporcionar a continuidade da vida escolar, reconhecendo a relevância para reinserção escolar e inclusão social do estudante hospitalizado, constituindo-se como uma possibilidade de garantir o direito à educação.
O acompanhamento pedagógico no ambiente hospitalar, permite manter o vínculo do estudante hospitalizado com o processo de escolarização, reduz o prejuízo do processo de ensino e aprendizagem e a defasagem do currículo escolar, tornando assim, o contexto hospitalar menos hostil.
Por meio da investigação realizada foi possível verificar que a organização do trabalho pedagógico contribui para o atendimento educacional hospitalar quando possibilita que ações terapêuticas promovam o bem-estar físico, psicológico e o social, permitindo que a equipe multiprofissional do hospital, juntamente com os professores estejam envolvidos na escolarização do aluno a partir de uma visão biopsicossocial em sintonia com a melhoria da qualidade de vida do estudante.
O estudo também permitiu compreender o ambiente hospitalar como um espaço que excede os aspectos da saúde. O atendimento educacional hospitalar estabelece uma conexão entre educação e saúde, com intuito promover a continuidade da vida escolar juntamente com à atenção terapêutica. Neste sentido, a instituição hospitalar que até pouco tempo era entendida como lugar da prática da saúde, revela-se também como espaço para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem, por meio do atendimento educacional hospitalar.