Introdução
Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, foi descoberta uma nova variante do coronavírus, o Sars-CoV-2, que resultou na pandemia da COVID 19. Esta exigiu diversas mudanças em toda a sociedade, pois, além de ser muito contagiosa, sua transmissão ocorre pela inalação ou pelo contato direto com gotículas salivares que contêm o vírus. Por causa da pandemia, toda a população precisou se manter em distanciamento social por mais de um ano para evitar o contágio desse vírus (DUTRA et al., 2020), demandando, então, uma readaptação no modo de vida, como também das instituições de ensino para que o processo educacional se tornasse possível nesse período.
O ensino remoto emergencial, que ocorreu devido à pandemia da COVID 19, foi autorizado pelo Ministério da Educação pois, conforme o § 4º presente na Seção III do Ensino Fundamental da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, “O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino à distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais” (BRASIL, 1996). Assim, a alternativa das escolas foi a implantação do ensino através da intensificação do uso das diferentes tecnologias educacionais, a chamada Educação 4.0. No entanto, as diversas condições de ensino nas instituições escolares do país, somadas às múltiplas realidades das famílias brasileiras, dificultaram tal processo em muitas escolas, sobretudo nas públicas. Para além da desigualdade evidenciada entre as escolas brasileiras, ainda foi difícil o rompimento de barreiras e adaptações à nova realidade, como a confecção de materiais didáticos que pudessem ser utilizados no modelo remoto e novos formatos de estruturas de avaliação.
A nova rotina educacional impactou tanto a vida dos discentes como também a rotina de trabalho do professor e as relações entre educador e aluno. Nesse contexto, o presente artigo discorre sobre a concepção de professores da Educação Básica a respeito dos impactos do ensino remoto durante a pandemia da COVID 19, visando compreender as maiores dificuldades encontradas pelos professores e alunos, na visão do docente, como também os desafios que estarão presentes no cotidiano escolar nos próximos anos.
Reflexões conceituais
Para acompanhar as diversas evoluções e transformações contemporâneas, a educação precisou se adaptar várias vezes. Atendendo às necessidades exigidas pela Quarta Revolução Industrial 4 e pela nova era tecnológica, o uso de tecnologias digitais vem revolucionando o processo de ensino e aprendizagem e aumentando o uso das mídias digitais dentro das escolas, o que culminou no surgimento da chamada educação 4.0 (FÜHR, 2018), que tem como principal objetivo a formação de indivíduos proativos e criativos. Melo e Oliveira (2019) apontam que é preciso que sejam fomentadas nos estudantes, atitudes como flexibilidade de tempo, a partir do desenvolvimento de habilidades como disciplina, organização, proatividade, empreendedorismo, espírito inovador, sabendo gerir o tempo e ter produtividade. Tais atitudes fazem parte de dificuldades encontradas nos jovens da atualidade e podem ser desenvolvidas com o auxílio das tecnologias educativas.
Com o passar dos anos, a educação vem se organizando e funcionando cada vez mais em torno dessas tecnologias, fazendo com que os estudantes que hoje estão na Educação Básica se tornassem cada vez mais usuários das novas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) (COSTA et al., 2015). Por viverem, então, rodeados em um mundo por tantas tecnologias e por utilizarem frequentemente as mídias digitais, são denominados nativos digitais, sendo reconhecidos como falantes nativos da linguagem digital (FRANCO, 2013). No entanto, dois pontos precisam ser destacados: (1) a maioriados docentes não possuem tanta habilidade com as tecnologias e, para isso, precisarão estar dispostos a se adaptar ao uso das TDICs (CASTRO et al., 2015); (2) apesar de os alunos que hoje estão matriculados na educação básica serem considerados nativos digitais, é preciso que sejam orientados pelos professores quanto ao uso consciente da tecnologia (SILVA; CORREA, 2014), auxiliando-os na reconstrução do conhecimento.
Segundo Mometti (2020), fez-se necessário que houvesse mudanças nas práticas pedagógicas e, principalmente, inclusão do mundo digital ao planejamento das aulas e aos conteúdos abordados diante da pandemia da COVID 19. Tendo em vista a conjuntura encontrada na educação durante a crise pandêmica, a formação docente deve ser repensada, para que os professores estejam cada vez mais adaptados ao uso dasmídias digitais (MOMETTI, 2020). De acordo com Theodoro et al. (2015), as instituições de ensino responsáveis pela formação de futuros professores necessitam analisar e discutir os obstáculos que aparecem nas diversas situações de aprendizagem, pesquisando quais os melhores métodos de ensino que atendam não só às demandas dos conteúdos curriculares como também a uma formação completa no que concerne a um mundo mais conectado.
Nesse sentido, Lemes e Santos (2021) também destacam que a educação não pode ignorar a necessidade em delinear estratégias e metodologias para que os professores estejam preparados para a nova realidade e que possuam formação adequada fazendo com que os discentes possam atuar futuramente de acordo com as necessidades exigidas pelo mundo globalizado. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, é preciso que o estudante seja preparado cada vez mais para atuar em uma sociedade que está em constante mudança com o uso mais intenso de tecnologias que provavelmente farão parte de futuras profissões (BRASIL, 2018).
O uso das diferentes ferramentas pedagógicas deve ser processual, abarcando não só a apresentação dos conteúdos curriculares, como também as diversas formas de avaliação, uma vez que o principal objetivo do ato de avaliar deve ser a busca pela melhoria contínua da aprendizagem e não deve se limitar ao âmbito da sala de aula, atendendo aos aspectos burocráticos sem a preocupação do que fazer com os resultados que serão obtidos (GRIZENDI et al., 2008).
O uso das novas tecnologias educacionais para além de ferramentas de construção de conhecimento acadêmico e modelos de avaliação, deve ser implementado com o objetivo de preparar os alunos para as mudanças do mundo. No entanto, a pandemia da COVID-19 fez com que a implantação de diversas metodologias de ensino pautadas no uso da tecnologia ocorresse de forma rápida e sem planejamento, o que impossibilita ou mesmo dificulta a criação de uma correta cultura digital entre os jovens, diminuindo a potencialidade das ferramentas digitais. Outro ponto a ser considerado é que ainda é precária a instalação de rede de internet nos lares brasileiros, o que dificultou a implantação do ensino remoto para os alunos de algumas escolas.
Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019 evidenciou como o uso da internet pela população brasileira ressalta a desigualdade socioeconômica entre os estudantes. Isso porque 98,4% dos alunos das escolas particulares tinham acesso à internet, enquanto apenas 83,7% dos discentes das escolas públicas tinham acesso (IBGE, 2019). Durante o ano de 2019, mais de 4 milhões de estudantes das instituições públicas não navegaram na internet, evidenciando ainda mais a desigualdade entre os estudantes. Sendo assim, a desigualdade socioeconômica, que ficou ainda mais evidente durante a pandemia, foi um grande dificultador da implantação de um ensino remoto de qualidade, tornando a educação escolar mais distante da realidade de muitos alunos, principalmente pela ausência de recursos e ausência de autonomia dos docentes durante esse período (OLIVEIRA et al., 2021).
Considerando-se também a importância do estabelecimento da estreiteza de relações nos espaços escolares (FREIRE, 1997), o uso de tecnologias sem um planejamento prévio e coerente, sem a formação docente adequada para tal, pode ser um fator desencadeador de isolamento social feito pela e através das telas.
Percurso metodológico
Foi realizada uma pesquisa com 45 professores da Educação Básica pertencentes ao banco de dados do grupo "Desenvolvimento e Inovação em Ensino de Ciências’’ da Universidade Federal Fluminense (DIECI UFF), sendo todos docentes de Ciências ou Biologia visto que o trabalho do DIECI é voltado para o ensino de Ciências. Para tal, foi construído um questionário com perguntas discursivas e objetivas, validado por três professores, na plataforma Google Forms. Em seguida, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa em 23 de março de 2021, com número CAAE 44419821.7.0000.5243, e aprovada em 22 de abril de 2021.
O grupo de pesquisa DIECI UFF disponibilizou uma lista com e-mails dos professores e, assim, foi enviado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois de assinado, foi enviado o questionário, que não necessitou de identificação, na forma de lista oculta, impossibilitando a identificação dos convidados e a visualização dos dados de contato dos outros participantes. Os dados adquiridos pelo questionário foram analisados por meio de planilhas e gráficos utilizando o Microsoft Excel e Microsoft Word, versão Windows 10.
Apresentação e discussão dos resultados
A pesquisa teve adesão de todos os professores requisitados, totalizando uma amostra de 45 docentes. O levantamento do perfil dos participantes apontou que 40% tinham entre 31 e 40 anos, mais de 60% eram do gênero feminino, 40% dos entrevistados possuíam entre 6 e 15 anos de magistério e 42,2% atuavam na rede pública. Além disso, mais de 60% dos docentes relataram trabalhar com turmas do 6° ano do Ensino Fundamental II, 2ª e 3ª séries do Ensino Médio.
Dentro do contexto de ensino remoto imposto pela pandemia, os professores passaram a utilizar mais os recursos tecnológicos. No entanto, 51,1%dos docentes participantes disseram que já utilizavam frequentemente tecnologias em suas aulas antes do início da pandemia, apontando vídeos como o recurso mais usado (90%), sendo alguns desenvolvidos pelos próprios docentes. A segunda tecnologia mais citada após os vídeos foram os slides. Ressalta-se que a maioria dos participantes da pesquisa têm entre 31 e 40 anos, ou seja, não fazem parte da geração dos nativos digitais (PALFREY; GASSER, 2011), o que talvez implique maior uso de materiais como vídeos e slides, que são mais “antigos” e, portanto, mais conhecidos e acessíveis para os professores.
Apesar de destacarem o uso das tecnologias dentro das salas de aula antes do início do ensino remoto, quase 50% dos docentes apontaram que a maior dificuldade encontrada no modelo de ensino online foi a adaptação às plataformas digitais, sendo mais presente nos professores com 60 anos ou mais (100%) e entre 41 e 50 anos (87,5%). A dificuldade com a nova realidade digital pode ser refletida pelo fato de eles não serem considerados falantes nativos da linguagem digital. Os docentes que já possuíam domínio das tecnologias provavelmente não tiveram tanta dificuldade e possivelmente conseguiram suprir as necessidades de cada aluno de forma individualizada, o que não representa nem 10% dos professores entrevistados. Dessa forma, Mometti (2020) ressalta que a utilização das tecnologias dentro das salas de aula trouxe para a educação desdobramentos no que se refere à formação docente. Entendendo que algumas práticas relacionadas ao ensino remoto podem permanecer presentes nos sistemas educacionais, faz-se necessário que os sistemas de ensino públicos ou privados auxiliem os professores em formações continuadas para que estejam preparados para a realidade de uso das tecnologias, em suas aulas, assim como essa formação precisa estar presente nos diversos cursos de licenciaturas (LEMES; SANTOS, 2021).
Em relação à interação professor-aluno, que para Freire (1997) é um processo importante para o desenvolvimento da aprendizagem, 84,4% dos entrevistados com idade entre 20 e 60 relataram que tiveram dificuldades em interagir com os estudantes durante o período pandêmico e alguns docentes (17,7%) revelaram que as tecnologias os afastaram de seus alunos. A pouca convivência com outros jovens provavelmente foi um dos fatores que influenciou na socialização, o que também refletiu na interação do docente com o aluno, visto que essa fase da vida é fundamental para que os indivíduos consigam estabelecer relações (OLIVEIRA, 2021). Além disso, a pandemia influenciou no aumento dos níveis de ansiedade e estresse, inclusive de indivíduos considerados saudáveis, além de acentuar os sintomas daqueles que possuem transtornos psiquiátricos pré-existentes (SHIGEMURA et al., 2020).
A falta de estabelecimento de relações associada a transtornos depressivos e de ansiedade afetaram diretamente o interesse dos discentes, provocando ainda mais o professor quanto ao uso de novas metodologias de ensino. Dessa forma, 80% dos participantes da pesquisa apontaram que para manter e/ou despertar o interesse dos alunos, optaram por utilizar videoaulas curtas e muitos relataram a preferência por aulas ao vivo, denominadas como síncronas, pois essas aulas tornavam mais fácil o contato direto com os alunos, mesmo que através das telas, e se tornavam mais dinamizadas e produtivas. Ademais, em respostas discursivas sobre a utilização de novas estratégias durante o ensino remoto, alguns professores relataram que utilizaram memes, gravaram paródias e fizeram experimentos tele transmitidos, para tentarem suprir a ausência dos laboratórios. Essas ferramentas, por apresentarem aspectos lúdicos, são vistas como ótimas alternativas para melhorar o desempenho dos estudantes em alguns conteúdos que são considerados de difícil aprendizagem (CAMPOS et al., 2003).
Para além da adaptação às plataformas digitais, escolha e conhecimento de metodologias que auxiliassem nas relações e despertassem o interesse dos alunos, os docentes apontaram como fator complicador a alta demanda de tempo para preparação das aulas. Dos participantes da pesquisa, apenas 4,4% relataram que levaram menos tempo na preparação de materiais para o uso remoto em relação ao presencial, visto que, além da preparação das aulas, os docentes precisavam dispor do tempo para adaptação às plataformas, adequação do planejamento e postagem dos materiais. A falta de tempo relatada por muitos entrevistados é uma das principais consequências das condições de trabalho dos professores da educação básica brasileira. Jacominni e Penna (2016) ressaltam que a acentuação na desvalorização social do trabalho docente, consequentemente o baixo salário, faz com que os docentes aumentem suas jornadas de trabalho, acarretando insuficiência de tempo para adequação às plataformas digitais e tampouco para explorar as ferramentas tecnológicas.
Do ponto de vista de 62,2% dos entrevistados, houve situações positivas no ensino remoto, como a importância da adaptação dos alunos à modalidade remota com a utilização das ferramentas tecnológicas educativas, pois, apesar de nascidos em uma era digital, a maioria dos estudantes só utilizava as redes sociais como mídias digitais e, muitas vezes, sem a criticidade necessária que o mundo virtual demanda. No entanto, apontaram que o maior ponto negativo da pandemia para o processo de ensino e aprendizagem foi o aumento do abismo entre o ensino público e o ensino privado. A pesquisa sugere um aumento da desigualdade social e educacional no país, visto que grande parte das instituições privadas conseguiu adaptar as aulas rapidamente, enquanto muitos dos estudantes das escolas públicas não tinham os recursos mínimos necessários para que as aulas continuassem remotamente. De acordo com Cunha et al. (2020), algumas famílias não possuem aparatos suficientes para a conexão, ao mesmo tempo, de todos que precisam, sendo a prioridade dos que trabalham; outros estudantes dependem de vizinhos para conseguirem acesso à internet e diversas outras situações que impediram a presença e a participação dos alunos durante o ensino remoto.
Os pontos negativos da pandemia e, consequentemente, do ensino remoto apontados pelos professores são corroborados pela dificuldade dos alunos para acessar o material disponibilizado pelos docentes, uma vez que 62,2% dos entrevistados relataram que mais da metade da turma teve dificuldade para acessá-lo. Além disso, 91,1% dos docentes destacaram que o acesso à internet foi um grande empecilho para que os alunos pudessem acessar o material e quase 98% dos entrevistados consideram que o acesso à internet foi um fator relevante para o menor rendimento dos alunos. No ano de 2019, muitos estudantes, principalmente de escolas públicas, não tiveram acesso à internet e, possivelmente, diversos desses jovens permaneceram sem conexão ou tiveram pouca, durante a pandemia, o que dificultou ou impossibilitou o ensino remoto (IBGE, 2019).
Ainda em concordância à diversidade de público atendido na modalidade remota e relacionando a rede de ensino na qual o professor atua com o nível de estrutura que os alunos possuem em suas casas, pode-se verificar uma grande desigualdade socioeconômica entre os estudantes. Dos professores entrevistados que atuam nas escolas públicas, mais de 45% afirmaram que quase nenhum aluno teria em casa a mesma estrutura que a escola proporciona. Enquanto dos docentes que atuam na rede privada, quase a mesma porcentagem ressaltou que a maioria dos alunos possuía a mesma estrutura em ambos os lugares. Ao comparar a rede de ensino nas quais os professores atuam com os maiores entraves encontrados pelos alunos, segundo os docentes, mais de 89% dos estudantes de ambas as redes tiveram problemas com a internet. Nesse sentido, pode-se supor que a qualidade da internet afetou diretamente o ensino dos discentes de ambas as redes. Dos entrevistados, mais de 78% que atuam na rede pública relataram que seus alunos tinham pouco ou nenhum acesso a dispositivos eletrônicos. Enquanto na rede privada, menos de 35% dos professores acreditam que os estudantes tinham pouco ou nenhum acesso aos dispositivos eletrônicos, evidenciando ainda mais a desigualdade social no contexto escolar.
A ausência de infraestrutura digital domiciliar, como ausência de internet e/ou dispositivos eletrônicos, impediu, de acordo com os professores participantes da pesquisa, que muitos estudantes das escolas públicas participassem das aulas, executassem as atividades etc. Essa situação, imposta pelo ensino remoto, ressalta ainda mais a desigualdade existente entre os estudantes e, de acordo com muitos docentes, fez com que aumentasse ainda mais o abismo entre o ensino público e privado. Assim, a educação nesse período foi uma realidade muito distante para muitos estudantes, principalmente das escolas públicas, devido à ausência de recursos midiáticos (OLIVEIRA et al., 2021).
Para além das dificuldades relacionadas à conexão às aulas de modo online, outros problemas estruturais foram levantados por mais de 42% dos docentes que lecionam nas escolas públicas, como o acesso às refeições que eram oferecidas pelas instituições de ensino, fator relevante para o bom desempenho escolar, além da falta de obtenção de livros e outros materiais de apoio ao estudo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o ensino remoto impossibilitou que vários alunos tivessem acesso a diversos materiais e atividades que só eram possíveis com o ensino presencial (UNICEF, 2020), o que provavelmente ocasionou maior desmotivação dos estudantes.
Segundo Souza et al. (2020), a falta de investimento na educação pública é um fator agravante do abandono escolar, sendo provavelmente um dos principais fatores que levou a mais de 84% dos entrevistados que atuam na rede pública afirmarem que seus alunos se sentiram desmotivados ou perderam o interesse escolar, uma vez que não houve real investimento do poder público em infraestrutura para que os discentes pudessem participar do ensino remoto. Além disso, com o início da pandemia e, consequentemente, o aumento de pessoas desempregadas, muitos estudantes precisaram começar a trabalhar para suprir suas necessidades básicas, o que dificultou ou impossibilitou os estudos para muitos deles. Somado à falta de tempo, diversos desses jovens se sentiram ainda mais desmotivados, o que levou, no ano passado, ao aumento de mais de um milhão no número de crianças e jovens que abandonaram as escolas, de acordo com uma pesquisa realizada pela UNICEF (UNICEF, 2020). O alto índice de evasão escolar, aliado ao baixo comprometimento com os estudos sugerem que o cenário educacional nos próximos anos demandará muita atenção por parte de gestores e educadores, além da necessidade de estabelecer estratégias educacionais que possam suprir os danos causados nos estudantes que vivem seus tempos escolares durante mudança tão brusca no modelo de ensino.
Em relação aos métodos avaliativos utilizados durante o ensino remoto, 66% dos entrevistados acreditam que não foram adequados para avaliar o conhecimento dos alunos por diversos motivos. O principal argumento utilizado pelos professores foi a falta de honestidade dos estudantes, visto que muitos não realizavam as provas e outras atividades de forma individual, mascarando o aprendizado e impossibilitando os docentes de verificar o real conhecimento dos educandos. A realidade evidenciada com os resultados da pesquisa mostra como os alunos não estão preocupados em aprender o conteúdo, mas sim em obter notas satisfatórias, cultura estabelecida durante décadas no sistema de ensino. Nesse sentido, é preciso refletir a respeito dos processos avaliativos que ocorrem nas escolas, tendo em vista que as avaliações devam estimular o discente a pensar e que sejam uma oportunidade de reflexão sobre os conhecimentos obtidos (SILVA et al., 2014).
A ineficácia das avaliações classificatórias no contexto imposto fez com que 91,1% dos docentes participantes da pesquisa mudassem a forma de avaliar durante o ensino remoto, sendo que 71,1% deles optaram por avaliar seus alunos de forma continuada. Durante esse processo educativo contínuo, os alunos devem ser estimulados a construir seu próprio conhecimento para que não se tornem reprodutores de informação (SILVA et al., 2014). Nesse contexto, com o intuito de analisar o resultado mais real possível dos conhecimentos construídos pelos alunos durante o ensino remoto, muitos docentes optaram por estimular seus alunos cotidianamente, através de formulários, trabalhos, jogos educativos etc., o que pode ser considerado um modelo de avaliação contínua e que merece atenção para tempos futuros em que os estudantes passarão a frequentar a escola presencial em tempo integral.
Considerações finais
O isolamento social necessário para conter a pandemia causada pelo Sars-Cov-2 exigiu a utilização dos recursos tecnológicos durante as aulas e construção de novas formas de ensinar e aprender. Apesar de terem sido grandes aliados no processo de ensino e aprendizagem durante o ensino remoto, exigiram grande esforço do corpo docente para que as aulas continuassem ocorrendo. A falta de tempo para a preparação de materiais foi um fator destacado pelos participantes da pesquisa e pode estar aliado à desvalorização do professor que faz com que trabalhe em mais de uma rede de ensino e, com isso, tenha dificuldade para a postagem dos materiais, por exemplo.
Somada à falta de tempo, a dificuldade de adaptação às plataformas digitais de ensino pode ser reflexo do fato de os professores não fazerem parte do grupo dos nativos digitais, sugerindo a necessidade de formação inicial e continuada que propicie maior contato com as tecnologias ativas da chamada Educação 4.0. Sendo assim, a falta de implementação das tecnologias nos cursos de licenciatura e a ausência de apoio das instituições escolares para o uso das mídias digitais provavelmente contribuíram para a falta de habilidade dos docentes, aumentando as dificuldades para a preparação das aulas. Nesse sentido, faz-se necessária reflexão por parte de gestores e educadores da implementação mais efetiva de processos avaliativos continuados, que proporcionem maior eficácia no que tange ao envolvimento do aluno no seu aprendizado.
Apesar dos esforços do corpo docente, a ausência do espaço físico da estrutura escolar causou muitas mudanças nas rotinas dos estudantes. De acordo com os dados obtidos, muitos estudantes não tiveram acesso, em suas casas, à mesma estrutura que a escola proporciona, podendo ser um dos fatores que influenciaram no aumento de discentes desmotivados. Somado a isso, com o crescimento do número de pessoas desempregadas, diversos jovens precisaram trabalhar para manutenção das necessidades básicas e, com isso, precisaram abandonar a escola. Dessa maneira, faz-se necessário um estudo apurado de como os sistemas educacionais irão se preparar para o atendimento aos alunos nos próximos anos, tanto dos que sofreram menos com impacto do ensino remoto no que tange ao acesso às aulas remotas quanto dos que tiveram pouco contato com o ambiente educacional ou que o abandonaram.
Assim, para o menor impacto do ensino remoto no cotidiano dos professores e dos estudantes, seria necessária uma adaptação na formação docente, conforme evidenciado nos dados coletados, e a preparação do ambiente escolar como também dos alunos e seus familiares. Para além disso, é fundamental proporcionar suporte necessário para a continuidade das aulas para aqueles que não tinham acesso aos recursos básicos exigidos pelo ensino remoto, como internet e dispositivos eletrônicos. Sendo assim, a junção desses fatores possibilitaria, de alguma maneira, a minimização dos danos causados pelo ensino à distância.
As dificuldades encontradas pelos professores e alunos durante a pandemia causaram grandes impactos na aprendizagem dos estudantes. No entanto, são necessários mais estudos para avaliar o real impacto do ensino remoto no aumento da desigualdade socioeconômica e nos índices de evasão escolar.