INTRODUÇÃO
Hoje, é consenso que a formação dos professores da Educação Básica é insuficiente para o enfrentamento das diversas questões afetas à sua área de atuação (MALDANER, 2008; ZEICHNER, 2010; TARDIF, 2014). Esses autores, dentre outros, além de desvelar o problema, propõem modelos para a formação docente que visam a superação desse problema, refletindo práticas ainda dominantes em grande parte das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras. Como exemplo, mencionam-se resquícios, ainda presentes, do modelo estrutural “3+1” na formação de professores (MALDANER, 2008) e a falta de conexão entre a universidade e a Escola Básica (ZEICHNER, 2010).
Nesse contexto, em 2007, o Governo Federal implementou políticas de formação de professores no âmbito das IES para incentivar a formação de professores (GATTI et al., 2014). Nesse cenário, surge o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), um programa federal voltado à formação inicial de professores cujo objetivo era o de melhorar a qualidade da Educação nacional, fomentando parcerias entre as IES e as redes de Educação Básica Pública, incentivando que a formação inicial de licenciandos relacionasse o saber universitário ao saber prático desenvolvido na sala de aula. Fazem parte deste programa os bolsistas de graduação (IES), Coordenadores de área (Professores da IES), Coordenador institucional (IES) e os Supervisores (Escola Básica). Este direcionamento refletiu-se nas atividades de ensino e de aprendizagem desenvolvidas nas Escolas Públicas e na própria IES, que constituía-se no alvo principal do PIBID.
Para isso, esse programa incentiva, dentre outras práticas, o estudo do contexto escolar; o desenvolvimento de ações em diferentes espaços, tais como salas de aula e laboratórios; o desenvolvimento de ações coletivas e interdisciplinares; a leitura e discussão de textos da área do ensino; o desenvolvimento, teste e avaliação de estratégias de ensino e a participação em ações da escola (CAPES-DEB, 2013).
Os resultados de várias pesquisas voltadas à formação de licenciandos em Química, referentes ao PIBID (por exemplo, STANZANI; BROIETTI; PASSOS, 2012; FELÍCIO, 2014) indicam que esse Programa constitui-se, de fato, em um espaço propício tanto para a interação entre licenciandos, professores da Educação Básica e do Ensino Superior, como para o desenvolvimento dos conhecimentos práticos profissionais pelo acadêmico pibidiano.1 Essa característica advém da dinâmica e estrutura dos projetos PIBID, os quais, em geral, incentivam o trabalho colaborativo, apoiado em atividades de discussão, trocas de experiências e saberes entre bolsistas, supervisores e coordenador de área, visando a superação dos vários problemas presentes nas escolas (SANTOS; ARROIO, 2015).
Também constam da literatura vários estudos referindo-se à constituição da identidade ou da profissionalidade docente (por exemplo, TARDIF, 2014; MIRANDA, 2017). Nessas investigações, um aspecto relativo à formação dos professores de Química relaciona-se à sua constituição como profissionais ao longo de seu percurso formativo, reflexo de visões que são construídas paulatinamente sobre as questões que cercam o Ensino. Essa visão é influenciada pelos professores da Licenciatura quer nas disciplinas, quer em projetos de Iniciação Científica, de Iniciação à Docência ou de Extensão Universitária (RECEPUTI et al., 2018).
Vários estudos indicam a importância de se analisar o significado dos termos polissêmicos nas pesquisas sobre ensino, para que se possam compreender os resultados no contexto da pesquisa (DUIT; TESCH, 2010; GYLLENPALM; WICKMAN, 2011; VOGEL, 2016). No que se refere ao Ensino de Química, o termo experimentação é utilizado de duas formas; por um lado, como parte constitutiva da pesquisa científica nas Ciências empíricas e, por outro, como atividade prática laboratorial no processo de ensino (DUIT; TESCH, 2010). Tal polissemia conduz às diferentes representações que os graduandos em Química atribuem a esse termo, as quais refletem diferentes concepções sobre a atividade científica (GYLLENPALM; WICKMAN, 2011) e o ensino de Química (VOGEL, 2016).
Considerando o contexto descrito acima, a questão que norteia esta pesquisa está ligada a como os Coordenadores de Área do PIBID-Química representam as atividades experimentais no ensino de Ciências, e como essa representação influencia em suas práticas de formação docente. Portanto, o objetivo deste artigo é o de relatar o processo de investigação, análise e os respectivos resultados referentes ao estudo da RS sobre “experimentação” de Coordenadores de Área do PIBID-Química.
1. EXPERIMENTAÇÃO
1.1 AS CARACTERÍSTICAS DAS CIÊNCIAS2
As concepções de estudantes e professores acerca das características das Ciências Naturais têm sido objeto de inúmeras pesquisas no campo do Ensino das Ciências da Natureza. Os resultados dessas pesquisas mostram três aspectos importantes para o Ensino desse campo das Ciências. Primeiro, as concepções dos sujeitos sobre as características das Ciências da Natureza têm, muitas vezes, um caráter ingênuo, remetendo a visões idealistas ou empiristas acerca da atividade científica, não obstante sua faixa etária ou seu nível de escolaridade. Essa concepção foi identificada em vários grupos diferentes, tais como: alunos do Ensino Fundamental (GOLDSCHMIDT; GOLDSCHMIDT; LORETO, 2014), do Ensino Médio (KOSMINSKY; GIORDAN, 2002; PEREIRA; REZENDE, 2016), graduandos (UCAR, 2012; PEREIRA, 2016; AZEVEDO; SCARPA, 2017; RECEPUTI et al., 2018), pós-graduandos (LEMES, 2013) e professores do campo das Ciências Naturais (HASHWEH, 1996; GOLDSCHMIDT; GOLDSCHMIDT; LORETO, 2014). Para grande parte desses sujeitos, há predominância da perspectiva essencialmente experimental das Ciências Naturais, ligada à imagem do laboratório, espaço em que se realizam atividades vistas como sinônimo de uma sequência predeterminada de passos durante a realização dos experimentos, visando à obtenção de verdades ou à comprovação de teorias, não havendo compreensão adequada da interligação desses aspectos.
O segundo aspecto relaciona-se às variações observadas nas concepções dos sujeitos quanto às Ciências Naturais. Embora haja pontos em comum em relação às características que são compartilhadas pelos sujeitos investigados, há mudanças nessas concepções ao longo de seus percursos formativos (GOLDSCHMIDT; GOLDSCHMIDT; LORETO, 2014; PEREIRA; REZENDE, 2016). Essas mudanças ocorrem no sentido da incorporação de novas características àquelas já existentes, fazendo com que as concepções dos sujeitos em relação às características das Ciências da Natureza se tornassem mais abrangentes. Por exemplo, ao longo de sua escolaridade, os sujeitos vão integrando ideias relacionadas aos conceitos científico-escolares à sua concepção de mundo. Outra evidência desse processo foi observada em estudantes de Licenciaturas e nos próprios professores desses cursos (UCAR, 2012; PEREIRA, 2016; RECEPUTI et al., 2018). Para esses, ocorreu a integração de novos termos à sua estrutura representacional, tanto referentes a aspectos da atividade científica e a conceitos científico-escolares, quanto de termos que remetem ao processo de ensino e aprendizado das Ciências da Natureza.
Por fim, embora não seja consenso, pesquisas apontam para uma relação entre as concepções epistemológicas dos professores sobre Ciência e suas concepções pedagógicas sobre Ensino de Ciências (HASHWEH, 1996). Essa relação influencia as estratégias e ações que o professor desenvolve em sala de aula, sendo, também, necessário considerar as características do professor e do contexto de ensino (THIBAUT et al., 2018). A análise desses estudos mostra que a experimentação apresenta um aspecto central nas concepções epistemológicas dos professores sobre as características das Ciências Naturais, sendo importante investigar suas concepções acerca do papel exercido pelas atividades experimentais no Ensino desse campo das Ciências.
1.2 OBJETIVOS DAS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NO ENSINO DAS CIÊNCIAS DA NATUREZA
Os objetivos comumente citados sobre o papel da experimentação no Ensino de Ciências (HODSON, 1994; HOFSTEIN; LUNETTA, 2003; DUIT; TESCH, 2010; OLIVEIRA, 2010; GYLLENPALM; WICKMAN, 2011) referem-se, essencialmente, a considerarem-se três dimensões no planejamento de atividades experimentais, que considerem várias das características fundamentais para a compreensão mais adequada da Natureza das Ciências. Em síntese, essas dimensões são:
a afetiva, pois as atividades experimentais auxiliam a despertar o interesse e a motivação no aprendizado de Ciências pela promoção de atitudes, de valores e da curiosidade científica devido a estimularem a participação dos alunos e sua diversão; nesse sentido, essas atividades podem ser consideradas lúdicas, aspecto que vem sendo amplamente investigado como facilitador da aprendizagem em vários campos do conhecimento (SOARES, 2013);
a valorativa, que deveria contemplar aspectos que levem os estudantes a terem uma imagem mais positiva das Ciências, da atividade científica e de sua relação com a sociedade;
a cognitiva, desde que o planejamento das atividades experimentais propicie o aprendizado de conceitos científico-escolares, que são os conceitos e conteúdos acerca dos fundamentos e das teorias das Ciências Naturais.
Ainda, a dimensão cognitiva abrange dois aspectos, a saber:
o desenvolvimento de habilidades práticas, pois os estudantes aprendem a manusear equipamentos, vidrarias e reagentes necessários para a execução dos experimentos;
a proposição e teste de hipóteses pelos estudantes, a previsão de fenômenos com base em teorias, o planejamento e execução de investigações e a formulação de explicações fundamentadas sobre os resultados obtidos.
2. TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
2.1 GÊNESE E PRINCÍPIOS EPISTEMOLÓGICOS
A Teoria das Representações Sociais (TRS) foi proposta por Serge Moscovici em sua Tese de Doutorado, intitulada “La psychanalyse: son image et son publique”, defendida na França, em 1961 (MOSCOVICI, 2007). Essa investigação buscou compreender como o conhecimento restrito (reificado) é transformado ao ser apropriado pelas pessoas comuns. Por exemplo, esse processo se dá quando há apropriação de conceitos científicos por segmentos sociais de não-especialistas.
As RS desempenham um papel fundamental nas práticas e na dinâmica das relações sociais e exercem a função de tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não-problemática, devido a ter-se estabelecido certo grau de consenso entre seus membros. Isso é possível pois a rede de conceitos do indivíduo é estimulada quando ele entra em contato com uma palavra nova, o que o leva a interferir na atribuição de significado dos demais membros de seu grupo social. Essa palavra (conceito) desconhecida pelos sujeitos causa estranhamento, perturbação, o que os motiva a atribuir-lhe significado, estabelecendo uma relação precisa com a linguagem do grupo. Moscovici (2007) denominou esse mecanismo de ancoragem, um dos dois mecanismos principais para o estabelecimento das RS.
A objetivação, outro mecanismo proposto por Moscovici, refere-se à materialização dos conceitos, consolidando ideias que se expressam no conhecimento dos indivíduos do grupo sobre um objeto social específico. Esse mecanismo envolve a formação de imagens mentais que expressam esquemas conceituais. Quando há a apropriação das novas características, a palavra é ressignificada pelo grupo, reproduzindo o objeto de forma seletiva e concreta, muitas vezes icônica ou através de estereótipos. As novas características, em conjunto com outros saberes e informações, passam a constituir o conhecimento utilizado em uma variedade de situações com que o grupo se defronta. As características que definem o objeto se expressam em um núcleo figurativo (MOSCOVICI, 2007) que baliza as condutas desejadas ou admitidas no âmbito daquele grupo social, facilitando respostas imediatas do grupo a situações inesperadas e contribuindo para sua coesão.
As RS apresentam características aparentemente contraditórias, sendo, ao mesmo tempo: estáveis e dinâmicas; consensuais e marcadas pela individualidade do grupo. Essas características podem ser explicadas pela Abordagem Estrutural da TRS, denominada Teoria do Núcleo Central, desenvolvida por Jean-Claude Abric (2001), que supõe a existência de uma lógica dupla que rege as RS, o sistema central e o sistema periférico, os quais exercem diferentes funções na RS.
2.2 O NÚCLEO CENTRAL DE UMA REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Os termos que constituem o NC são marcados pela memória coletiva e pelo sistema de normas do grupo, refletindo condições sócio-históricas e valorativas. Eles têm valor simbólico para o grupo e constituem a base comum da RS, coletivamente partilhada e expressando a homogeneidade da RS. O NC é relativamente pouco sensível ao contexto social e material imediato, assegurando a continuidade e a permanência da RS. Tem como funções gerar o significado, determinar a organização3 global de todos os outros termos da RS e prover estabilidade, assegurando a permanência da RS. O NC é constituído por um ou mais termos que ocupam uma posição privilegiada na estrutura da representação, sendo importante identificá-los e determinar sua relação com os demais termos da RS para elucidar seu significado (SÁ, 2002).
O sistema periférico é mais sensível ao contexto social imediato, o que flexibiliza a RS, possibilitando a atualização e contextualização dos termos. Por meio das sucessivas modificações das circunstâncias externas, das práticas sociais, os termos que constituem o sistema periférico podem, eventualmente, passar a constituir o NC, modificando-se, assim, essa representação. Nesse sentido, o sistema periférico protege os termos do NC das contingências vivenciadas pelos indivíduos e, por consequência, da modificação da RS sobre um determinado objeto. A Abordagem Estrutural (ABRIC, 2001) admite que o valor simbólico do termo para a RS do grupo sobre um objeto reflita-se na saliência com que o termo é evocado e em seu poder associativo.
A saliência reflete a importância do termo para o grupo em relação ao objeto social que se estuda, o que faz com que ele seja evocado mais frequentemente do que outros termos. Os termos salientes são aqueles evocados com maior frequência (f) e com uma hierarquia (h) importante pelos sujeitos do grupo, ao se referirem a um determinado objeto social. Essas duas variáveis, além do número total de evocações de cada termo (n), são parâmetros para se determinar a ordem de evocação média (OME; vide Equação 1 presente no Quadro 1).
Considerando os valores para a OME de cada termo evocado e sua frequência, pode-se construir um gráfico relacionando estas duas variáveis, no qual, a abscissa corresponde aos valores de OME e, a ordenada, às frequências com que foi evocado cada termo. Os valores de corte para a distribuição dos termos no gráfico são a mediana das frequências (f med ) (Equação 2, videQuadro 1) e a Ordem Geral de Ordenamento das Evocações (OGOE4, Equação 3, videQuadro 1). Considerando-se esses parâmetros obtém-se um gráfico cartesiano denominado, na literatura da área, como Quadrante de Vergès (SÁ, 2002).5
OME, OrdemMédia de Evocação; h, hierarquia de evocação; n, quantidade de vezes com que o termo foi evocado; f, frequência; OGOE, Ordem Geral de Ordenamento das Evocações; m, frequência total de evocações dos termos, após a definição do valor de corte. Fonte:VOGEL (2016); RECEPUTI et al. (2018).
O poder associativo de um termo indica sua capacidade de associação a outros termos da representação e se reflete em sua conectividade. A conectividade de um termo é calculada a partir do somatório dos valores de suas coocorrências (Σco) que, por sua vez, trata-se do número de vezes que um determinado par de termos foi citado conjuntamente pelos indivíduos. Portanto, um termo com alta conectividade apresenta um grau de associação expressivo.
A partir das características anteriormente mencionadas, pode-se depreender que o NC é constituído por um ou mais termos que ocupam uma posição privilegiada na estrutura da representação, sendo importante identificá-los e determinar sua relação com os demais termos da RS, para que se possa verificar a existência da RS sobre um objeto (SÁ, 2002). Para isso, utiliza-se uma abordagem multimetodológica, organizada em três etapas, visando apreender o valor simbólico dos termos componentes da RS (Quadro 2), propriedade qualitativa que se reflete no poder associativo e na saliência do termo na RS do grupo sobre um objeto social.
3. METODOLOGIA
3.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA
A pesquisa foi realizada com Coordenadores do PIBID-Química. Os critérios de inclusão para a participação na pesquisa foram: i) pertencer à IES em que participam, ou participaram, de atividades do PIBID-Química; e ii) coordenar ou já ter coordenado o projeto PIBID-Química, qualquer que fosse sua área de titulação; iii) disposição do sujeito em cooperar para a obtenção de informações para esta pesquisa. Já o critério de exclusão foi o de o docente nunca ter coordenado projetos PIBID-Química.
A delimitação do corpus para a obtenção de informações apoiou-se nos relatórios de geração de pagamento de bolsas da CAPES 6dos anos 2013 a 2017. O contato com os participantes da pesquisa se deu através de correio eletrônico, no qual havia um texto explicativo sobre o convite e um link que encaminhava o sujeito para o questionário sediado na plataforma do Google Docs. Os e-mails foram obtidos através das plataformas on line das IES, de cada Campus, utilizando como instrumento de busca o Google. O contato se deu entre os meses de março e julho de 2018 sendo, também, solicitado o encaminhamento do convite para outros sujeitos que se encaixassem no perfil da pesquisa. Ao final do processo, encaminhou-se o convite, por meio eletrônico, para 538 coordenadores de um total de 570 sujeitos possíveis. Solicitou-se, também, que os contatados encaminhassem o e-mail para colegas que considerassem se encaixar no perfil da pesquisa. Teve-se o retorno de 326 sujeitos, dos quais 172 eram Coordenadores de Área do PIBID-Química (aproximadamente 30% de um universo de 570 indivíduos possíveis); os demais 154 sujeitos ou eram Coordenadores de Área de outros projetos PIBID ou professores de cursos de Licenciaturas em Química sem participação no PIBID, não sendo, portanto, considerados nesta pesquisa.
Os 172 coordenadores são provenientes de 87 diferentes universidades brasileiras, localizadas em 26 Estados, das cinco regiões brasileiras, principalmente, nas regiões Nordeste (56 sujeitos; representando 33,0% do total) e Sudeste (54; 31,0%), se comparadas às regiões Norte (17; 10,0%), Centro-Oeste (20; 12,0%) e Sul (25; 14,0%). Essa característica provém da distribuição regional dos projetos PIBID, com maior concentração nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, embora o maior número de bolsistas e de IES participantes sejam do Nordeste (CAPES-DEB, 2013; CAPES-MEC, 2017).
Estes sujeitos são, em grande parte, licenciados (110 sujeitos; 64%) com doutorado na área de Química (79; 46%), os quais já tiveram experiência na Educação Básica (140; 81%) e que têm lecionado no Ensino Superior por 4 a 12 anos (116; 67%). No Ensino Superior, estes sujeitos tendem a ministrar disciplinas tanto da área do Ensino de Química como da Química (75; 44%),7 porém pesquisam, preferencialmente, na área de Educação ou Ensino de Química (112; 65%).
Ainda, verificou-se que a maior parte destes sujeitos permaneceu por mais de um ano na coordenação do PIBID-Química (146; 85%) e que, 50% deles, a exerceram por mais de três anos (videTabela 1). Este dado é importante porque mostra a continuidade das ações do Coordenador no PIBID em muitos casos, uma característica que contribui para que os projetos de Iniciação à Docência propostos possam ser repensados e mais bem estruturados para o contexto em que se desenvolvem.
3.2 INSTRUMENTO DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES
O instrumento utilizado para a obtenção de informações foi o questionário de associação livre de palavras, respaldada por questões em que os sujeitos justificam suas escolhas (vide Apêndice I), cujo estímulo foi “experimentação”. O questionário foi fundamentado em outras pesquisas (VOGEL, 2016; PEREIRA, 2016), e apresenta duas seções. Na primeira seção, questões 1 a 9, objetiva-se caracterizar o grupo investigado. A segunda seção, questões 10 a 13 do questionário, versa sobre as questões de associação livre de palavras ao termo indutor “experimentação”, que foram a base para a construção dos dados necessários para se compreender a RS desse grupo sobre o objeto investigado, fundamentada na abordagem estrutural da TRS (ABRIC, 2001). As questões 10 e 11 do questionário permitem determinar a frequência e a hierarquia dos termos, a partir de sua evocação e hierarquização pelos sujeitos da pesquisa. Enquanto que na questão 12 solicita-se que o sujeito justifique a escolha do termo evocado ao relacioná-lo ao termo “experimentação”, na questão 13 o sujeito é convidado a relacionar em pares as palavras evocadas. Este procedimento auxilia a minimizar a subjetividade da análise de conteúdo, a qual permite atribuir significado aos termos do NC da RS.
3.3 PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Após a coleta de informações, os termos evocados foram organizados em uma planilha de dados que foi analisada com auxílio dos programas EVOCATION 2005 (RATEAU et al., 2012), para análise de sua saliência, e IRAMUTEQ (LOUBÈRE; RATINAUD, 2014), que permite a análise de similitude, levando à identificação do poder associativo do termo. A análise da saliência (designada como prototípica na literatura) tem por objetivo identificar os termos dos sistemas central e periférico da RS, ou seja, evidencia a estrutura da representação em função da saliência das evocações feitas. Por sua vez, a análise de similitude permite identificar as relações entre os termos dos sistemas central e periférico, ou seja, o poder associativo dos termos centrais da RS, pela identificação de suas coocorrências. Ambas características são reflexo do valor simbólico atribuído pelo grupo social investigado ao termo da RS referente ao objetosocial em tela.
Na construção do banco de dados, é necessário padronizar as palavras evocadas no que se refere a vários atributos. Este procedimento é a lematização. Na lematização, agruparam-se as palavras que compartilham o mesmo radical e classe, variações entre masculino e feminino, singular e plural em uma só forma (WACHELKE; WOLTER, 2011). Procedeu-se, também, a uma categorização semântica, considerando-se as justificativas dos sujeitos, de forma a reduzir os termos de mesmo significado a um só termo.
O programa EVOCATION 2005 gera dados para a análise das informações coletadas, distribuindo os termos em quadrantes segundo seus valores de OME (Equação 1, videQuadro 1) e frequência, em função da OGOE (Equação 3) e da mediana das frequências (Equação 2). Dessa forma, pelo quadrante de Vergès construído, identificam-se o sistema central e o sistema periférico da representação (videFigura 1).
O programa IRAMUTEQ identifica os valores de coocorrência dos termos evocados pelo grupo no que se refere ao objeto social em foco, relacionando a frequência (f) e a coocorrência de pares de palavras, gerando um grafo denominado árvore de similitude máxima (BOURICHE, 2003). A árvore de similitude máxima (Figura 2) apresenta vértices (termos) e arestas que os ligam. Os raios dos círculos que representam os vértices ilustram a frequência (f) de cada termo; quanto mais alta é a frequência (f) de um termo, maior é o vértice. As arestas (Ar), por sua vez, ligam dois termos e seu número indica o valor de coocorrência desse par (Σco), ou seja, a quantidade de vezes com que os sujeitos citaram esses dois termos conjuntamente.
A associação dessas análises (de saliência e de similitude) permite identificar os termos de maior valor simbólico para a RS de um grupo sobre um objeto, isto é, aqueles de maior saliência e poder associativo.
Por último, realizou-se uma análise de conteúdo, inspirada nas proposições de Bardin (2011), sobre as explicações dos sujeitos referentes aos termos evocados quanto ao termo indutor. Para tanto, a análise foi realizada em três fases. Na primeira fase, realizou-se a organização e preparação do material, visando sistematizar as ideias iniciais, o que possibilitou estabelecer um esquema de desenvolvimento das ações de análise do corpus desta pesquisa.
Na segunda fase, realizou-se a análise propriamente dita, através das operações de codificação, que envolvem a construção de: i) unidades de registro, através da leitura e releitura das evocações; ii) unidades de significação, através da análise das respostas às questões de número 12 (explique as razões de suas escolhas) e 13 (organize os termos em pares) em relação às evocações expressas na questão de número 11 do questionário (vide Apêndice I); iii) unidades de contexto, através da análise dos termos do NC para a posterior construção dos eixos temáticos que orientaram a classificação dos termos constituintes dos demais elementos da RS; e, por fim, iv) unidades temáticas e alocação dos termos presentes nos outros elementos da RS nos eixos, tendo como orientação as justificativas apresentadas pelos sujeitos. Esta fase foi realizada individualmente por dois dos pesquisadores que, posteriormente, discutiram até chegar a um consenso em relação aos eixos de análise. Tal procedimento deu origem a quatro eixos de análise (videQuadro 3).
Na terceira fase, realizaram-se as interpretações a partir dos objetivos traçados, o que possibilitou atribuir sentido aos termos componentes da representação social. Para tanto, procedeu-se à: i) captação do sentido emergente, em que a saturação das unidades básicas de análise leva à compreensão do todo; e ii) escrita de um metatexto apresentando as inferências dos pesquisadores.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 ANÁLISE PROTOTÍPICA DAS EVOCAÇÕES DOS COORDENADORES DO PIBID
Ao analisar as informações com o auxílio do EVOCATION 2005, gera-se um arquivo que apresenta a relação do número de sujeitos e termos evocados. Verificou-se que os 172 Coordenadores evocaram 1019 termos, dos 1032 possíveis, correspondendo a 98,7% das possibilidades, sendo que 437 dos termos são diferentes.
Para a construção do quadrante de Vergès, é necessário definir a frequência mínima de corte, visando à exclusão dos termos cujas frequências são baixas, por serem estes termos mais individuais do que coletivos, para o grupo social investigado. Para tanto, indica-se a realização do corte segundo a Lei de Zipf, que se aplica melhor a conjuntos grandes de valores (WACHELKE; WOLTER, 2011). Para conjuntos mais restritos, como o desta pesquisa, pode-se considerar a frequência mínima de corte como o conjunto de termos que abrangem cerca de 50% do total acumulado de termos evocados (REIS et al., 2013). Neste caso, escolheu-se o valor de frequência igual a 5, por serem abrangidos 48,6% dos termos evocados. Ao se adotar este valor de corte, selecionam-se os termos de maior significação para o grupo estudado. Isso significa que, dos 1019 termos evocados, 495 foram citados 5 ou mais vezes. O valor da mediana das frequências dos termos distintos (f med , Equação 2, Quadro 1) é igual a 12, abrangendo 31,1% do total de evocações (dos 1019 termos evocados, 317 evocações foram citados 12 ou mais vezes). Este é o valor que rege a distribuição das frequências na ordenada (eixo y) do gráfico em coordenadas cartesianas que relaciona as variáveis frequência e OME no quadrante de Vergès (Figura 1). Na abscissa (eixo x) estão os valores de OME, cuja distribuição é orientada pelo valor de OGOE. O programa também fornece um valor para a OGOE (Ordem Geral de Ordenamento das Evocações) que se aproxima do obtido ao se utilizar a Equação 3 (Quadro 1), embora seja calculado de forma diferente (ver em VOGEL, 2016). Este subprograma calcula a média dos pesos atribuídos às evocações, sendo 1 o mais importante e 6 o menos importante, quando se solicitam seis palavras na tarefa de livre associação a um termo indutor, como foi feito neste trabalho (Apêndice I).
Nesta pesquisa, considerou-se 3 como valor para a OGOE, que resulta da média dos pesos atribuídos às palavras evocadas. Na sequência, relacionaram-se as frequências de evocação dos termos com a f med e as OME dos termos com a OGOE calculada, para distribuir os termos constituintes da RS nos quadrantes, separando-os nos sistemas central e periférico, como apresentado na Figura 1 (conforme proposto por REIS et al., 2013).
Os termos com frequências (f) maiores ou iguais à mediana das frequências (f med = 12) e valores para OME menores ou iguais do que o determinado para a OGOE (OGOE = 3) são alocados no quadrante superior à esquerda. Estes são os prováveis constituintes do NC da RS. No quadrante superior à direita, estão alocados os termos da primeira periferia, termos com frequências maiores ou iguais à mediana das frequências e valores para OME maiores do que aquele determinado para a OGOE. Já, no quadrante inferior à direita, estão alocados os termos da segunda periferia, termos com frequências menores do que a frequência mediana e valores para OME maiores do que o determinado para a OGOE. Esses termos apresentam baixa saliência, o que permite inferir que seu valor simbólico é baixo para a representação do grupo social em relação ao objeto; os termos alocados neste quadrante expressam as opiniões mais individuais de componentes do grupo. No quadrante inferior à esquerda, estão alocados os termos da zona de contraste, termos que podem ser complementares aos termos da primeira zona periférica ou indicar a existência de um subgrupo que atribui grande valor a termos distintos daqueles valorizados pela maioria do grupo (SÁ, 2002; ABRIC, 2001).
Identificam-se, nesta primeira análise (designada como prototípica), os termos mais salientes (investigação, prática, laboratório, problematização, aprendizagem, curiosidade e observação), os quais apresentam frequências mais expressivas e valor de OME mais baixos, refletindo a hierarquia preferencial com que foram classificados pelos sujeitos (vide Equação 1, Quadro 1), termos estes que apresentam as características daqueles pertencentes ao NC da RS, devido a seu aparente valor simbólico. Cabe destacar que o termo laboratório, embora apresente alta frequência relativa, apresenta também um dos valores de OME maiores, sendo inferior somente aos termos ciência, demonstração, interesse, visualização e teste, o que indica que este termo apresenta relevância para o grupo embora não tenha um valor simbólico expressivo, estando relacionado ao ambiente no processo de experimentação. Outros dois procedimentos de análise, para identificar as demais características dos termos, estão apresentados nas seções 4.2 e 4.3.
4.2 ANÁLISE DE SIMILITUDE DAS EVOCAÇÕES DOS COORDENADORES DO PIBID
Com o auxílio do programa IRAMUTEQ, determinou-se a conectividade dos termos a outros termos da representação (videFigura 2). Para a construção da árvore de similitude máxima, selecionaram-se os termos cujas frequências fossem maiores ou iguais a 5 (f = 5), visando obterem-se dados comparáveis aos da análise prototípica.
A análise da Figura 2 mostra que os termos prática (Ar = 7; Σco = 27), laboratório (Ar = 5; Σco = 31) e aprendizagem (Ar = 3; Σco = 22) apresentam alguma relevância em relação aos demais termos presentes na árvore de similitude máxima, porém com uma conectividade consideravelmente menor do que o termo investigação. O termo de maior conectividade é investigação (Ar = 18; Σco = 102), por apresentar maior número de arestas e coocorrências em comparação com os demais termos evocados. Este termo é o organizador da estrutura da representação sobre o objeto social “experimentação” para os Coordenadores do PIBID. Esta característica é reforçada por sua maior saliência em relação aos demais termos evocados (videTabela 2), por apresentar maior frequência e menor Ordem Média de Evocação (para entender melhor esta relação, veja em SÁ, 2002; ABRIC, 2001). Já os termos problematização (Ar = 2; Σco = 10) e curiosidade (Ar = 3; Σco = 14) apresentam baixa conectividade por apresentar menor número de arestas e coocorrências em relação aos demais termos evocados.
4.3 ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS EVOCAÇÕES
A análise de conteúdo levou à identificação de quatro eixos principais para a descrição do significado dos termos do NC da RS destes sujeitos sobre experimentação (Quadro 3). Os eixos foram baseados na literatura (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; GONÇALVES; MARQUES, 2006; WEI; LI, 2017) com posterior adequação para o contexto desta pesquisa. Os eixos agrupam os termos mais representativos sobre “experimentação” para os sujeitos da pesquisa (videFigura 1 e Figura 2), ou seja, os termos que foram evocados 5 ou mais vezes pelos componentes do grupo investigado.
Depreende-se, da árvore de similitude máxima (Figura 2), que o termo investigação apresenta maior coocorrência com o termo laboratório. O termo laboratório refere-se ao eixo material, sendo compreendido como o local apropriado, mas não único, para se realizarem experimentos com objetivos pedagógicos. Para os Coordenadores do PIBID, o laboratório apresenta o suporte adequado, com equipamentos e estrutura que fornece segurança para as atividades experimentais, principalmente para as mais elaboradas. Esta correlação entre a atividade experimental e o ambiente laboratorial como característica das Ciências Naturais reforça resultados anteriores encontrados na literatura em estudos voltados a concepções de estudantes e professores acerca das características das Ciências (LEMES, 2013; GOLDSCHMIDT; GOLDSCHMIDT; LORETO, 2014; RECEPUTI et al., 2018).
Porém, há indicação expressiva por parte dos Coordenadores do PIBID, de que é possível realizar atividades experimentais em espaços alternativos ao laboratório, sendo possível, por exemplo, trabalhar com materiais alternativos e de baixo custo na sala de aula.
Oportunidade de uso do laboratório, apesar de serem realizados [a experimentação], comumente, na própria sala de aula (S. 013) . 8
Falar em experimentação é pensar também num local adequado, isto é, trazer o aluno ao laboratório transporta o aluno para um novo ambiente, dando significado à atividade experimental. Sabe-se que muitas atividades experimentais são realizadas nas próprias salas de aula. No entanto, evoco a palavra “laboratório”, pois creio que é um espaço especial para a realização de atividades experimentais (S. 032).
Portanto, para os Coordenadores do PIBID, o laboratório apresenta importância suplementar, pois é a atividade, e não o ambiente, que apresenta centralidade em suas falas. Outra informação que corrobora a ideia de complementariedade do ambiente laboratorial nas atividades práticas é que, embora o termo laboratório tenha sido evocado com frequência relativamente alta (f = 32), foi hierarquizado pelos sujeitos com baixa prioridade (OME = 4,1). Supõe-se que este resultado pode ter relação com a diversidade formativa e de atuação destes sujeitos. Por um lado, a formação acadêmica e, principalmente, o contexto de atuação dos sujeitos da pesquisa sugerem que o processo de ensino e de aprendizado no ambiente laboratorial é recorrente em suas atividades, pois tendem a ministrar disciplinas tanto da área do Ensino de Química como da Química. Já, por outro lado, estes sujeitos pesquisam, prioritariamente, na área de Educação ou Ensino de Química, o que contribui para a reflexão sobre a relação entre as atividades práticas e o ambiente laboratorial pois, na literatura especializada da área, há vários trabalhos acerca dessa temática, desvelando-a e propondo modelos de formação que visam a superação desse aspecto (e.g. GONÇALVES; MARQUES, 2006).
Ainda, é possível identificar uma preocupação com a frequente falta de condições materiais das instituições (principalmente aquelas voltadas ao Ensino Básico) para a execução de atividades experimentais, como se depreende a partir da leitura de diversas falas, algumas vezes por menção explícita, outras, implicitamente.
[laboratório] Os laboratórios são ineficientes na Educação Básica (S. 049).
[materiais alternativos] Em função do descaso com as escolas, em especial da Educação Básica, os professores precisam repensar suas práticas inserindo materiais alternativos para substituir reagentes e vidrarias convencionais. Além disso, tal prática aproxima a Química do cotidiano dos alunos, que conseguem perceber a possibilidade de replicar tais práticas em suas casas (S. 043).
Isso porque as atividades experimentais de cunho investigativo, embora recorrentemente citadas na literatura, raramente são desenvolvidas no contexto escolar (ABRAHAMS; MILLAR, 2008), pois necessitam de maior tempo de preparo e realização pelos professores e alunos, assim como de maior experiência de ambos, demandam mais recursos materiais e de infraestrutura, currículo específico para esse tipo de atividade, classe com menor número de alunos, programação flexível e formas de avaliação específicas (OLIVEIRA, 2010).
Já o termo prática, termo de maior coocorrência com laboratório, refere-se ao eixo pedagógico. O termo prática é compreendido como vivência, ou seja, é importante que os alunos vivenciem algumas práticas da Ciência, por exemplo, as atividades experimentais de cunho investigativo, mesmo que essas atividades sejam desenvolvidas sem o laboratório, pois auxiliam na construção do conhecimento dos conteúdos conceituais e procedimentais.
A experimentação é importante para que o aluno vivencie algumas práticas da ciência (S. 020).
A experimentação também favorece o desenvolvimento de conteúdos procedimentais, necessários à condução de uma atividade experimental (S. 203).
A vivência prática é fundamental para uma melhor assimilação de conceitos (S. 236).
O eixo pedagógico é o que contempla o maior número de termos. Os termos que apresentam maior coocorrência com investigação são: curiosidade, motivação, contextualização, aprendizagem, construção do conhecimento, relação teoria e prática. Neste eixo, o termo investigação é compreendido como uma estratégia pedagógica que favorece a construção de conceitos e o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de cunho investigativo, como pode ser observado nos trechos
A importância do uso de investigação como atividade de experimentação para a construção do conhecimento, ao invés de simplesmente realizar atividades somente para comprovar um fato (S. 037).
Em minha vivência na escola e na universidade, percebo que os experimentos, quando planejados de forma investigativa, possibilitam a aquisição de novas habilidades cognitivas pelos estudantes. Além de motivá-los na busca de respostas e explicações para os problemas (S. 043).
Ainda, analisando-se os trechos, é possível perceber que os Coordenadores do PIBID atribuem às atividades de cunho investigativo um caráter afetivo, expresso pela relação do termo investigação com os termos motivação e curiosidade. O caráter lúdico dessa atividade tem grande relevância, por auxiliar no engajamento dos alunos na execução das tarefas, o que resulta na melhoria do processo de ensino e aprendizado dos conteúdos conceituais e procedimentais.
A motivação é uma questão de grande preocupação para licenciandos, professores e pesquisadores do campo do ensino (SOARES, 2013). Por um lado, estudantes e professores atribuem às atividades experimentais um forte caráter motivacional, como um aspecto inerente à observação dos fenômenos (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004); por outro lado, a motivação relaciona-se à curiosidade científica, sendo um importante estímulo para o engajamento cognitivo dos estudantes nas tarefas escolares, o que auxilia no desenvolvimento de diferentes atitudes, como pesquisar e comunicar (SILVA et al., 2018).
Já os termos contextualização e relação teoria e prática são estratégias inerentes às atividades experimentais de cunho investigativo.
[contextualização] A contextualização, ao facilitar a construção de significados, incorpora valores que explicitam o cotidiano, facilitando os processos da descoberta envolvidos na experimentação (S. 089).
[relação teoria e prática] Entender o conceito químico nas suas diferentes dimensões: [sub] microscópico, macroscópico e simbólico (S. 038).
O termo contextualização é compreendido como uma forma de aproximar a teoria a aspectos do cotidiano dos alunos, apresentando situações concretas, o que possibilita uma melhor compreensão dos conceitos científicos e facilita a construção de significados. O termo relação teoria e prática refere-se a uma estratégia que auxilia o entendimento do conhecimento químico em suas diferentes dimensões macro, submicro e simbólico, como proposto por Johnstone (1982).
Na literatura da área, a contextualização e a relação teoria e prática são indicadas como estratégias de aproximação do fenômeno estudado com o contexto do aluno, tornando a aprendizagem mais relevante para o estudante, o que fomenta a curiosidade e a motivação (ARAÚJO; ABIB; 2003; GONÇALVES; MARQUES, 2006; WARTHA; SILVA; BEJARANO, 2013)
Já o termo aprendizagem ratifica o eixo pedagógico das atividades experimentais de cunho investigativo, qualificando o termo investigação.
A partir deste movimento de reflexão e levantamento de hipóteses que poderão ou não ser testadas, mas sempre analisadas de forma reflexiva, é que será possível apreender o conhecimento e, assim, pode acontecer a aprendizagem, por meio da investigação, atividades mentais e experimentais que vão sendo direcionadas pelo professor para que o aprendizado aconteça (S. 157).
Investigação também relaciona-se com os eixos procedimental e atividade científica. Parte dos Coordenadores do PIBID justificou a evocação do termo investigação no sentido de questionar as atividades experimentais pautadas por um processo rígido e sequenciado de etapas (como pode ser observado nos trechos S. 062 e 081), referente ao eixo procedimental; outra parte deles justificou a evocação do termo investigação relacionando-o aos objetivos das atividades experimentais (vide S. 125 e 171), referentes à atividade científica, como se pode observar nos excertos que se seguem:
A atividade experimental não pode ser conduzida de maneira automática, com o uso de um roteiro que deve ser reproduzido, mas deixando o aluno investigar e propor caminhos para a condução do experimento (S. 062).
Ao propor que estudantes desenvolvam habilidades cognitivas por meio da experimentação, será necessário que, após receberem os elementos básicos para a empreitada, descubram o caminho (S. 081).
O caráter dado à experimentação (não apenas para comprovar teorias, leis, conceitos, fenômenos ou validar modelos)... Mas sim para trazer à tona questionamentos do aluno a partir da sua visão e interação com o mundo, para que, posteriormente, ele possa prever resultados, pedir ajuda ou entrar num consenso coletivo para determinada tomada de decisão (S. 125).
Acredito que a perspectiva investigativa seja uma das mais importantes para o desenvolvimento de atividades experimentais, pois possibilita o desenvolvimento de várias habilidades por parte dos envolvidos, bem como uma visão mais crítica e próxima da realidade científica (S. 171).
A relação entre a atividade experimental e o aspecto procedimental é tema de preocupação em diversas pesquisas, pois dependendo da abordagem do professor, pode-se influenciar o desenvolvimento tanto de habilidades práticas, como cognitivas (HODSON, 1994; HOFSTEIN; LUNETTA, 2003). Enquanto as atividades experimentais de verificação são, geralmente, realizadas após a explicação do conteúdo e tendem a uma sequência de etapas mais rígida, podendo ser centradas no professor ou no aluno, as atividades investigativas tendem a ser mais abertas, centradas no aluno e demandam uma série de aulas, o que facilita o desenvolvimento de habilidades práticas e cognitivas por eles (ARAÚJO; ABIB, 2003; OLIVEIRA, 2010).
Ainda, os termos que constituem o eixo procedimental e que mais coocorrem com o termo investigação são observação, hipótese, reflexão e análise, como exemplificado pelos excertos que se seguem:
[hipótese] Entendo que a experimentação é um momento ímpar para que os estudantes se sintam mobilizados a levantar hipóteses sobre as observações e a refletirem sobre os dados (S. 155).
[observação] Permite que se desenvolva a habilidade de observar os fenômenos e, assim, construir as hipóteses e teorias e não apenas receber o que já está pronto, [o transmitido] pelo professor [ou seja, como transmitido pelo professor] (S. 006).
[análise] A experimentação requer, muitas vezes, a análise das situações e reflexão sobre elas (S. 015).
[reflexão] A experimentação deve possibilitar a reflexão sobre a prática realizada (S. 102).
Esses termos referem-se tanto ao processo envolvido nas atividades experimentais como às habilidades necessárias para sua execução, as quais relacionam-se aos procedimentos envolvidos na execução da atividade proposta, como definido anteriormente para atividade científica (Quadro 3). Nesse sentido, as atividades experimentais de cunho investigativo, quando bem elaboradas, possibilitam uma aproximação mais adequada do aluno a alguns dos aspectos envolvidos na elaboração do conhecimento científico pelos especialistas, o que pode auxiliar no processo de alfabetização científica (HOFSTEIN; LUNETTA, 2003; DUIT; TESCH, 2010; OLIVEIRA, 2010), entendida aqui como aprendizado de uma forma específica de compreensão da Natureza, a ser compartilhada pelos cidadãos como parte da cultura vigente.
Em síntese, a RS sobre “experimentação” dos Coordenadores do PIBID é objetivada no termo investigação sendo ancorada como uma estratégia pedagógica importante para o processo de ensino e aprendizado da Química. Esta estratégia engloba as atividades científica e procedimental, necessárias para facilitar a construção de conceitos e o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de cunho investigativo, o que aproxima os estudantes do pensamento científico. A coocorrência dos termos investigação e laboratório deve-se a justificativas sobre a possibilidade da realização de atividades experimentais de cunho investigativo mesmo na ausência desse espaço, devido a seu papel central para o ensino de Química. Embora estes coordenadores tenham ressaltado a importância do laboratório para o desenvolvimento de atividades experimentais, entendem que sua falta não deva incorrer em sua inviabilização. Deste resultado depreende-se a preocupação dos Coordenadores do PIBID para com o contexto escolar, ao planejarem atividades experimentais no âmbito desse Projeto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado mais importante do presente estudo mostra que o termo investigação constitui o NC da RS sobre “experimentação” dos Coordenadores de Área do PIBID-Química. Esta representação se ancora nas atividades experimentais de cunho investigativo desenvolvidas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem de Química. Esta atividade é compreendida por estes sujeitos como auxiliar ao desenvolvimento de conceitos, habilidades procedimentais e investigativas, o que facilita a compreensão da atividade científica. Ainda, estes Coordenadores de Área entendem que as atividades experimentais de cunho investigativo possuem caráter motivador e procuram contextualizá-las para o ambiente escolar da Educação Básica.
Neste sentido, é possível inferir que há relação entre a RS sobre “experimentação” dos Coordenadores de Área e aquela identificada para os licenciandos participantes do PIBID-Química (VOGEL, 2016), os quais referem-se a atividades experimentais de cunho educativo, remetendo a processos pedagógicos. Esta relação é evidenciada pelas distintas RS dos licenciandos participantes desses projetos em comparação àquela de alunos não participantes desse Projeto. Enquanto para os pibidianos, “experimentação” refere-se à melhoria do ensino de Química, para os demais refere-se ao fazer científico (VOGEL, 2016).
Por fim, é importante enfatizar nossa preocupação quanto às diversas alterações que o PIBID vem sofrendo, tais como a inclusão de Instituições de Ensino Superior de direito privado, a redução do número de bolsas, a limitação quanto à participação dos licenciandos no PIBID aos primeiros dois anos do curso e por um período de, no máximo, 18 meses, e a possibilidade, agora institucionalizada, da participação do licenciando sem a remuneração da bolsa. Essas alterações podem impactar na formação inicial dos futuros professores, em sua atuação e, portanto, na qualidade da Educação Básica.