INTRODUÇÃO
O objeto de investigação deste trabalho é o fenômeno da evasão discente nos cursos de Licenciatura em Física. Assumiremos aqui que o termo evasão trata da saída definitiva de um curso por parte de um estudante que não o tenha concluído (BRASIL, 1996; MAZZETTO; CARNEIRO, 2002). Ainda assim, caracterizações ligeiramente diferentes têm sido feitas, uma vez que o abandono de um curso pode estar relacionado a uma transferência interna (para outro curso da instituição), a uma transferência externa (para o mesmo ou para outro curso de outra instituição), ao cancelamento da matrícula por parte da instituição (contra a vontade do discente) ou ao óbito do matriculado.
No âmbito do Ensino Superior brasileiro, pesquisas sobre a evasão ganharam impulso a partir do Seminário sobre Evasão nas Universidade Brasileiras, organizado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em 1995. Em sua esteira, ainda nesse ano, o MEC criou a Comissão Especial de Estudos sobre Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras (KIPNIS, 2000; RIBEIRO, 2005). Nessa mesma época, o estabelecimento de relações entre os índices de evasão e a alocação de recursos também ampliou o interesse sobre o tema (DAITX; LOGUÉRCIO; STRACK, 2016).
Os impulsos ao estudo da evasão nos cursos superiores foram renovados nos anos 2000 a partir da instituição de políticas governamentais que possibilitaram a ampliação do acesso a esse nível de ensino (DAVOK; BERNARD, 2016), com destaque para o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído em abril de 2007 (BRASIL, 2007). Uma das metas globais desse Plano era elevar gradualmente a taxa de conclusão média nos cursos de graduação presenciais oferecidos pelas Instituições Federais de Ensino Superior ao patamar de 90%, o que implicaria um índice médio de evasão de 10%. Paralelamente a isso, é importante frisar que a evasão de estudantes implica desperdício de recursos econômicos e humanos, o que, no caso das instituições públicas, acaba tendo impacto negativo em seu custo-benefício para a sociedade como um todo (DAVOK; BERNARD, 2016; MASSI; VILLANI, 2015; SILVA FILHO et al., 2007).
Logo, a evasão constitui-se, ao nosso ver, como um problema que requer atenção prioritária e sistemática, tanto em termos do conhecimento de suas causas, quanto no que diz respeito à busca de estratégias de intervenção que possam combatê-la. De fato, a evasão “não se contém em poucos aspectos, mas se caracteriza por um conjunto de fatores, que são multiplicativos e que vão definir as atitudes e motivações do estudante universitário” (BUENO, 1993, p. 13). Artigos publicados em periódicos da área da Educação têm apontado alguns desses fatores, dentre os quais destacamos: insatisfação com o curso escolhido, até por certo desconhecimento do curso/carreira; existência de uma cadeia rígida de pré-requisitos na grade curricular do curso; dificuldades de adaptação (a uma nova cidade, à vida universitária, à necessidade de maior autonomia etc.); sensação de desamparo e falta de orientação no início do curso; dificuldade no entendimento dos conteúdos abordados nas aulas, especialmente nos primeiros semestres do curso; problemas didático-pedagógicos e falta de interesse na docência por parte dos formadores; baixa valorização financeira/social da profissão associada ao curso; problemas financeiros; escassez de programas de iniciação científica e monitoria; e escassez de tempo para os estudos (BRAGA; PEIXOTO; BOGUTCHI, 2003; BUENO, 1993; GREGÓRIO et al., 2017; RIBEIRO, 2005; SANTANA, 2016).
Tais fatores atuam de maneira específica em cada instituição, em cada curso, em cada momento histórico e em cada sujeito, sendo inverossímil quantificar o peso relativo de cada um deles para o abandono de um curso. Atuam até mesmo junto àqueles que permanecem matriculados. Porém, estes encontram a força necessária para permanecer no curso na soma de outros fatores - os fatores de permanência, como as expectativas de exercer a profissão e de obter um diploma de nível superior, o investimento financeiro/temporal já realizado e as pressões familiares. Portanto, a decisão em evadir ou em permanecer no curso parece estar relacionada a uma contínua avaliação de custo-benefício, das vantagens que poderão ou não ser obtidas com a permanência (BUENO, 1993; DAITX; LOGUERCIO; STRACK, 2016; SILVA FILHO et al., 2007).
Quanto às possíveis estratégias para o combate da evasão, a literatura educacional também tem feito recomendações gerais, entre elas: o aprimoramento dos currículos dos cursos; a criação ou a ampliação de centros de convivência e de espaços culturais nas instituições; a disponibilização ou o aprimoramento de ações de recepção, orientação e acompanhamento dos estudantes, especialmente para os ingressantes; uma maior valorização da atuação dos docentes como professores (e não somente como pesquisadores); o aperfeiçoamento de aspectos didático-pedagógicos associados ao corpo docente; o incentivo para que os estudantes participem de projetos e atividades acadêmicas; a implementação de estratégias para minimizar as dificuldades de alunos que tenham tido um Ensino Básico deficitário; e a disponibilização de bolsas para estudantes com dificuldades financeiras (BRAGA; MIRANDA-PINTO; CARDEAL, 1997; BRAGA; PEIXOTO; BOGUTCHI, 2003; BUENO, 1993; KIPNIS et al., 1997).
Neste artigo objetivamos levantar e sistematizar os estudos da área de Ensino de Física/Ciências sobre a evasão discente nos cursos brasileiros de Licenciatura em Física. Dessa forma, nossa questão de pesquisa é: quais as características dos estudos que abordam o fenômeno da evasão nos cursos de Licenciatura em Física? Trata-se, assim, de um trabalho de cunho bibliográfico que procura compreender e descrever o estado do conhecimento produzido sobre o tema (PERUZZO, 2013). Na seção seguinte, explicitamos os procedimentos de seleção e análise dos trabalhos revisados.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A busca inicial foi feita em teses e dissertações defendidas em Programas de Pós-Graduação brasileiros e em periódicos da área de Ensino de Física/Ciências que publicam majoritariamente em línguas portuguesa e espanhola. Em específico, selecionamos periódicos que, no quadriênio 2013-2016, foram classificados nos estratos A1, A2 e B1 na avaliação Qualis Periódicos, realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Justificamos essa escolha por acreditarmos que se trata das revistas mais utilizadas pelos pesquisadores brasileiros da área de Ensino de Física, tanto para terem acesso aos trabalhos de seus pares, quanto para divulgarem seus trabalhos. No Quadro 1 expomos quais foram os 25 periódicos consultados.
Para realizarmos as buscas por artigos, utilizamos as palavras-chaves: “evasão”, “desistência” e “abandono”, e também as palavras-chave “evasión”, “renuncia” e “abandono” nos periódicos que publicam em língua espanhola, sempre que possível direcionando-as aos resumos dos artigos e, nos casos em que isso não era possível, aos textos completos. As consultas foram realizadas em todas as edições disponibilizadas digitalmente até dezembro de 2018. Os resumos dos artigos filtrados foram lidos a fim de selecionarmos apenas aqueles que trouxessem contribuições para o estudo da evasão em cursos brasileiros de Licenciatura em Física.
Na seleção das teses e dissertações utilizamos a palavra-chave “evasão”, realizando as buscas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES 1, e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações 2. Os títulos das produções filtradas foram lidos a fim de identificarmos aquelas que poderiam estar relacionadas aos cursos de Licenciatura em Física. Em seguida, seus resumos foram lidos para que pudéssemos selecionar apenas as que efetivamente tratassem da evasão nesses cursos. Registre-se também o fato de que nos limitamos a produções cuja versão estivesse disponível em formato digital.
Para analisarmos os trabalhos selecionados, adotamos como referencial metodológico a Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes e Galiazzi (2016) para a análise de dados qualitativos. Nesse método, são entendidas como concomitantes a descrição e a interpretação dos dados, esta caracterizada como a reconstrução hermenêutica dos sentidos na perspectiva dos sujeitos (no nosso caso, os autores dos trabalhos revisados). Na ATD não são buscados sentidos ocultos, mas reconstruções de sentidos cada vez mais aprofundadas. Também não são assumidas teorias a priori, pois, com base na descrição/interpretação das informações qualitativas analisadas, espera-se desenvolver teorizações. Por isso, embora a ATD envolva a elaboração de categorias, o seu foco é a interpretação do todo (MORAES, 2003; MORAES; GALIAZZI, 2016; MEDEIROS; AMORIM, 2017).
Uma ATD é estruturada em três fases recursivas e interdependentes: unitarização, categorização e comunicação. Na unitarização, as informações de pesquisa são lidas e desconstruídas de forma a identificar e isolar unidades de análise que possuam relevância no escopo da investigação proposta (MORAES, 2003; MORAES; GALIAZZI, 2016; MEDEIROS; AMORIM, 2017). Moraes (2003, p. 195) sugere que essa etapa seja operacionalizada por meio da “fragmentação dos textos e codificação de cada unidade; reescrita de cada unidade de modo que assuma um significado o mais completo possível em si mesma; e atribuição de um nome ou título para cada unidade assim produzida.”
Dessa forma, conforme líamos cada trabalho selecionado - sete artigos, quatro dissertações e quatro teses -, grifávamos trechos considerados relevantes junto ao alcance do objetivo aqui proposto. Esses trechos receberam uma identificação e foram copiados para um documento à parte, que reuniu os títulos de todos os trabalhos revisados, seus respectivos autores e os trechos destacados.
Concluída a etapa de unitarização, iniciamos a etapa de categorização. Seu intuito é agrupar unidades de análise no que se refere a similaridades e diferenças, levantando também as temáticas nelas presentes. As categorias propostas vão sendo progressivamente reformuladas e aperfeiçoadas com o intuito de potencializar a organização e a sistematização dos sentidos dos materiais analisados (MORAES, 2003; MORAES; GALIAZZI, 2016; MEDEIROS; AMORIM, 2017).
No caso desta pesquisa, ao agruparmos as unidades similares, emergiram focos temáticos e, no âmbito de alguns deles, categorias: distribuição dos trabalhos pelos periódicos em que foram publicados ou instituições em que foram defendidos; natureza do trabalho - categorias: empírico, teórico-metodológico ou de revisão; nível de abrangência das informações sobre evasão coletadas/analisadas - categorias: informações globais ou informações relativas a instituições específicas; distribuição das produções revisadas ao longo dos anos; natureza das informações coletadas/produzidas - categorias: qualitativas, quantitativas ou híbridas; fontes e mecanismos utilizados para a coleta de informações associadas à evasão - categorias: entrevistas, questionários, registros/dados institucionais, registros/dados interinstitucionais ou outros; sujeitos das pesquisas - categorias: professores, alunos evadidos, alunos matriculados, alunos egressos ou outros; autores utilizados como referenciais teóricos sobre evasão; e conceituação de evasão - categorias: ausente, explícita ou implícita, as duas últimas com subcategorias: aluno que não está mais no curso, aluno que se desligou voluntariamente do curso ou outras.
Na última etapa da ATD, denominada comunicação, são produzidos e apresentados metatextos em que são socializados os sentidos apreendidos no material analisado (MORAES, 2003; MORAES; GALIAZZI, 2016; MEDEIROS; AMORIM, 2017). Há que se pontuar que:
Alguns metatextos serão mais descritivos, mantendo-se mais próximos dos textos e/ou discursos analisados; outros serão mais interpretativos, pretendendo atingir uma compreensão mais profunda. Entretanto, de certeza, a produção de um metatexto constitui-se num esforço de imprimir compreensões atingidas com respaldo na impregnação intensa do material analisado. (MEDEIROS; AMORIM, 2017, p. 257)
No contexto desta pesquisa, a etapa de comunicação condiz com a seção seguinte (Resultados e Análises). Nela, efetuamos a comunicação dos resultados por meio de dois metatextos. O primeiro, de caráter predominantemente descritivo, em que apresentamos uma síntese de cada artigo, tese ou dissertação analisados; e o segundo, de caráter predominantemente interpretativo, em que selecionamos e sistematizamos as características da literatura revisada no que se refere aos nove focos temáticos que emergiram nas etapas de unitarização e categorização. Lembrando que, na ATD, descrição e interpretação caminham juntas.
RESULTADOS E ANÁLISES
O Quadro 2, a seguir, apresenta os resultados obtidos no que se refere ao foco temático “distribuição dos trabalhos nos periódicos em que foram publicados ou nas instituições em que foram defendidos”.
Título | Autores e ano de publicação/defesa | Tipo | Periódico de publicação ou instituição de defesa |
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Sobre o ingresso, desistência e permanência no curso de Física da Universidade Estadual de Londrina: algumas reflexões | Arruda e Ueno (2003) | Artigo | Ciência & Educação |
Dados comparativos sobre a evasão em Física, Matemática, Química e Biologia da Universidade Estadual de Londrina: 1996 a 2004 | Arruda et al. (2006) | Artigo | CBEF |
Avaliação sobre as causas da evasão escolar no ensino superior: estudo de caso no curso de Licenciatura em Física no Instituto Federal do Maranhão | Almeida e Schimiguel (2011) | Artigo | REnCiMa |
Análise dos condicionantes sociais da evasão e retenção em cursos de graduação em Física à luz da sociologia de Bourdieu | Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012) | Artigo | RBPEC |
Análise de sobrevivência aplicada ao estudo do fluxo escolar nos cursos de graduação em Física: um exemplo de uma universidade brasileira | Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012) | Artigo | RBEF |
Evasão do Ensino Superior de Física segundo a tradição disposicionalista em Sociologia da Educação | Lima Junior (2013) | Tese | UFRGS |
Panorama das Licenciaturas de Ciências e Matemática no Brasil: Fragilidades, Ofertas e Tecnologias | Ramos (2013) | Tese | Universidade Cruzeiro do Sul |
Evasão e permanência num curso de Licenciatura em Física: o ponto de vista dos licenciandos | Ribeiro (2015) | Dissertação | UFPR |
Programa de Educação Tutorial: Avanços na formação em Física no Rio Grande do Norte | Souza e Gomes Junior (2015) | Artigo | RBEF |
A Contribuição do PIBID/Física na Formação Profissional dos Estudantes de Licenciatura em Física da UFAM | Oliveira (2016) | Dissertação | UFAM |
Um estudo sobre a evasão em um curso de Licenciatura em Física: Discursos de ex-alunos e professores | Kussuda (2017) | Tese | UNESP |
O novo currículo do Curso de Licenciatura em Física do CEFET/RJ, Campus Petrópolis | Micha et al. (2018) | Artigo | CBEF |
Um olhar sobre a política de formação de professores de Física no Brasil | Santos (2018) | Dissertação | UFS |
As condições de ofertas dos cursos de Licenciatura em Física: o caso do Instituto Federal de Goiás | Silva (2018) | Dissertação | PUC-Goiás |
Relações com o saber no curso de Licenciatura em Física da UFSC: passado e presente da evasão e permanência | Simões (2018) | Tese | UFSC |
Fonte: Autoria Própria.
Um ponto que nos parece positivo é a existência de teses/dissertações sobre evasão nas Licenciaturas em Física em todas as regiões brasileiras: três no Sul; duas no Sudeste; uma no Nordeste; uma no Norte e uma no Centro-Oeste.
Por outro lado, consideramos pequena a quantidade de trabalhos encontrados (quinze ao todo) em relação à amplitude da busca realizada. Corrobora tal consideração o fato de termos encontrado artigos sobre a evasão nas Licenciaturas em Física em apenas 4 dos 25 periódicos consultados. Nesse sentido, dada a relevância do assunto no âmbito das trajetórias individuais dos estudantes e das políticas educacionais brasileiras para os cursos de Licenciatura em Física, registramos a pertinência de que mais pesquisas sobre o tema sejam desenvolvidas e publicadas. Embora devamos considerar a hipótese de existirem trabalhos sobre o assunto em periódicos da área da Educação, postulamos que investigações sobre a evasão em cursos de Licenciatura em Física têm como principal destino os periódicos da área de Ensino de Física/Ciências. Outra consideração que pode servir como ressalva é a existência de relatórios institucionais destinados à análise da evasão, ainda que sejam pouco explorados pelas pesquisas.
Na subseção seguinte apresentamos uma breve descrição dos trabalhos revisados. A ordem de apresentação equivale à do Quadro 2 (cronológica de acordo com o ano de publicação e alfabética para trabalhos publicados num mesmo ano). A finalidade desse primeiro metatexto é possibilitar ao leitor o conhecimento dos referenciais teóricos, objetivos, procedimentos metodológicos e principais resultados e conclusões dos trabalhos revisados. Ele também embasará o segundo metatexto e algumas de nossas considerações finais.
Metatexto 1 - sínteses dos trabalhos revisados
Fundamentados em aportes psicanalíticos de Jacques Lacan, Arruda e Ueno (2003) investigaram os fatores que contribuíam para a evasão e para a permanência de estudantes de Física na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Com base em registros acadêmicos relativos a um período de dez anos, evidenciou-se que, em relação ao curso de Bacharelado, o curso de Licenciatura em Física apresentava menor procura e menor terminalidade (inferior a 10%). O índice de evasão era de quase 70%, com destaque para a queda abrupta de matriculados entre o primeiro e o segundo ano de curso. Os autores realizaram também entrevistas com licenciandos, analisando no trabalho as falas de um deles. O desejo em ser professor de Física, o interesse pela Matemática, a curiosidade sobre o funcionamento das coisas e o sentimento de gostar e se dar bem em algo que poucos se dão, foram as principais razões para a escolha do curso. Esses fatores, somados ao apoio familiar, às amizades construídas, à assunção do desafio de concluir o curso e à lembrança de que desistir poderia implicar a necessidade de ter que voltar a estudar para o vestibular, funcionaram, entre outros, como razões para a permanência dos licenciandos. Por outro lado, a dificuldade do curso, os insucessos em seu âmbito, a escassez de tempo e as dificuldades de relacionamento com colegas e professores foram os principais fatores indicados como causas da evasão.
Arruda et al. (2006) analisaram comparativamente dados quantitativos de evasão associados aos cursos de Física, Química, Biologia e Matemática da UEL. Foram utilizadas fórmulas estatísticas com o intuito de gerar dados mais precisos e condizentes com a realidade da instituição, o que evidencia a inexistência de um procedimento único e paradigmático para o cálculo dos índices de evasão. Entre os resultados, destacamos que: assim como os estudantes de Química e Matemática, os de Física costumavam permanecer seis ou mais anos no curso; os cursos de Física, principalmente o da modalidade Licenciatura, foram os que apresentaram os maiores índices de evasão; quando comparados aos outros cursos, os graduandos em Física se mostraram mais inseguros em relação à profissão e à modalidade de curso escolhida.
Almeida e Schimiguel (2011) investigaram as causas da evasão no curso de Licenciatura em Física do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) por meio de questionários aplicados aos estudantes evadidos e de informações coletadas junto aos registros acadêmicos. No período de 2001 a 2009, cerca de 20% das vagas oferecidas sequer foram preenchidas e cerca de 40% dos matriculados acabaram abandonando o curso. As causas para a evasão indicadas pelos evadidos que responderam ao questionário foram (em sequência decrescente no que diz respeito ao número de menções): equívoco na escolha do curso; desvalorização da profissão; problemas associados à instituição; baixo desempenho acadêmico; incompatibilidade com o emprego; problemas financeiros; problemas psicológicos; e localidade da instituição.
Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012) fundamentaram-se na sociologia da Educação de Bourdieu e em aportes estatísticos para analisarem a evasão e a retenção nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nessa perspectiva, a evasão e o fracasso escolar podem ser considerados mecanismos de reprodução das classes sociais. Similarmente, a posição social dos alunos estaria relacionada com seus percursos escolares. Fatores socioeconômicos como renda familiar e nível escolar dos pais dos graduandos foram analisados pelos autores. Entre os resultados e conclusões obtidas, destacamos que: a maioria dos estudantes que vêm de famílias com baixa renda está matriculada em cursos associados a carreiras menos prestigiadas - como os cursos de Física; a presença de alunos que vieram de escolas públicas também é maior em cursos menos prestigiados; no geral, estudantes que vieram de escolas públicas, de famílias de menor renda e/ou que possuem pais com menor nível de escolarização, comparativamente, ficam retidos por mais tempo; o capital econômico e cultural dos estudantes não afeta significativamente as chances de conclusão e o tempo de permanência dos evadidos no curso.
Com base em registros acadêmicos, Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012) analisaram a aplicação de um método estatístico para avaliar o tempo de permanência no curso por parte de bacharelandos e licenciandos em Física da UFRGS. Quanto aos resultados obtidos, pode-se destacar que: o índice de evasão nos cursos de Física superava os 70%, o que estaria em consenso com os índices aferidos em outras instituições brasileiras; a ocorrência da evasão não dependia do gênero do estudante ou da modalidade do curso, embora mulheres demorassem mais para evadir; a probabilidade de conclusão diminuía para estudantes matriculados há mais de quatro anos e meio; a evasão ocorria desde o primeiro semestre, mas evoluía ao longo do tempo, especialmente pelo acúmulo de reprovações em disciplinas; em comparação com os bacharelandos, os licenciandos passavam mais tempo retidos; estudantes que tinham obtido maiores pontuações no vestibular ficavam menos tempo retidos e tendiam a concluir o curso mais rapidamente.
Embasado em aportes estatísticos e em obras de Pierre Bourdieu, Bernard Lahire e Vincent Tinto, Lima Junior (2013) analisou as causas da evasão nos cursos de graduação em Física (Bacharelado e Licenciatura) da UFRGS. Informações de registros acadêmicos referentes ao período de 1995 a 2009 evidenciaram que a classe social dos estudantes não tinha relação com a evasão e a conclusão do curso. Por outro lado, a evasão daqueles provenientes de classes mais abastadas tinha como principal motivo a mudança para cursos mais prestigiados, diferentemente do que ocorreria com aqueles provenientes de classes menos privilegiadas, que abandonavam o Ensino Superior. Estes também tinham maior tendência em acumular reprovações, especialmente no início do curso, o que teria relação com a necessidade de conciliar a dedicação aos estudos com um emprego e/ou com a fragilidade do Ensino Básico cursado. Os principais fatores mencionados como causas para a evasão por cinco alunos evadidos entrevistados foram: possibilidade de mudança para outros cursos; fracasso em disciplinas; e dificuldade de compatibilizar horários de trabalho e estudo. Foram entrevistados também 35 alunos matriculados com a finalidade de investigar em que medida a instituição se comprometia com o bem-estar deles, a educação de todos e o estabelecimento de comunidades acadêmicas e sociais. A análise dessas entrevistas indicou que a cultura do Instituto de Física da UFRGS acabava enaltecendo o individualismo, o autodidatismo, o desempenho acadêmico, a dificuldade do curso, o formalismo científico e a formação voltada à possível atuação acadêmica dos egressos. Nesse sentido, afirma-se que o curso não possibilitava oportunidades de aprendizado igualitárias a todos. Por fim, Lima Junior (2013) salienta que algumas das causas para a evasão podem ser combatidas com ações institucionais, como o investimento/atenção em estudantes que ingressam no curso com menores níveis de capital econômico e cultural.
Ramos (2013) teve como um de seus objetivos avaliar o panorama das Licenciaturas de Ciências e Matemática brasileiras a partir de informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Alguns números se relacionam à oferta de vagas e à evasão em cursos de Licenciatura em Física entre 2007 e 2011. Nos cursos presenciais, embora a oferta de vagas e a quantidade de ingressantes tenham aumentado no período, a evasão média foi de 70%, e apenas 18% das vagas oferecidas foram ocupadas por estudantes que concluíram o curso. Já nas Licenciaturas em Física na modalidade à distância, apesar de a oferta de vagas no período ter aumentado mais de 1000%, a quantidade de ingressantes diminuiu e a evasão média foi de 90%. Nesse contexto, estimou-se que o governo tinha um prejuízo de quase um bilhão de reais por ano por conta de vagas ociosas em cursos públicos de Licenciatura nas áreas de Ciências e Matemática. Além disso, a alta evasão indicaria que os investimentos têm produzido pouco efeito na formação de professores.
Ribeiro (2015) analisou os fatores que contribuíam para a evasão e a permanência no curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR) segundo seus estudantes. Com base em aportes de Bourdieu e por meio da aplicação de um questionário a mais de uma centena de licenciandos, evidenciou-se que as principais causas para a evasão eram a escassez de tempo para os estudos, pois muitos precisavam trabalhar, e as perspectivas negativas sobre a carreira docente. Além delas, foram mencionados: dificuldade do curso, defasagem em conhecimentos do Ensino Básico e problemas associados à atuação dos formadores (metodologias, formas de avaliação etc.). Já a permanência era incentivada principalmente pelo bem-estar no curso e o interesse pela profissão. Segundo os participantes, ela poderia ser fomentada por meio da melhoria na relação professor-aluno; do aperfeiçoamento da didática e das avaliações aplicadas pelos formadores; de uma maior dedicação de parte deles ao ensino; do aperfeiçoamento da grade curricular; da melhoria da assistência estudantil-financeira; e de uma maior atenção aos ingressantes e às suas dificuldades, especialmente no que se refere a tópicos de Matemática. Vale registrar que 59% dos participantes já havia pensado em evadir. Por fim, Ribeiro (2015) destaca que aspectos ao alcance da instituição estariam contribuindo para a evasão e não para a permanência dos discentes.
Souza e Gomes Júnior (2015) analisaram o impacto do Programa de Educação Tutorial (PET) associado ao curso de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), entre outras coisas, na evasão dos bolsistas participantes. Os bolsistas do PET ofereciam “cursos de nivelamento” para ingressantes e monitorias de disciplinas iniciais do curso, participavam de eventos científicos, realizavam oficinas, supervisionavam estudantes em visitas aos laboratórios da instituição e realizavam projetos de iniciação científica. No geral, em comparação com os demais estudantes, esses bolsistas evadiram menos e concluíram o curso em menor tempo. Além disso, em sua maioria, egressos do PET estariam exercendo a docência ou matriculados em programas de pós-graduação.
Oliveira (2016) investigou contribuições do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) do curso de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), inclusive em termos de sua influência sobre a evasão. Apenas 5,6% dos estudantes teriam concluído o curso entre 2005 e 2014, especialmente por conta de dificuldades com as disciplinas e em conciliar emprego e estudo - a maioria dos licenciandos era oriunda de famílias de baixa renda. Questionários e entrevistas com pibidianos evidenciaram que a bolsa do programa funcionou como fator de permanência no curso, reduzindo os índices de evasão por auxiliar na renda familiar. Ademais, Oliveira (2016) aponta que o PIBID também contribuiu para aumentar o rendimento acadêmico dos bolsistas e o sucesso profissional dos mesmos na docência.
Embasado em Vincent Tinto, Kussuda (2017) investigou por meio de entrevistas e questionários quais eram, na visão de alunos evadidos e de professores, os principais fatores que levavam à evasão no curso de Licenciatura em Física da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Bauru. Do ponto de vista dos estudantes, os motivos que contribuíam para a evasão eram: dificuldade financeira e consequente necessidade de trabalhar, o que reduziria a disponibilidade para estudar; limitações didático-pedagógicas associadas aos formadores e, especialmente, às avaliações aplicadas por eles; problemas na estrutura curricular do curso; escassez de políticas de permanência estudantil; falta de atratividade da profissão; falta de acolhimento no início do curso; preferência dos professores pela pesquisa em detrimento do ensino; imaturidade quando ingressaram no Ensino Superior; e limitações na infraestrutura universitária, especialmente de espaços reservados para estudo. Do ponto de vista dos professores, as causas da evasão eram: escolha equivocada do curso e/ou distância entre a realidade e o imaginário dos estudantes sobre a Física que seria trabalhada no curso; problemas financeiros vivenciados pelos estudantes; restrições e dificuldades relacionadas à profissão no mercado de trabalho; dificuldades de aprendizagem e baixa assiduidade nas aulas por parte dos estudantes. Por fim, destacamos algumas das sugestões oferecidas pelos participantes da pesquisa como possibilidades para a redução da evasão: oferecimento de “cursos de nivelamento” e/ou de disciplinas introdutórias aos ingressantes; aprimoramento do apoio e do acompanhamento aos estudantes, especialmente os ingressantes - por meio de programas de tutoria, da explicitação do projeto pedagógico do curso e do campo profissional, entre outros; atuação governamental para melhorar a atratividade da profissão; oferecimento de monitorias em horários alternativos, em ambientes virtuais e até mesmo em fins de semana; conscientização dos docentes sobre sua função na sociedade e na permanência dos licenciandos no curso, bem como sobre as dificuldades enfrentadas por estes e as possíveis formas de lidar com elas.
Micha et al. (2018) relataram o processo de reformulação curricular do curso de Licenciatura em Física do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET/RJ), campus Petrópolis. As mudanças efetuadas tiveram como base diretrizes oficiais, o relatório produzido por avaliadores do MEC e a experiência acumulada pelos envolvidos (docentes, funcionários e estudantes) ao longo dos oito anos de funcionamento do curso. Uma das justificativas para a reformulação foi o alto índice de evasão observado. Do total de vagas oferecidas até então, menos de 60% haviam sido preenchidas. Além disso, a taxa de evasão média era de 63%, boa parte ocorrendo nos primeiros semestres do curso. Entre os fatores que contribuíam para o abandono, estavam o fato de o curso não ser a primeira opção para boa parte dos estudantes (muitos o escolhiam por ser gratuito e pela proximidade da instituição com suas residências), deficiências em sua matriz curricular - inclusive seu caráter bacharelesco -, dificuldade de adaptação dos estudantes ao curso/cidade e frustrações advindas de reprovações, especialmente no início do curso. A fim de possibilitar uma melhor transição do Ensino Básico para o Ensino Superior, foram inseridas disciplinas introdutórias no início da nova matriz curricular. Tais disciplinas também objetivavam motivar a permanência dos licenciandos no curso, incorporando metodologias diferenciadas. A parte experimental da Física passou a ser conduzida no escopo das disciplinas teóricas de Física básica e não mais em disciplinas específicas. Disciplinas de caráter avançado típicas de cursos de Bacharelado em Física foram tornadas optativas, possibilitando aos estudantes o delineamento de suas trajetórias formativas conforme seus interesses. Por fim, vale dizer que não foram apresentados os resultados obtidos com a nova matriz curricular.
Santos (2018), entre outras coisas, analisou a contribuição do PIBID para a redução da evasão nos cursos de Licenciatura em Física segundo a visão de professores coordenadores (docentes do Ensino Superior) e supervisores (docentes do Ensino Básico) que participaram do programa em diversos estados brasileiros. A partir de informações disponibilizadas pelo INEP, referentes ao período de 2000 a 2015 e da aplicação do modelo matemático utilizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para o cálculo da evasão, a autora estimou como 60,2% o índice médio de evasão nos cursos de Licenciatura em Física no período em questão. As entrevistas evidenciaram que boa parte dos professores, coordenadores e supervisores considerava que o PIBID auxiliou na permanência dos licenciandos no curso, especialmente por conta da bolsa - que contribuiria para evitar que o estudante precisasse ter um emprego -, do maior acompanhamento dispensado aos bolsistas do programa e da proximidade à realidade escolar proporcionada aos participantes.
Silva (2018) investigou, entre outras coisas, a evasão do curso de Licenciatura em Física do Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Goiânia. Segundo a autora, tratava-se de um fenômeno que ocorria especialmente no segundo semestre do curso, tendo como principal razão a dificuldade nas disciplinas. A partir de uma entrevista com o coordenador do curso, evidenciou-se que o alto índice de evasão é tratado como natural, não havendo ações para combatê-la. De fato, estas seriam entendidas como inviáveis pois poderiam atrapalhar o desenvolvimento planejado do curso. Finalizando, Silva (2018) aponta que a evasão no curso investigado estava relacionada a concepções equivocadas por parte dos professores e à tendência em privilegiar o conhecimento específico da Física em detrimento dos conhecimentos das áreas de Ensino/Educação - o que seria consequência da formação predominante entre os docentes que atuam no curso.
Simões (2018), a partir de entrevistas e questionários, analisou os fatores que contribuíam para a evasão e a permanência de licenciandos em Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Para isso, fundamentou-se em noções sobre motivação e em aportes desenvolvidos por Bernard Charlot, coletando informações com estudantes que concluíram o curso, com estudantes que evadiram e com estudantes que estavam matriculados. Segundo os participantes, os principais motivos que geravam a evasão eram: a dificuldade em conciliar emprego e estudos; a falta de perspectiva em relação à carreira docente; os problemas de relacionamento com professores, especialmente devido ao distanciamento da relação; a dificuldade com os conteúdos - também por deficiências associadas à atuação dos formadores - e, consequentemente, o acúmulo de reprovações em disciplinas; o interesse em mudar para o Bacharelado - até por conta de certo “aliciamento” de professores da área; as dificuldades financeiras; e a ausência de ações afirmativas institucionais. Já os fatores que contribuíam para a permanência eram: o interesse pela Física; a possibilidade de ingressar rapidamente no mercado de trabalho; o convívio com os colegas; e o suporte oferecido pela instituição, como a possibilidade de receber bolsas quando participavam em projetos. Os egressos atribuíram a conclusão do curso a elementos internos, como dedicação e persistência. Já os elementos externos agiriam como desmotivadores para a permanência.
Metatexto 2 - sistematização e interpretação da literatura revisada
Quanto ao foco temático “distribuição das produções revisadas ao longo dos anos”, os dados foram sistematizados na Figura 1:
Observa-se que treze trabalhos foram publicados/defendidos após a instituição do REUNI (2007), sugerindo que o Programa tenha funcionado como impulsionador de estudos sobre o tema. Corrobora essa consideração o fato de que cinco artigos e cinco das oito teses/dissertações, publicados após 2007, investigaram a evasão estritamente em instituições federais de ensino, além de outras duas que o fizeram em âmbito nacional.
No que se refere ao foco temático “natureza do trabalho”, quatorze trabalhos foram categorizados como sendo de cunho empírico. Trata-se de investigações que analisaram informações sobre a evasão coletadas junto a estudantes, professores e/ou relatórios institucionais/governamentais. O trabalho de Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012), embora se utilize de informações desse tipo para exemplificar a metodologia que foi proposta para analisar o fluxo escolar, teve como foco a construção da metodologia em si. Dessa forma, foi categorizado como de cunho teórico-metodológico. Nenhum dos trabalhos priorizou a revisão da literatura sobre o tema evasão nos cursos de Licenciatura em Física, o que não significa a ausência de revisões em algum/alguns de seus trechos/seções/capítulos.
Em relação ao foco temático “nível de abrangência das informações sobre evasão coletadas/analisadas”, treze trabalhos foram alocados na categoria “informações relativas a instituições específicas”, pois fazem referência a informações coletadas em um único curso/instituição. O Quadro 3 explicita as instituições onde as informações foram coletadas nesses treze trabalhos:
Instituição | Trabalho |
---|---|
CEFET-RJ | Micha et al. (2018) |
IFG | Silva (2018) |
IFMA | Almeida e Schimiguel (2011) |
Arruda e Ueno (2003) | |
UEL | Arruda et al. (2006) |
UFAM | Oliveira (2016) |
UFPR | Ribeiro (2015) |
UFRGS | Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012) |
Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012) | |
Lima Junior (2013) | |
UFRN | Souza e Gomes Júnior (2015) |
UFSC | Simões (2018) |
UNESP | Kussuda (2017) |
Fonte: Autoria Própria.
Nesse escopo, pode-se destacar a existência de mais de uma publicação relativa à evasão nos cursos de Licenciatura em Física da UFRGS e da UEL, o que limita a abrangência total a dez instituições.
Já Ramos (2013) e Santos (2018) foram alocados na categoria “informações globais”, pois lidam com informações de múltiplas instituições brasileiras.
Quanto ao foco temático “natureza das informações coletadas/produzidas”, diferenciamos os trabalhos em três categorias: qualitativo, quantitativo e híbrido. Consideramos de natureza qualitativa os trabalhos que coletaram informações por meio de questionários dissertativos e/ou entrevistas. De natureza quantitativa aqueles que obtiveram e analisaram informações numéricas, seja por meio de relatórios ou da categorização de respostas obtidas em questões fechadas. Nesses estudos se fizeram presentes o levantamento de quantidades, o cálculo de porcentagens e/ou o emprego de aportes estatísticos. Como trabalhos de natureza híbrida foram considerados os que mesclam esses dois grupos de características. O Quadro 4 explicita em que categoria cada uma das produções selecionadas foi alocada:
Fonte: Autoria Própria
Sete trabalhos coletaram/produziram/analisaram informações de cunho quantitativo, seis de cunho híbrido e dois de cunho qualitativo. Nesse sentido, a maioria da literatura revisada fez uso de aportes como o cálculo de porcentagens, a construção de gráficos e a análise de correlações. Entre as abordagens qualitativas, destacam-se análises textuais, análises de conteúdo e análises de discurso.
Para o foco temático “fontes e mecanismos utilizados para a coleta de informações associadas à evasão”, conforme o Quadro 5, apresentado a seguir, não foi possível criar categorias mutuamente excludentes. Assim, um trabalho pode estar alocado em mais de uma categoria. Dez trabalhos fizeram uso de “registros/dados institucionais”, recorrendo a informações provenientes de registros acadêmicos (ano de entrada, ano de saída, quantidade de reprovações etc.). Sete utilizaram “entrevistas” como instrumento para a coleta de informações. Cinco fizeram uso de “questionários”. Dois foram alocados na categoria “registros/dados interinstitucionais”, porque utilizaram informações disponibilizadas pelo INEP. E um foi alocado na categoria “outros”, porque utilizou informações disponibilizadas na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Trabalho | Fonte/Mecanismo |
---|---|
Arruda e Ueno (2003) | - Registros acadêmicos |
- Entrevistas com matriculados | |
Arruda et al. (2006) | - Registros acadêmicos |
Almeida e Schimiguel (2011) | - Registros acadêmicos |
- Questionários para evadidos | |
Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012) | - Registros acadêmicos |
Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012) | - Registros acadêmicos |
Lima Junior (2013) | - Registros acadêmicos |
- Entrevistas com evadidos | |
- Entrevistas com matriculados | |
Ramos (2013) | - Informações disponibilizadas pelo INEP |
Ribeiro (2015) | - Questionários para matriculados |
Souza e Gomes Junior (2015) | - Registros acadêmicos |
- Currículo Lattes participantes do PET | |
Oliveira (2016) | - Registros acadêmicos |
- Questionários e entrevistas para matriculados que participavam ou haviam participado do PIBID, para egressos que participaram do PIBID e para evadidos que participaram do PIBID. | |
Kussuda (2017) | - Registros acadêmicos |
- Questionários para evadidos | |
- Entrevistas com evadidos | |
- Entrevistas com professores do curso | |
Micha et al. (2018) | - Registros acadêmicos |
Santos (2018) | - Informações disponibilizadas pelo INEP |
- Entrevistas com professores que participaram ou estavam participando do PIBID | |
Simões (2018) | - Questionários para evadidos |
- Questionários para egressos | |
- Questionários para matriculados | |
- Entrevistas com matriculados | |
Silva (2018) | - Entrevista com professor coordenador do curso |
Fonte: Autoria Própria
No contexto dos nove trabalhos que utilizaram questionários e/ou entrevistas, levantamos informações acerca do foco temático “sujeitos das pesquisas”. Com base nas informações apresentadas no Quadro 5, os trabalhos foram alocados nas categorias, não mutuamente excludentes: “professores” (três), “alunos evadidos” (cinco), “alunos matriculados” (cinco) e “alunos egressos” (dois). Esse resultado sinaliza que as investigações sobre evasão nas Licenciaturas em Física têm concentrado suas atenções, principalmente, nos estudantes que permanecem no curso e naqueles que evadiram.
Conforme indicamos na introdução deste trabalho, o conceito de evasão não é consensual. Nesse sentido, um dos nossos focos temáticos foi a “conceituação da evasão”. Oito trabalhos foram alocados na categoria “implícita”, quatro na categoria “ausente” e três na categoria “explícita”. Apenas Ribeiro (2015), Kussuda (2017) e Simões (2018) explicitaram, de alguma forma, o conceito de evasão:
Nesta pesquisa a evasão é entendida como o abandono do curso de Licenciatura em Física por qualquer motivo. […] (RIBEIRO, 2015, p. 17-18)
[…] consideramos a transferência como uma forma de evasão, uma vez que o aluno não irá concluir […] (KUSSUDA, 2017, p. 36, nota de rodapé nº 11)
Para determinar o percentual de evasão, a universidade observa os dados de número total de ingressantes no ano e subtrai do número total de alunos na situação de abandono, desistência, falecimento, jubilamento, transferência externa ou de troca de curso. (SIMÕES, 2018, p. 55)
No caso de Kussuda (2017), o trecho exibido não é tão esclarecedor. Contudo, a fundamentação teórica adotada pelo autor, ao atribuir aos estudantes apenas dois resultados - evasão ou persistência -, acaba explicitando a definição assumida para evasão.
Nos trabalhos de Almeida e Schimiguel (2011), Lima Junior (2013), Santos (2018) e Silva (2018), não conseguimos reunir pistas que nos levassem à compreensão de como a evasão está sendo entendida pelos autores. Já nos trabalhos de Arruda e Ueno (2003), Arruda et al. (2006), Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012), Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012), Ramos (2013), Souza e Gomes Júnior (2015), Oliveira (2016) e Micha et al. (2018), parece estar implícita uma conceituação, seja por igualarem todos os tipos de alunos que abandonaram o curso, chamando-os de evadidos, ou por diferenciarem alunos desligados pela instituição de alunos que abandonaram o curso voluntariamente, os quais, na visão desses autores, seriam os evadidos. A título de exemplo, transcrevemos trechos de dois trabalhos que categorizamos como implícitos no que se refere à conceituação da evasão:
[…] observamos que o número de vagas perdidas por evasão (número de ingressantes menos o número de concluintes) […] (RAMOS, 2013, p. 73)
[…] o tempo de vida tem início no ingresso do estudante de Física na universidade e termina com seu desligamento, evasão ou diplomação. (LIMA JÚNIOR; OSTERMANN; REZENDE, 2012, p. 52)
Dentre os onze trabalhos nos quais conseguimos explicita ou implicitamente identificar o que se está entendendo como evasão, nove apontam para o “aluno que não está mais no curso”, sem se referir ao motivo que o levou a não dar continuidade aos estudos. Além de Ribeiro (2015), Kussuda (2017) e Simões (2018), nos quais essa caracterização se faz explícita, consideramos que, implicitamente, esse entendimento também foi adotado por Arruda e Ueno (2003), Arruda et al. (2006), Ramos (2013), Souza e Gomes Júnior (2015), Oliveira (2016) e Micha et al. (2018). Já Lima Junior, Silveira e Ostermann (2012) e Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012), parecem entender a evasão de forma ligeiramente diferente, distinguindo-a dos casos em que a instituição é a responsável por impedir a renovação da matrícula do estudante.
Portanto, assim como o fizemos na introdução deste artigo, mais da metade dos trabalhos parece entender a evasão como uma das três possíveis situações mutuamente excludentes para um estudante que ingressou em um curso superior: matriculado, egresso ou evadido. Consideramos que, por não entrar em méritos a respeito de qual ou quais foram os fatores que levaram o estudante a não dar continuidade ao curso, se trata de uma forma pragmática de definir evasão. Até porque, conforme abordamos na introdução deste artigo e em extratos do Metatexto 1, a literatura sobre o assunto tem registrado que complexas e múltiplas são as possíveis causas do fenômeno, o que dificulta o estabelecimento de uma única causa.
No que se refere ao foco temático “autores utilizados como referenciais teóricos sobre evasão”, destacaram-se os aportes da Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu - utilizados por Lima Junior, Ostermann e Rezende (2012), Lima Junior (2013) e Riberio (2015) - e os estudos de Vincent Tinto sobre evasão no Ensino Superior - utilizados por Lima Junior (2013) e Kussuda (2017). Bernard Charlot e Bernard Lahire, autores que também têm relação com a Sociologia da Educação, foram utilizados, respectivamente, por Simões (2018) e Lima Junior (2013). Já Arruda e Ueno (2003) tomaram como suporte teórico noções da psicanálise de Jacques Lacan. Os outros nove trabalhos apresentam discussões sobre evasão recorrendo a diversos autores. Contudo, não assumem explicitamente um referencial teórico, isto é, não atribuem maior relevância a algum autor/obra. Apenas recortam trechos de diversos autores e os encadeiam em um texto que, embora coeso, não explicita ou problematiza possíveis incongruências entre as visões dos autores citados. Nesse sentido, julgamos válido afirmar que a maioria dos trabalhos revisados carece de uma sustentação teórico-metodológica mais robusta. Por outro lado, entre aqueles que nos parecem bem fundamentados, vale registrar o predomínio de aportes de cunho sociológico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas sínteses apresentadas no Metatexto 1, mencionamos resultados e considerações dos autores sobre as possíveis causas e soluções para a evasão. Assim, ainda que o peso relativo de cada uma dessas possibilidades varie de instituição para instituição, em conjunto com os trabalhos da área da Educação citados na introdução, a literatura analisada nos fornece um panorama sobre os potencializadores da evasão e também da permanência dos alunos nos cursos de Licenciatura em Física. Por outro lado, este trabalho evidencia a existência de uma lacuna no que diz respeito a estudos que investigam como, e em que medida, a efetivação de determinadas ações impacta na evasão ou na permanência dos licenciandos. Como exemplos dessas ações podemos citar a participação dos alunos em programas como o PET e o PIBID (SOUZA; GOMES JÚNIOR 2015; OLIVEIRA 2016), e a reformulação da grade curricular de um curso (MICHA et al. 2018). Consideramos que a continuidade de estudos sobre essas e outras ações poderá engendrar mais conhecimento para fomentar a redução da evasão nos cursos de Licenciatura em Física.
Outra lacuna evidenciada por este trabalho se refere ao número reduzido de instituições investigadas. A ampliação do mapa de instituições poderá possibilitar uma melhor compreensão sobre a evasão e as proposições para o enfrentamento desse problema, atuando em prol da melhoria da aderência entre os cursos/instituições e suas finalidades socioeconômicas. Uma sugestão seria transformar relatórios institucionais que abordam a evasão em pesquisas que tragam mais profundidade à análise e às interpretações dos dados por meio de embasamentos teórico-metodológicos. Além desses relatórios institucionais e de informações disponibilizadas pelo INEP, no caso das instituições públicas federais, outra possibilidade seria recorrer a informações disponibilizadas na recém-criada Plataforma Nilo Peçanha 3. Nela estão disponíveis, entre outras coisas, dados relacionados ao corpo docente, ao corpo discente e aos investimentos financeiros realizados nas Instituições de Ensino Superior.
Ainda que boa parte das produções analisadas careça de uma fundamentação teórico-metodológica mais robusta e que a comparação entre trabalhos de diferentes naturezas (artigos, teses e dissertações) deva ser vista com ressalvas - haja vista a extensão limitada de um artigo em relação a uma tese/dissertação -, destacamos os trabalhos de Lima Junior (2013) e Kussuda (2017) como exemplos de estudos bem estruturados no que se refere ao embasamento teórico, à coerência entre este e os procedimentos metodológicos e à contribuição proporcionada à literatura da área através dos resultados, análises e conclusões obtidas. Sem desprezar a relevância de mudanças no escopo governamental, especialmente quanto à atratividade da carreira docente, esses dois trabalhos, em conjunto com os de Ribeiro (2015), Simões (2018) e Silva (2018), evidenciaram que parte dos fatores que levam à evasão pode ser atacada por meio de ações institucionais, tais como a valorização e o investimento na formação didático-pedagógica dos docentes formadores e o oferecimento de atividades de tutoria e monitoria aos ingressantes.
Finalizamos este trabalho sinalizando a relevância de estudos que levem à superação de visões fatalistas e naturalizantes sobre a evasão nos cursos de Licenciatura em Física, como as que a consideram uma consequência direta da formação precária dos ingressantes ou da dificuldade intrínseca associada aos cursos de Física. Nessas perspectivas, o fato de poucos alunos conseguirem concluí-los é tratado como normal.