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Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências

versión impresa ISSN 1415-2150versión On-line ISSN 1983-2117

Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. vol.25  Belo Horizonte  2023  Epub 20-Ago-2023

https://doi.org/10.1590/1983-21172022240152 

Artigos

SIGNIFICANDO1 DISCURSOS DOCENTES A RESPEITO DE CONHECIMENTOS DA BIOLOGIA A PARTIR DAS EPISTEMOLOGIAS FEMINISTAS

DAR SIGNIFICADO A LOS DISCURSOS DEL PROFESORADO SOBRE CONOCIMIENTOS DE LA BIOLOGÍA DESDE LAS EPISTEMOLOGÍAS FEMINISTAS

Ana Paula Oliveira dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-1190-3312

Bettina Heerdt2 
http://orcid.org/0000-0002-0428-136X

1Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, PR, Brasil.

2Universidade Estadual do Centro-Oeste, Departamento de Biologia, Guarapuava, PR, Brasil.


RESUMO:

O objetivo da pesquisa é analisar os enunciados de gênero e relações de poder presentes nos discursos docentes a respeito de alguns conhecimentos da biologia, significando-os a partir das epistemologias feministas. Os/as participantes foram seis docentes universitários/as de uma instituição pública. O corpus de análise foi construído por meio de entrevistas semiestruturadas. Os enunciados foram significados relacionando as ferramentas de Foucault e as teorizações feministas. Foram reiterados discursos que naturalizam as relações sociais a partir de conhecimentos da biologia; discursos que mantêm as dicotomias e silenciam as diversidades; discursos que humanizam células e moléculas. Discursos da crítica da ciência e de resistência a distintos modos de opressão também foram reiterados. O que é dito ou não no ensino de ciências é influenciado pelas relações entre poder e saber, assim, certos discursos são evidenciados em detrimento de outros. Pôr em circulação outras verdades afronta essas relações de poder.

Palavras-chave: Ensino de Ciências e Biologia; Epistemologias feministas; Discursos docentes

RESUMEN:

El objetivo de la investigación es analizar los enunciados de género y las relaciones de poder presentes en los discursos del profesorado sobre algunos conocimientos de la biología, significándolos desde las epistemologías feministas. Participaron seis profesores/as universitarios/as de una institución pública. El corpus de análisis se construyó a través de entrevistas semiestructuradas. Se buscaron los significados de los enunciados relacionando las herramientas de Foucault y las teorizaciones feministas. Se reiteraron discursos que naturalizan las relaciones sociales desde el conocimiento de la biología; discursos que mantienen dicotomías y silencian diversidades; discursos que humanizan células y moléculas. También se reiteraron discursos de crítica a la ciencia y de resistencia a diferentes modos de opresión. Lo que se dice o no se dice en la enseñanza de las ciencias está influenciado por las relaciones entre poder y conocimiento, por lo que se destacan ciertos discursos en detrimento de otros. Poner en circulación otras verdades afronta estas relaciones de poder.

Palabras clave: Enseñanza de Ciencias y Biología; Epistemologías feministas; Discursos del profesorado

ABSTRACT:

This research aimed at analyzing utterances regarding gender and power relations observed in teachers’ discourses addressing certain biology knowledge and giving them meaning from the standpoint of feminist epistemologies. The participants were six university professors working in a public institution. The analysis corpus was built up using semi-structured interviews. The utterances were analyzed relating Foucault’s tools and feminist theories. We observed the repetition of discourses that naturalize social relations from biology knowledge, discourses that keep dichotomies and silence diversity, and discourses humanizing cells and molecules. Discourses of the science critique and of resistance to different modes of oppression were also repeated. What is said or not when teaching sciences is influenced by power and knowledge relations, thus, some discourses are evidenced in detriment of others, since circulating other truths confronts such power relations.

Keywords: Sciences and Biology teaching; Feminist epistemologies; Teachers’ discourses

INTRODUÇÃO

As nossas experiências pessoais, formação, bagagem cultural e de vida, o contexto histórico, político e social interferem na ciência e na pesquisa que desenvolvemos, pois entendemos o conhecimento como situado (Longino, 2008). Assim, eu, primeira autora, coloco-me nesta pesquisa como mulher, cisgênero, de cor parda, feminista e professora de ciências e biologia, e, neste processo de pesquisa e escrita, contei com o auxílio da segunda autora deste artigo, minha orientadora, mulher cisgênero, de cor branca, feminista, mãe, pesquisadora e professora na licenciatura em ciências biológicas. Este artigo é um recorte da pesquisa de dissertação de mestrado da primeira autora, que analisou discursos de docentes universitários/as da biologia em relação aos feminismos, às interseccionalidades e às questões de gênero e ciência (Santos, 2021).

As questões de gênero na ciência são discutidas pelas epistemologias feministas, que adotaram o gênero como um objeto teórico e um instrumento de análise (Sardenberg, 2002). Gênero como categoria analítica (Scott, 1995) permite investigar e discutir as diferenciações sociais pautadas no gênero e suas consequências; os modos de construção do ser mulher, homem, transgênero ou dissidente; as consequências das expectativas criadas nos sistemas de gênero para cada indivíduo; envolve a resistência à organização hétero/cis normativa e patriarcal; a compreensão das relações de poder que estruturam a sociedade e a proposição de desconstrução dessas relações, entre outras possibilidades de análise.

O saber científico da biologia não é neutro e carrega consigo relações de poder. Estudos das epistemologias feministas apontam diversos conteúdos que foram construídos de forma androcêntrica, que invisibilizam as mulheres e outros grupos marginalizados, e reafirmam preconceitos e discriminações construídos socialmente (Fausto-Sterling, 2002; Keller, 2006; Martin, 1991; Schiebinger, 2001).

No Ensino de Ciências, as pesquisas realizadas nos permitem pensar em como caminham as discussões de gênero na área. Luiz Gustavo Franco e Danusa Munfort (2023) apresentam a pesquisa de Jennie Brotman e Felicia M. Moore (2008), no âmbito internacional, que indica alguns avanços e tendências, desde 1970. As pesquisas foram se modificando na área de Educação em Ciências e se organizaram em torno de alguns focos, como: a caracterização e análise de diferenças entre meninos e meninas (final dos anos 1980); análise do currículo que se apresentava como excludente e misógino (anos 1990); análises da natureza da ciência e cultura científica, permeadas pelas relações de gênero e a identificação de estudantes com disciplinas e/ou carreiras científicas (final dos anos 1990). No Brasil, em 2008, Ângela Maria Souza investigou dois periódicos da área de Ensino, entre os anos de 1998 a 2007, e relatou a ausência de pesquisas de gênero e das epistemologias feministas interconectadas ao ensino e à prática docente, publicadas em periódicos A1 da área.

Na formação docente, especificamente, foi realizado um levantamento em periódicos e atas de eventos, entre os anos de 2005 a 2011, foram encontrados sete artigos que analisavam as representações de gênero em livros didáticos, inferências e interpretações das relações gênero e ciência, e revisões teóricas a respeito de gênero (Batista et al., 2011).

Em 2015, Nathaly Chiari e Irinéia Batista realizaram o levantamento em atas de eventos, em periódicos e monografias de pós-graduação da área de Ensino de Ciências, no período de 2010 a 2014, encontraram treze pesquisas que discutiam a problematização da temática gênero na Educação Científica; formação de professores/as e investigações teórico-metodológicas para o desenvolvimento de abordagens para inserção das discussões de gênero na Educação Científica e/ou Formação de Professores/as. Em 2019, Amanda Proençaet al. deram prosseguimento à investigação realizada nos anais de eventos e períodos, entre 2015 a 2017. Encontraram 31 pesquisas, incluindo as pesquisas encontradas por Batista et al. (2011) e Chiari e Batista (2015). As pesquisas que investigam gênero no Ensino de Ciências abordam: representações de gênero em livros didáticos; inferências da representação da mulher nas ciências; as concepções e interesse de alunas/os a respeito da ciência ou das carreiras científicas; estudos teóricos; práticas e formação docente; participação das mulheres na ciência; intervenções escolares e questões de gênero e ciência nas mídias.

Ana Flávia Silva, Ana Paula Santos e Bettina Heerdt (2017) realizaram um levantamento de pesquisas relacionadas a gênero e Educação Científica, no período de 2003 a 2016, em periódicos nacionais e internacionais (A1, A2 e B1), e encontraram 33 artigos. O número de pesquisas nas revistas internacionais (25) é maior do que nas nacionais (08). As autoras pontuam a ausência de discussões das temáticas gênero em intervenções escolares e materiais didáticos, e a urgência de discussões que abordam gênero e formação docente. Em 2018, foram analisadas 90 revistas na área de Ensino de Ciências e, destas, em 22 foram encontrados 34 artigos (Heerdt et al., 2018), os temas de pesquisa foram classificados em: gênero em livros didáticos; o interesse de meninos e meninas pela ciência; necessidade da inserção da temática gênero na Educação Científica; práticas e formação de professores/as; participação das mulheres na ciência; intervenção escolar; gênero e ciência nas mídias; aprendizagem de alunos/as em ciências; interações de alunos/as nas aulas de ciências; e como gênero é abordado nas produções científicas.

No passar dos anos, houve um crescimento das investigações em número e diversidade de temáticas, no entanto, ainda temos lacunas, precisamos diversificar as temáticas, as metodologias (Franco & Munfort, 2023), as teorias e análises. Assim, ao pensarmos nas relações de gênero e de poder que estruturam os conhecimentos científicos, questionamos: de que forma as relações de gênero e de poder são enunciadas nos discursos docentes quando estes são apresentados a alguns conhecimentos da biologia que foram criticados pelas epistemologias feministas? Considerando que “[...] são os enunciados dentro de cada discurso que marcam e sinalizam o que é tomado por verdade, num tempo e espaço determinado, isso é, que estabelecem um regime de verdade” (Veiga-Neto, 2007, p. 101), nesta pesquisa, preocupamo-nos em analisar os enunciados de gênero e relações de poder presentes nos discursos docentes a respeito de alguns conhecimentos da biologia, significando-os a partir das epistemologias feministas.

É importante considerar que os discursos docentes refletem as relações de poder da sociedade e do contexto histórico nos quais estamos inseridos: uma sociedade patriarcal, heteronormativa, racista, classista e sexista. Por outro lado, os discursos dos feminismos, de resistências dos diferentes grupos e das lutas pela emancipação também se fazem presentes em nosso contexto histórico, e todo esse feixe de relações compõem a discursividade dos/as docentes. Portanto, do mesmo modo que há discursos de reprodução de desigualdades circulando na escola e na ciência, há discursos de resistência ao poder, discursos que nadam “contra a maré” daquilo que é imposto, como os padrões de corpo, sexualidade, entre outros.

Deslocamos nosso olhar para os discursos docentes, estabelecendo diálogos com as teorizações foucaultianas e com as epistemologias feministas da ciência, mobilizando conceituações como: relações de poder e saber (Fischer, 2001; Foucault, 1979, 2008); conhecimentos localizados (Haraway, 1995); sexismo estruturando a ciência e seus conhecimentos (Maffía, 2014; Schiebinger, 2001; 2008); reforço de estereótipos sociais/culturais de mulheres e homens, por meio dos discursos biológicos; construção de discursos discriminatórios em algumas áreas da biologia como fecundação humana, seleção sexual e hormônios (Fausto-Sterling, 2002; Keller, 2006; Martin, 1991; Saini, 2018); dicotomias (Fausto-Sterling, 2002; Harding, 1993); metáforas e a linguagem científica da biologia (Keller, 2006; Schiebinger, 2001); e o papel construtivo da epistemologia feminista (Longino, 1997).

A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com seis docentes atuantes no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, de uma Instituição pública de Ensino Superior no Paraná, entre os anos de 2019 e 2020. Para a análise de dados, utilizamos articulações e bricolagens (Paraíso, 2014), unindo as teorizações foucaultianas e as epistemologias feministas da ciência para significar os enunciados presentes nos discursos docentes.

Iniciamos este texto descrevendo os descaminhos2 teórico-metodológicos percorridos no decorrer da pesquisa e, após, explicitamos as análises e reflexões realizadas a partir dos discursos dos/as docentes, em diálogo com os referenciais teóricos adotados.

DESCAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Para a construção teórica e metodológica desta pesquisa, apropriamo-nos das articulações e bricolagens das pesquisas pós-críticas, que se referem à “articulação de saberes e a bricolagem de metodologias” (Paraíso, 2014, p. 35), portanto não há uma única teoria ou método que embasam a pesquisa, ao contrário, buscamos unir saberes e combinar metodologias que atendem a esse processo.

O projeto de pesquisa foi submetido ao comitê de ética em pesquisa e aprovado por meio do parecer consubstanciado número 3.798.721. O corpus de análise foi construído por meio de entrevistas semiestruturadas, registradas em áudio-gravação. Devido à pandemia do coronavírus, que exigiu isolamento social, as entrevistas foram realizadas on-line, utilizando aplicativos com recursos de vídeo chamada (Hangouts, Whatsapp, Skype e StreamYard).

Os/as participantes da pesquisa são seis docentes universitários/as de uma instituição pública, sendo três mulheres e três homens, pessoas cisgênero. Selecionamos docentes com formação inicial em Ciências Biológicas/Biologia, bacharéis ou licenciados/as, que estavam atuando como docentes no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, entre os anos de 2019 e 2020. Ministram disciplinas como Embriologia, Histologia, Biologia Celular, Genética, Zoologia de Vertebrados, Ecologia Geral e Educação Ambiental.

Para a manutenção do anonimato, atribuímos aos/às docentes participantes nomes fictícios, que correspondem a nomes ou sobrenomes de mulheres representantes da luta pelos direitos das mulheres no Brasil, relatada no livro “Extraordinárias mulheres que revolucionaram o Brasil”, de Souza e Cararo (2017). Assim, ficaram designadas: Bertha Lutz, docente mulher, heterossexual, de cor branca, com 36 anos de idade; Nísia Floresta, docente mulher, heterossexual, com 53 anos de idade, de cor parda; Caramuru, docente homem, bissexual, de cor branca, com idade de 30 anos; Medeiros, docente homem, heterossexual, branco, de 45 anos; Portinho, docente homem, heterossexual, branco, de 39 anos; e Antonieta de Barros, docente mulher, heterossexual, com 53 anos de idade, de cor branca.

A entrevista foi dividida em oito momentos de diálogo com as/os docentes. Os discursos que serão apresentados neste artigo surgiram do sexto momento, no qual apresentamos aos/às docentes fragmentos de descrições científicas que foram criticados pelos estudos feministas. Os/as docentes foram convidados/as a ler cada um dos fragmentos, e então relatar suas impressões.

O primeiro fragmento é um trecho da pesquisa de Gerald Schatten e Heide Schatten (1983, p. 31-32, [tradução própria]), a respeito da fecundação humana, que descreve espermatozoide “arpeando”, de maneira agressiva, o ovócito e os mecanismos envolvidos neste processo:

A microscopia eletrônica de varredura mostrou que o primeiro contato do espermatozoide e óvulo se dá quando da ponta da cabeça triangular do esperma, filamentos longos e finos disparam e arpeiam o óvulo. Notavelmente, o arpão não é tão somente disparado, mas montado em grande velocidade, molécula por molécula, a partir de um conjunto de proteínas armazenadas em uma região especializada chamada acrossoma. O filamento pode crescer até vinte vezes mais do que o espermatozoide até que sua ponta alcance e se fixe no óvulo.

Na construção histórica da fecundação, os gametas foram estereotipados e humanizados, e construiu-se um romance em torno dessas células (Martin, 1991), sendo o espermatozoide o protagonista do processo, enquanto o ovócito tem seu papel ativo invisibilizado (Keller, 2006; Schiebinger, 2001).

O segundo fragmento apresenta um breve resumo da pesquisa “Human Tears Contain a Chemosignal” (Gelstein et al., 2011), publicada na Science, em relação à função de sinalização química das lágrimas emocionais humanas:

Pesquisadoras/es do Instituto Weizmann de Ciência relatam que o lacrimejamento emocional é um comportamento mal compreendido sendo considerado exclusivamente humano. Em ratos, as lágrimas servem como um sinal químico. Partindo da hipótese de que as lágrimas humanas podem ter, igualmente, função de sinalização química, os/as autores/as utilizaram três mulheres adultas doadoras de lágrimas “tristes/negativas” e 24 homens que participaram cheirando as lágrimas das mulheres. Os homens não viram as mulheres chorar e não foram informados o que estavam cheirando. Nessa investigação, os/as pesquisadores/as chegam à conclusão de que as lágrimas emocionais das mulheres contêm um sinal químico que reduz a excitação sexual nos homens e os níveis de testosterona do organismo.

O artigo de Gelstein et al. (2011) é mais um discurso científico que reforça estereótipos construídos cultural, social e historicamente, de uma mulher passiva e sentimental. Além disso, solidifica discursos da testosterona no comportamento dos homens.

O terceiro e quarto fragmentos são descrições do conteúdo de seleção sexual, um trecho é do livro de Darwin (2014) e o outro do livro de Dawkins (2001):

[...] os crocodilos machos têm sido descritos como lutadores urrando e girando em círculos, como índios na dança de guerra, pela posse das fêmeas; salmões machos foram observados lutando um dia inteiro; besouro lucanus sofrem, às vezes, ferimentos causados pelas enormes mandíbulas dos outros machos; os machos de certos insetos himenópteros já foram vistos [...], lutarem por uma fêmea que se mantém ao lado, demonstrando despreocupação ao assistir à luta, e que ao final se retira, com o conquistador [...] (Darwin, 2014, p. 118).

os machos galanteadores perdem a paciência rapidamente se uma fêmea não quiser copular com eles de imediato: vão embora e procuram outra fêmea; após a copulação também não permanecem agindo como bons pais, mas saem em busca de novas fêmeas [...] (Dawkins, 2001, p.173)

Os trechos apresentam inferências a respeito dos comportamentos de animais machos e fêmeas no momento de reprodução/cópula. O sexismo se revela nos adjetivos utilizados pelos autores para qualificar os comportamentos animais, e nas características atribuídas aos machos e fêmeas nas descrições, humanizando-os.

Após a entrevista, foi necessário realizar as transcrições, que são concebidas como discursos, em um processo um tanto quanto mecânico, mas reflexivo, vislumbrando as possibilidades de análise daquele material. Para conseguir olhar os discursos sob uma perspectiva foucaultiana, visitamos a oficina de Foucault, como escrito por Veiga-Neto (2006), e lá nos apropriamos de algumas ferramentas foucaultianas. Essas ferramentas são os conceitos com os quais operamos sobre os discursos, de forma a fragmentá-los em porções menores, sondando por entre os enunciados, na tentativa de compreendê-los dentro das relações de poder em que se inscrevem.

Um dos conceitos foucaultianos importantes que serve de ferramenta para a análise é o conceito de poder. Adotamos de Foucault (1979) a concepção de que o poder está organizado em redes e passa pelos indivíduos, não estando centralizado em alguém ou em uma instituição. Tanto os sujeitos de nossa pesquisa quanto os discursos produzidos são produtos das relações de poder. Entendemos que a ciência é um dispositivo que produz discursos autorizados socialmente, que articulam poder e saber, colocando-os em circulação, por exemplo, por meio dos discursos dos/as docentes, uma vez que estes/as lecionam conteúdos da ciência e são, também, cientistas. Assim, ao olhar para esses discursos, procuramos analisar e refletir as relações de poder que estes/as colocam em circulação e que estruturam a produção de saberes específicos da biologia. Esse processo também é orientado pelas críticas das epistemologias feministas, que evidenciam as relações de poder presentes nas produções da ciência.

Outra ferramenta utilizada da oficina de Foucault é o conceito de discurso, como “um conjunto de enunciados” trazidos a partir de uma dada “formação discursiva” (Foucault, 2008, p. 132). Esses enunciados estabelecem regimes de verdade situados historicamente, dado que o “discurso é produto da sua época, do poder e saber de seu tempo” (Bordin, 2014, p. 228; Veiga-Neto, 2007). O discurso também é compreendido como uma representação cultural construída em certas condições, em nossa sociedade. Logo, o discurso constrói e regula o conhecimento, determinando o que pode ou não ser falado, por regras de inclusão/exclusão. Os discursos são ainda produtores dos sujeitos, dizem quem somos, o que fazemos, ao que nos atrelaremos, entre outros aspectos. Examinando os regimes de verdade presentes nas enunciações discursivas, em seus significados, podemos perceber porque algumas linhas de pensamento ou algumas verdades se tornam eleitas e outras maneiras de pensar não, podemos ver os efeitos das enunciações e silenciamentos nos atos discursivos (Carvalho, 2018).

Na análise, buscamos compreender e voltar nosso olhar aos processos de formação dos discursos docentes, por meio de questões como: o que fez com que esse discurso estivesse ali, daquela forma, e não de outras? Quais são as relações de poder que perpassam e, ao mesmo tempo, reforçam e são reforçadas por esses discursos? Com quais outros discursos esse discurso se articula?

Discurso, em Foucault, adquire múltiplos significados, mas está intimamente ligado ao conceito de enunciado, outra ferramenta que utilizamos de Foucault para a análise. Enunciado é entendido como um “acontecimento” que compõe as formações discursivas, e que só se consegue enxergar no momento da análise, com uma mudança no olhar (Foucault, 2008). Os conceitos de discurso e enunciado estão atrelados ao conceito de formação discursiva, que se constitui em “grupos de enunciados, isto é, conjuntos de performances verbais” que “estão ligados no nível dos enunciados” (Foucault, 2008, p. 130-131, grifo do autor). Como afirma Fischer (2001), os sistemas de formações discursivas estão sempre relacionados com campos de saber e, no caso da nossa pesquisa, relaciona-se ao campo de saber da ciência, mais especificamente à biologia. De acordo com Foucault (2008) e Fischer (2001), a análise da formação discursiva e dos enunciados caminham unidas e são feitas simultaneamente, pois, ao demarcar a formação discursiva, revela características dos enunciados e, quando descrevo enunciados, individualizo a formação discursiva. Concentramo-nos em identificar conjuntos de enunciados que caracterizamos como enunciados que naturalizam as relações sociais a partir de discursos biológicos; dicotomias que impedem um olhar para a diversidade; a humanização de células, moléculas, comportamentos animais; e a crítica da ciência. Somos cientes que esses enunciados se complementam e perpassam uns pelos outros.

Para as discussões, apropriamo-nos de algumas discussões e conceituações das epistemologias feministas anunciadas na introdução e que são retomadas nas análises, pois o objetivo é o de analisar os enunciados de gênero e relações de poder presentes nos discursos docentes a respeito de alguns conhecimentos da biologia.

GÊNERO E CIÊNCIA: FORMAÇÕES DISCURSIVAS (DES)ORIENTADAS

Os enunciados estão sempre em relação com outros, não são independentes, mas fazem parte de tramas enunciativas e conjuntos (Foucault, 2008). Assim, ao analisar, preocupamo-nos com as relações que estabelecem com outros, a partir de olhares teóricos das epistemologias feministas. Demarcamos a formação discursiva para revelar as características dos enunciados e, ao descrever os enunciados, individualizamos a formação discursiva.

Naturalizar relações sociais a partir de discursos biológicos

Naturalizar relações sociais a partir de discursos biológicos é uma construção histórica denunciada por muitas feministas biólogas (Fausto-Sterling, 2002; Haraway, 1995; Keller, 2006), em que mulheres e homens são situados em posições distintas e desiguais. É necessário questionar esses discursos, pois ao partirem de um local de “autoridade” e privilégios como o dos/as docentes, reforçam regimes de verdade.

Ao ler o fragmento apresentado na entrevista (Schatten & Schatten, 1983), o discurso da docente Bertha enuncia o machismo atribuído à época das descrições, quando a docente cita:

Mas eu vejo que é uma descrição de 1983 e a gente já mudou muito isso, isso já foi mudado muito nos livros [...] essa descrição, hoje, assim não se vê mais sabe, ela já mudou bastante [...]. Então, mas assim, pela data eu imagino que [...] em 83 [...], com certeza essa questão ela era muito mais forte, das diferenças, do que hoje. Não que não exista hoje, mas eu acho que já tivemos uma mudança grande, mas ainda precisa mudar3 (Bertha).

Esses discursos, apesar da negação da docente, estão em circulação. Por exemplo, a análise de livros didáticos da área da biologia mostra que o papel ativo do ovócito raramente é contemplado nesses materiais (Swiech et al., 2019). Além disso, vídeos encontrados no Youtube retratam o processo de fecundação de forma estereotipada, gametas como mulheres e homens (Nettleton, 2015), o mesmo ocorre em materiais paradidáticos disponibilizados em plataforma digital educativa do governo do Paraná, para o uso de docentes (Ferreira & Heerdt, 2020). Essas pesquisas se constituem em contradiscursos à ideia de que essas descrições desiguais são algo do passado, que “hoje não se vê mais”, como dito por Bertha.

O docente Portinho utiliza uma analogia que propaga machismos, ao dizer que as fêmeas (e mulheres) são mais “seletivas”, mais “caras”, pois ovulam uma vez por mês, por isso não possuem vários parceiros:

[...] isso aqui explica inclusive porque que mulheres em geral, não mulheres, mas fêmeas, em geral, são mais seletivas do que homens. Porque eu até brinco né, que o... o esperma do homem é muito barato, né? E o que limita um homem, por exemplo, um macho, em geral, a procriar, é o acesso limitado às fêmeas. E o que restringe a mulher né, de ter vários, é justamente por [ser] uma vez por mês que ela ovula. Então, eu uso a analogia lá que o homem é barato e a mulher é muito mais cara [...] (grifos nossos) (Portinho).

Esse discurso situa a monogamia como um aspecto biológico da mulher/fêmea, porém as definições de comportamentos ideais, as formas de viver os relacionamentos e a sexualidade são discursos construídos historicamente, de acordo com a cultura imposta. Por outro lado, o discurso naturaliza a ideia dos machos (e homens) não terem essa suposta “seletividade”, colocando-os como naturalmente poligâmicos, “garanhões”, pois produzem uma quantidade maior de gametas, sendo o acesso limitado às fêmeas o único empecilho à reprodução desses machos.

A (re)produção desses discursos de fêmeas/mulheres seletivas, pela ciência, é discutida por Angela Saini (2018, p. 121), que exemplifica artigos que, semelhante ao discurso do docente Portinho, atribuíam a monogamia às mulheres e a poligamia aos homens: “homens são naturalmente poligâmicos e estão apenas lutando contra a natureza quando assumem relacionamentos de longa duração. Mulheres são monogâmicas e estão sempre em busca do parceiro perfeito”. Nos discursos científicos presentes ao longo da história, defendidos por cientistas como Charles Darwin, encontramos narrativas que reforçam “[...] os homens em uma procura indiscriminada por qualquer mulher de modo a aumentar suas chances de gerar o máximo de crianças; e as mulheres tentando evitar atenção masculina indesejada com a busca cuidadosa do pai mais qualificado para a sua prole” (Saini, 2018, p. 121). São com discursos como esses que a analogia “da mulher cara e do homem barato”, enunciada pelo docente Portinho, está articulada. Deste modo, a junção do discurso biológico e do social, entre outros, acaba por sustentar as relações de poder que reforçam as mulheres como “naturalmente” maternais e fiéis, e os homens impelidos ao sexo e à poligamia.

Na perspectiva do discurso do docente Portinho, ele concorda com as narrativas desiguais da fecundação e extrapola para outros comportamentos: “eu acho que ecologicamente, evolutivamente, essa diferença do espermatozoide e do óvulo, no fundo, ela reflete em todos esses comportamentos aí, no reino animal”, reforçando fêmeas passivas e machos ativos. Os discursos se constituem em práticas (Foucault, 2008) e constroem os sujeitos, é importante questionar e refletir acerca de quais sujeitos e práticas esses discursos a respeito de fêmeas e machos, mulheres e homens, têm construído em nossa sociedade.

Ao ler e analisar o fragmento do artigo de Gelstein et al. (2011), o docente Portinho não critica o conhecimento produzido ou a metodologia, mas reforça o discurso da pesquisa, utilizando a redução hormonal evidenciada para explicar o comportamento dos homens “interesseiros”:

Tá, então eu acho que o cerne aqui desse fragmento dois é essa questão que a lágrima das mulheres é um sinal químico que reduz a excitação sexual dos homens. Bom, eu acho triste, porque isso mostra que no fundo os homens são muito interesseiros. Ele vai querer a mulher mais para, realmente, alguma coisa mais sexual, porque se a mulher estiver emocionalmente abalada [...] meio que isso aqui dá pra entender que o cara não quer muito saber, que reduz a... a excitação sexual dele (Portinho).

Rohden (2008, p. 147) descreve que há “uma perspectiva tão radicalmente centrada no poder dos mensageiros químicos, que uma série de outros fenômenos é percebida como englobada por eles”. O discurso da ciência e da biologia é “poderoso” na instituição de verdades e, para isso, une-se a outros, como os da área médica, psicológica, farmacológica, constituindo uma rede que fortalece regimes de verdade, como os que justificam a agressividade do homem e a ideia do homem interesseiro por sexo, por conta da ação da testosterona.

Uma reflexão pertinente realizada por Tramontano (2017, p. 180) é que os discursos de divulgação científica a respeito da testosterona unem a molécula aos estereótipos de gênero: “é impossível separar a testosterona-molécula, neutra de valores, da testosterona-essência masculina, construto cultural, não apenas porque não há neutralidade absoluta na ciência, mas porque a divulgação científica unifica as duas conotações”. Assim, esses discursos circulam nos meios sociais, culturais e de divulgação científica, podendo ser aceitos ou rejeitados, como verdade, a todo o momento.

Os discursos apresentados reforçam a naturalização de homens interesseiros em deixar seus genes, a monogamia e passividade para mulheres, o homem ativo e poligâmico, a partir de discursos biológicos. Esses discursos criados pela ciência moderna e reproduzidos mantêm lugares distintos e desiguais para homens e mulheres.

O sexismo estrutura a ciência nos processos de produção e nos produtos (Maffía, 2014; Schiebinger, 2001, 2008). Desde suas origens, a ciência tomou a mulher como objeto de investigação, demarcando suas características psicológicas e biológicas e hierarquizando-as em relação aos homens (Maffía, 2014). Por vias discursivas e não discursivas, construiu-se um discurso da mulher emotiva, sentimental, maternal, que foi reforçado pela ciência e por discursos de diversas áreas, construindo regimes de verdade acerca das mulheres e dos homens. É interessante pensar que os estereótipos das mulheres que a ciência fez questão de destacar foram, coincidentemente, colocados como empecilhos ao seu acesso à atividade científica (Maffía, 2014; Schiebinger, 2001).

Dicotomias, onde encontramos o arco-íris da diversidade?

A manutenção das dicotomias nos discursos nos impede de olhar para o mundo fora desse eixo, que é um eixo de dominação no qual, em momentos, o que é tido como masculino é exaltado, em depreciação do considerado feminino, o contrário também ocorre.

O docente Caramuru apresenta a relação espermatozoide ativo versus ovócito passivo: “A gente pode pensar aqui que o espermatozoide ele seria meio que o papel ativo, fazendo o papel, as coisas, e o óvulo estaria meio que parado lá, esperando tudo acontecer, talvez”, esses discursos estão presentes na história da construção do conhecimento de fecundação, e foram criticados a partir da entrada das mulheres na ciência e da crítica feminista à ciência. Keller (2006, p. 17) apresenta outros discursos, como os de “efeitos maternos na fertilização”, que apresentam o papel ativo do ovócito, descritos desde 1983. Keller (2006) afirma que a produção desse discurso só foi possível porque os/as pesquisadores/as investigaram as ações do ovócito.

A docente Antonieta articula em seus discursos dois enunciados, ela critica o fragmento e coloca em circulação outras verdades, mas mantém dicotomias:

[...] realmente, o esperma ele monta sim, ele monta uma projeção e é como se fosse uma corrida, ele precisa chegar lá, só que a situação é outra, ele quer sobreviver, você entende? Ele precisa sobreviver, então é por isso que ele monta o mais rápido possível, porque ao redor dele tem 500 outros querendo fazer a mesma coisa, né? Então aqui está sendo colocado como: ‘ah, o óvulo tá lá e me fisgue, por favor’, quando na realidade é o contrário, ‘socorro, eu preciso sobreviver, eu tenho que chegar até ele’ (grifos nossos) (Antonieta).

O discurso da docente recai em estereótipos, comparando a situação com uma corrida, e descrevendo o espermatozoide consciente da necessidade de sobrevivência. Além disso, mantém a invisibilidade do óvulo, descrevendo o espermatozoide como o protagonista dessa narrativa de fecundação, é ele quem “disputa” uma corrida com “500 outros”, quem tem a consciência de que “precisa” vencer essa corrida para sobreviver, como menciona Tramontano (2017, p. 181), “atribuir consciência e motivos coerentes ao organismo é uma das maiores parábolas da biologia moderna”. Enquanto o óvulo não aparece na descrição, se ele tem algum papel ativo nesse processo, não é evidenciado no discurso.

Em outro momento, ao tentar descrever o processo de fecundação de forma equânime, as docentes Antonieta e Bertha enunciam o ovócito como agressivo. A docente Antonieta afirma:

Bom, então aqui o autor ele coloca o espermatozoide como se o espermatozoide tivesse num rodeio, ou se tivesse numa festa, em alto mar. Ele lança com um arpão, ele fixa no óvulo [...]. O problema é que eu conheço a história, então a história não é essa né? Quando, na realidade, é o óvulo quem vai abraçar o espermatozoide e internalizá-lo, quase que à força, né? (grifo nosso) (Antonieta).

A docente Bertha:

Na verdade, hoje a gente já sabe que não é bem assim, né? Hoje, quem agarra o espermatozoide é o próprio óvulo né, o ovócito, assim [...] na verdade, quem coordena praticamente tudo é o gameta feminino [...]. Então, o gameta feminino é que chama, e é todo o gameta feminino que ainda permite a entrada ou não dele, então ele [o espermatozoide] pode expressar o que for, mas quem tem o comando da situação é o gameta feminino (Bertha).

Os discursos das docentes criticam a metáfora e a descrição, mas há uma inversão de papéis, o ovócito é masculinizado, passando de gameta passivo para agressivo, aquele que internaliza, quase que à força, e agarra o espermatozoide. Discursos que evidenciam essa “troca de papéis”, ao descrever o papel ativo do ovócito, também se fizeram presentes em outras pesquisas ao longo da construção do conhecimento de fecundação humana (Martin, 1991).

A biologia sustenta binarismos com discursos que marcam diferenças sexuais, distinguindo hormônios, cromossomos, genitálias, células, moléculas e órgãos, como femininos e masculinos, muitas vezes, não considera que existem “variações em cada um desses aspectos da fisiologia que afetam profundamente a experiência individual do gênero e da sexualidade” (Fausto-Sterling, 2002, p. 62), assim, o que não se encaixa na estrutura binária é considerado patológico ou fora da norma. “A imposição da norma de gênero tem um motor social e não científico” (Fausto-Sterling, 2002, p. 26).

Os discursos que desafiam as normas do sistema dos dois sexos circulam (Fausto-Sterling, 2002) como, por exemplo, ao usarmos a linguagem de pessoas com útero e pessoas que menstruam, ao invés de mulheres, essa linguagem busca abarcar diferentes corpos e gêneros. Nos discursos dos/as docentes, por outro lado, mantém-se a ideia binária e dual de mulheres que produzem ovócitos e homens, espermatozoides. Esse discurso fixa e universaliza corpos e está comprometida com a ideia da existência de apenas dois sexos (Fausto-Sterling, 2002), desconsidera, portanto, o arco-íris da diversidade.

O docente Portinho retoma novamente o uso dos hormônios para justificar os comportamentos de animais:

[...] Tem um estudo bem bacana que mostra, por exemplo, que as fêmeas, as leoas em geral, elas escolhem os machos que têm a juba maior e mais escura, porque aquilo ali está relacionado com maior nível de testosterona, que aí aumenta a agressividade, que, nesse caso, tamanho é documento e força é documento, pra defender o território [...] (Portinho).

O docente reproduz o dualismo fêmea passiva/ macho agressivo, com a linguagem marcada pela humanização do comportamento animal, como se os animais estivessem conscientes da “escolha”, e justificando a agressividade por meio da ação da testosterona. Além disso, o discurso coloca a testosterona como exclusiva dos machos, evocando a ideia de “hormônios sexuais”, vigente no início do estudo dessas substâncias, mas que foi descartada (com relutância) mais tarde, quando enfim admitiu-se que esses hormônios estão presentes no organismo das fêmeas e dos machos (Saini, 2018; Tramontano, 2017). De acordo com Tramontano (2017, p. 180), “na prática, esses hormônios se interconvertem facilmente uns nos outros”, não sendo essa delimitação e separação tão rígidas como aparecem em alguns discursos científicos.

A linguagem científica foi construída baseada na dicotomia homem/mulher e, nas descrições da área da biologia, é insistente a ação dessa dicotomia sempre demarcando os machos e as fêmeas, qualificando aqueles como ativos e agressivos e estas como passivas e pacientes (Keller, 2006; Schiebinger, 2001). Para “fugir” das relações de gênero, podemos acabar caindo na armadilha de apenas exaltar a fêmea ou a porção feminina, invertendo os papéis entre machos e fêmeas, o que aconteceu em alguns discursos enunciados pelos/as docentes, como pela docente Bertha: “[...] não poderia ter sido descrito de outra forma? É a fêmea que escolhe o macho mais forte, porque ela quer garantir [que] os seus genes se perpetuem. Então [...] nesses dois trechos, é pela visão do homem, do macho mais forte”; e, no discurso da docente Nísia:

Novamente, aqui nesse trecho então, tá escancarado a questão né, o valor do macho, o desprezo à fêmea, mas, como eu disse, a gente tem inúmeros outros exemplos [...] do inverso, do protagonismo da fêmea no mundo animal e também de machos, não desse estilo aí (Nísia).

Os discursos criticam as descrições, ao passo que tentam construir uma nova interpretação, mas reforçam a dicotomia, buscando “resolver” o machismo presente nas descrições, colocando a fêmea como a protagonista.

O reforço da dicotomia foi enunciado também pelos docentes Caramuru e Portinho, respectivamente: “[...] Porque existem vários outros, porque que não falou do gafanhoto, que a fêmea come a cabeça do gafanhoto4depois da cópula, né?”; “[...] eu dei alguns exemplos aqui né, nas respostas anteriores, que tem vários casos aí que mostra que a mulher né, a fêmea que é a empoderada” (grifo nosso). O docente Portinho, além de reforçar a dicotomia, também direciona um olhar humanizado para os animais, ao descrever a fêmea como “empoderada”, um adjetivo característico do contexto histórico, social e cultural em que vivemos, no qual circulam discursos de “empoderamento feminino”. Além disso, a fêmea é deslocada de uma posição de passividade, para a posição de agressividade, como no exemplo dado por Caramuru, os discursos transmitem a mensagem de que existem fêmeas que têm comportamentos de “machos”.

O docente Portinho constrói um discurso em que reforça o machismo e os estereótipos da fêmea passiva e dos machos agressivos, humanizando o comportamento animal e citando outros exemplos que não contemplam as críticas feministas:

Porque, em geral, no reino animal, igual o Darwin fala aqui, a fêmea fica lá na dela, assistindo, e os machos ficam lá, os trogloditas lá brigando, batendo cabeça, até matando um ao outro de vez em quando pra... pra escolher a fêmea (Portinho).

No discurso, os machos são postos na natureza como “trogloditas” que lutam, que matam uns aos outros pela fêmea, enquanto ela fica “assistindo” à cena, como se fosse a conquista final, que será posse do macho vitorioso. Foucault (2008, p. 55) trata os discursos como “práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam”, assim, esses discursos podem justificar a agressividade e violência dos machos, colocando as fêmeas à mercê desses comportamentos, naturalizando a violência contra as mulheres/fêmeas, reforçando os papéis de subordinação delas como posse e conquista.

O discurso dos/as docentes reproduzem a troca de subjetivismos, para Harding (1993), não é esse o objetivo das investigações feministas, substituir uma verdade que exalta os homens/machos e seus feitos, por uma história das mulheres/fêmeas e seus feitos, ambas são construções danosas, mantendo a descrição do mundo nessa dicotomia homem/mulher e macho/fêmea, invisibilizando outras possibilidades de conhecimentos e formas de interpretação, como menciona Roughgarden (2004), um arco-íris de possibilidades.

Humanizar células e moléculas, é necessário?

A docente Nísia desperta a metáfora do “arpão”, presente no fragmento apresentado na entrevista (Schatten & Schatten, 1983), e enuncia a posição em que o uso dessa metáfora coloca os gametas: “É horrível né, parece que o espermatozoide é um, sei lá, um caçador, [...] como se ele tivesse com esse arpão com essa coisa, caçando o alvo, o óvulo como se fosse o alvo”. A docente percebe que a linguagem atribui outros sentidos ao fragmento, a metáfora utilizada confere agressividade ao espermatozoide, e remete a outra metáfora, a do ovócito como “alvo”. Do mesmo modo que Martin (1991, p. 7), questionamos: “Por que não chamar isso de ‘construir uma ponte’ ou ‘atirar uma linha’ em vez de atirar um arpão? Arpões perfuram as presas e ferem-nas ou matam-nas, enquanto este filamento apenas gruda”.

O docente Portinho, ao fazer a leitura do fragmento de fecundação humana, constrói um discurso acrítico e reforça estereótipos, citando outros exemplos da biologia:

[...] e depois, a fêmea que fica lá se virando e o macho vai embora [...] e quando você pega algumas espécies que são monogâmicas, como tipo o papagaio, por exemplo, que eles fazem um casalzinho e, em teoria, fica até a morte, por mais que a gente saiba que os testes de DNA estão mostrando que muitos machos são cornos, né? Que tem os filhos de outros machos [...] (grifos nossos) (Portinho).

O discurso do docente atribui comportamentos e estereótipos que refletem valores socioculturais, como a fêmea maternal que fica “se virando”, o macho que vai embora sem cuidar dos filhotes, e os machos papagaios que são “cornos”, por criarem filhotes de outros machos, refletindo a construção social e cultural em torno da monogamia e da poligamia. Essa humanização da linguagem coloca, ao mesmo tempo, o comportamento animal alinhado a padrões da sociedade humana pautada em valores ocidentais, e a organização social e cultural humana no nível biológico e natural, como se os animais estivessem conscientes desses comportamentos.

A docente Bertha reconhece características próprias da cultura sendo atribuídas aos animais e ressalta o contexto histórico como um fator que influencia a descrição:

[...] primeiro, ‘os machos galanteadores perdem a paciência’. Uma espécie sabe o que que é paciência? [...] são duas coisas que me chamam bem atenção: a forma que é escrito com uma forma humanizada, e trazendo sentimentos do macho humano, do homem. Uma descrita biológica, que você vê claramente que tá sendo descrito por um homem, e bem humanizada e a descrição com [...] sentimentos, valores bem humanos e bem machistas. Mas assim, [...] eu penso que na época de Charles Darwin [...] era uma coisa que assim, era bem extrema né. Mas deveriam mudar a escrita desses trechos para o dia de hoje (Bertha).

As epistemologias feministas defendem o conhecimento localizado, como Haraway (1995), que é algo evidenciado no discurso de Bertha, quando recorda o contexto do cientista. Saini (2018, p. 27) destaca que Darwin: “era um homem de seu tempo. Suas opiniões tradicionais sobre o lugar da mulher na sociedade não orientam apenas suas obras científicas, mas também aquelas de muitos outros eminentes biólogos da época”, confirmando o papel do contexto social deste cientista moldando suas posturas em relação às mulheres. O discurso da docente ressalta o contexto de produção do conhecimento, mas não está isento de críticas e questionamentos quanto à linguagem utilizada, reconhecendo o machismo presente nas descrições, e enunciando a necessidade de mudança quando diz que “deveriam mudar a escrita desses trechos para o dia de hoje”.

Caroline Kennard e Eliza Burt Gamble se posicionaram contra as ideias de Darwin e outros cientistas evolucionistas, naquele tempo, mas a maioria de suas críticas foram ignoradas, como afirma Saini (2018, p. 32) “é difícil visualizar que direções a ciência poderia ter tomado se, naqueles dias cruciais em que Charles Darwin estava desenvolvendo suas teorias da evolução, a sociedade não fosse tão sexista como era”. No “dia de hoje”, ainda temos uma sociedade machista e preconceituosa, mas há discursos de resistência circulando com maior evidência, e há a vigilância dos diferentes movimentos feministas se constituindo como resistências aos focos de poder.

O docente Caramuru afirma:

é que de novo aquela coisa do homem galanteador e da mulher que quer ser galanteada e tentando usar exemplo animal para tentar meio que falar como se isso tudo fosse natural, certo? [...] você pode pegar vários fragmentos que te interessam e montar uma narrativa, eu acho que as pessoas muito tentam fazer isso dentro da biologia [...]. Então acho que você pode [...] tentar pegar esses exemplinhos que te servem e o que não te serve você joga fora e tentar naturalizar as coisas que acontecem em relações de gênero, que não são naturais, que são construções sociais né? (Caramuru).

O discurso enuncia a naturalização das relações sociais de gênero que podem acontecer quando se utiliza alguns “exemplinhos”. O docente está se referindo a Darwin, porém, não é um mero exemplo, pelo contrário, é apresentado por muitos como o “pai da biologia”, e os conhecimentos produzidos por esse cientista possuíram (e possuem) um poder de verdade, e influenciam inúmeros conhecimentos. O discurso não problematiza a presença desses conhecimentos na ciência, pois basta o/a docente ou cientista utilizar outros exemplos, ignorando, dessa forma, os efeitos que esse discurso tem produzido desde a sua construção e continua a produzir, naturalizando e criando as relações de gênero.

Metáforas utilizadas por Darwin (2014) e Dawkins (2001), como galanteadores, bons pais, paciência, conquista e despreocupação são mecanismos que, por meio da linguagem, reforçam os estereótipos sociais e culturais de homens e mulheres, naturalizando-os. Saini (2018, p. 28) destaca que o contexto da construção das teorias de Darwin era machista, o discurso da mulher como um ser inferior era amplamente aceito como verdade, “quando esses preconceitos e a biologia evolutiva se encontraram, o resultado foi uma mistura particularmente tóxica que envenenaria a pesquisa científica por décadas”, nos conhecimentos produzidos não somente por Darwin, mas por muitos outros cientistas.

Em outro discurso do docente Portinho, a troca de subjetivismos se vincula a outros enunciados, de fêmeas agressivas e masculinizadas e de machos “cornos”:

É, uma vez eu vi um documentário bem bacana que é a marcha dos pinguins, e mostra lá que quando está na estação reprodutiva [...] quando começa a sobrar fêmea e ter pouco macho, são as fêmeas que literalmente entram no tapa com outras fêmeas lá, pra disputar o macho, e aí o jogo é ao contrário. O macho fica lá como um bom pinguim de geladeira esperando as duas se atracarem pra ele ficar com quem sobreviver à luta (grifos nossos).

Em outro momento do discurso afirma:

[...] acho que é a Jaçanã, uma ave que o papel é o contrário, tipo, ela acasala com vários machos, e são os machos que cuidam dos ovos e tipo, o cara aceita, né? E aí a explicação ecológica pra isso é melhor eu ser corno e tá aqui cuidando dos meus filhotinhos, num hábitat que é seguro, [...] vendo ela lá copular com outros machos (grifos nossos) (Portinho).

Os discursos evidenciam que quando as fêmeas são colocadas em uma relação de poder, são atribuídas a elas características ditas masculinas, como a agressividade. No caso do macho que fica como um “bom pinguim de geladeira”, é quando está exercendo papéis socialmente atribuídos às mulheres: de passividade, esperando tudo acontecer. No discurso, os animais são apresentados como se estivessem conscientes dessas ações: as fêmeas “entrando no tapa” para disputar o macho, o macho esperando a fêmea que vencerá a disputa e o macho “aceitando levar chifre” e cuidando dos filhotes para estar em um hábitat seguro.

O discurso de machos agressivos e fêmeas passivas foi/é recorrente na biologia, e esteve presente, por exemplo, na área da primatologia, percorrida brevemente por Schiebinger (2001). A autora afirma que, especialmente no período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, os discursos da área reforçavam estereótipos de machos “alfa”, agressivos e dominantes, e as fêmeas exclusivamente dedicadas à maternidade eram vistas como “criaturas dóceis, não-competitivas, que trocavam sexo e reprodução por proteção e alimento” (Schiebinger, 2001, p. 244). Esses discursos se articulam ao discurso do docente Portinho:

Um exemplo que eu adoro dar em aula, que sempre gera um monte de discussão, assim, bacana, é o exemplo dos nossos parentes mais próximos né, os chimpanzés bonobos, os chimpanzés eles são super machistas, aquela coisa do macho alfa, várias fêmeas, se a fêmea não quer acasalar lá, rola até meio que tipo um estupro, e se o macho alfa desconfia que um filhote não é dele, ele vai lá e faz, e comete feminicídi... [feminicídio] é, tsc, infanticídio (grifo nosso) (Portinho).

O discurso evidencia as formas pelas quais, por meio da nossa linguagem, atribuímos significados aos comportamentos dos demais animais, que eles “nem imaginam”, como um chimpanzé “super machista”, estuprador, e toda a narrativa construída no discurso.

A docente Antonieta reforça as descrições humanizadas do comportamento animal, em seu discurso:

É o que a gente realmente vê na biologia, são os animais agindo como animais, e aí a gente percebe essa busca desenfreada pela sobrevivência da espécie. [...] o que eu vejo aqui é o que realmente, naturalmente, acontece. Existe luta sim, pra mim, a observação da origem das espécies ela acontece no dia a dia, pelo menos no reino animal, talvez não dentro da sociedade humana, porque a sociedade humana trabalha de maneira diferente (grifo nosso) (Antonieta).

Em outro trecho, a docente afirma: “olha só, machos galanteadores, né? Então coloca esses animais no lugar deles, e eles têm que ser galanteadores, eles têm que chamar a atenção da fêmea”. No discurso, a docente reafirma os adjetivos humanizados que foram utilizados nas descrições, como “galanteadores”, como um comportamento “natural” dos animais, além disso, desconsidera que as descrições são interpretações humanas, dos/as cientistas, quando afirma que é “o que a gente realmente vê na biologia”, enunciando também uma ciência descontextualizada. Os discursos da biologia apresentam uma linguagem tão naturalizada a respeito dos machos e fêmeas que isso acaba passando despercebido, mas, por outro lado, quando as discussões de gênero estão em pauta, esse olhar pode ser direcionado às descrições, como evidenciado nos discursos da docente Antonieta, pois há momentos em que ela critica as descrições.

Schiebinger (2001, p. 274) destaca que ao atentarmos às formas pelas quais fazemos o uso da linguagem e empregamos metáforas, “podemos julgar criticamente as imagens que estruturam nossa compreensão da natureza”. Por vezes, as metáforas são utilizadas, especialmente por nós docentes, com o objetivo de facilitar a compreensão daquilo que se ensina, porém, é preciso estar atento/a, pois “as metáforas não são dispositivos inocentes utilizados para temperar textos” (Schiebinger, 2001, p. 274-275), mas carregam significados e desencadeiam efeitos discursivos e não discursivos.

O docente Medeiros constrói o seguinte discurso:

Eu, particularmente, não gosto quando você usa adjetivos ou interpretações tentando humanizar a situação [...]. Mas eu acho que na biologia a gente tem que tentar entender o comportamento como ele é, nu e cru, sem tentar extrapolar pra sociedade humana, porque daí ele pode parecer uma outra coisa. Então, quando você humaniza uma resposta [...] você pode estar deturpando o que ela biologicamente significa (Medeiros).

O docente critica os adjetivos utilizados na descrição, mas o discurso evidencia a (ilusória) possibilidade do desenvolvimento de um conhecimento “puro”, neutro, que forneceria a compreensão do fenômeno “como ele é, nu e cru”. Esse é um discurso que ignora o caráter social da ciência como uma construção humana, que é composta também por interpretações dos/as cientistas, que podem procurar ter uma vigilância, um cuidado, para não recair em estereótipos ao produzir esses conhecimentos, mas, ainda assim, não será um entendimento “nu e cru” dos fenômenos naturais, será uma interpretação, um discurso construído pelos/as cientistas que falam a partir de sua situacionalidade, os conhecimentos são localizados e, portanto, parciais (Haraway, 1995).

A docente Antonieta propõe outro discurso:

[...] Na realidade, ali eles tão humanizando a atitude desse animal. Estão humanizando, ‘perdeu a paciência’, ‘não quis mais esperar a fêmea’. Na realidade, é porque não deu liga, ele não tinha de repente hormônio suficiente ali, ele não estava exalando tanto hormônio, ele não chamou a atenção da fêmea, a fêmea podia estar com a atenção voltada pra outro indivíduo macho (Antonieta).

Essa construção de um novo discurso, evidenciada pela docente, está relacionada ao papel construtivo da epistemologia feminista (Longino, 1997), que não apenas critica o conhecimento, mas permite a construção de novos discursos, que reafirmem e coloquem em circulação outras verdades. O discurso critica a humanização do comportamento e pensa em outras possibilidades, como a ação hormonal na interação dos organismos no momento da corte e reprodução, busca interpretar o comportamento animal sem a atribuição de estereótipos sociais, não colocando os machos e fêmeas como homens e mulheres e em oposição.

Para além da concordância, o olhar crítico para a ciência

Os enunciados aqui produzidos foram construídos no momento em que os/as docentes fizeram a leitura e análise do fragmento referente ao artigo de Gelstein et al. (2011), sobre os efeitos das lágrimas femininas no nível de testosterona em corpos de homens.

A docente Nísia critica a amostragem e os resultados da pesquisa:

Impressiona né, esse tipo de estudo [...]. É, aqui mostra que eles utilizaram três mulheres adultas e 24 homens, tem uma discrepância já na amostragem aí, então eu não acreditaria nesse tipo de estudo. E pra mostrar que os homens não se excitam com mulheres que choram, frágeis, tem um sinal ali [...] um reducionismo desfavorável ao gênero feminino (Nísia).

O discurso questiona o conhecimento produzido e aponta o estereótipo de mulher frágil, que acaba sendo reforçado pela pesquisa quando atribui um sinal químico à biologia dos seres humanos. Por ser publicado em um periódico científico amplamente reconhecido (Science), o discurso da pesquisa se assenta em um local de poder e de certa confiabilidade, mesmo assim a docente afirma que “não acreditaria nesse tipo de estudo” pela discrepância na amostragem e pelo reducionismo feminino propagado.

A docente Bertha faz referência à fonte do artigo, que estava descrita logo após o fragmento: “Pior que é da Science né? [risos] Até vou até procurar esse trabalho pra ver o contexto total porque achei meio... meio tendencioso”. O discurso ressalta a credibilidade dada ao periódico científico, que faz com que, muitas vezes, trabalhos tendenciosos e machistas passem despercebidos à maioria dos olhares e reforcem estereótipos e sexismo de forma ainda mais intensa, devido às relações de poder e saber.

A docente Antonieta, além da discrepância na amostragem, critica também a homogeneidade do ser mulher do qual a metodologia da pesquisa parte:

[...] e o que me chama atenção aqui são 24 homens para três mulheres, três doadoras. Por quê somente três doadoras? Será que a mulher, ela é tão homogênea assim? Ser mulher é tão homogêneo assim? Gente, existe mulher de tudo o que é tipo [...] essa questão do ‘n’ deles para mim chama muito atenção e me parece um ‘n’ muito machista. Mulher é tudo igual mesmo, vamos pegar três, né? Três de que idade? [...] que tipo de atividade que essas pessoas desenvolvem? É, em que fase elas estavam do ciclo delas quando isso foi amostrado? Então, é como se isso não importasse [...] (Antonieta).

A docente reflete quanto à multiplicidade do ser mulher, deslocando-se de um discurso que compreende a mulher como uma categoria universal, para um discurso que evoca outras categorias de mulheres. O discurso que a docente constrói evidencia também a importância do olhar situado enquanto pesquisadora e mulher que ela direciona à pesquisa.

O docente Caramuru articula os resultados da pesquisa ao estereótipo social de mulher frágil e homem agressivo, e a atribuição dessa agressividade ao hormônio testosterona:

a questão de colocar uma mulher pra chorar e falar que [...] daí essa lágrima diminui o nível de testosterona, como se deixasse o homem menos agressivo [...] aquela coisa de fragilidade da mulher e que o homem, [...], parece que a galera quer muito explicar tudo o que o homem faz na base dessa explicação da testosterona. Então assim, é como se fosse... um passe livre pra fazer merda [...] (Caramuru).

Esse discurso se articula a outros construídos historicamente, que buscam nos hormônios, de modo mais específico, na testosterona, a base da virilidade, força e heterossexualidade masculina. Rohden (2008, p. 134) destaca que “a ideia de que os hormônios determinam tudo, até mesmo nossa inteligência e nosso comportamento frente ao sexo oposto, parecem ganhar cada vez mais adeptos”. Assim, o uso dos hormônios para explicar atitudes e comportamentos dos homens e mulheres é um discurso persistente na ciência, presente desde o início dos estudos hormonais.

Tramontano (2017) explica que ao ser atribuída aos hormônios a base da diferença entre mulheres e homens, essas moléculas foram generificadas, a ação dos hormônios ditos sexuais masculinos e femininos passa a ser compreendida de acordo com características sociais atribuídas a mulheres e homens, “os efeitos da testosterona são rápidos e incisivos, encenando a agressividade e praticidade atribuída aos homens, ao passo que o estrogênio age de forma mais discreta e menos visível, simulando a passividade e delicadeza femininas” (Tramontano, 2017, p. 167). Saini (2018, p. 34) discute a associação dos hormônios aos comportamentos e exemplifica com um artigo publicado em 1930, em que homens que passaram por tratamentos hormonais com a testosterona relatavam se sentirem mais vigorosos e dispostos, discursos como esses foram reforçando a ideia de que a testosterona estava ligada a atributos ditos masculinos, como a “agressividade, força física, intelecto superior e virilidade”. Pesquisas com as mulheres e com hormônios ditos femininos também reforçavam os estereótipos de feminilidade, indicando que, sob a ação desses hormônios, as mulheres agiam com mais emotividade e passividade (Saini, 2018).

A crítica à ciência fez com que as epistemólogas feministas denunciassem conhecimentos discriminatórios e abriu caminhos para a construção de outras verdades. O olhar e o discurso crítico dos/as docentes que são mediadores/as de conhecimento, pesquisadores/as e que falam de um local de autoridade, constitui-se como um ato de resistência, com potencial de desestabilizar as estruturas discriminatórias que sustentam, e que são sustentadas pelos discursos científicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer da pesquisa, preocupamo-nos em analisar os enunciados de gênero e relações de poder presentes nos discursos docentes a respeito de alguns conhecimentos da biologia, significando-os a partir das epistemologias feministas. Os/as seis docentes que participaram da pesquisa reiteram discursos que naturalizam as relações sociais a partir de conhecimentos da biologia; discursos que mantêm as dicotomias e silenciam a diversidade; discursos que humanizam células e moléculas. Discursos da crítica da ciência e de resistência a distintos modos de opressão também foram reiterados.

O discurso de naturalização das relações sociais a partir de conhecimentos da biologia é reiterado, como, por exemplo, o dos hormônios e dos gametas, em que estereótipos de monogamia e passividade são associadas às fêmeas e a poligamia e proatividade são associadas aos machos, bem como de homens interesseiros em deixar seus genes. Esses discursos mantêm lugares distintos e desiguais para homens e mulheres.

O discurso que mantém as dicotomias é reiterado e o arco-íris da diversidade é silenciado, em especial quando reafirmam as normas do sistema dos dois sexos como fixa e universal. Nesses discursos, são desconsideradas as variações e complexidades dos corpos, dos órgãos, das células que afetam profundamente a experiência individual do gênero e da sexualidade, silenciando a diversidade humana e de outros animais. Também constroem um discurso que desloca a fêmea para comportamentos considerados masculinos, como, por exemplo, de uma posição de passividade, para a posição de agressividade, mas que continua mantendo a ideia de dicotomia.

Outro discurso reiterado é o que humaniza células, moléculas e animais, entre outros, alinhado aos padrões sociais e culturais ocidentais, ao utilizar a linguagem como a de galanteadores, bons pais, paciência, conquista, despreocupação, sentimento maternal, cornos, como se os animais estivessem conscientes desses comportamentos. Esses discursos sustentam estruturas de poder, produzem efeitos que naturalizam relações sociais a partir dos discursos biológicos e criam as relações de gênero.

Há também a circulação de discursos críticos e de resistência frente à ciência, em que reiteram discursos das epistemologias feministas da ciência e as pesquisas são apresentadas enquanto situadas, em que as metodologias e resultados de pesquisas não são neutras, mas influenciadas pelo contexto social e cultural de seus criadores.

A ciência detém de um discurso “poderoso” na instituição de verdades, e esse poder sobre o qual o discurso científico está assentado faz com que ele circule e seja tomado por verdade, muitas vezes, sem um olhar crítico. Os discursos científicos se unem a outros que acabam por contribuir para a manutenção da organização social machista e heteronormativa. Ao fazer circular publicamente discursos individuais de docentes, esses passam a compor o discurso coletivo, que permite o reconhecimento e a identificação de muitas/os outras/os docentes.

Dentre as possibilidades para a pesquisa e o ensino de ciências e biologia, podemos pensar nos discursos das epistemologias feministas da ciência e nos estudos feministas que se pautam em um discurso situado em contextos históricos, políticos, culturais, e interseccionado por gêneros, raça, sexualidades, classe, entre outras. Ao colocarmos esses discursos em circulação temos a possibilidade de questionar o que é posto como natural e defender que a ciência e o ensino sejam construídos a partir de diferentes localizações. O que é dito ou não na pesquisa e no ensino é influenciado pelas relações entre poder e saber, que colocam em evidência alguns discursos, em detrimento de outros. Nós, docentes e pesquisadoras/es, ao evidenciarmos outras verdades, afrontamos essas relações de poder. Assim, podemos colocar em circulação novos discursos que abram, e não que fechem, possibilidades, tanto na formação docente, como nos currículos, a fim de desconstruir linguagens discriminatórias presentes na biologia e em seu ensino.

Agradecimento

Agradecemos a Capes e ao Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Estadual de Ponta Grossa, pelo recurso cedido para a tradução e correção de linguagem do artigo.

REFERÊNCIAS

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1A escolha do verbo significando surgiu após a leitura do texto de Maria Lúcia Wortmann (2002), que traz a reflexão de que, durante as análises, atribuímos significados aos discursos, embasadas nos referenciais teóricos escolhidos. Esses significados podem ser outros quando interpretados por outro/a pesquisador/a, a partir de um referencial teórico distinto.

2Utilizamos o conceito de descaminhos emprestado de Bujes (2002) para elucidar que pretendemos trilhar por caminhos que não nos conduzem a certezas, mas descaminhos que nos impulsionam a pensar diferente, a questionar, de modo a romper com a suposta linearidade de uma pesquisa.

3Utilizamos o recurso tipográfico itálico nos trechos dos discursos docentes participantes a fim de dar destaque a eles no corpo do texto.

4O inseto que possui esse comportamento é o conhecido popularmente como louva-a-deus.

Declaração sobre disponibilidade de dados

disponibilidade de dados Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo. De acordo com a aprovação do projeto em comitê de ética, terão acesso aos dados coletados unicamente as pessoas autoras do trabalho.

8O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Recebido: 16 de Dezembro de 2022; Aceito: 26 de Julho de 2023

Contato: Bettina Heerdt, Universidade Estadual do Centro-Oeste | Departamento de Biologia, Alameda Élio Antonio Dalla Vecchia - Vila Carli, Guarapuava, PR | Brasil, CEP 85040-167

Contato: Centro de Ensino de Ciências e Matemática de Minas Gerais - CECIMIG, Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais, revistaepec@gmail.com

Ana Paula Oliveira dos Santos - Mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Professora da Educação Básica na rede privada de ensino. Ponta Grossa - PR, Brasil. Grupo de Estudos e Pesquisa para o Ensino de Ciências - GEPEC. E-mail: aninha_santos1997@hotmail.com

Bettina Heerdt - Doutora em Ensino de Ciências e Educação Matemática. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro, Guarapuava, PR, Brasil. Grupo de Estudos e Pesquisa para o Ensino de Ciências - GEPEC. E-mail: bettina_heerdt@yahoo.com

Editor responsável: Glauco dos Santos Ferreira da Silva

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