Introdução
[...] Será que a reforma será equitativa, ou seja, justa para todos os alunos e respectivas comunidades? Será que a reforma irá gerar a coesão social que é suposto um sistema educativo contribuir para uma sociedade funcional, com valores e instituições comuns? (BELFIELD; LEVIN, 2004, p. 39).
O ensaio teórico tem como objetivo realizar um debate sobre as reformas educacionais no contexto da privatização desenvolvida na política educacional. Os debates surgiram a partir de leituras de estudiosos que discutem a política educacional em uma perspectiva crítica em relação às reformas e à privatização da educação pública. As indagações da epígrafe nortearam os apontamentos para a realização das reflexões teóricas.
As análises e as discussões sobre as reformas educativas empreendidas no contexto da política educacional estão cada vez mais evidentes no cenário da educação e nas pesquisas acerca da temática (BELTRÃO; TAFARELL, 2017). As reformas ocasionam mudanças no processo de organicidade na gestão dos sistemas federal, estadual e municipal, as quais evidenciam processos de privatização da educação (ROSSI; LUMERTZ; PIRES, 2017). De acordo com Belfield e Levin (2004), o mais forte argumento em prol da privatização é a eficiência produtiva, desenvolvendo a competição entre as escolas e os seus respectivos sistemas, mudanças na organização e na gestão dos sistemas/redes de ensino e a lógica do mercado direcionando as ações para o planejamento educacional.
A lógica das reformas empreendidas no contexto da privatização é mundial (BELTRÃO; TAFARELL, 2017) e reforça a ideia de uma tensão ideológica entre os que defendem o mercado e os que lutam pela ação do Estado como um bem público, o qual tem o papel de contribuir com a melhoria de uma sociedade equitativa, justa e igualitária. Para Silva; Silva; Santos (2019), tanto os países desenvolvidos como os em desenvolvimento acabaram enveredando para as práticas da privatização, devido à globalização e às tendências conservadoras que preconizam com intensidade nos âmbitos dos setores públicos e privados.
Neste sentido, as mudanças decorrentes das reformas mediante a privatização geram conflitos em todas as dimensões, destacando-se: a) o perfil, a atuação e a formação dos profissionais que atuam nas instituições educativas; b) as condições de trabalho e a qualidade dos serviços ofertados; c) a competição entre os sujeitos envolvidos e suas respectivas instituições; d) a degradação dos setores públicos em detrimento dos privados; e e) a valorização da lógica do mercado nas práticas educativas (BELFIELD; LEVIN, 2004).
No contexto da América Latina, na concepção de Tedesco (1991), a justificativa pela defesa da privatização no âmbito das reformas educacionais situa-se como estratégia para resolver os problemas de eficiência e de qualidade dos serviços públicos, isso porque os defensores das reformas e da privatização alegam que esses serviços não são eficientes e não respondem com a mesma qualidade que os setores privados. De acordo com Tedesco (1991, p. 24), os defensores da privatização na América Latina alegam que:
[...] a privatização oferece aos pais e à comunidade a possibilidade de um controle mais direto sobre o pessoal e a direção das escolas, permite aos pais estabelecer padrões de qualidade para a educação de seus filhos, incrementa a habilidade dos professores, administradores e pais para adaptar os programas às necessidades e condições da comunidade, estimula a possibilidade de obter financiamento da comunidade para as atividades da escola e melhora a eficiência para estimular a competência entre os estabelecimentos.
Desse modo, percebe-se que a defesa dos idealizadores da privatização sinaliza para a responsabilidade exclusiva dos profissionais da educação pela melhoria e pela qualidade das ações educativas, ficando o Estado eximido de suas responsabilidades e do comprometimento na construção de uma educação pública, inclusiva, democrática e referenciada socialmente. Para Belfield e Levin (2004), os opositores das reformas educacionais, os quais têm a privatização como principal evidência, apresentam que, com a realização desse fenômeno mundial, a escola pública está ameaçada e a coesão social prejudicada, haja vista a “existência de acirramento às tentativas de introduzir a competição no mercado educativo” (BELFIELD; LEVIN, 2004, p. 76).
Estudos (BARBOSA, 2016; FREITAS, 2012; 2014; 2016) sobre as reformas educacionais no contexto da privatização apontam a presença dos empresários na organicidade da política educacional, das atividades escolares e dos conteúdos a serem desenvolvidos com os atores do campo escolar. Assim, as práticas da educação sofrem influências externas, mediante os interesses mercadológicos, uma vez que a atuação dos empresários no setor gera rendimentos financeiros em grande proporção.
O presente texto está dividido em duas partes que se completam, além da introdução e das considerações finais. A primeira parte, as reformas educacionais no contexto da globalização e da privatização, desenvolve uma reflexão sobre as interfaces entre a globalização e a privatização nas esferas sociais e políticas. A segunda, as políticas educacionais e as tensões atuais, apresenta os encontros e desencontros no contexto escolar, uma vez que as políticas educacionais são desenvolvidas objetivando responder aos anseios da globalização e de seus idealizadores.
As reformas educacionais no contexto da globalização e da privatização
Na sociedade contemporânea, várias são as discussões a respeito das políticas educacionais de âmbito nacional e local, do processo de implantação de políticas que visam à melhoria da qualidade do ensino e, sobretudo, da educação, que são pautadas para a formação dos cidadãos a fim de atuarem em uma sociedade norteada pela lógica do mercado (DALE, 2004). Esses apontamentos estão imersos no contexto da globalização. De acordo com Lingard (2004, p. 59), “a recente reestruturação de sistemas educacionais pode ser explicada de forma correta recorrendo-se ao entendimento da globalização”. Desse modo, para compreender como se deu o desenvolvimento das reformas nas políticas educacionais, faz-se necessário analisar o processo da globalização e a sua relação com a educação no contexto social.
A partir do fenômeno da globalização, a educação foi tomando novos rumos e, consequentemente, a sua influência incidiu em várias consequências, entre elas, políticas educacionais formuladas por empresas multilaterais que visavam à formação dos sujeitos para a atuação no mercado de trabalho, à mão de obra barata, desqualificada, à procura do lucro e, assim, ressignificando o papel social da educação. Conforme Dale (2004, p. 424):
A “globalização” é frequentemente considerada como representando um inelutável progresso no sentido da homogeneidade cultural, como um conjunto de forças que estão a tornar os estados-nação obsoletos e que pode resultar em algo parecido com uma política mundial, e como reflectindo o crescimento irresistível da tecnologia da informação.
Segundo Dale (2004), a globalização está voltada para a homogeneização da cultura em que os estados-nação perdem sua força, sua contribuição na sociedade e, por sua vez, o crescimento da tecnologia da informação colaborou para o fenômeno da globalização e da homogeneização das culturas. Na sua abordagem denominada de “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação”, Dale (2004) destaca que a globalização “é vista como sendo construída através de três conjuntos de atividades relacionadas entre si, económicas, políticas e culturais” (DALE, 2004, p. 436). Em conformidade com essa mesma abordagem:
A globalização é um conjunto de dispositivos político-económicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista, mais do qualquer outro conjunto de valores. A adesão aos seus princípios é veiculada através da pressão económica e da percepção do interesse nacional próprio (DALE, 2004, p. 436).
Dale (2004) salienta a manutenção do sistema capitalista como elemento principal da globalização, pois, por meio do capitalismo, a economia global cresce acentuadamente. Dessa forma, pode-se inferir que a globalização perpassa por interesses que estão voltados para o crescimento socioeconômico do país. Assim, a educação é o principal setor afetado por esse fenômeno, a fim de assegurar que as pessoas inseridas no âmbito escolar tenham uma formação pautada nos interesses da lógica da economia e do mercado.
Segundo Santos (2002, p. 27):
A globalização, longe de ser consensual, é um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos sociais, Estados e interesses hegemónicos, por um lado, e grupos sociais, Estados e interesses subalternos, por outro; e mesmo no interior do campo hegemónico há divisões mais ou menos significativas.
Neste sentido, para Santos (2002), a globalização é um fenômeno complexo, instituído por conflitos e por interesses de diversos grupos hegemônicos e subalternos da sociedade, configurando-se em um campo de lutas, de tensões, de entraves e de dilemas, em que cada grupo tem seus interesses e seus objetivos na estruturação de uma política governamental. Assim, “os processos de globalização mostram-nos que estamos perante um fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo” (SANTOS, 2002, p. 26).
Contribuindo com essa discussão, Charlot (2007, p. 4) acrescenta que:
A globalização pode também ser definida pela circulação de fluxos e o desenvolvimento correlativo de empresas multinacionais. Essas existiam antes da globalização, mas se tornaram ainda mais potentes com a globalização e o recuo do Estado. Nascida como fenômeno econômico, a globalização tornou-se também um fenômeno político.
O surgimento e o desenvolvimento das empresas multinacionais evidenciaram, ainda mais, o processo de globalização, uma vez que o Estado exime-se de suas obrigações em meio às políticas educacionais e as empresas multinacionais assumem esse papel enfatizando a educação como a responsável pelo desenvolvimento econômico do país. Nessa perspectiva, “a política educacional tornou-se um elemento da política econômica, emoldurado por uma versão concentrada e rearticulada microeconomicamente da teoria do capital humano, ligada à estrutura mutável das economias e dos mercados de trabalho nas nações pós-industrializadas” (LINGARD, 2004, p. 62).
Lingard (2004) salienta que as empresas multinacionais, bem como as organizações internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) também foram afetadas pelo processo da globalização, uma vez que essas organizações passaram a contribuir no processo de formulação das políticas educacionais, com intuito de efetivar as estratégias e os mecanismos para o desenvolvimento da economia, destacando os interesses do mercado.
De acordo com Lingard (2004, p. 69), a OCDE tem “um papel na educação, pela contribuição que ela pode dar ao crescimento econômico e como um meio pelo qual os propósitos desse crescimento, ou seja, um aumento no bem-estar geral, podem se tornar realidade”. Por meio desse aspecto, pode-se refletir acerca da formação do sujeito, visto que essa vertente envereda por um caminho em que a competitividade faz-se presente na sociedade e os princípios do mercado - eficiência, eficácia e produtividade - tornam-se elementos da formação humana. Porém, cabe destacar que esses princípios não contribuem para a formação de sujeitos autônomos, reflexivos e atuantes na sociedade em que vivem, mas omissos às questões políticas e sociais no cenário da estruturação e da construção de um espaço coletivo, democrático e igualitário.
Lingard (2004, p. 70) ao analisar as intenções da OCDE no cenário da política educacional retrata as seguintes características:
A elaboração das políticas educacionais deve basear-se, pelo menos em parte, na relação com as outras políticas sociais e do mercado de trabalho que tratam das pessoas; o foco nas pessoas é parte integrante da prosperidade econômica, independentemente de quaisquer benefícios culturais e sociais; visões acadêmicas e políticas devem ser combinadas e consideradas relevantes na elaboração de políticas, ao invés de a comunidade educacional se colocar em oposição aos “políticos”; e políticas e práticas nacionais devem ser construídas considerando às de outros países, aprendendo com suas realizações, mas sem copiar de forma cega.
Na visão do autor, a política educacional baseada pela OCDE apresenta características que vão além dos interesses da educação. Para a OCDE, na elaboração das políticas educacionais, deve haver uma relação com as outras políticas sociais já existentes no mercado. Assim, os princípios que regem o mercado são voltados para a produtividade, a eficiência e a eficácia. A formação das pessoas é o foco principal dessas políticas, de modo que elas passam a ser consideradas consumidoras e não cidadãs. Com isso, o desenvolvimento econômico se fortalece sem levar em consideração as questões culturais e sociais. As políticas educacionais implantadas pela OCDE são de caráter econômico, visando apenas ao crescimento e ao desenvolvimento de práticas eficientes e eficazes para o mercado de trabalho (LINGARD, 2004).
Nesse contexto, várias mudanças ocorreram na sociedade e, sobretudo, na educação, a partir do processo da globalização. Robertson e Dale (2011, p. 348) destacam um dos efeitos da globalização sobre a educação:
Um dos efeitos-chave da globalização sobre a educação é uma evidente mudança de um sistema educacional predominantemente nacional para uma distribuição mais fragmentada, multi-escalar e multissetorial de atividades que agora envolvem novos atores, novas maneiras de pensar sobre a produção e a distribuição de conhecimento e novos desafios em termos de assegurar a distribuição de oportunidades para acesso e mobilidade social.
Pode-se considerar que a globalização influenciou de forma direta sobre a formulação das políticas educacionais no cenário brasileiro. A partir das reformas desenvolvidas em meados da década de 1980 e início de 1990, várias mudanças ocorreram no modo de pensar e de formular as políticas educacionais, pois era necessário reestruturar as políticas de educação para atender as expectativas do mercado, de forma mais propícia à lógica da economia (DALE, 2004).
Neste sentido, entender as ações das reformas educacionais no contexto do conservadorismo e da globalização implica refletir sobre os ideais dos defensores delas, uma vez que, para eles, o Estado é ineficiente, logo a lógica seria utilizar esse argumento para intensificar as práticas do mercado nas questões de caráter público. Segundo Barroso (2005, p. 726):
É no contexto deste debate que, na educação, se promovem, se discutem e se aplicam medidas políticas e administrativas que vão, em geral, no sentido de alterar os modos de regulação dos poderes públicos no sistema escolar (muitas vezes com recurso a dispositivos no mercado), ou de substituir esses poderes públicos por entidades privadas, em muitos dos domínios que constituíam, até aí, um campo privilegiado da intervenção do Estado.
Compreende-se que o debate e as configurações políticas sobre as mudanças sociais e educacionais perpassam pela intervenção do Estado, mediante os dispositivos do mercado, o qual se torna o regulador das práticas a serem vivenciadas. Insere-se nesse cenário a ação da globalização que “associada à liberalização de mercados, pressionou e incentivou os governos a procurar sistemas educativos mais eficientes, mais flexíveis e mais alargados. A privatização pode ser uma resposta a estas mudanças” (BELFIELD; LEVIN, 2004, p. 35).
De acordo com os estudos de Ball (2004, p. 1108):
Não é possível ver as políticas educacionais apenas do ponto de vista do Estado-Nação: a educação é um assunto de comércio internacional. A educação é, em vários sentidos, uma oportunidade de negócios. Podemos pensar que essa oportunidade será maior ou menor, que virá mais cedo ou mais tarde, que está sujeita a inflexões e mediações, mas que ela seja diferente ou excepcional.
Os resultados oriundos das reformas educacionais levam a perceber a mudança no papel do Estado, redimensionando suas atribuições ao setor privado e/ou à comunidade na qual a escola está inserida. O processo de mercantilização está presente nas atividades, evidenciadas pelas concepções políticas da privatização e da presença do setor privado nas atribuições do setor público. Para Belfield e Levin (2004, p. 17):
O termo “privatização” é uma designação genérica de vários programas e políticas educativas que podem ser globalmente definidos como a transferência de actividades, provisão e responsabilidades do governo/instituições e organizações públicas para indivíduos e organizações privadas.
As análises acerca da privatização no contexto da educação são intensas, uma vez que esse fenômeno é mundial, ocasionando diversas críticas. De acordo com Belfield e Levin (2004), as tendências de privatização são oriundas desde as primeiras práticas de reformas em meados da década de 1990, destacando-se mundialmente: a) O cheque-ensino; b) Escolha da escola pública; c) Desregulamentação da escola pública; d) Contratação de serviços específicos; e) Benefícios e isenções fiscais às famílias; f) Subsídios e bolsas a escolas privadas; g) Ensino doméstico e pagamentos privados de educação.
Dessa forma, percebe-se que a tendência para a privatização é muito forte. Os empresários e as multinacionais são os principais defensores dessa prática na educação, pois “o mundo dos negócios enfoca os serviços de educação como uma área de expansão, na qual os lucros consideráveis devem ser obtidos” (BALL, 2004, p. 1111). Acrescente-se a essa ideologia a defesa dos liberais de que o setor da educação “constituindo um dos maiores fardos orçamentais do governo, é muitas vezes pressionado para ser privatizado, surgindo essa pressão de variadas formas” (BELFIELD; LEVIN, 2004, p. 17).
A privatização no âmbito da educação está presente em todas as etapas e modalidades, haja vista que as políticas contemporâneas, resultado da configuração das reformas, estão pautadas em perspectivas de filantropia, parcerias público-privado, mercantilização das propostas educacionais, competitividade, ênfase na produção e nos resultados. Nesse contexto, “não se pode desconsiderar que o advento da subvenção pública aos estabelecimentos privados lucrativos inaugurou uma situação favorável à sobrevivência dos pequenos empresários educacionais do setor, reforçando o trato mercantil a um direito” (ADRIÃO; BORGHI; DOMICIANO, 2010, p. 285).
As políticas educacionais e as tensões atuais: desencontros no contexto escolar
As políticas educacionais contemporâneas estão sendo configuradas por aspectos que levam à interpretação que a responsabilização baseada em avaliação e a pressão por resultados (FREITAS, 2016) são mais significativas do que a busca pela melhoria da qualidade do ensino, entendendo-a, segundo Silva (2015, p. 26), como:
[...] um espaço de democratização, em que todos têm condições igualitárias de acesso e permanência na escola, um lugar que vivencia a inclusão, a democracia e a qualidade social, bem como a efetivação de políticas públicas ofertadas pelo Estado para os profissionais da educação, as quais disponibilizam condições materiais e financeiras para concretização dos objetivos educacionais.
Diante das configurações atuais, o desafio de construção de um espaço o qual viabilize os princípios destacados pelo pesquisador está sendo difícil, uma vez que a ideologia presente nas decisões educacionais leva para a questão da privatização da organicidade da educação pública, ocasionando desvalorização dos diferentes profissionais e redimensionando a qualidade da educação para os resultados das avaliações em larga escala realizadas pelas escolas nas distintas redes e sistemas de ensino. De acordo com Barroso (2005), o desafio em acreditar e vivenciar uma educação igualitária está “na necessidade de provermos colectivamente um serviço público que garanta o pleno direito à educação e o acesso a uma cultura comum, para todas as crianças e jovens, em condições de equidade, de igualdade de oportunidades e de justiça social” (p. 747).
As tensões vivenciadas entre os idealizadores de políticas educacionais e os profissionais que estão no cotidiano da escola intensificam-se cada vez mais, isso porque surgem, a cada implementação de políticas, novas funções e atividades para que estes possam desenvolver na perspectiva de apresentar resultados, como preconiza a lógica do mercado. Nessa perspectiva, Freitas (2016, p. 140) salienta que:
O modelo de gestão considerado eficaz é o da iniciativa privada, cujo centro está no controle e responsabilização, ou seja, em processos de fixação de metas objetivas submetidas a avaliação e divulgação, associadas a prêmio ou punição, na dependência dos resultados obtidos. Os supostos básicos do seu bom funcionamento são o controle gerencial e a concorrência sob as leis do mercado. Na área pedagógica, esse modelo alinha objetivos de aprendizagem previamente definidos com o processo de ensino e com a avaliação sistemática e frequente desses objetivos.
Dessa forma, compreende-se que as avaliações em larga escala têm caráter de padronização das práticas pedagógicas, tendo como foco dessas políticas os resultados e a presença dos empresários nessas atividades. De acordo com os estudos de Freitas (2012; 2014), a consolidação de módulos, apostilas e sistemas é marcante na atualidade com objetivo de proporcionar treinamentos para os estudantes nas avaliações. As consultorias, as empresas que preparam materiais pedagógicos, as diferentes estratégias vivenciadas pelas escolas possibilitam inferir que o empresariado e seus interesses estão presentes nas escolas públicas, controlando as práticas educativas e possibilitando mecanismos de centralização nas avaliações e não no processo de aprendizagem. Na concepção de Silva; Silva; Santos (2019, p. 275-276):
As ações desenvolvidas pela política educacional, mediante as configurações das avaliações em larga escala, estão presentes e visíveis no cenário da escola pública, especialmente, quando se evidencia umas áreas do conhecimento em detrimento de outras, gerando uma segregação de saberes, viabilizado pelas exigências das avaliações. A exclusão de saberes no currículo empobrece o processo pedagógico e os conhecimentos acumulados ao longo dos tempos, gerando uma proposição de desigualdade e um conflito ideológico entre a educação dos filhos da classe trabalhadora em relação aos filhos da elite brasileira.
As configurações da política educacional pautadas nas perspectivas atuais estão condizentes com os interesses dos grupos empresariais, os quais são responsáveis pela construção de paradigmas educacionais que tenham como pressupostos a lógica do mercado e o controle do currículo, da gestão e da avaliação do processo escolar. Na concepção de Beltrão e Tafarell (2017), os processos privatizantes estão inseridos na ideologia do capital para submeter os objetivos das escolas aos seus interesses econômicos, pedagógicos, ideológicos etc. Segundo Freitas (2016, p. 141):
A privatização é a destinação final das políticas dos reformadores empresariais, pois advém da crença de que a melhoria da qualidade educacional se dá pela concorrência em mercado aberto, tal como no interior dos negócios. O mercado depuraria as instituições de menor qualidade, mantendo apenas as de maior qualidade. Para entender o desenvolvimento da privatização é necessário, no entanto, entender como a lógica da responsabilização/meritocracia produz as razões da privatização.
Para os reformadores empresariais e os adeptos da privatização, as escolas públicas têm muito para aprender com as escolas privadas, sendo necessário que as políticas educacionais sejam adaptadas para que todos os sistemas possam trabalhar nessa perspectiva, ou seja, na busca por resultados (VERGER, 2019). A qualidade da educação evidenciada e defendida pelos adeptos do setor privado é a ênfase sobre a política de resultados, refletida nas avaliações em larga escala. Estas são avaliações que têm a característica de padronizar as escolas e as redes de ensino, objetivando que todas tenham condições de realizar as provas com autonomia e significativo grau de compreensão (FREITAS, 2014). A forma que o Ministério da Educação (MEC) divulga esses resultados é vista como desigual, uma vez que as avaliações não valorizam a realidade local de cada escola, assim como a região na qual o município, a escola e os alunos estão situados.
Nessa perspectiva, pode-se perceber que a educação é um campo de disputa (AZEVEDO, 2004), no qual há dois grupos em defesa de sua consolidação, o primeiro liderado pelos defensores da escola pública de boa qualidade, o qual evidencia a gestão participativa, o financiamento para a educação pública com foco na condição humana e na realidade social, política e cultural dos estudantes. O segundo grupo, composto pelos organismos internacionais e pelos empresários, defende a educação por meio da competição, da produção e da construção de um sistema desigual, semelhante à organicidade do mercado (ADRIÃO, et al, 2009).
De acordo com Freitas (2012, p. 386):
O advento da privatização da gestão introduziu na educação a possibilidade de que uma escola continue sendo pública e tenha sua gestão privada (pública não estatal). Continua gratuita para os alunos, mas o Estado transfere para a iniciativa privada um pagamento pela gestão. Há um “contrato de gestão” entre a iniciativa privada e o governo. Portanto, a bandeira da escola pública tem que ser atualizada: não basta mais a sua defesa, agora temos que defender a escola pública com gestão pública.
Barroso (2005) faz a mesma sinalização que Freitas (2012), é necessário lutar em prol de uma escola pública com gestão pública para que se possam evidenciar os princípios defendidos na Constituição Federal de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394, sancionada em 20 dezembro de 1996, e no atual Plano Nacional de Educação (2014-2024). Freitas (2012, p. 386) apresenta que “o argumento central e oportunista dos defensores desta estratégia desresponsabiliza o Estado pela educação pública”, em detrimento de concessões para os reformadores empresariais.
Os empresários são, na atualidade, os principais propagadores de políticas públicas educacionais na perspectiva do gerencialismo. Em conformidade com Freitas (2014), a forma de condução das práticas educativas caracteriza a gestão gerencial, especialmente, pela existência de princípios como competividade, eficiência, eficácia e produtividade. O autor afirma que as políticas educacionais responsabilizam a escola, as redes de ensino e os profissionais de educação pelo desempenho dos estudantes nos resultados das avaliações em larga escala.
Os pesquisadores Silva; Silva; Santos (2019) realizaram um estudo em um município do estado de Alagoas, o qual contribuiu para maior compreensão e visibilidade das estratégias desenvolvidas pelos profissionais da escola, a fim de que os estudantes conseguissem alcançar as metas projetadas para a instituição. Segundo os pesquisadores, um fator relevante é “a questão da premiação, ainda durante a realização dos simulados, haja vista que os prêmios e a concorrência entre os estudantes podem ser uma estratégia significativa para o alcance das metas projetadas” (SILVA; SILVA; SANTOS, 2019, p. 279). Para os autores, a sala de aula e a escola tornam-se instrumentos para a competição, a eficiência e a eficácia, assemelhando-se às empresas que têm metas para serem cumpridas.
Os estudos de Barbosa (2016) e de Cunha (2007) demonstram que a lógica da produtividade e da flexibilização está presente no contexto educacional porque os empresários são os principais beneficiados mediante essas políticas. Nessa dimensão, a padronização de conteúdos e do currículo, a forma de gestão e de organização das práticas educativas e a avaliação da aprendizagem são elementos que carecem de treinamentos, nos quais os empresários são os interlocutores que farão a ponte entre essas ações e a escola, por meio de consultorias e de confecção de materiais didáticos, sendo beneficiados com os recursos públicos.
As contradições existentes nas políticas públicas são visíveis nos dispositivos legais que normatizam a educação brasileira, especialmente, os programas e os projetos do governo, os quais têm, em sua base epistemológica, a concepção gerencial. Políticas como incentivo à produtividade, incentivo financeiro aos professores interligado com os resultados das escolas e estudantes, treinamento de simulados de Língua Portuguesa e Matemática (FREITAS, 2014) são mecanismos que apontam para a fragmentação da formação integral do sujeito e a construção de uma educação pública de boa qualidade e referenciada socialmente.
De acordo com Freitas (2014), a autonomia pedagógica, administrativa e financeira da escola pública está em risco, tendo em vista que todas as práticas estão centradas na forma de produção e no alcance de bons resultados nas avaliações e no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Assim sendo, as condições de planejamento e de avaliação em uma perspectiva humanitária não existem, mediante a cobrança por resultados. Para Adrião, et.al. (2016), a produtividade está presente nas escolas, especialmente, pela influência dos organismos multilaterais e dos empresários que contribuem nas decisões políticas, culturais e sociais.
Para Freitas (2012), há alguns riscos que a escola pública sofre mediante as ações dos reformadores empresariais no cenário das políticas educacionais. São eles: a) Estreitamento curricular; b) Competição entre profissionais e escolas; c) Pressão sobre o desempenho dos alunos e preparação para os testes; d) Fraudes; e) Aumento da segregação socioeconômica no território; f) Aumento da segregação socioeconômica dentro da escola; g) Precarização da formação do professor; h) Destruição moral do professor; i) Destruição do sistema público de ensino; e j) Ameaça à própria noção liberal de democracia.
Os riscos apresentados pelo autor estão presentes na concepção política das reformas educacionais e sinalizam para as ações de perda de credibilidade das instituições educacionais públicas em detrimento de uma supervalorização das instituições privadas. O desenvolvimento de políticas de Estado e programas de governo converge com essa perspectiva, possibilitando questões como a meritocracia, a competição, o individualismo e a responsabilização da comunidade local e escolar pelas questões econômicas e pelos resultados.
Neste sentido, Barbosa (2016) reflete que é necessário pensar qual é o projeto de sociedade que estamos construindo e qual a contribuição da educação para essa realização. Assim, enquanto postura assumida diante de um projeto de sociedade que se deseja construir, “defende-se a concentração de esforços e recursos (por parte do Estado e da sociedade) a uma urgente reforma no sistema educacional, especialmente o público, visando a uma educação de qualidade que atenda aos objetivos constitucionalmente previstos” (BARBOSA, 2016, p.166).
A construção de um projeto de sociedade perpassa pela concretização dos anseios democráticos e participativos, pelo intenso debate político e pelo rompimento das estruturas burocráticas que forçam a perpetuação do poder e o distanciamento da população das esferas de decisão e participação política. Construir um projeto de sociedade democrático é o caminho para a existência de práticas emancipatórias e humanitárias no currículo escolar como dimensões basilares em detrimento dos conteúdos rígidos e prescritivos cobrados nas políticas de resultados.
Considerações finais
As reformas educacionais sofreram significativas influências do processo da globalização e das propostas conservadoras dos empresários. No âmbito da educação, essas reformas têm um papel central de padronização das práticas educativas por meio das avaliações em larga escala. No que concerne às mudanças, ganharam visibilidade a gestão escolar, o financiamento da educação, a formação dos professores e as avaliações. Cabe destacar que os principais ideais dessas reformas são responsabilizar a comunidade escolar e seus componentes pelos resultados desenvolvidos nas avaliações e a minimização do papel do Estado para a oferta de uma educação pública de boa qualidade.
As políticas educacionais têm características da reforma gerencial, sendo a referência para o desenvolvimento de mudanças nas quais viabilizem a competitividade, a produtividade, a minimização do Estado e maximização dos participantes na responsabilização pelas questões políticas, culturais e sociais, referendadas na década de 1990 por vários setores, incluindo os organismos internacionais. As propostas desenvolvidas pelo Estado para a educação dão-se na perspectiva da escola como uma empresa, a qual deve produzir, sendo que as avaliações em larga escala constituem os meios para diagnosticar a eficiência das instituições municipais, estaduais e distritais. É válido salientar que os princípios do novo gerencialismo estão presentes nas políticas educacionais atuais, sendo que a força mais visível é representada pela relação público-privado no desenvolvimento das atividades, dos programas e dos projetos educativos.
As relações de poder estão centradas, especialmente, nas políticas educacionais, pois é possível perceber dois projetos antagônicos no cenário escolar. De um lado, os organismos multilaterais e os empresários lutando por uma educação que possibilite a fragmentação das práticas educativas, tendo os resultados das avaliações como único fator para evidenciar a qualidade da educação. Por outro lado, os movimentos sociais e os representantes da educação pública referenciada socialmente, que idealizam uma educação para todos com oportunidades iguais de acesso, permanência e sucesso.
É válido relembrar que os dois projetos estão em disputa há décadas, no entanto, pouco avanço foi possível, pelo fato que as contradições políticas e os interesses da classe dominante sobrepõem-se aos direitos garantidos nos dispositivos legais a todos os cidadãos brasileiros. Nessa perspectiva, a oferta de uma educação pública de boa qualidade com acesso, permanência e sucesso fica fragilizada, visto que as políticas públicas não oportunizam ações para essa realização.
É importante que a defesa da educação igualitária, inclusiva com qualidade social esteja na pauta social cotidianamente por toda a sociedade civil. Os avanços sociais desencadeados na educação aconteceram mediante a pressão dos educadores, das entidades que defendem a escola pública e dos movimentos sociais que lutam por um país justo e igualitário para todos. Por fim, salienta-se que são necessárias mudanças nas bases epistemológicas das políticas educacionais, especialmente, na construção coletiva de mecanismos que evidenciem a concepção de sociedade, de homem e de educação que se quer formar por meio das práticas educativas.
Na percepção de Barroso (2005), a defesa da escola pública e das práticas inclusivas e democráticas é de todos os que dela participam e/ou participaram para viabilizar forças sólidas, estruturando correntes sociais e políticas que não podem ser quebradas ou invisibilizadas na arena das tensões e dos embates. A questão é complexa, mas não é impossível... A luta pela viabilização de enfraquecimento das reformas empresariais constitui-se como pauta necessária para barrar essa ideologia, a qual objetiva ofertar uma escola pobre para os pobres. Eis, portanto, o desafio!