SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número57PERCURSO UNIVERSITÁRIO DE ALUNAS/OS COM DEFICIÊNCIA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO PRIVADAMETODOLOGIAS ATIVAS: EFEITOS DE VERDADE ACERCA DA INOVAÇÃO NO ENSINO DENTRO DA RACIONALIDADE NEOLIBERAL índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.57 São Paulo abr./june 2021  Epub 05-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n57.10655 

Artigos

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SUBJUGADA À LÓGICA ECONÔMICA: ELEMENTOS PARA UMA ANÁLISE CRÍTICA

SCIENTIFIC PRODUCTION UNDER ECONOMIC LOGIC: A CRITICAL ANALYSIS

Neide de Almeida Lança Galvão Favaro, Doutorado em Educação1 
http://orcid.org/0000-0003-0569-7225

Priscila Semzezem, Mestrado em Serviço Social e Política Social2 
http://orcid.org/0000-0002-5410-2585

1Doutorado em Educação, Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR. Paranavaí, Paraná - Brasil.

2Mestrado em Serviço Social e Política Social, Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR. Paranavaí, Paraná - Brasil.


Resumo

A pesquisa é fundamental para o desenvolvimento humano e social, mas ela adquire distintos contornos na sociabilidade atual. Este estudo analisa a condição da produção científica brasileira, a partir da apreensão de seus determinantes econômicos. A compreensão destes elementos, suas causas e efeitos, tem raízes profundas, arraigadas na complexidade das transformações em curso. Para contribuir com seu desvelamento, recuperaram-se os fundamentos da relação do capital, com base na teoria marxista. São identificadas as contradições presentes e seus mecanismos econômicos, políticos e ideológicos que afetam a universidade brasileira e o trabalho docente. Nessa sociabilidade, a atividade científica tem contribuído diretamente para assegurar a reprodução do capital, estando subsumida à lógica mercantil, embora ela seja essencial para a promoção da emancipação humana. Alterar esta situação não é algo simples, exige uma luta radical.

Palavras-chave: capital; economia política; educação; produção científica.

Abstract

Although research is crucial for human and social development, it has gained different reliefs within present conditions. Current study analyzes the situation of Brazilian scientific production as from its economic essential factors. In fact, factors and their causes and effects have deep roots within the complexity of running transformations. So that they could be revealed, the foregrounding of the Marxist-based relationship of capital is recovered. Its current contradictions and its economic, political, and ideological stances that affect the Brazilian university and professors’ roles are identified. Scientific activity within such relationship has contributed directly to warrant the reproduction of capital because it subsumed to market logic, even though it is basic for the production of human emancipation. A deep struggle is required to change such a complex situation.

Keywords: capital; political economy; education; scientific production.

Introdução

A produção do conhecimento (pesquisa) e a sua socialização às novas gerações (educação) são mediações que constituem o ser social, independentemente da forma histórica de produção da vida. Elas são indispensáveis para assegurar a produção e a reprodução dos meios de produção e de subsistência humanos, sendo asseguradas mediante sua atividade fundante, o trabalho. No atual estágio de desenvolvimento, assentado em relações de produção capitalistas, a totalidade das relações sociais é permeada por contradições, não estando a pesquisa e a educação imunes a esse processo.

A compreensão de seus problemas e dilemas na conjuntura atual requer situá-los no interior das relações de produção da vida, apreendendo suas características, modificações e desenvolvimento; ou seja, como se manifestam na vida social.

Não se trata de tarefa simples, devido ao fato de que a própria relação do capital é marcada por um intenso e constante movimento contraditório, necessitando de rigoroso método para sua apreensão teórica. A análise de determinado objeto de estudo em seu movimento real requer, da pesquisa, “[...] captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima”. (MARX, 1985a, p. 20).

Nos limites deste artigo, analisa-se a condição da produção científica brasileira a partir da apreensão de seus determinantes econômicos. Neste sentido, procura-se fornecer elementos analíticos que identifiquem os fundamentos do processo em curso, marcado pela sua privatização e mercantilização, que afetam profundamente a universidade pública e o trabalho docente no Brasil.

Ao assumir o pressuposto teórico-político marxista, a discussão está posicionada no âmbito da luta pela superação da exploração do homem pelo homem, o que depende da construção de uma sociedade para além do capital. Toma como imprescindível, no campo do conhecimento, a elaboração de análises que contribuam para desvelar as condições reais da vida, no sentido de superar as atuais ideologias e teorias mistificadoras produzidas pela concepção burguesa, bem como as posições reformistas que ameaçam o projeto socialista para o qual pretendem contribuir. Neste artigo, longe de se preconizar o acerto dos posicionamentos expostos, pretende-se apresentar elementos que estimulem o debate, adensando as discussões em andamento.

Para o desenvolvimento deste estudo, inicialmente situa-se a condição da pesquisa no interior do movimento do capital, retomando sua lógica de funcionamento e suas contradições, articulando-as. Desvelam-se, a seguir, as relações sociais em curso, enfatizando os mecanismos econômicos, políticos e ideológicos que interferem no campo da pesquisa no Brasil, hoje majoritariamente desenvolvida nas universidades públicas. Problematiza, então, as manifestações concretas desse processo, destacando características estruturais e ideológicas que atravessam a produção científica do país.

1 A relação social do capital e a contradição na produção do conhecimento

Para que se possa compreender a lógica imposta hoje no campo de investimentos das universidades brasileiras, no que se refere ao desenvolvimento da pesquisa, e consequentemente à produção da ciência e tecnologia, é necessário apreender, inicialmente, seus aspectos determinantes. Com este intuito, retoma-se sua inserção no âmbito da universalidade da relação do capital, captando seus condicionantes estruturais.

A primeira compreensão necessária é a de que o capital é uma relação social criada pelos homens no decorrer de seus distintos estágios de desenvolvimento, que indubitavelmente alçou a humanidade a uma condição material superior, ao propiciar as circunstâncias para ampliar sua liberdade. Tal liberdade ampara-se nas formas de (re)produção de sua existência, cada vez mais assegurada mediante o domínio obtido sobre a natureza e, consequentemente, a vasta produção de riquezas materializada na realidade atual. Esses benefícios, todavia, não têm se estendido à maioria da população mundial. Ao contrário, o que se constata a cada ano é a intensificação da miséria, da degradação, do adoecimento e da violência humanas.

Como explicar esse aparente paradoxo? Sua causa reside nas leis inerentes a essa forma social, marcada pela contradição e por um movimento constante, o que a determina como “[...] forma incontrolável de controle sociometabólico”. (MÉSZÁROS, 2009, p. 96, grifos do autor). Ao lado de sua incontrolabilidade, destaca-se o fato de que ela também é insaciável, pois em “[...] sua determinação mais profunda, o sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela acumulação”. (MÉSZÁROS, 2009, p. 100, grifos do autor).

Ainda, a lógica interna de funcionamento desse aparente paradoxo permite captar suas leis imanentes. Marx (1985a, p. 48), ao analisar o processo de produção do capital, revelou que o trabalho “[...] constitui a substância dos valores”, mas o trabalho abstrato, que é “[...] trabalho humano igual”, produto dos trabalhos concretos individuais, que assume o “[...] caráter de uma força média de trabalho social”. Concluiu, assim, que “[...] é, portanto, apenas o quantum (sic) de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para produção de um valor de uso o que determina a grandeza de seu valor”.

Neste sentido, quanto mais se produzem valores de uso, mais riqueza material a sociedade produz, embora, contraditoriamente, “[...] à crescente massa de riqueza material pode corresponder um decréscimo simultâneo da grandeza de valor” (MARX, 1985a, p. 52-53), já que esta depende do quantum de tempo de trabalho abstrato necessário para sua produção.

Marx (1985a, p. 53) captou, no movimento intrínseco à produção do valor, a contradição que atravessa a relação do capital. Isto porque “[...] a mesma variação da força produtiva, a qual aumenta a fecundidade do trabalho e, portanto, a massa de valores de uso [...], diminui, assim, a grandeza de valor dessa massa global aumentada, quando ela encurta a soma do tempo de trabalho necessário à sua produção”, e o inverso também é verdadeiro. Logo, a grandeza do valor depende do quantum de tempo de trabalho para sua produção, e ele varia conforme as alterações no desenvolvimento da força produtiva do trabalho.

Revela-se, aqui, uma das características fundamentais da relação do capital, que incide diretamente na questão da produção do conhecimento, objeto deste estudo. O grau de eficácia de uma atividade produtiva depende, também, do desenvolvimento das forças produtivas, o que leva à necessidade de entender as causas dessa alteração. Assim,

[...] a força produtiva do trabalho é determinada por meio de circunstâncias diversas, entre outras pelo grau médio de habilidade dos trabalhadores, o nível de desenvolvimento da ciência e sua aplicabilidade tecnológica, a combinação social do processo de produção, o volume e a eficácia dos meios de produção e as condições naturais. (MARX, 1985a, p. 48, grifos nossos).

Depreende-se, desta assertiva do autor, que a produção do conhecimento é decisiva nesse processo, o que justificaria, à primeira vista, amplo investimento nesse setor. A relação do capital, entretanto, é permeada de contradições que precisam ser consideradas aqui. Tumolo (2012, p. 159) destaca duas contradições básicas do capital: “[...] a concorrência intercapitalista e a contradição entre as duas classes sociais fundamentais, burguesia e proletariado”. Devido ao primeiro fator, para sobreviver diante da concorrência, é imprescindível ao capitalista desenvolver as forças produtivas, aumentando a produtividade e diminuindo, assim, o valor de suas mercadorias. Dessa forma, ele assegura, concomitantemente, “[...] a redução do valor da mercadoria força de trabalho, que resulta na produção da mais-valia relativa, com a condição de que o incremento da produtividade tenha atingido as cadeias de fabricação dos meios de subsistência [...] dos trabalhadores”. (TUMOLO, 2012, p. 159).

Esse processo gera um problema grave para o capital, pois leva à tendência da diminuição de suas taxas de lucro, já que o aumento da produtividade implica na produção de uma grandeza menor de valor. Além disso, diminui a utilização do capital variável, a força de trabalho, gerando uma parcela dispensável dela, intensificando o desemprego e levando ao arrocho salarial dos trabalhadores empregados, tendo em vista o aumento do exército industrial de reserva e a diminuição de seu valor individual.

O capital destrói, assim, força de trabalho, sua fonte de criação, além de destruir parcialmente, também, capital privado para assegurar sua reprodução. Tumolo (2012, p. 161) infere que o “[...] desenvolvimento das forças produtivas propicia, a um só tempo, a vida e a morte do capital”. Por sua vez, Marx (1985b, p. 194) indica, dentre outras, uma manifestação da barreira ao modo de produção capitalista: “[...] No fato de que o desenvolvimento da força produtiva do trabalho gera, na queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se opõe com a maior hostilidade a seu próprio desenvolvimento, tendo de ser portanto [sic] constantemente superada por meio de crises”.

Isto significa que “[...] as crises são funcionais ao MPC [modo de produção capitalista]: constituem os mecanismos mediante os quais o MPC restaura, sempre em níveis mais complexos e instáveis, as condições necessárias à sua continuidade”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 162, grifos dos autores). Em seu interior, tanto os trabalhadores, em maior grau, quanto os capitalistas, são penalizados, pois entre estes últimos há falências e quebras, o que favorece os mecanismos de concentração e centralização da riqueza.

O desenvolvimento do capital consolidou uma economia mundial, integrando nações e povos à sua lógica societal, com base na grande indústria, durante a vigência do capitalismo concorrencial, desde o final do século XVIII. Foi também neste período que se estabeleceu a moderna luta de classes, fundada na contradição entre capital e trabalho.

As respostas burguesas às reações dos operários basearam-se nas repressões e na utilização de novas tecnologias, o que permite afirmar que a luta de classes também influencia no desenvolvimento das forças produtivas. Segundo Netto e Braz (2008, p. 173), a reação da burguesia “[...] tomou também a forma de incorporação de novas tecnologias à produção, de modo a atemorizar os proletários com a ameaça do desemprego”. Assim, “[...] as inovações funcionam como uma arma nas lutas de classe; controladas pelos capitalistas, servem na guerra contra os trabalhadores”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 173).

No que se refere à produção do conhecimento, portanto, é possível afirmar que, devido ao fato de estar inserida nesta sociabilidade,

[...] o conhecimento científico, em suas duas modalidades inseparáveis, produção (pesquisa) e transmissão (educação), no interior da lógica do capital, também guarda essa mesma contradição, ou seja, é fator de emancipação humana e, ao mesmo tempo, e contraditoriamente, elemento de degradação humana. (TUMOLO, 2012, p. 161).

A natureza do capital, marcada por essas contradições insolúveis, conduz necessariamente à desigualdade social, insuperável nesta sociedade, o que explica o crescimento histórico da concentração de renda, hoje em níveis alarmantes para a humanidade. É possível afirmar, portanto, que o desenvolvimento das forças produtivas, subjugado a essa lógica, não beneficia a humanidade, mas o capital, embora seja, ao mesmo tempo, condição para a emancipação do gênero humano. Somente a liberação do trabalho e das forças produtivas em relação às cadeias impostas por essa sociabilidade pode conduzir a sua utilização para a satisfação das necessidades humanas.

Esta exposição inicial, assentada na apreensão do movimento real das relações econômicas do capital, determinantes para a produção do conhecimento atual, opõe-se às mistificações promovidas por posições ideológicas, vulgarizadas ou até mal-intencionadas, comprometidas com a manutenção dessa ordem social. Por esta razão, muitas vezes não há compromisso com a busca da verdade, e a relação capitalista é vista como uma ordem social imutável. Neste sentido, destaca-se a lei de sua modificação permanente, independentemente da vontade e do conhecimento dos homens, amparada em fatos, marca distintiva do método de investigação marxiano.

O pensador alemão confirma a descrição acertada da metodologia dialética que utilizou, feita por um autor não identificado ao Correio Europeu (apudMARX, 1985a, p. 19), em 1872: “[...] Marx considera o movimento social como um processo histórico-social, dirigido por leis que não apenas são independentes da vontade, consciência e intenção dos homens, mas, pelo contrário, muito mais lhes determinam a vontade, a consciência e as intenções”.

A produção teórica que prevalece na atualidade, entretanto, contraria esse método, pois nega o movimento da história. Marx (1985a) denunciou, já no século XIX, a falência dos estudos desinteressados afeitos à economia política, desde o momento em que a luta de classes deixou de se manifestar de forma latente ou em episódios isolados. Esse processo foi irregular, mas acompanhou as “[...] formas cada vez mais explícitas e ameaçadoras” (MARX, 1985a, p. 17) que assumia a luta de classes, no campo da teoria e da prática. Isto “[...] fez soar o sino fúnebre da economia científica burguesa. Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não”. (MARX, 1985a, p. 17).

O aporte teórico marxiano, ao apreender a lógica interna de funcionamento do capital, permanece, por conseguinte, consistente e imprescindível para o entendimento do mundo atual, sendo condição para a produção do conhecimento comprometida com a transformação social, voltada à superação dessa forma social. No caso específico do objeto deste estudo, preconiza-se, portanto, que o entendimento das causas mais profundas do que ocorre com a produção da pesquisa contemporânea está vinculado a uma perspectiva analítica que extrapole os limites de uma análise política e ideológica. Por conseguinte, requer a superação de críticas moralistas, partidárias e parciais, pois exige a compreensão da radical intervenção do modo de produção capitalista sobre esse processo.

2 Reestruturação produtiva, Estado e a subsunção da pesquisa ao capital

A condição atual do desenvolvimento científico está diretamente atrelada às transformações socioeconômicas em curso e ao atual estágio das lutas de classes. Neste início de século, evidenciam-se fracassadas tentativas mundiais de controlar e humanizar o capital, constantemente afetado por sucessivas e intensas crises, que variam em força e intensidade e que são insolúveis, porque inerentes à sua lógica interna de funcionamento.

No atual estágio do capital, mundializado, as contradições aprofundaram-se, o que resultou em medidas para assegurar lucros intensos para tentar escapar da tendência à queda da taxa de lucro, e para manter as lutas de classes nos limites necessários para não ameaçar tal metabolismo social. Netto e Braz (2008) indicam a vigência do imperialismo até os dias atuais, embora tenha passado por distintas fases, denominadas fase clássica, de 1890 a 1940; anos dourados, a partir da segunda guerra mundial até o início de 1970; e contemporânea, que vem até os dias atuais.

A fase clássica foi apreendida por Lênin (1985, p. 87), em sua característica essencial, ao definir o imperialismo como “[...] a fase monopolista do capitalismo”. Para salientar traços importantes desse fenômeno, Lênin (1985, p. 88) destacou que, então, consolidou-se o domínio “[...] dos monopólios e do capital financeiro”, acompanhado da “[...] exportação de capitais”, da “[...] partilha do mundo entre os trustes internacionais” e do fim da “[...] partilha de todo o território do globo, entre as maiores potências capitalistas”. Os limites da expansão territorial levaram aos confrontos entre os Estados imperialistas, resultando nas duas guerras mundiais do início do século XX.

A tendencial queda das taxas de lucro ocasionou a crise de 1929, cuja recuperação foi possível principalmente após a segunda guerra mundial, mediante a adoção da alternativa taylorista/fordista, que expandiu o consumo estimulado pela produção em massa, coadunada com o Estado keynesiano ou de Bem-Estar Social. A solução para tratar das crises destinava-se a salvaguardar o sistema, aumentando a participação do Estado, de forma suplementar, na reprodução econômica, o que só funcionou conjunturalmente.

A intervenção, segundo Mészáros (2009), ocorreu no apoio direto para assegurar a continuidade da produção, protegendo e incentivando os monopólios; em investimentos em educação e saúde para a reprodução da força de trabalho, pois os capitalistas eram incapazes de financiá-los; na reprodução ampliada do capital fixo, de forma direta; em subsídios para empresas capitalistas, desde fundos de pesquisa até contratos estatais, infraestrutura; na nacionalização de empresas falidas, que depois retornavam para a iniciativa privada; na administração da seguridade social, para evitar explosões sociais e manter o poder de compra; além de outras medidas.

Na produção de conhecimento, houve articulação entre as necessidades do capital e as universidades, apesar das contradições nesse processo. Elas constituíram importantes alianças com o capital, promovendo a ciência e a organização científica do trabalho. “O mundo está preparado para conhecer as orientações da gerência científica de Friedrich Taylor, boa parte dela desenvolvida nas cátedras das universidades”. (SANTOS, 2017, p. 70). Destaca-se neste aspecto, também, a aplicação da ciência e das inovações na indústria bélica, e nas atividades e subprodutos dela derivados. Netto e Braz (2008, p. 184, grifos dos autores) ressaltam que esse ramo industrial tornou-se “[...] um componente central da economia” no estágio imperialista, pois, além de assegurar fabulosos lucros, proporcionou a retomada de crescimento graças à destruição de forças produtivas provocada pelas guerras.

Por outro lado, Mészáros (2009, p. 732, grifos do autor) demonstrou que Keynes elaborou uma hipótese explicativa para as causas do desemprego incontrolável, e para justificar os fracassos do sistema, baseada em um “rude determinismo tecnológico”. Com esta “explicação pseudocausal”, que também é revigorada na atualidade, ele “[...] eximia a própria ordem socioeconômica de toda a culpa e responsabilidade pela miséria do povo”, atribuindo, ainda, sua superação futura a uma “solução tecnológico/econômica”.

Esse período se manteve desde a segunda guerra, e perdurou por cerca de três décadas, configurando os anos dourados, sustentados por uma expansão capitalista, com taxas de lucros ascendentes, que asseguraram um conjunto de direitos sociais e o aumento do consumo entre as classes trabalhadoras, principalmente nos países centrais.

Na acepção de Carvalho (2011), tal fase assentou-se na identificação entre eficácia econômica e progresso social, e foi induzida por intermédio de um pacto social. Configuraram-se relações triangulares de poder e dominação, envolvendo os sindicatos, burguesia monopolista e Estado, este último assumindo a liderança nas mediações, o que causou enfraquecimento da atuação da classe trabalhadora como sujeito político real.

O curso do desenvolvimento capitalista intensificou sua mundialização e, com ela, a divisão internacional do trabalho, desvelando uma hierarquização entre países. Nela, os mais desenvolvidos estabelecem relações de domínio e exploração sobre os demais, sendo esta posição historicamente mutável, devido à própria dinâmica do capital. Estabeleceu-se, assim, um desenvolvimento desigual e combinado que, segundo Netto e Braz (2008), com base na análise trotskiana, gera consequências a países como o Brasil. Tais países “[...] progridem aos saltos, combinando a assimilação de técnicas as mais modernas com relações sociais e econômicas arcaicas”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 187, grifos dos autores).

O período áureo foi sacudido pela queda nas taxas de lucro e pela recessão generalizada que irrompeu em 1974 e 1975, em todas as grandes potências imperialistas, seguida de intenso recuo no crescimento entre 1980 e 1982. Neste processo, aumentou o custo das garantias adquiridas pelos trabalhadores, demandando uma taxa tributária que o capital alegou já não poder mais arcar, levando-o ao ataque às conquistas obtidas pelo movimento sindical. Os sindicatos foram responsabilizados pela crise, devido aos altos gastos públicos e às demandas salariais, efetuando-se um desmonte de direitos por intermédio de medidas legais restritivas e de formas repressivas (NETTO; BRAZ, 2008).

Para Netto e Braz (2008), a fase do capitalismo imperialista estende-se até hoje, com crises episódicas no decorrer do século XXI. As estratégias para recuperação das taxas de lucro, como já exposto, envolvem a criação de condições para intensificar a exploração da força de trabalho. Essas condições foram ancoradas em um tripé, que segundo Netto e Braz (2008) são a reestruturação produtiva, a financeirização e a ideologia neoliberal. No campo produtivo, introduziu-se a acumulação flexível, que

[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia [sic] na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas [...]. (HARVEY, 2004, p. 140).

Nesse processo, o capital promove a reestruturação produtiva, com a desterritorialização da produção, deslocando unidades produtivas para locais onde a exploração da força de trabalho pode ser mais intensa, o que acentua ainda mais o caráter desigual e combinado da dinâmica capitalista. Além disso, torna-se fundamental a incorporação das tecnologias resultantes dos avanços técnico-científicos, deslocando a base produtiva da eletromecânica para a eletroeletrônica. Os grupos monopolistas controlam a produção, mas externalizam custos por intermédio da terceirização, assumindo a direção de ações tecnopolíticas por meios de comunicação sofisticados, o que lhes permite um poder superior ao dos Estados nacionais. Evidencia-se que “[...] todas as transformações implementadas pelo capital têm como objetivo reverter a queda da taxa de lucro e criar condições renovadas para a exploração da força de trabalho”. (NETTO; BRAZ, 2008, p. 218).

Como consequência, embora a ideia da flexibilização venha atrelada à criação de oportunidades de emprego, o que se tem é justamente o contrário, pois ocorreu o aumento de desemprego em todos os países em que o trabalho foi flexibilizado (NETTO; BRAZ, 2008). O resultado, para a classe trabalhadora, foi a crise do movimento sindical, a precarização e a informalização das relações de trabalho, levando a questão social a adquirir magnitude extraordinária diante da intensificação da pauperização e da violência, agora combatidas por intermédio da sua criminalização e repressão.

No setor de serviços, no qual se inclui a educação e a pesquisa públicas, o que se verifica é sua subsunção à lógica do capital, pois nesses e em outros setores da vida social, é inserida “[...] a mecanização, a padronização, a super-especialização [sic] e a fragmentação do trabalho, que no passado determinaram apenas o reino da produção de mercadorias na indústria [...]. (MANDEL, 1982 apudNETTO; BRAZ, 2008, p. 222).

Netto e Braz (2008) destacam a financeirização nessa etapa monopolista, que reorganizou o sistema global financeiro com apoio na concentração dos sistemas bancários e financeiros. As oligarquias financeiras desafiam os Estados nacionais e seus Bancos Centrais com capitais fictícios, que possuem livre mobilidade e com o acelerado endividamento, levando-as a arruinar economias inteiras. Harvey (2004) levantou a hipótese de que a autonomia do capital financeiro perante a produção real inauguraria uma era de riscos financeiros sem precedentes na história do capitalismo.

Na fase atual, contudo, o que importa não é tanto a concentração de poder em instituições financeiras quanto a explosão de novos instrumentos e mercados financeiros, associada à ascensão de sistemas altamente sofisticados de coordenação financeira em escala global. [...] foi o que permitiu boa parte da flexibilidade geográfica e temporal da acumulação capitalista. A nação-Estado, embora seriamente ameaçada como poder autônomo, retém mesmo assim grande poder de disciplinar o trabalho e intervir nos fluxos de mercados financeiros, enquanto se torna muito mais vulnerável a crises fiscais e à disciplina do dinheiro internacional. (HARVEY, 2004, p. 181).

Outro efeito da financeirização, de acordo com Santos (2016, p. 167, grifos do autor), foi a imposição de ajustes aos países devedores, pois, “[...] com a dívida externa desses países, propuseram-se ‘ajustes’ em suas economias através das ‘reformas’ recomendadas e monitoradas pelas agências internacionais - FMI e Banco Mundial”. Tais agências representam diretamente os interesses do capital, pois o “[...] poder de pressão dessas instituições sobre os Estados capitalistas mais débeis é enorme e lhes permite impor desde a orientação macroeconômica, frequentemente direcionada aos chamados ‘ajustes estruturais’, até providências e medidas de menor abrangência” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 237, grifo dos autores).

Paniago (2012, p. 68) indica que houve, assim, dificuldades a vários países na travessia da crise e o beneficiamento de alguns deles, fortalecendo “[...] o coração do sistema global através da transferência de capitais e do pagamento de dívidas astronômicas mediante juros crescentes”. Nesta relação, há um movimento do capital externo, que procura inversões lucrativas, ao lado de políticas internas austeras, que exigem rigidez orçamentária para com as políticas sociais, dentre elas a educação. “Liberdade crescente para o capital e austeridade e restrição para as demandas do trabalho”. (PANIAGO, 2012, p. 68). Tais estratégias são encaminhadas pelo Estado que, mesmo acusado de provocar a crise fiscal, continua útil para assegurar a acumulação do capital, bem como para reprimir ou cooptar as organizações sindicais e os movimentos sociais.

A ideologia neoliberal, por sua vez, foi uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista, elaborada por Friedrich Hayek, em 1944 (ANDERSON, 1995). Após um período de dormência devido ao êxito keynesianista perante as necessidades do capital, tal ideário retornou com a crise desencadeada em 1970.

Essa ofensiva teve como alvo qualquer proposta de superação socialista da ordem do capital, bem como direcionou o seu ataque ao Estado de Bem-Estar. No plano teórico, conduziu ataques às propostas keynesianas, no plano social e político-institucional, colocou em questão os direitos sociais e as funções reguladoras macroscópicas do Estado; no plano ideocultural, contrapõe-se à cultura democrática e igualitária (SANTOS, 2016, p. 170).

As respostas dadas pelo capital asseguram seu desenvolvimento e reprodução, embora dentro de limites. Segundo Netto e Braz (2008, p. 214, grifos dos autores), “[...] tais respostas não alteraram o perfil da onda longa recessiva: o crescimento permanece reduzido e as crises se amiudaram; entretanto, as taxas de lucros foram restauradas - portanto, [...], não restam dúvidas de que as respostas do capital foram exitosas”.

Nessa dinâmica, as redefinições econômicas impactam no desenvolvimento ou não da ciência e tecnologia, incidindo na configuração da política educacional, pois suas demandas estão atreladas ao mercado. Nesta lógica, a produção do conhecimento fica subsumida às relações mundiais em prol da garantia de acúmulo do capital. Isto porque

[...] está em curso uma reforma educacional que ocorre na esteira das transformações no mundo do trabalho. Países que integram o mercado mundial com produtos de alto valor agregado têm demandas para universidades e centro de pesquisas. Os países onde os produtos simples e primários têm a vantagem do baixo custo do trabalho [...] vão ter sistemas de ensino mais simplificados, reservando para alguns poucos centros de pesquisa a excelência de realizá-las. (PINTO, 2013, p. 29).

Esses são os fundamentos gerais a partir dos quais se torna compreensível o processo em curso nas universidades públicas brasileiras, no campo da educação e da produção científica. A apreensão de suas causas extrapola a crítica ao neoliberalismo, equívoco que vem sendo cometido por alguns pesquisadores, partidos e movimentos sociais, que buscam democratizar o Estado para assegurar um desenvolvimento social para todos. Segundo Paniago (2012, p. 69), “[...] Não há nenhum paradoxo entre o Keynesianismo e a ‘nova’ orientação neoliberal”. Ainda na acepção do autor, “[...] o que importa, ao se observar as aparentes alterações na forma do Estado, é a continuidade da orientação política geral na salvaguarda da reprodução do capital social total” (PANIAGO, 2012, p. 69).

Para Mészáros (2009, p. 121, grifo do autor), a discussão limitada à “superestrutura do Estado” acaba mistificando-o, pois exclui sua “base econômica”, resultando na ilusão de que “[...] o controle político voluntarista da ordem pós-capitalista, depois da transferência da propriedade para o ‘Estado socialista’, representa a superação da base material do capital”. A característica de “[...] todas as formas conhecidas do Estado” moderno é, para o autor, “[...] a necessária dimensão coesiva de seu imperativo estrutural orientado para a expansão e para a extração do trabalho excedente”. (MÉSZÁROS, 2009, p. 121).

Diante do que foi exposto até aqui, infere-se que os parcos investimentos nas universidades públicas, no que se refere ao desenvolvimento de pesquisas, ciência e tecnologia, principalmente nas áreas humanas e sociais, que beneficiariam o conjunto da humanidade, não podem ser atribuídos somente a uma escolha, ou mesmo a uma prioridade partidária e governamental. Suas causas radicam na base material da relação do capital.

3 A pesquisa científica sob a égide do capital e seus reflexos no Brasil

Para tratar da lógica imposta no campo de investimentos nas áreas de pesquisas, ciência e tecnologia no Brasil, inicialmente apresenta-se a realidade das universidades brasileiras, lócus privilegiado dessas atividades. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 207, estabeleceu que se deve primar pela “[...] indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988). Entretanto, pelos motivos acima expostos, não é o campo normativo que regula as relações reais.

Para compreender a particularidade brasileira, é importante identificar que, nas décadas de 1970 e 1980, o Brasil “[...] viva um descompasso em relação ao que se passava nos países desenvolvidos”, diante da ascensão dos movimentos sindicais e sociais, com o fim do período ditatorial. (FREDERICO, 2009, p. 176). Ainda para Frederico (2009, p. 176) “[...] a parte não pode ficar indiferente à movimentação da totalidade”, que se enquadrou, a partir da década de 1990, na reestruturação produtiva.

Na luta de classes, o confronto cedeu lugar às negociações, e os direitos conquistados na redemocratização vão sendo ameaçados e destruídos antes de sua plena efetivação, sob a justificativa da urgência do desenvolvimento econômico. Frederico (2009, p. 178, grifo do autor) conclui, desta forma, que “[...] a nossa, digamos assim, ‘modernidade à brasileira’, contém o pior dos dois mundos: as desvantagens do subdesenvolvimento, que não chegou a conhecer o Welfare State, acrescidas da selvageria do capitalismo financeirizado”.

No que se refere às universidades brasileiras, houve um ajuste em suas funções e características, no bojo do projeto neoliberal, atendendo às exigências para a expansão do capital. Algumas medidas reconfiguraram este nível de ensino, e

[...] em relação ao projeto político-pedagógico, operacionaliza a redução de um número significativo de universidades públicas e/ou unidades de ensino a ‘instituições de ensino de graduação’ através da quebra da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em relação ao financiamento da política de educação superior ocorre o estímulo à privatização interna das instituições públicas e ao aumento, tanto da isenção fiscal para os empresários da educação superior, como do número de IES privadas. Em relação ao trabalho docente, evidencia-se a sua intensificação, estimulada pelo número de alunos e turmas nas ‘instituições e/ou unidades de ensino’ e pela lógica produtivista e da competição pelas verbas dos órgãos de fomento nas IES e/ou unidades com pós-graduação e pesquisa já consolidada. (LIMA, 2013, p. 9, grifos do autor).

Muitos apostaram que a chegada de um partido popular ao governo produziria uma agenda de enfrentamento. Entretanto, as ações foram de continuidade nesse processo, pois o que se viu, na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), foi uma ação “[...] através de dois grandes eixos temáticos: o empresariamento da educação e a certificação em grande escala”. (LIMA, 2013, p. 14). Houve o aumento das IES privadas e seu “[...] financiamento público indireto para o setor privado via FIES e PROUNI”, bem como a “[...] privatização interna das IES públicas via cursos pagos, parcerias universidades-empresas e fundações de direito privado”. (LIMA, 2013, p. 14-15). Além disso, salienta-se também o produtivismo que regula a pesquisa e a pós-graduação por meio da CAPES e pelo CNPQ, bem como as recentes ameaças à própria manutenção dessas instituições.

O formato de formação superior que se configura é restrito, sendo a universidade utilizada como serviço mercantil. Os dados do Censo do Ensino Superior de 2019 (INEP, 2020) revelam sua configuração atual: a minoria das IES são universidades, totalizando 198; destas, 54,5% são de natureza pública, concentrando 52,2% das matrículas na graduação. Há um direcionamento no campo da pesquisa, extensão e tecnologia, pois a maioria das IES são privadas (88,4%), e destas, 83,8% são faculdades. A centralidade está no ensino, em detrimento da produção do conhecimento, pois as faculdades não possuem obrigação normativa de desenvolver pesquisa e extensão.

A explicação desse processo remete ao alinhamento adotado pelo país em relação às orientações das agendas internacionais, indutoras das políticas educacionais e sociais mundiais. O receituário do Banco Mundial (BM), publicado em 2017, revela as diretrizes sugeridas para um ajuste justo nos gastos públicos brasileiros.

As despesas com ensino superior são, [...], ineficientes e regressivas. Uma reforma do sistema poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal. [...] O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais. A análise de eficiência indica que aproximadamente um quarto desse dinheiro é desperdiçada. [...] os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maior que o gasto por aluno em universidade privadas. A limitação do financiamento a cada universidade com base no número de estudantes geraria uma economia de aproximadamente 0,3% do PIB. [...]. Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais [...], a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes. O Brasil já fornece esse tipo de financiamento [...] no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas. (GRUPO BANCO MUNDIAL, 2017, p. 13).

O viés economicista e técnico atravessa todo o documento e revela seus objetivos, diretamente atrelados aos interesses de expansão do capital e de mercantilização da educação e pesquisa. O documento ainda omite que as universidades públicas realizam atividades de pesquisa e extensão aliadas ao ensino, o que demanda qualificação de docentes e mais investimentos. O ajuste defendido privilegia o setor privado, com uma falsa ideia de excesso de gastos públicos, amparado no ideário neoliberal. Nesse sentido, percebe-se que o fio condutor das políticas é assegurar o incremento do capital.

O capital, na busca de estratégias para retomar seu crescimento, transformou todas as esferas da vida social em áreas lucrativas, inclusive a produção científica. No caso do Brasil,

[...] essa produção ocorre nos marcos da inovação tecnológica, incidindo na educação superior e na ciência e tecnologia/ C&T, hoje denominada ciência, tecnologia e inovação. Esse movimento será materializado em ações como a venda de ‘serviços educacionais’, através dos cursos pagos e das parcerias universidades-empresas viabilizados pelas fundações de direito privado nas universidades públicas, bem como o incentivo à competitividade, ao empreendedorismo pragmático e ao produtivismo que caracterizam, na atualidade, a política de pós-graduação e pesquisa (LIMA, 2013, p. 1-2).

O que se consolida no campo dos serviços, dentre eles os educacionais, é “[...] o seu garroteamento pelo capital. Em todos esses casos, o controle cabe ao grande capital, comandando monopolisticamente a dinâmica dessas áreas” (NETTO; BRAZ, 2008, p. 235, grifos dos autores), que também tendem à monopolização. Este processo está em curso no Brasil, com efeitos perversos para as universidades públicas.

Considerações finais

Inúmeros elementos caracterizam a condição da produção da pesquisa no Brasil na atualidade, expressando sua subordinação aos ditames do capital. Nos limites desta análise e tendo em vista a ampla produção existente, retomamos alguns deles, a fim de demarcar sua mercantilização e regulação. Estas ocorrem pela privatização das IES; pela perda de autonomia das instituições e dos pesquisadores, condicionados por editais que direcionam o financiamento para áreas de interesse do mercado; por avaliações externas; além da cobrança da produtividade docente, que alimenta a cultura da competência individual e a produção de uma pseudociência assentadas na razão instrumental.

A exposição aqui desenvolvida teve o propósito de contribuir para o entendimento de causas, a fim de municiar as lutas a serem promovidas. Quando se trata da questão da produção e da transmissão do conhecimento na atualidade, não é mais possível tratar de seus limites e problemas deixando “[...] indefinidas as causas socioeconômicas subjacentes e suas conotações de classe”. (MÉSZÁROS, 2009, p. 95).

A atividade científica é essencial para a promoção da emancipação humana, mas, nessa sociabilidade, tem servido ao capital, o que exige uma luta radical para destruir seus fundamentos, que vá para além do combate a seus efeitos. Retomando Mészáros (apudSANTOS, 2017, p. 157), encerra-se esta discussão com sua advertência: “[...] conceber outra forma de ciência e tecnologia hoje em dia é substituí-las na imaginação por uma forma existente que, na verdade, [...] teria de ser (e só poderia ser) criada no quadro de uma ordem sociometabólica socialista”.

A alternativa aqui vislumbrada, assentada no pessimismo da inteligência, também no otimismo da prática, é a luta para avançar no sentido da possibilidade aberta pela história, de fundação de uma sociedade para além do capital, na qual a educação e a ciência favoreçam o gênero humano.

Referências

ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: Emir, Sader; GENTILI, Pablo Gentil (Org.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-37. [ Links ]

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. [ Links ]

CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. O conhecimento da vida cotidiana: base necessária à prática social. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant de CARVALHO, Maria do Carmo Brant de; NETTO, José Paulo. Cotidiano: conhecimento e crítica. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 13-63. [ Links ]

FREDERICO, Celso. Marx na pós-modernidade. In: TEIXEIRA, Francisco; FREDERICO, Celso. Marx no século XXI. 2. ed. São Paulo, Cortez, 2009, p. 141-197. [ Links ]

GRUPO BANCO MUNDIAL. Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Nov. 2017. Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/pt/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf. Acesso em: 20 set. 2018. [ Links ]

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 13. ed. São Paulo: Loyola, 2004. [ Links ]

INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira. Notas estatísticas 2019. Brasília, Inep, 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/Notas_Estatisticas_Censo_da_Educacao_Superior_2019.pdf . Acesso em: 15 mai. 2021. [ Links ]

LÊNIN, Vladimir Ilich. O imperialismo: fase superior do capitalismo. 3. ed. São Paulo: Global, 1985. [ Links ]

LIMA, Kátia. Expansão da educação superior brasileira na primeira década do novo século. In: PEREIRA, Larissa Dahmer; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (Orgs.). Serviço Social e Educação. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2013, p. 1-26. [ Links ]

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. v. I, l. I. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985a. (Os economistas) [ Links ]

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. v. IV, l. III. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985b. (Os economistas) [ Links ]

MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2009. [ Links ]

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2008. [ Links ]

PANIAGO, Maria Cristina Soares. Keynesianismo, neoliberalismo e os antecedentes da “crise” do Estado. In: PANIAGO, Maria Cristina Soares (Org.). Marx, Mészáros e o Estado. São Paulo: Instituto Lukács, 2012, p. 59-80. [ Links ]

PINTO, Marina Barbosa. Precarização do trabalho docente: competitividade e fim do trabalho coletivo. In: PEREIRA, Larissa Dahmer; ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de (Orgs.). Serviço Social e Educação. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2013, p. 1-26. [ Links ]

SANTOS, Deribaldo. Educação e precarização profissionalizante: crítica à integração da escola com o mercado. Maceió: Instituto Lukács, 2017. [ Links ]

SANTOS, Milena. Estado, política social e controle do capital. Maceió: Coletivo Veredas, 2016. [ Links ]

TUMOLO, Paulo Sergio. Trabalho, ciência e reprodução do capital. In: BERTOLDO, Edna; MOREIRA, Luciano Accioly Lemos; JIMENEZ, Susana (Orgs.). Trabalho, educação e formação humana frente à necessidade histórica da revolução. São Paulo: Instituto Lukács, 2012, p. 157-161. [ Links ]

Recebido: 02 de Outubro de 2018; Aceito: 22 de Agosto de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.