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Eccos Revista Científica

versión impresa ISSN 1517-1949versión On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.60 São Paulo ene./mar 2022  Epub 08-Feb-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n60.13798 

Artigos

NAS ONDAS DO RÁDIO: POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO MENOR NO CONTEXTO ESCOLAR OBRIGATÓRIO

IN RADIO WAVES: POSSIBILITIES OF A MINOR EDUCATION IN THE COMPULSORY SCHOOL CONTEXT

Andressa Silveira Vargas, Mestre em Educação1 
http://orcid.org/0000-0002-7801-9647

Eliana da Costa Pereira de Menezes, Doutora em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-5908-0039

1Mestre em Educação, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Santa Maria, RS - Brasil.

2Doutora em Educação, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Santa Maria, RS - Brasil.


Resumo

O presente artigo apresenta uma análise de práticas pedagógicas produzidas a partir de um Projeto de Educomunicação com turmas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Como objetivo compreender como se dá a gestão de práticas que transcendem o espaço da sala de aula e que efeitos produzem na constituição dos sujeitos enquanto estudantes. A partir de uma análise qualitativa de narrativas produzidas por estudantes, apoiada nos conceitos de educação menor (GALLO 2002), experiência (LARROSA 2015), emancipação intelectual (RANCIÈRE 2007) e democracia (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014), entre outros, foi possível verificar que o Projeto de Educomunicação, constituído via agenciamento coletivo entre estudantes e professores, viabilizou a invenção de um novo espaço/tempo no instituído, possibilitando que formas outras de ser e estar na escola fossem concebidas.

Palavras-chave: educação menor; emancipação intelectual; gestão de práticas pedagógicas

Abstract

This paper presents an analysis of pedagogical practices produced from a Project of Educommunication with groups of Early Grades of Elementary School. We aimed at understanding how the management of practices that transcend the classroom is performed, and which effects they have on the constitution of the subjects as students. From a qualitative analysis of narratives produced by students, and grounded on the concepts of minor education (GALLO, 2002), experience (LARROSA, 2015), intellectual emancipation (RANCIÈRE, 2007) and democracy (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014), among others, it was possible to notice that the Project of Educommunication, constructed through the collective action of students and teachers, enabled the invention of a new space/time in what has been instituted, thus allowing that other ways of being at school were conceived.

Keywords: minor education; intellectual emancipation; management of pedagogical practices

1 Condições para a realização da pesquisa: a nossa Rádio...

“Nossa Rádio é diferente

Todo mundo se ajuda

A criançada toma conta

Cada dia a Rádio muda

Essa Rádio é alegria

É facinho de entrar

Misturando todo mundo

Vem com a gente integrar”

Turma 43/2016

Segundo Gallo (2002, p.173), “uma educação menor é um ato de revolta e resistência” - revolta contra o fluxo instituído1 e resistência a políticas impostas que veem a sala de aula como trincheira, como espaço a partir do qual são traçadas estratégias; uma educação menor produz o presente, indo além de qualquer política educacional. Se a educação maior acontece na macropolítica, sendo produzida em gabinetes e expressa em documentos, a educação menor acontece na micropolítica, sendo produzida no chão da sala de aula e expressa nas ações cotidianas de cada sujeito.

Foi a partir dessa compreensão de educação menor que escolhemos analisar experiências que extrapolam os limites instituídos pelo currículo escolar. No contexto do presente artigo, trata-se de apresentar um projeto de Educomunicação2 desenvolvido junto a estudantes dos anos iniciais de uma escola pública da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul. O projeto consiste na criação de uma rádio da escola, em que estudantes e professores se integram e articulam suas práticas, visando a estratégias de comunicação de rádio que auxiliem no processo de ensino e aprendizagem. Por meio desse projeto, são construídas práticas diversificadas e articuladas no ambiente escolar que transcendem o espaço cotidiano da sala de aula, possibilitando, assim, que os estudantes articulem os saberes, (re)significando-os e atribuindo-lhes outros/novos sentidos.

O projeto de rádio foi construído a partir de momentos de integração entre as turmas do terceiro, quarto e quinto ano do Ensino Fundamental, atendendo ao interesse que os estudantes demonstravam em interagir com estudantes de outras turmas e diferentes anos. Desse modo, as professoras regentes foram levadas a buscar alternativas de práticas pedagógicas que fossem além do que era previsto no currículo para o ano escolar dos estudantes e a turma em que cada uma trabalhava.

Considerando as condições de possibilidade de sua emergência, entendemos que a rádio da escola pode ser considerada um dispositivo3 de resistência criativa à lógica escolar fragmentada e às normas e modelos já existentes de currículo. O projeto de rádio da escola acontece na margem do currículo escolar, podendo ser concebido como um currículo menor, construído pela professora e seus estudantes no chão da sala de aula para atender a necessidades e desejos que estão além do dado, do modelo, do instituído.

Essa resistência caracteriza-se, a partir de Silvio Gallo (2002), como uma educação menor4. Uma educação singular, uma prática que escapa ao controle do cotidiano planejado na/pela escola. Uma educação menor não é menor na sua importância e na sua qualidade, mas é menor no seu volume e acontece de maneira singular, criando trincheiras e reinventando o que já foi padronizado. É um devir-menor5 em educação, e não um modelo a ser seguido.

Ao assumirmos tal forma de significar o que foi proposto e produzido pelo projeto de rádio, interessa-nos, no contexto do presente artigo, analisar como se dá a gestão de práticas pedagógicas que, a partir do projeto, em um devir-menor, transcendem o espaço da sala de aula, e os efeitos destas na constituição dos sujeitos enquanto estudantes.

A partir do referencial teórico-metodológico pós-estruturalista elencado para a produção do estudo, compreendemos que optar por um tema de pesquisa é um exercício de olhar de outro modo o que se via até então, um modo que nasce a partir da insatisfação com o já sabido. A escolha do objeto de pesquisa - o projeto de rádio da escola - não se deu ao acaso. A escolha do tema ocorreu a partir de um desdobramento de nossas experiências docentes, que aos poucos foram nos produzindo/constituindo como professoras. Como afirma Corazza (2002, p.118), “criar um problema de pesquisa é virar a própria mesa, rachando os conceitos e fazendo ranger as articulações das teorias”, para que assim se possam engendrar outras significações para o que se vinha fazendo e produzindo até então.

Considerando tal pressuposto, apoiamo-nos em referenciais metodológicos que defendem que o caminho da pesquisa se faz ao caminhar e que seus rumos são sempre complexos e instáveis, pois são trajetórias em constante construção e reconstrução. Segundo Corazza (2002, p.125),

Só aqui é possível produzir abalos; provocar mudanças no que somos capazes de ver e de dizer; dar alegres cambalhotas; radicalizar nossas relações com o poder e o saber; partir as linhas; mudar de orientação; desenhar novas paisagens; promover outras fulgurações. Enfim, artistar, inventando novos estilos de vida e, portanto, de práticas.

Para desenvolver a temática em estudo, optou-se por utilizar uma abordagem qualitativa, a partir da análise dos materiais analíticos. Tais materiais foram produzidos por narrativas dos grupos de estudantes6 participantes do projeto de rádio em tempos diferentes. A investigação narrativa justifica-se por constituir-se em um mecanismo de compreensão e interpretação de si, dos outros e das práticas criadas nos lugares nos quais se produzem e se interpelam, uma vez que o sujeito não pode ser analisado fora dos discursos e das práticas sociais, já que é a partir destes que ele se constitui.

Para produção/coleta dos dados narrativos, optou-se pela realização de entrevistas, que, segundo Lockmann (2013, p.47), podem ser compreendidas como

[...] um evento discursivo compartilhado por duas ou mais pessoas, tendo como propósito coletar informações, por meio da fala, acerca de determinado tema. Sendo assim, para ser considerada como tal, a entrevista deve incluir uma comunicação por meio da fala, a qual pode ser conduzida por perguntas previamente definidas que podem ou não ser alteradas, mudadas, ampliadas no decorrer da entrevista.

As entrevistas podem ser entendidas como instrumento de extração de verdades, não como revelação da verdade. São postas em evidência perspectivas de mundo, representações e relações de poder que convidam o entrevistado a falar sobre si, suas experiências e suas práticas pedagógicas.

Analisando-se os dados coletados, puderam-se selecionar os fragmentos mais significativos para o estudo, compreendendo-se que essas escolhas não estão em um campo de neutralidade, mas diretamente ligadas às experiências e concepções do pesquisador. Desse modo, a travessia desse percurso não antecipadamente pronto resultou em anúncios relativos às práticas pedagógicas colocadas em operação na/pela rádio, o que será discutido na sequência do texto.

2 Efeitos da gestão de práticas pedagógicas que transcendem o currículo preestabelecido

A instituição escolar desempenha uma função privilegiada na sociedade, pois representa um espaço/tempo para produção de saberes e convivências humanas. Cada escola apresenta uma cultura organizacional distinta, construída a partir das relações entre os sujeitos e das diferentes circunstâncias que se manifestam. É no cotidiano da escola que os sujeitos envolvidos no ato educativo estabelecem relações entre si, com as normas, com os conteúdos, com os processos de construção de conhecimento e com as diferentes situações que se revelam nessas relações.

Enquanto organização social, a escola configura-se como um espaço/tempo que vai muito além do desenvolvimento de uma administração pedagógica e da aplicação de um currículo. Em seu sentido pleno, a instituição escolar, a partir de uma gestão articulada, deve constituir-se em uma coletividade dinâmica, organizada a partir de objetivos que visam à promoção do desenvolvimento de seus estudantes mediante experiências significativas. Conforme Lück (2010), à medida que valores educacionais e interesses sociais deixam de ser levados em consideração, corre-se o risco de a escola tornar-se um lugar fechado em si, com uma atuação limitada ao imediatismo, ao individualismo e ao corporativismo, assim se descaracterizando seu papel social.

Pensando-se o cotidiano escolar e a regularidade de suas práticas pedagógicas, reconhecem-se facilmente a ordem e a disciplina como fatores constantes nas situações de hierarquia e autoridade que caracterizam as relações de poder entre estudantes e professores/gestores. Reconhecendo a disciplina como um exercício de poder, Lück (2013) afirma que esse exercício constitui um fenômeno natural das relações que acontecem em qualquer instância social, onde as formas de influência entre os sujeitos podem determinar o rumo das ações. Todo comportamento social é reflexo da expressão de alguma forma de poder, e este poder pode ter orientações diversas, podendo expressar-se de maneira negativa, quando usado por interesses individuais, ou positiva, quando parte de princípios “do bem-estar coletivo e da realização de objetivos sociais superiores a interesses individuais” (LÜCK, 2013, p.100).

Oliveira e Sgarbi (2008) concebem a escola como um espaço vivo onde diferentes conhecimentos e experiências cotidianas se articulam de modo complexo e imprevisível. Sob essa ótica, a escola constitui-se como um espaço/tempo onde diferentes sujeitos de conhecimentos e convicções diversas convivem, se relacionam e produzem saberes além dos conteúdos ensinados, tornando-se inviável reduzi-la às normas e modelos já existentes de currículo.

Olhar para o cotidiano é ver a instituição escolar como ela é e como ela se faz em sua contextualização, em vez de em sua idealização, para que assim se possa pensar a escola e suas práticas como um espaço/tempo rico em possibilidades que vão além da sala de aula e do currículo. A ação educativa é definida pela intencionalidade de possibilitar e garantir a construção de conhecimentos, podendo ser concebida como gestão, e o professor, como gestor da sala de aula. Para Lück (2014), a gestão consiste no processo de mobilização e articulação de pessoas e elementos necessários à realização e promoção de objetivos comuns. Assim, a gestão de práticas pedagógicas implica uma relação intencional e articulada pelo professor com os estudantes e com o conhecimento.

Adentrando-se na escola onde se realiza o projeto em estudo e vivenciando-se seu cotidiano, pode-se verificar a gestão de práticas pedagógicas que transcendem o currículo preestabelecido. A transformação dos conteúdos curriculares é possibilitada a partir dos saberes trazidos por estudantes e professores, que, ao se encontrarem, promovem a criação de outros/novos saberes. Essas práticas surgem da construção de linhas de fuga nas fissuras existentes dentro do próprio sistema de ensino. São práticas construídas por professores e estudantes em um agenciamento coletivo além do espaço da sala de aula, como discutiremos agora.

2.1 Integrando experiências... a produção de espaços/tempos na escola que coexistem com o já instituído

Teve o Integrando Experiências, que foi muito importante. Eu gostei muito e acho que outras pessoas também gostaram. A gente pôde mostrar os nossos trabalhos, coisas que a gente fez o ano todo. (Estudante 1)

Ao citar o Integrando Experiências, a aluna refere-se a um evento pensado pelos próprios estudantes para que estudantes de outras turmas também tivessem a oportunidade de compartilhar momentos de integração em um espaço/tempo fora do habitual da sala de aula, a partir dos trabalhos construídos ao longo do semestre. As próprias turmas envolvidas organizaram a divulgação pela escola, a fim de chamar mais participantes, e escolheram o que e como ia ser compartilhado nos dias do evento. Não se tratou de uma mostra pedagógica organizada pelo corpo docente da escola e direcionada à exposição de trabalhos elaborados apenas a partir de conteúdos estudados de acordo com o currículo, mas de um momento em que os estudantes julgaram o que seria interessante compartilhar com os demais sujeitos. Priorizou-se uma forma de compartilhamento que possibilitasse que os demais estudantes e professores não só visualizassem os trabalhos, como também pudessem interagir e vivenciar, à sua maneira, o que estava sendo proposto. Percebe-se que o que mais importava nesse momento era poder estar junto, interagindo com os demais estudantes da escola, estudantes esses com quem a única interação possível acontecia no intervalo/recreio.

Durante o ano, a gente organizou várias pesquisas e vários trabalhos. O Integrando foi uma forma de a gente mostrar o que a gente fez, o que a gente criou, e várias turmas se juntaram, não foi só a nossa, foram todas, e foi uma forma legal, porque daí se conheceu um pouco mais e se aprendeu brincando junto. (Estudante 2)

Integrar, segundo o dicionário7, significa “passar a fazer parte de um grupo ou coletividade; sentir-se parte de alguma coisa”. Utilizando-se essa definição para pensar a prática na escola, pode-se dizer que o “Integrando Experiências”, para os estudantes, representou outra forma de estar na escola, mais significativa e envolvente, que permitiu uma visibilidade e um compartilhamento que antes ficavam restritos ao grupo menor da sala de aula. Sentindo-se parte da escola, não eram mais uma ou duas turmas de anos específicos que estavam propondo algo diferente, mas estudantes e professores de diferentes anos que, juntos, estavam somando e compondo uma coletividade na escola.

Essa prática de viabilizar momentos de encontro em que o tempo seria definido pelo interesse, e não pelo relógio, e crianças de diferentes idades poderiam ocupar o mesmo espaço e interagir dentro da escola, sem a mediação e regulação de um adulto, possibilitou que estudantes e professores se percebessem de outras maneiras, ocupando outros espaços e propondo reorganizações do tempo e dos grupos na escola. Nessa prática, que durou dois dias, mas que envolveu o grupo durante algumas semanas, observa-se uma interrupção no tempo acelerado da escola para que se pudesse suspender o automatismo da ação, a fim de cultivar a atenção, o olhar, a escuta do outro e o encontro, para assim conceber o acontecimento como experiência.

Experiência é aqui compreendida a partir de Larrosa (2015, p.18), como o que não se pode prever, como aquilo que “nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca". A todo momento e em todo lugar, muitas coisas passam, muitas coisas acontecem; no entanto, quase nada nos acontece, o que torna a experiência cada vez mais rara. Segundo o autor, há alguns fatores que impossibilitam a experiência, tais como: o excesso de informação, quando o sujeito vive em uma busca obsessiva por informações que constituem um saber pelo saber; o excesso de opinião, quando o sujeito é obsessivamente informado e opina, funcionando sua opinião como um julgamento de tudo sobre o que nos sentimos informados; a falta de tempo, que produz modos de vida em que tudo passa exageradamente depressa; e o excesso de trabalho diário. É por isso que também em educação, no cotidiano da escola, estamos sempre acelerados, e nada nos acontece.

Ao reunirem-se as turmas, estava-se possibilitando a integração entre estudantes de diferentes idades e anos, a partir da qual se fazia possível pensar e planejar junto com suas professoras o que ia ser proposto, desde práticas de educação física a compartilhamento de pesquisas, em momentos de encontro e acontecimento. Um novo espaço/tempo foi se constituindo no espaço já instituído da escola, e o Integrando Experiências foi uma prévia do potencial do que ainda poderia ser suscitado na instituição.

A partir do olhar atento das professoras aos interesses demonstrados pelos estudantes, verificou-se a necessidade de que algo que possibilitasse o encontro permanente fosse propiciado, o que fez com que elas buscassem alternativas para viabilizar outro espaço/tempo no espaço já instituído da escola. Tendo-se percebido que o movimento provocado no cotidiano da escola poderia permitir o encontro e construções coletivas de maneira constante entre os estudantes, o projeto de rádio da escola começa a surgir, livre de amarras e aberto a cada possibilidade de conexão, construído e pensado a partir da voz dos estudantes, tendo planejado o ponto de partida, a fim de que se aproveitasse o percurso sem determinar o ponto de chegada.

A ação docente, então, em vez de ocupar-se do futuro abstrato, ocupa-se do presente, indo ao encontro daquilo que se apresenta concretamente como problemas cotidianos que podem ser resolvidos pelos próprios estudantes, suscitando acontecimentos além do planejado.

As turmas estavam na sala, e aí a gente teve a ideia de formar a rádio. Daí, a gente foi pra sala de vídeo do colégio e a gente fez a vinheta. Todo mundo deu ideias, piadas, essas coisas. (Estudante 3)

Eu estava no 5º ano e eu lembro que, no início, quando deram a ideia, a gente ficou... Uma rádio, não é? Vamos tentar fazer. A gente tentava se reunir numa sala pra falar. Com o tempo, a gente foi descobrindo [como] mexer, a se organizar melhor. Muitas vezes, a gente se embaralhava na hora de falar, principalmente ao vivo, sempre dava alguma coisa errada. (Estudante 4)

No espaço habitualmente utilizado por uma turma de cada vez, três turmas e suas respectivas professoras do terceiro, quarto e quinto ano do Ensino Fundamental passaram a encontrar-se para, juntas, descobrirem e se aventurarem pelas potencialidades das ondas do rádio. Abrindo mão de uma rigorosidade metódica, mas aberta ao acontecimento e à voz de cada aluno, a rádio da escola quebrou os silêncios e começou a percorrer as salas, corredores e pátio da escola, dando voz e vez aos estudantes.

Constata-se, nas falas dos estudantes, que o processo de construção da rádio foi se dando no próprio encontro, no estar junto; nada era planejado, e a descoberta do que e como fazer deu-se junto às professoras. Com o tempo, a forma de organização foi sendo aprimorada, assim como a apropriação e o manuseio dos recursos de som disponíveis. A pesquisa mostrou-se constante, tanto para os estudantes quanto para as professoras envolvidas, que, como foi possível observar, trabalharam a partir de uma relação de igualdade intelectual, em que todos estavam expostos ao novo e abertos ao acontecimento.

Sendo a igualdade intelectual aqui concebida como um ponto de partida no espaço da escola, ela representaria uma hipótese prática a partir da qual o sujeito pode falar ou atuar. Nessa perspectiva, pode-se propor que a escola seja vista como uma estrutura única, em que se pode partir do pressuposto da igualdade entre estudantes e entre estudantes e professores. Segundo Masschelein e Simons (2014, p.105), “a democratização da escola não está ligada a oportunidades ou acessos iguais, mas a momentos de igualdade, relacionados à estrutura espaço/tempo da própria escola”. Assim, identifica-se, no projeto em estudo, o exercício de democratização do espaço da escola, a partir do que professores e estudantes estiveram expostos em uma relação de igualdade ao conhecimento.

Pode-se verificar, na fala dos estudantes, a presença do pressuposto de igualdade quando narram a experiência de participar da constituição do projeto de rádio:

Foi bem bom porque deixou todo mundo falar e também porque aí todas as pessoas do colégio, quem queria, podia falar, assim, na rádio. (Estudante 5)

Foi uma experiência muito boa. A gente aprendia também e a gente falava, e as pessoas interagiam com a gente. A rádio era muito importante pra gente aprender mais. (Estudante 6)

Observa-se que é recorrente, na narrativa dos estudantes, a possibilidade que eles tinham, por meio da rádio, de falar para todos e de ser ouvidos, contrapondo a lógica fragmentada comum na instituição escolar, o que demonstra os princípios de igualdade e democracia presentes nessa prática. A democracia não consiste apenas no exercício de tomar decisões de forma coletiva, mas se faz principalmente com a participação de todos na construção e manutenção das práticas. Enquanto dispositivo democrático, a rádio é um meio que utiliza uma linguagem acessível a todos, ao mesmo tempo em que integra e articula práticas no contexto da escola pela voz dos estudantes e também de seus professores.

A rádio foi muito legal pra mim porque ela dá, ela trabalha em equipe com os estudantes. A gente fez várias pesquisas sobre reportagens que a gente fez, fez piadas, que a gente pesquisou, e isso também ajuda o desenvolvimento das crianças, não é? E de todos os outros que assistem à gente no YouTube, porque já postaram vários vídeos no YouTube8, a apresentação que a gente fez, então, foi muito legal isso. E eu acho que devia continuar isso daí pra continuar um tipo... Que nem um ciclo que vai passando, uma tradição. (Estudante 8)

Masschelein e Simons (2014), a partir de Rancière, afirmam que a escola pode ser considerada, essencialmente, como uma forma simbólica de separação de espaços, tempos e atividades. Sendo ela concebida como um lugar de jogo e exercício, é o lugar onde conhecimentos e práticas podem ser libertados de seu uso regular (em casa e na sociedade), é o tempo e o espaço do uso do conhecimento pelo conhecimento. Ao olharmos para a escola sob essa concepção, a assumimos como um espaço para a garantia de “tempo livre”, não de “tempo de aprender” para algo futuro. O que acontece na escola é diferente da socialização ou iniciação própria da aprendizagem, em que o aprendizado de um ofício é imediatamente relacionado com produtividade econômica. Essa separação da escola e da vida na sociedade não só instaura a igualdade, como também constitui a escola como um espaço público.

A estrutura de suspensão e profanação em relação a tempo, espaço e matéria é o que torna a escola uma instituição pública, é um espaço/tempo em que palavras não são (ainda) parte de uma linguagem partilhada, onde as coisas não são propriedades que devem ser utilizadas de acordo com um manual familiar, onde atos e movimentos ainda são hábitos de uma cultura, onde pensar ainda não é um sistema de pensamento. (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p.111).

Tomamos a escola como um espaço estreito onde existe a possibilidade de movimento. “Como um espaço profano, a escola oferece tempo e espaço onde as coisas são colocadas à mesa, transformando-as em coisas comuns, coisas que estão à disposição de todos para uso livre” (MASSCHELEIN e SIMONS, 2014, p.111). Assim, as coisas na “escola profana” são de uso livre, alheias ao uso determinado por uma geração mais antiga na sociedade, podendo ser criadas e recriadas pelos sujeitos envolvidos em cada situação.

A instituição escolar, dessa forma, configura-se no espaço/tempo em que os estudantes podem deixar de lado os tipos de regras e expectativas sociais e econômicas que os caracterizam fora da escola; pode-se suspender o peso dessas regras e expectativas, criando-se uma brecha no tempo linear. Romper com esse tempo linear representa chamar as crianças e jovens para o tempo presente, liberando-os temporariamente da carga de seu passado e das expectativas de um futuro pretendido. Nesse sentido, o espaço/tempo escolar é aberto e não fixo, pois cria igualdade ao mesmo tempo em que constrói tempo livre.

2.2 A rádio é minha, a rádio é sua, a rádio é nossa! O estabelecimento de relações pedagógicas que promovem a emancipação intelectual

Eu gosto muito da rádio. Eu acho que ela explora ideias para as crianças. Eu acho que ela faz muito bem para o desenvolvimento da criança, afinal, a rádio é minha, a rádio é sua, a rádio é nossa. (Estudante 8)

Conforme já anunciamos, a educação menor é significada neste texto como aquela produzida no coletivo professor X aluno e caracterizada pela experiência a partir da singularidade. Menor porque é feita no interior da política maior e é voltada para aqueles que realmente a fazem, onde a aprendizagem é caracterizada pela presença e pelo encontro - é feita no pequeno gesto.

Compreende-se que, como um ato de resistência criativa, o que mobilizou as professoras envolvidas no projeto de rádio a pensar em outro espaço/tempo que escapasse ao controle e à organização do já instituído foi um deslocamento de si, na busca pela diferença e por outro modo do fazer educativo. Nesse sentido, Gallo (2015) refere-se ao conceito de heterotopia, a partir de Foucault, ao apontar a criação de outros espaços que, apesar de contrapor-se, coexistem com o já instituído, indo além dele: “na lógica da heterotopia, trata-se de não criar modelos novos, mas simplesmente formas outras de fazer e de viver, no contexto mesmo daquele instituído” (GALLO, 2015, p.86).

O agenciamento coletivo provocado pelo projeto de rádio da escola possibilitou que novos espaços/tempos fossem engendrados, estabelecendo diferenciadas relações pedagógicas. Nesse contexto, criar outro espaço/tempo tornou-se uma forma de resistência de ordem casual e contingencial no cotidiano escolar, não mais uma resistência de ordem intencional. Assim, “resistir não é mais da ordem pessoal e atual, mas da ordem coletiva e virtual” (FIGUEIREDO, 2015, p.124).

Vocês mesmos se organizavam, ou era a professora que dizia o que cada um ia fazer?

A professora e a gente também, em grupo, em equipe. Os estudantes decidiam, a gente trazia as ideias, e a professora colocava se gostavam, se era bom, se era boa ideia, se conseguia colocar. (Estudante 8)

Todo mundo dava ideia. Às vezes, a professora decidia, às vezes, os estudantes decidiam, e era assim. (Estudante 9)

Pode-se verificar, nas narrativas dos estudantes, a atuação do professor como um gestor que possibilitou a criação de espaços no cotidiano da sala de aula a partir dos interesses dos estudantes, de modo que estes tivessem a oportunidade de criar outros modos de “se estar” na escola e também outras maneiras de “se aprender”. Trata-se de, enquanto professor gestor, experimentar viver o ato educativo como acontecimento e, conforme Gallo (2015, p.87), “viver de maneira intensiva a experiência pedagógica, fluindo o acontecimento e tirando dele todas as suas potencialidades”. O professor, abdicando da sua segurança e do seu conforto, abre mão do controle do processo inteiro, deixando-se guiar pelo acontecimento e estando mais atento ao percurso do que ao objetivo final do processo educativo.

Esse professor, além de anunciar o novo, o diferente, o faz vivenciando as situações cotidianas e, de dentro dessas situações vividas, produz a possibilidade do novo, o que caracteriza o que Gallo (2002) chama de professor militante. “O professor militante seria aquele que, vivendo com os estudantes o nível de miséria que esses estudantes vivem, poderia de dentro desse nível de miséria, de dentro dessas possibilidades, buscar construir coletivamente” (p.171). Esse professor procura viver a miséria do mundo e de seus estudantes, seja ela qual for - econômica, social, cultural, ética etc. Ele é quem, em uma ação coletiva, escolhe viver os problemas por dentro, integrado ao movimento, estando aberto ao devir.

E como surgiam as ideias do que ia ser gravado, quem definia?

A gente. [TODOS]

A gente, a professora, a turma toda. (Estudante 6)

A gente era um grupo. (Estudante 5)

Na verdade, a turma inteira junto, porque a professora juntava... Porque, quando teve o motivo das piadas, surgiu do Samuel, então, era uma parte em que toda turma se unia, um dava uma ideia, outro dava outra, e juntava e fazia tudo. (Estudante 7)

A gente treinava para falar. (Estudante 6)

Observa-se, na narrativa, a ideia do coletivo, do estar junto, da união pelo objetivo comum, da relação de igualdade entre estudantes e professores. Nesse coletivo de professores e estudantes, percebe-se o exercício do princípio do conceito de emancipação intelectual defendido por Rancière (2007): a igualdade de inteligências. As inteligências podem ser manifestadas de diferentes formas; não há hierarquia de capacidade intelectual, pois todas podem o que uma pode, sem existir superioridade entre elas. Essa igualdade ocorrerá a partir da energia despendida pela vontade - quando há grande vontade, tem-se um grande desempenho.

O pressuposto da igualdade das inteligências possibilita a desconstrução das distâncias e abismos nas relações professor e aluno, nas relações entre duas ou mais inteligências. A igualdade é o ponto de partida para a promoção do pensamento, do experimento e da invenção, é uma condição para se começar; trata-se, basicamente, da vontade de aprender.

Eu aprendi várias coisas com a rádio. Mas a rádio não é só um grupo de crianças falando sobre informações e o recreio, não. A rádio faz com que as crianças pesquisem sobre algo e aprendam a interagir com as outras crianças e, além de a rádio trazer essas informações, a rádio é sua, a rádio é nossa. (Estudante 8)

Pode-se verificar, na narrativa da aluna, o quanto a rádio, como dispositivo democrático que possibilita a igualdade, tem o potencial de mobilizar os estudantes a buscar o conhecimento de diferentes formas e o quanto a interação entre os estudantes é essencial nessa busca, justamente por ser algo concebido como de todos e para todos.

Segundo Rancière (2007), é preciso inverter a lógica do sistema explicador, pois o único envolvido nesse processo de conhecimento é o professor. Parte-se da lógica de que o aluno não vai aprender sozinho sem a explicação do mestre e de que é preciso explicar para que o aluno compreenda. Este seria o princípio do embrutecimento: a necessidade de explicação, a convicção da desigualdade das inteligências. Desse modo, o aluno não é levado a pensar com sua própria inteligência, pois se julga que ele não demonstra ainda capacidade suficiente para aprender sem explicações do mestre.

Kohan (2005) afirma que a explicação é a “arte da distância”, uma vez que cria uma distância entre o aluno e a matéria a ser aprendida, fazendo com que a necessidade do explicador seja forjada como o único responsável por reduzir essa distância. Assim, a lógica da explicação desconsidera a possibilidade de alguém entender diretamente um texto, por exemplo, sem que este seja explicado.

Nesse sentido, o projeto de rádio vem contrapor-se à lógica da explicação, pois propõe justamente o contrário ao criar um espaço/tempo em que professores e estudantes, juntos, podem planejar e articular suas práticas além do currículo escolar mediante estratégias de comunicação de rádio, colocando os estudantes como protagonistas do seu processo de ensino-aprendizagem.

O professor é concebido como um mestre emancipador cuja atribuição é incentivar seus estudantes a usarem suas próprias inteligências, por acreditar que eles podem fazer isso. A intenção é fazê-los pensar, em vez de lhes explicar. O mestre emancipador caminha junto aos seus estudantes na busca pelo saber, mantém-se sempre perto deles, a fim de conservá-los em sua caminhada, verificando sua pesquisa contínua; quando suas vontades não forem suficientes para isso, o mestre estará ao seu lado, encorajando-os a continuar. Acredita-se que se pode aprender sem um mestre explicador, mas não sem um mestre. Pode-se aprender pelo simples desejo de aprender ou pela necessidade de cada situação.

Como princípio necessário ao ato de ensinar, tem-se a igualdade de inteligências como algo do qual partir: de um pressuposto, e não de uma verdade. É uma postura que permite pensar a educação de forma diferente da lógica dominante, que cria a relação de superioridade/inferioridade. “Uma educação é emancipadora na medida em que não dá aos outros a chave do saber, senão a consciência do que pode uma inteligência quando considera todas as outras iguais” (KOHAN, 2005, p.198). Desse modo, a partir do princípio de igualdade, o ensinar torna-se libertador no momento em que possibilita ao aprendiz perceber a potência de sua inteligência e tudo que ele pode quando lhe permitem andar sem amarras e limitações.

Como afirmam Masschelein e Simons (2014), “a emancipação não é uma mudança em termos de conhecimento, mas em termos de posicionamento de corpos” (p.87). Constata-se, nas experiências narradas pelos estudantes, que o estado de igualdade de inteligências proporcionado pelo agenciamento coletivo fez com que eles se engajassem no processo de conhecer, de descobrir, de experimentar, evidenciando o potencial da igualdade e da não segregação. Consequentemente, o ato da emancipação é também um ato político, pois muda a configuração da ordem social, na ordem dos lugares de professores e estudantes na escola.

Assim, uma educação emancipadora parte de um princípio honesto, que considera todas as inteligências iguais em suas capacidades e potencialidades. Ensinar nessa perspectiva pressupõe o gesto igualitário: “sem esse princípio, ensinar, para emancipar se torna impossível. Com ele, talvez, uma aventura interessante” (KOHAN, 2005, p.198).

3 Para finalizar, um olhar (in)conclusivo sobre a rádio e a produção de formas outras de ser e estar na escola

O que se buscou, neste exercício analítico, foi apresentar e analisar as potencialidades e possibilidades de um Projeto de Educomunicação que pode ser concebido como uma forma de educação menor no contexto escolar obrigatório. Mais ainda, procurou-se compreender como se deu a gestão de práticas pedagógicas que, em um devir-menor, transcenderam o espaço da sala de aula, analisando-se seus efeitos na constituição dos sujeitos como estudantes.

A instituição escolar, de modo geral, tende a apresentar uma estrutura que universaliza particularidades sociais e culturais, baseando-se na absolutização do saber formal como única maneira de saber em condições de contribuir para o progresso e formar sujeitos competentes e produtivos. Essa concepção de sistema educativo pode acabar por limitar o que se faz (e como se faz) na escola, evidenciando o aprisionamento e o caráter reprodutivo das práticas educacionais das quais devemos nos libertar enquanto estudantes e professores/gestores.

A educação menor contrapõe-se à lógica reprodutiva e fragmentada ao propor a potencialização da criação em educação, por meio de práticas que privilegiam o movimento no ensinar e aprender e almejam um saber construído pelo acontecimento. Essa abertura ao movimento e ao acontecimento pode ser reconhecida ao verificar-se como se deu o processo de constituição do projeto de rádio da escola, em que se suspendeu o automatismo da ação e cultivou-se o encontro entre estudantes e entre estudantes e professores. Como um ato político de revolta e resistência, a educação menor surge do encontro do educador militante com os estudantes; juntos, em agenciamentos coletivos, criam trincheiras e promovem uma política do cotidiano e das relações entre os sujeitos que, consequentemente, se refletirá nas macrorrelações sociais.

Em vez de olhar e esperar pelas grandes políticas, propõe-se que olhemos os acontecimentos, que escapam ao controle, e que neles nos empenhemos; apesar do menor volume, provocam a desterritorialização9 via linhas de fuga10 do instituído. Reconhece-se, nas ações de gestão das professoras envolvidas no projeto em estudo, a ação militante defendida por Gallo (2002). Colocando-se em posição de igualdade com os estudantes, as professoras possibilitaram que outros espaços/tempos fossem engendrados, coexistindo no espaço/tempo já instituído; a partir da experiência, estabeleceram-se diferentes relações pedagógicas, assim promovendo a emancipação intelectual sugerida por Rancière (2007).

A educação menor provoca outra relação com o saber e convida à criação de outros modos de pensar e fazer a educação. É a possibilidade de criar um espaço/tempo de produção de sentido onde se pode fazer do cotidiano uma viagem por caminhos desconhecidos, e não um porto seguro. Estar menor é estar exposto em corpo e pensamento para que se possa pensar diferentemente de como se pensava. É estar aberto à criação, à experimentação e à invenção de outras/novas possibilidades.

Ao compreendermos que a educação menor pressupõe um olhar atento ao acontecimento e à experiência, entendemos ser importante indicar que o trabalho realizado aqui, ao anunciar as práticas do projeto de rádio da escola, não representa uma indicação de modelo de educação menor a ser seguido. A rádio foi a forma encontrada em determinado contexto e em determinado momento para criar um (outro) espaço/tempo que atendesse às demandas dos sujeitos envolvidos. Se estar aberto ao devir-menor é estar sensível e atento às pulsões da vida e às experimentações, se é realizar múltiplas conexões das relações de aprendizagem, não interessa à educação menor forjar modelos e apontar caminhos, impondo soluções. Interessa, sim, compreender que, na impossibilidade de antecipação de um único caminho, cabe a cada contexto escolar encontrar as suas possibilidades, (re)significando-se.

1O instituído é concebido como o que é maior e oficial, é o que é estabelecido pelas leis, políticas e diretrizes, configurando-se em um regime político onde o todo já está posto, já está dado.

2Inicialmente, foi elaborado, pelas professoras participantes, um projeto de Educomunicação para ser entregue à Coordenação Pedagógica da escola no início do semestre letivo. Esse projeto já previa a escolha do nome oficial da rádio com a participação de todos os alunos e professores.

3Entende-se por dispositivo, a partir de Foucault (2000), algo que, como um mecanismo de poder, em um determinado momento, teve como função responder a certa urgência.

4Na obra Kafka - Por uma literatura menor, Gilles Deleuze e Félix Guattari criaram o conceito de literatura menor como dispositivo para analisar a obra de Franz Kafka a partir de três características: a desterritorialização, o caráter político e o valor coletivo. Gallo (2002), então, promove um exercício de deslocamento conceitual e opera com a noção de uma educação menor como dispositivo para se pensar a educação.

5Devir-menor é compreendido como um processo pelo qual, em um contexto dominado pela educação maior, se criam espaços e aberturas para a passagem de multiplicidades (DELEUZE, 1977).

6Por envolver seres humanos, o percurso metodológico da pesquisa procurou obedecer aos procedimentos éticos estabelecidos para a pesquisa científica em Ciências Humanas. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para participar do estudo e tiveram suas identidades preservadas ao longo das análises que constituem o presente texto. Os participantes serão indicados como Estudante 1, Estudante 2, Estudante 3, Estudante 4, Estudante 5, Estudante 6, Estudante 7, Estudante 8 e Estudante 9.

7Dicionário online.

8Vídeo da apresentação na Feira do Livro da cidade, disponível no canal no YouTube (https://www.youtube.com/channel/UC7WYU1U-__ZN5RGvG6UcLyw)

9Desterritorialização consiste no movimento de abandono ou subversão do território onde a realidade é uma territorialidade forçada, de certa tradição ou cultura, para a criação de uma nova terra por meio de linhas de fuga. (DELEUZE, 1977).

10Indivíduos ou em grupos, somos atravessados por linhas de diferentes naturezas que nos compõem; algumas nos são impostas de fora, outras nascem por acaso, e outras devem ser inventadas, sem nenhum modelo, sendo as nossas linhas de fuga. As linhas de fuga são entendidas como aquelas que escapam ao controle do instituído totalizador e seguem outras direções. As linhas de fuga são concebidas como a criação de novos espaços-tempos a partir de agenciamentos inéditos. (DELEUZE, 1996).

Referências

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Recebido: 01 de Maio de 2019; Aceito: 09 de Outubro de 2020

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