Introdução
A deficiência auditiva é caracterizada por uma privação sensorial que apresenta impacto direto no desenvolvimento da linguagem falada (OLIVEIRA; PENNA; LEMOS, 2015), causando repercussões nos diversos níveis de inserção do indivíduo, como o familiar, social, escolar e profissional.
A comunicação com o indivíduo que apresenta perda auditiva poderá se estabelecer por meio da audição, ou seja, com o uso da linguagem falada e também por meio da visão, utilizando a língua de sinais (PASSOS, 2014; PIMPERTON et al., 2017).
O impacto para o desenvolvimento comunicativo do indivíduo com perda auditiva que utiliza a linguagem falada está diretamente relacionado a fatores como o período da vida em que ocorreu o comprometimento da audição, o tipo e o grau da perda auditiva, o tempo de privação sensorial, a utilização adequada de dispositivos tecnológicos para o acesso aos sons da fala, a intervenção adequada e o envolvimento da família e da escola (BICAS; GUIJO; DELGADO-PINHEIRO, 2017; NOVAES et al., 2012).
Da mesma forma, na língua de sinais, a intervenção mais precoce, fará com que o usuário desenvolva maior fluência neste tipo de comunicação.
No Brasil é regulamentada a Língua Brasileira de Sinais (Libras), que foi instituída pela Lei nº 10.436 (2002). A Libras é composta por parâmetros primários que envolvem as configurações das mãos, ponto de articulação e movimento, e parâmetros secundários, como expressões faciais, direcionalidade e orientação das palmas das mãos (PASSOS, 2014).
Em relação à escola é importante compreender que caso não haja um acompanhamento adequado de suas necessidades, o desempenho acadêmico do aluno poderá sofrer os impactos da deficiência auditiva (SENO, 2009).
No caso dos alunos que utilizam comunicação oral, deve-se dar atenção a aspectos como ruído, excesso de alunos em uma mesma classe, falta de conhecimento do professor sobre o seu aluno e sobre os dispositivos tecnológicos e a dificuldade na utilização de estratégias de comunicação adequadas (BERTACHINI et al., 2015; DELGADO-PINHEIRO et al., 2009; SANTOS; DELGADO-PINHEIRO, 2018).
Da mesma forma, existem desafios para a formação do aluno que utiliza Libras. Dentre esses destaca-se a escassez de intérpretes, a dificuldade de inserção efetiva desse profissional na sala de aula, a falta de capacitação dos professores para realizarem as adaptações pedagógicas necessárias, a falta de comunicação entre o professor e o intérprete. Estes aspectos impactam no processo de ensino e aprendizagem (SILVA; OLIVEIRA, 2016; TENOR; DELIBERATO, 2015).
No contexto da disciplina de Educação Física, as aulas apresentam algumas particularidades que podem dificultar a participação efetiva de alunos com perda auditiva nas atividades propostas, as quais geralmente são executadas em espaços físicos amplos e ruidosos e requerem uma grande integração entre os alunos. Essa integração normalmente exige comunicação, não apenas entre o professor e o aluno, mas também entre os alunos, que muitas vezes estão em movimento (FIORINI; MANZINI, 2018).
Para criar condições favoráveis à participação de alunos com deficiência auditiva em aulas de Educação Física, são necessárias estratégias que viabilizem a comunicação, principalmente àquelas relacionadas ao local de realização das aulas e às interações entre os estudantes, durante as atividades (FIORINI; MANZINI, 2018).
As práticas realizadas com atividades físicas poderão trazer uma interação importante para o desenvolvimento do aluno com perda auditiva, porém só serão efetivas se o professor estiver preparado para realizar intervenções apropriadas (ALVES; PINTO, 2017; ALVES et al., 2013; MONTEIRO; SILVA; RATNER, 2017).
Desta forma, a deficiência auditiva não deve interferir no cumprimento das metas do professor de educação física com seus alunos, mas ao contrário, as atividades deverão garantir a acessibilidade dos alunos com perda auditiva, com a efetiva participação de todos.
Sendo assim, para realizar este papel educativo de forma efetiva, o professor de Educação Física precisará, primeiramente, conhecer as necessidades dos alunos com perda auditiva. Entretanto, nem sempre estes profissionais estão preparados para esta demanda, sendo, portanto, importante a realização de ações que forneçam maiores subsídios para o professor executar de maneira adequada o seu trabalho.
Materiais educativos com informações relacionadas à temática da perda auditiva poderão auxiliar os professores de educação física em sua prática pedagógica. Apesar de o Ministério da Saúde disponibilizar material de apoio, o mesmo é muito abrangente e destinado para todas as disciplinas (DAMÁZIO, 2007).
Assim, o foco do presente estudo é elaborar e validar um material educativo para subsidiar a prática de professores de educação física na realização de atividades com alunos com perda auditiva.
Método
Aspectos éticos
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos (CEP) e foi atribuído o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 98624518.0.0000.5413.
Tipo de estudo
O presente estudo é de natureza descritiva, ou seja, o fenômeno investigado na amostra estudada foi constatado e descrito da maneira em que ocorreu, sem a interferência do pesquisador (BENTO et al., 2019). A coleta dos dados ocorreu de maneira prospectiva, ou seja, as condições da pesquisa foram definidas antes da obtenção dos dados (MELO et al., 2013).
Foi adotada para este estudo a Técnica de Delphi, com a participação de especialistas que expressaram suas opiniões e conhecimentos de forma anônima, com o objetivo de obter o consenso sobre o tema de estudo. Nesta técnica, em caso de obtenção de consenso, as respostas são incluídas nos resultados e caso não haja consenso há necessidade de elaboração e envio do novo questionário para os especialistas, visando este consenso (MUNARETTO; CORRÊA; CUNHA, 2013).
Participantes
Participaram deste estudo 10 profissionais atuantes nas áreas de educação física, fonoaudiologia e pedagogia e que possuíam experiência no trabalho com alunos com perda auditiva.
Procedimento
Este estudo foi dividido em duas etapas, sendo a primeira correspondente a elaboração da versão preliminar do material educativo e a segunda relacionada a validação deste material.
Inicialmente foi realizado um levantamento de informações na literatura para identificar os temas que poderiam ser contemplados na versão preliminar do material educativo. Esta etapa foi executada pelos pesquisadores envolvidos neste estudo.
Foram realizadas buscas nas bases de dados Medical LiteratureAnalysisandRetrieval System Online (Medline) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). Para a estratégia de busca foram utilizadas aspalavras-chave perda auditiva, deficiência auditiva, audição, surdo, surdez, inclusão e educação física, e os descritores Perda auditiva, Educação física e treinamento,Inclusão educacional e Educação especial.Os critérios de inclusão adotados para a seleção dos artigos foram: trabalhos completos e disponíveis gratuitamente, na língua portuguesa e inglesa, dos últimos 15 anos, que apresentavam a temática da deficiência auditiva relacionada à pergunta de pesquisa deste estudo, ou seja, aspectos que pudessem subsidiar a prática de professores de educação física na realização de atividades com alunos com perda auditiva.
Primeiramente, foram analisados os títulos dos artigos, a fim de se identificar os trabalhos que pudessem ser elegíveis. Em seguida, foi realizada a análise dos resumos, visando selecionar os trabalhos que atendiam aos critérios de inclusão. Por último, os artigos que estavam em concordância com a temática em questão foram selecionados na integra.
Foram identificados 5171 artigos no Medline e 295 no LILACS. Ao final das etapas de análise dos trabalhos descritas anteriormente foram selecionados 25 artigos
Em seguida, foi construído um instrumento contendo assertivas sobre os temas que poderiam ser abordados no material educativo destinado para os professores de Educação Física que realizam atividades com alunos com perda auditiva.
Estas assertivas foram seguidas de uma escala do tipo Likert com quatro pontos: concordo totalmente, concordo, discordo e discordo totalmente. Cada uma das assertivas era seguida também de um campo aberto, no qual os participantes poderiam expressar livremente suas opiniões sobre o assunto.
As assertivas foram estruturadas em um formulário da plataforma eletrônica Google® e o link para acesso a esse formulário foi enviado para todos os juízes via e-mail, de modo que as opiniões para a validação dos temas fossem emitidas anonimamente.
A partir das sugestões dos juízes foi elaborada uma versão inicial do material, a qual foi enviada a um ilustrador, para criação dos personagens, imagens e capa e ao diagramador para a confecção da arte visual.
Na segunda etapa, representada pela validação propriamente dita do material, participaram os mesmos juízes que colaboraram na escolha dos temas para compor o material educativo. Além disso, dois professores de educação física com experiência com alunos com perda auditiva, que representam o público alvo deste estudo, também participaram desta fase do estudo.
A validação do material educativo abordou aspectos relacionados ao conteúdo, linguagem, ilustrações, layout, motivação e cultura. O instrumento de avaliação também foi preenchido na Plataforma Google®, conforme descrito anteriormente.
Análise dos dados
Para a validação dos temas relacionados ao material educativo foi utilizado o cálculo da frequência percentual de concordância entre os juízes de acordo com a fórmula descrita a seguir:
Os itens foram considerados validados quando a porcentagem de concordância entre os juízes atingiu minimamente 80% (BRACCIALLI et al., 2019). Os conteúdos presentes no campo “comentários adicionais” foram analisados e as sugestões consideradas pertinentes foram incorporadas na versão inicial do material educativo. O mesmo processo de análise foi realizado para a validação da versão final do material educativo.
Resultados e discussão
Participaram da primeira fase do estudo, relacionada ao levantamento dos temas para a elaboração do material educativo, oito juízes (J1 a J8) e na segunda fase, representada pela avaliação final do material,dez juízes (J1 a J10). A idade dos profissionais que participaram como juízes variou de 32 a 56 anos e a experiência profissional na área de atuação entre 10 e 30 anos. Em relação à titulação, a maioria apresenta no mínimo o título de doutor (Quadro 1).
Juíz | Formação | idade (anos) | Experiência (anos) | Titulação | Área de atuação |
J1 | Educador Físico | 52 | 30 | Pós-Doutorado | Educação Especial |
J2 | Pedagogo | 38 | 10 | Doutorado | Educação. Educação Especial. Ensino de Libras. |
J3 | Fonoaudiólogo | 39 | 17 | Doutorado | Audiologia |
J4 | Educador Físico | 32 | 10 | Pós-Doutorado | Educação Física e Educação Especial |
J5 | Pedagogo | 52 | 30 | Doutorado | Educação |
J6 | Fonoaudiólogo | 51 | 30 | Doutorado | Audiologia Clínica |
J7 | Fonoaudiólogo | 48 | 25 | Doutorado | Educação Inclusiva/desmedicalização da educação |
J8 | Fonoaudiólogo | 45 | 20 | Pós-Doutorado | Audiologia Educacional |
J9 | Educador Físico | 56 | 20 | Graduação | Educação Física (Ensino Fundamental e Médio) |
J10 | Educador Físico | 50 | 11 | Graduação | Educação Física, Letras e Pedagogia (Ensino Fundamental e Médio) |
Fonte: Elaborado pelos autores.
A tabela 1 apresenta o índice de concordância dos juízes em relação aos temas inicialmente propostos para o material educativo.
ASSERTIVA | C | CT | D | DT | Concordância (%) |
---|---|---|---|---|---|
1) A cartilha deve contemplar o conceito de deficiência auditiva. | 2 | 6 | 0 | 0 | 100 |
2) A cartilha deve informar sobre a classificação da deficiência auditiva de acordo com o tipo e grau de perda e o impacto na comunicação. | 2 | 6 | 0 | 0 | 100 |
3) A cartilha deve abordar sobre o diagnóstico da deficiência auditiva | 3 | 4 | 1 | 0 | 87,5 |
4) A cartilha deve explicar sobre a abordagem aurioral (estratégias de comunicação para os deficientes auditivos que utilizam a linguagem falada) | 1 | 7 | 0 | 0 | 100 |
5) A cartilha deve descrever os dispositivos tecnológicos disponíveis para acesso aos sons da fala (Aparelhos de Amplificação Sonora Individual-AASI, Implante Coclear-IC, Sistema de Frequência Modulada - FM. | 1 | 7 | 0 | 0 | 100 |
6) A cartilha deve conter figuras ilustrativas sobre os dispositivos tecnológicos disponíveis para o acesso aos sons da fala (AAASI, IC e FM) e cuidados básicos com os referidos dispositivos. | 2 | 6 | 0 | 0 | 100 |
7) A cartilha deve explicar sobre a abordagem que utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras). | 3 | 4 | 1 | 0 | 87,5 |
8) A cartilha deve conter exemplos de figuras com a Língua Brasileira de Sinais. | 2 | 3 | 2 | 0 | 71,4 |
9) A cartilha deve conter estratégias de comunicação que auxiliem os alunos que utilizam Libras. | 3 | 5 | 0 | 0 | 100 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Legenda: C: Concordo, CT: Concordo Totalmente, D: Discordo, DT: Discordo Totalmente.
Após a avaliação dos juízes, verificou-se que, dentre as dez assertivas que foram analisadas, sete apresentaram 100% de concordância e duas obtiveram concordância de 87,5%. Entretanto, a assertiva 8, relacionada a necessidade de o material educativo conter exemplos de figuras com a Língua Brasileira de Sinais, não atingiu a porcentagem mínima para a validação (71,4%). Cabe destacar que um juiz não respondeu a essa questão.
Diante desse resultado, as figuras relacionadas a Libras, que foram utilizadas no material educativo, apresentaram um caráter meramente ilustrativo e não teve o propósito de ensinar essa língua para o professor.
Os participantes deste estudo também utilizaram o campo aberto disponibilizado no questionário para expandir as suas avaliações sobre cada um dos temas propostos para compor o material educativo.
No tocante ao conceito de deficiência auditiva foram feitas algumas sugestões com o objetivo de diferenciar os termos “deficiência auditiva” e “surdo”, como nos relatos de J4 “Seria interessante apontar a diferença entre surdo e deficiente auditivo” e de J7 “Embora seja importante explicitar, de algum modo, o uso da terminologia deficiência auditiva e surdo, caso, mais adiante, apareça alguma referência ao surdo usuário de Libras”.
Em relação às terminologias “surdo” e “deficiente auditivo”, destaca-se que o objetivo deste material educativo é apresentar informações sobre o aluno que apresenta uma diminuição na acuidade auditiva, independente das discussões que permeiam as diferentes terminologias.
Dessa forma, as informações foram organizadas com a finalidade de viabilizar a comunicação do professor de educação física com esse grupo de alunos. Outros estudos que discutem conhecimento, estratégias e atuação de professores com alunos com perda auditiva, também não abordam questões específicas das terminologias, deficiência auditiva e surdez (DELGADO-PINHEIRO et al., 2009; DELGADO-PINHEIRO; OMOTE, 2010; SANTOS; DELGADO-PINHEIRO, 2018).
A maioria dos avaliadores fez sugestões em relação à abordagem das diferentes classificações para a perda auditiva e os seus impactos para o processo de comunicação, conforme descrito por J6 “Dê preferência por meio de gráficos e imagens que expliquem as diferenças entre os tipos de perda auditiva e, no que se refere ao grau deve-se abordar o impacto dos vários graus de perda auditiva na comunicação”.
O tipo e o grau de perda auditiva do aluno representam aspectos importantes na percepção da fala e que poderão trazer repercussões no trabalho do educador físico. O conhecimento dessas informações poderá auxiliar na compreensão das particularidades de cada aluno com perda auditiva, facilitando a escolha da melhor estratégia comunicativa durante as atividades (DELGADO-PINHEIRO; OMOTE, 2010; SANTOS; DELGADO-PINHEIRO, 2018).
O material educativo utilizou uma figura ilustrando a orelha externa e interna e destacou as estruturas envolvidas nas perdas auditivas condutiva, sensório neural e mista. Por meio de ilustração também foi explicado o significado de grau de perda auditiva, com a utilização de uma classificação da Organização Mundial da Saúde (2014).
De uma maneira geral os avaliadores manifestaram uma preocupação em relação à criação de um material educativo com informações de natureza técnica e destacaram que seria importante usar “linguagem acessível ao público em questão (cuidado com termos técnicos)”(J4).
Diante das sugestões, o material, em sua versão preliminar, contemplou figuras ilustrativas e uma linguagem de fácil entendimento. Tendo em vista que os termos técnicos relacionados à perda auditiva são muito reportados pelos profissionais de saúde, principalmente durante as terapias de reabilitação auditiva, é possível que o aluno e seus familiares tenham conhecimentos destes termos e inclusive os utilize em sua rotina.
Os juízes também referiram ser importante abordar informações sobre o diagnóstico da perda auditiva, em que J2 sugeriu “Como material informativo, citar, por exemplo, a triagem auditiva neonatal, quais os encaminhamentos em caso de confirmada a deficiência auditiva. Citar outros exames e quais os encaminhamentos para cada caso”.
O material educativo contemplou com linguagem acessível, os procedimentos utilizados na avaliação audiológica, bem como o impacto da perda auditiva na comunicação. Entretanto, embora o material não aborde os aspectos relacionados aos encaminhamentos específicos diante da confirmação da perda auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS), no final do material foram disponibilizadas as leis que envolvem aspectos da saúde auditiva (BRASIL, 2014; BRASIL, 2010; BRASIL, 2004).
As estratégias de comunicação para alunos com perdas auditivas que utilizam a linguagem falada foram consideradas como tema importante de estar inserido no material educativo por todos os juízes.
Cabe destacar que as estratégias de comunicação são fundamentais para que a criança com perda auditiva, usuária de dispositivo tecnológico de acesso aos sons da fala possam ter compreensão efetiva (SANTOS; DELGADO-PINHEIRO, 2018).
O material educativo abordou estratégias de comunicação para alunos que utilizam a linguagem falada. A parte ilustrativa foi relacionada às atividades do educador físico e conforme sugestão de um dos avaliadores intitulou-se “O que fazer?”. Os aspectos relacionados às diferentes abordagens educacionais foram expostos no transcorrer do material.
O material educativo abordou de maneira simplificada as informações sobre os dispositivos tecnológicos para o acesso aos sons da fala. Para isso foram utilizadas imagens e explicações sucintas.
Conforme proposto por J7 “Sugiro também acrescentarem links de domínio público com mais informações/detalhamentos para aqueles que desejarem maior detalhamento/aprofundamento sobre tais dispositivos”. Nesse sentido, foram acrescentados links de domínio público (http://adap.org.br/site/conteudo/guia-do-implante-coclear e http://remic.fob.usp.br/).
A importância do conhecimento dos professores em relação aos dispositivos tecnológicos para o acesso aos sons da fala representa um fator relevante para o desenvolvimento acadêmico dos alunos que utilizam esses dispositivos (BERTACHINI et al., 2015).
O conceito da Língua Brasileira de Sinais foi apontado pela maioria dos juízes como um tema importante a ser inserido no material educativo.
Conceituação da Língua de Sinais. Legislação (Lei Federal 10.436/2002; Decreto Federal 5.636/2005); Esclarecer mitos recorrentes como Língua de Sinais não ser Universal, não ser mímica, possuir gramática própria. (J2).
Numa perspectiva inclusiva é previsto que o princípio da equidade (tratar diferentemente as diferentes demandas, ou seja, quando se fala em deficiente auditivo ou no surdo, ainda que se faça menção remeta a categorias de indivíduos, são muitos os perfis linguísticos... assim, todas as respostas possíveis devem ser oferecidas a qualquer tempo e lugar para que todos possam encontrar no sistema educacional respostas diversificadas às suas demandas educacionais) subsidie as ações direcionadas para os alunos público-alvo da Educação Especial (PAEE). Por se tratar de material didático, é esperado que o alcance desse material se estenda para a escola como um todo (J7).
De uma maneira geral os comentários dos juízes foram contemplados na elaboração do material. A legislação referente a Libras foi citada para consulta. As principais informações relacionadas à comunicação com o aluno que utiliza Libras para se comunicar, bem como, a constituição dessa língua foram exemplificadas de maneira ilustrativa.
A Língua Brasileira de Sinais possui estrutura gramatical própria, com as peculiaridades dos aspectos sintáticos e morfológicos de uma língua (MUNCINELLI, 2013). É importante lembrar que não é possível o professor se comunicar com alunos que utilizem essa modalidade de comunicação apenas se apropriando de gestos isolados. Esse aluno necessitará de um intérprete no contexto escolar, caso o professor não seja fluente nessa língua (BRASIL, 2010).
Os juízes também se manifestaram em relação à viabilidade de se apresentar figuras ilustrativas e informações relacionadas às estratégias de comunicação com alunos que utilizam Libras.
Vocabulário básico e se possível, dentro do campo semântico da disciplina de Educação Física (J2). Eu sugiro que cite a importância de tradutores-intérpretes nesses casos, legislação que profissionaliza a função, outras que abordem as atribuições do tradutor-intérprete educacional. São poucos os casos hoje em que o aluno surdo fica desassistido (sem intérpretes). Quando há o intérprete, o que muitas vezes ocorre é que o professor regente delega ao intérprete a função de professor, pois é aquele que entende o aluno. É preciso deixar claro a função de cada agente no processo educacional do aluno surdo (J2).
Talvez o alfabeto datilológico e possivelmente a representação de alguma situação dialógica em Libras...outra sugestão se refere ao Banco mundial de objetos de aprendizagem, o qual já conta com um acervo muito bom e que poderia ter o link mencionado na cartilha, pois pode vir a auxiliar outros profissionais da escola inclusive, além dos professores de educação física na atuação com surdos e outros alunos com deficiências (J7).
Cabe destacar que todas as informações apresentadas pelos juízes foram contempladas na versão preliminar do material, entretanto, as figuras utilizadas possuem um caráter ilustrativo, ou seja, não se trata de apresentar todos os gestos que o professor poderá utilizar no seu contexto de aula.
O material também destacou a função do intérprete, esclareceu que a Libras é uma língua que utiliza estratégia visual, motora e espacial e não apresenta correspondência direta com o português falado e também foi definido e ilustrado o alfabeto datilológico (MUNCINELLI, 2013).
Os sinais utilizados na Língua Brasileira de Sinais não são universais, apresentam todas as características de uma língua e também sofrem influência da cultura local e das expressões regionais (BRASIL, 2004). Esses aspectos reforçam que quando existe a necessidade de um intérprete no ambiente educacional, é importante que ele seja muito fluente na língua de sinais.
Os juízes sinalizaram a necessidade de se abordar a importância da participação do aluno com perda auditiva nas atividades de educação física, conforme o relato de J7 “Em alguma medida e de modo claro e objetivo deve também explicitar os conceitos de Inclusão e de Educação Inclusiva, considerando-os como subjacentes à proposta de elaboração desse material didático”.
Nessa versão do material não foram incluídas informações ilustrativas específicas sobre educação inclusiva. Cabe destacar que existe a preocupação de não haver excesso de informações no material educativo, mantendo assim a lógica de construção de um material conciso e focado para o educador físico.
Outro aspecto importante é que a educação inclusiva é determinada por lei e desta forma, pressupõe-se que o aluno com perda auditiva já esteja no contexto educacional e assim, esse material poderá auxiliar o professor de educação física em sua prática.
Após a confecção da primeira versão do material educativo, o mesmo foi enviado para os juízes que participaram inicialmente no levantamento dos temas, porém, neste momento visando uma avaliação do material propriamente dito, com os conteúdos e ilustrações (Tabela 2).
ASSERTIVA | C | CT | D | DT | Concordância (%) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1.Conteúdo | ||||||||||
1.1 O conteúdo está apropriado ao público alvo (Professores de Educação Física de alunos com perda auditiva) | 4 | 6 | - | - | 100 | |||||
1.2 A divisão dos títulos e subtítulos do material são pertinentes | 3 | 7 | - | - | 100 | |||||
1.3 Os trechos-chave (trechos em destaque) são pontos importantes e merecem destaque | 4 | 6 | - | - | 100 | |||||
1.4 O conteúdo é suficiente para atender as necessidades do público alvo (Professores de Educação Física de alunos com perda auditiva) | 5 | 4 | 1 | - | 90 | |||||
2. Linguagem | ||||||||||
2.1 O estilo da redação é compatível com o público alvo (Professores de Educação Física de alunos com perda auditiva) | 4 | 6 | - | - | 100 | |||||
2.2 A escrita utilizada é atrativa | 5 | 4 | 1 | - | 90 | |||||
2.3 A linguagem é clara e objetiva | 5 | 5 | - | - | 100 | |||||
3. Ilustrações | ||||||||||
3.1 As ilustrações utilizadas são pertinentes com o conteúdo do material e esclarecem o conteúdo | 4 | 6 | - | - | 100 | |||||
3.2 As ilustrações são claras e transmitem facilidade de compreensão | 5 | 5 | - | - | 100 | |||||
3.3 As legendas das imagens são adequadas e auxilia o leitor a compreender a imagem | 4 | 5 | 1 | - | 90 | |||||
3.4 A quantidade de ilustrações está adequada para o conteúdo do material educativo | 3 | 6 | 1 | - | 90 | |||||
4. Layout | ||||||||||
4.1 O tipo de letra utilizado facilita a leitura | 4 | 3 | 3 | - | 70 | |||||
4.2 As cores aplicadas ao texto são pertinentes e facilitadoras para a leitura | 4 | 3 | 3 | - | 70 | |||||
4.3 A composição visual está atrativa e bem organizada | 3 | 6 | 1 | - | 90 | |||||
4.4 O formato (tamanho) do material educativo e o número de páginas estão adequados | 5 | 5 | - | - | 100 | |||||
4.5 A disposição do texto está adequada | 5 | 4 | 1 | - | 90 | |||||
4.6 O tamanho das letras dos títulos, subtítulos e textos estão adequados | 4 | 4 | 2 | - | 80 | |||||
5. Motivação | ||||||||||
5.1 O conteúdo está motivador e incentiva a prosseguir com a leitura | 6 | 4 | - | - | 100 | |||||
5.2 O conteúdo despertou interesse no leitor | 4 | 6 | - | - | 100 | |||||
5.3 O conteúdo atende as dúvidas mais comuns dos professores de Educação Física de alunos com perda auditiva | 7 | 3 | - | - | 100 | |||||
6. Cultura | ||||||||||
6.1 O texto está compatível com o público alvo (Professores de Educação Física de alunos com perda auditiva) atendendo aos diferentes níveis de conhecimento | 4 | 6 | - | - | 100 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Legenda: C: Concordo, CT: Concordo Totalmente, D: Discordo, DT: Discordo Totalmente.
Na tabela 2 observa-se que os únicos itens que não atingiram o índice utilizado para a validação foram referentes ao layout. Os resultados mostraram que o tipo de letra utilizada não estava facilitando a leitura e as cores aplicadas ao texto não eram pertinentes e facilitadoras da leitura. Ambos atingiram escores de 70%.
As avaliações dos juízes realizadas nos campos abertos do instrumento também apontaram a necessidade de acertos no layout para algumas ilustrações específicas do material educativo. Os referidos apontamentos foram corrigidos para a versão final do material educativo. A formatação do texto foi centralizada, as cores de fundos dos quadros modificadas, bem como os tamanhos de letras.
De uma maneira geral os juízes elogiaram o material e um dos avaliadores (J3) considerou que o mesmo também poderia ser direcionado aos professores que desenvolvem as atividades físicas com alunos com perda auditiva, mesmo não tendo a formação específica de educador físico.
A situação mencionada por este especialista pode ocorrer, principalmente, na pré-escola, ou mesmo no ensino fundamental, dependendo principalmente do contexto do município (BRASIL, 1996).
Um dos juízes sugeriu enriquecer o material com informações sobre a combinação de jogadas e esquemas de tática no futebol, por meio do uso de Libras nas aulas de educação física, ampliando assim as possibilidades de inclusão.
Na parte sobre Libras, ao esclarecer que a comunicação entre professor e aluno surdo pode ser mediada pelo intérprete e, embora tenha deixado claro que a Libras é uma língua, penso ser interessante enriquecer o material sugerindo a utilização dessa modalidade de linguagem nas aulas de educação física como possibilidade de maior inclusão do aluno surdo nas práticas desportivas, por exemplo, na utilização, por parte dos pares ouvintes, dos principais sinais correspondentes às jogadas/combinação de jogadas no voleibol; na definição do esquema tática no futebol, pois além de isso se constituir numa oportunidade para que os alunos ouvintes pesquisem e compreendam um pouco mais sobre essa modalidade de linguagem, à medida que dominam esses sinais básicos, tais práticas desportivas podem se desencadear de maneira mais dinâmica, o que poderá favorecer a interação do aluno surdo com as equipes. Obviamente essa é apenas uma dentre uma gama variada de possibilidades de estratégias que o prof. de educação física poderá lançar mão para favorecer a comunicação entre o surdo usuário de Libras e os ouvintes, mas penso que delimitar isso no material pode incentivar os professores a tornarem suas aulas mais inclusivas.
Esta sugestão foi considerada pertinente e um dos personagens do material educativo trouxe essas informações como exemplos para os professores de educação física.
A mensagem que o material pretende transmitir é que os professores, por meio de Libras, podem expandir, com sua criatividade, as diversas possibilidades de comunicação com o grupo de alunos durante as atividades de educação física. Isto irá estimular os alunos ouvintes a se aproximar do universo dos indivíduos com perda auditiva que utilizam a Língua Brasileira de Sinais.
Foi também pontuado que o material educativo deveria conter imagens demonstrativas de exercícios e atividades físicas psicomotoras, e que o professor deveria sempre se posicionar de frente para o aluno e ajudar nas sinalizações, também destacar um colega que auxiliasse nas atividades.
As atividades motoras estão exemplificadas nas ilustrações e as estratégias de comunicação também estão contempladas no material.
Após a realização das alterações, o material educativo em sua versão final apresentou 32 páginas e 26 ilustrações, com dimensões de 20 x 14,5 cm, com ilustrações originais (Quadro 2).
Considerações finais
A educação física é uma disciplina que facilmente integra os alunos que frequentam suas aulas, porém a comunicação é um elemento essencial nesse processo. Desta forma, o professor de educação física, necessita de informações para atuar junto a alunos com perda auditiva.
O delineamento utilizado no presente estudo permitiu a construção de um material educativo validado a partir de critérios metodológicos. O produto final deste estudo contém informações objetivas e ilustrações que poderão subsidiar o trabalho de professores de educação física na atuação com alunos com perda auditiva.
A amplitude de atuação dos professores de educação física, que estão inseridos da pré-escola até o ensino médio, a repercussão destas atividades no presente e no futuro do indivíduo e o contingente de alunos com necessidades especiais em decorrência de perda auditiva, reforçam a importância deste material que foi construído com o apoio de especialistas.