Introdução
As tecnologias digitais modificaram profundamente vários aspectos de nossas vidas: a forma como nos comunicamos, trabalhamos, nos divertimos, organizamos e adquirimos conhecimento e informação. Modificaram ainda a forma como pensamos e nos comportamos, individual ou coletivamente. Cada vez mais, crianças e jovens estão crescendo em um mundo onde as tecnologias digitais são onipresentes. Isso não significa, no entanto, que eles estejam naturalmente equipados com as habilidades adequadas para utilizar essas tecnologias de forma efetiva, consciente e produtiva.
Há evidências de que as instituições responsáveis pela formação de professores ainda têm dificuldade em reconhecer formalmente que a alfabetização digital continua crescendo de importância como habilidade fundamental em todas as disciplinas e profissões. Quando presentes, tendem, muitas vezes, a ser utilizadas apenas como recursos digitais ou software educativo específico, sistemas de gestão do conhecimento, utilitários e pesquisa Web, o que corresponde a um mero processo de digitalização de materiais. Essas habilidades são ainda qualificadas como insuficientes em número, incipientes em substância e limitadas no desenvolvimento das competências requeridas. Embora haja amplo consenso em relação à importância das competências digitais, há deficiências na formação de professores em relação a habilidades e técnicas de apoio. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2015; COSTA et al, 2015; JOHNSON et al, 2014).
Contrariamente ao previsto, tem se verificado que os novos professores, aqueles que entram agora ou entrarão em breve na profissão, não trazem consigo níveis de conforto na interação com as tecnologias tão elevados (PEDRO, 2016).
O conhecimento técnico de como utilizar as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) faz parte das competências digitais dos professores, que estão relacionadas com a habilidade e as condições necessárias para um bom uso das tecnologias nas atividades de ensino. A análise das diferenças entre as atividades realizadas com as TIC pelos professores nos leva a inferir que existe uma lacuna de formação para seu letramento digital e, por consequência, para o desenvolvimento das competências digitais, em um sentido amplo e orientado a didáticas específicas (SILVA; LOUREIRO; PISCHETOLA, 2019).
O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, reconhecendo que a educação contribui para a preservação e renovação da base cultural comum da sociedade, bem como para a aprendizagem dos valores sociais e cívicos essenciais como a cidadania, a igualdade, a tolerância e o respeito, recomendaram oito competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida, entre elas a competência digital (PARLAMENTO EUROPEU; CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2006), que, após revisada, passou a ser utilizada no plural: competências digitais (CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA, 2018).
Ainda no contexto europeu, a Comissão Europeia lançou, em 2010, a “Europa 2020 - Estratégia para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”, definindo as grandes linhas para a saída da crise e preparando a economia para os desafios da próxima década. Uma das sete iniciativas foi a Agenda Digital, que tem como objetivo estimular a economia europeia, aproveitando os benefícios econômicos e sociais sustentáveis decorrentes de um mercado único digital assente na internet rápida e ultrarrápida e em aplicações interoperáveis, estando aindana origem doDigital Economy & Society Index - DESI (COMISSÃO EUROPEIA, 2010a, 2010b, 2014; EUROPEAN COMMISSION, 2016).
A competência digital é considerada transversal ao desenvolvimento das outras competências, essencial para a inclusão social satisfatória, para a participação cívica ativa e consciente na sociedade e na economia, e, ainda, para o crescimento competitivo, inteligente e sustentável da sociedade (COMISSÃO EUROPEIA, 2010a; LUCAS; MOREIRA; COSTA, 2017).
O Joint Research Centre (JRC), serviço de ciência e conhecimento da Comissão Europeia, publicou recentemente o DigComp 2.1(CARRETERO; VUORIKARI; PUNIE, 2017), organizado em cinco áreas, com 21 competências e oito níveis de proficiência, traduzido para o português por Lucas e Moreira (2017), e o DigCompEdu (REDECKER, 2017), também traduzido para o português por Lucas e Moreira (2018).
Este estudo tem como objetivo avaliar o nível das competências digitais dos docentes do ensino superior em Portugal. Nesse sentido, adotou como referencial teórico o European Framework for the Digital Competence of Educators: DigCompEdu (REDECKER, 2017) em razão de:
apresenta robustez teórica e conceitual, nomeadamente por ter sido desenvolvido por meio de extensas consultas a especialistas no contexto europeu;
ter sido avaliado, em comparação com sete frameworks voltados especificamente para as competências digitais de educadores, por 148 especialistas, tendo se sobressaído em relação aos demais (CABERO-ALMENARA; ROMERO-TENA; PALACIOS-RODRÍGUEZ, 2020);
possuir instrumento de coleta de dados baseado no framework que possibilita o envio de feedback aos participantes;
apresentar uma versão em língua portuguesa (tanto do framework quanto do instrumento).
O DigCompEdu, que descreve as competências com o foco em apoiar e incentivar a utilização de ferramentas digitais para melhorar e inovar a educação, é dirigido aos educadores desde o ensino pré-escolar ao superior (LUCAS; MOREIRA, 2018) e organizado em seis áreas, com 22 competências, conforme a Figura 1.
Embora tenha sido desenvolvido com o foco em educadores de todos os níveis, o DigCompEdu não considerou o universo da educação a distância ou mesmo do blended learning (MATTAR et al, 2020).
O DigCompEdu possui um modelo de progressão em seis níveis de proficiência, partindo do Recém-chegado (A1) até a Pioneiro (C2), seguindo os níveis do Common European Framework of Reference for Languages (COUNCIL OF EUROPE, 2001), e na lógica cumulativa, ou seja, cada nível superior inclui todos os descritores de nível inferior. Possui, dessa forma, grau crescente de complexidade, tornando-se assim mais fácil para os educadores compreenderem e valorizarem o seu nível pessoal de competência digital. Importante também assinalar que é inspirado pela taxonomia revisada de Bloom (LUCAS; MOREIRA, 2018), conforme a Figura 2.
O instrumento de coleta de dados nativo do DigCompEdu possui a versão para o ensino superior disponível nos idiomas inglês, português, russo e eslovaco (EUROPEAN COMMISSION, 2019a; GHOMI; REDECKER, 2019; LUCAS, 2019). Foi utilizado em diversos estudos, integralmente ou em partes, com o objetivo de aferir o nível de proficiência dos docentes, seja na educação básica (BENALI; KADDOURI; AZZIMANI, 2018; DIAS-TRINDADE; MOREIRA, 2018; GHOMI; REDECKER, 2019; SILVA; LOUREIRO; PISCHETOLA, 2019), seja no ensino superior (DIAS-TRINDADE; MOREIRA; GOMES FERREIRA, 2020).
Este artigo está estruturado em quatro seções. Uma introdução contém um mapeamento da literatura, incluindo a justificativa da escolha do tema e o detalhamento do framework e do instrumento de coleta de dados utilizados, seguido do objetivo do artigo e um resumo sobre a temática em Portugal. Na seção metodologia, são descritos os fundamentos metodológicos envolvidos neste estudo, além de uma breve descrição da população. Em resultados, inicialmente é descrita a amostra; em seguida, detalha-se o resultado geral e por área do nível de proficiência; em um segundo momento, são descritos os resultados nas três dimensões estudadas (pessoal, docência e institucional). Seguem-se a discussão e a conclusão.
Objetivo
Com o desenvolvimento das tecnologias, caberá à educação tirar proveito delas. O processo de inclusão dessas tecnologias ocorreu em tempos distintos para alunos, professores, formadores dos professores e os docentes do ensino superior, que podemos entender como paciente-zero (PEDRO, 2016).
Existe uma escassez de estudos que examinem a avaliação da competência digital dos professores. Os estudos publicados focam, em geral, em aspectos isolados, carecendo, muitas vezes, de campo teórico claro e de metodologia rigorosa no que diz respeito à análise dos padrões de uso e ao nível de proficiência, especificamente no âmbito da integração das tecnologias e do e-learning no ensino superior. Esses estudos têm sido mais centrados nas problemáticas tecnológicas, seguidas pelas preocupações de ordem pedagógica e, em muito menor escala, pela problemática de ordem organizacional (MADERICK et al, 2016; MENGUAL-ANDRÉS; ROIG-VILA; MIRA, 2016; MONTEIRO, 2016; SILVA et al, 2014).
O objetivo deste estudo é avaliar o nível das competências digitais dos docentes do ensino superior em Portugal, utilizando para este efeito o DigCompEdu. Utiliza-se para a coleta de dados especificamente o instrumento DigCompEdu Check-In, já validado previamente para diferentes níveis de ensino (GHOMI; REDECKER, 2019; REDECKER, 2017, 2019).
Com o conhecimento do nível de proficiência em competências digitais dos docentes do ensino superior em Portugal, analisadas detalhadamente nas dimensões pessoal, docência e institucional, será possível apontar as lacunas existentes, subsidiando assim a tomada de decisões relacionadas ao suporte à formação, implementando e tornando-as mais assertivas neste domínio, fato extremamente relevante para a modernização cientifica e tecnológica ambicionada como o contexto do ensino superior europeu e, de igual modo, para atingir a atual meta nacional de expansão do ensino superior a distância (CONSELHO DE MINISTROS, 2019).
Competências digitais dos docentes do ensino superior
Os profissionais com níveis mais altos de habilidades em TIC possuem um acréscimo de 7,9% nos salários. Além disso, a população com baixos níveis de habilidades nas TIC tem maior risco de perda de empregos devido à informatização e à automação de processos. Isso gera uma responsabilidade adicional sobre as instituições de ensino superior, que devem implementar estratégias de digitalização que promovam uma gama de habilidades necessárias para o século XXI, exigindo dos docentes níveis de proficiências nas competências digitais adequadas para que possam promover as competências digitais nos alunos. (BOND et al, 2018; FALCK; HEIMISCH; WIEDERHOLD, 2016; HAJKOWICZ et al, 2016),
Na evolução da educação, nota-se a influência das TIC, gerando uma mudança em relação à maneira de conceber, planejar e implementar o processo de ensino-aprendizagem, levando à quebra das barreiras espaço-temporais, fatos que determinam o crescente interesse na competência digital dos professores em todos os níveis do sistema educacional, incluindo o ensino superior (DURÁN; ESPINOSA; GUTIÉRREZ, 2019; MONTORO; LUCENA; RECHE, 2016).
As competências digitais, que não se limitam apenas à componente técnica, envolvem um debate mais amplo sobre os modelos que permitem a integração de novas tecnologias nas instituições de ensino superior, tendo em vista que um novo contexto eletrônico está, paulatinamente, envolvendo e modificando o ambiente de trabalho do docente, determinando que as instituições se reestruturem em aspectos metodológicos relativos ao processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo, repensem a sua formação docente (RODA; MORGADO, 2019).
A competência digital é considerada uma habilidade essencial para os professores, devendo gerenciar vários aspectos da temática que está sendo ministrada em relação às ferramentas pedagógicas, ajudando-os a adquirir e atualizar as habilidades necessárias em seu trabalho.
Além do estudo realizado por Dias-Trindade e Moreira (2020) no contexto português, diversos outros estudos tiveram como objetivo aferir o nível de proficiência nas competências digitais dos docentes do ensino superior, utilizando metodologias e instrumentos variados.
Espinosa e Gutiérrez (2013) realizaram uma autoavaliação, com base no modelo desenvolvido por Gutiérrez e Espinosa (2013),nos docentes do ensino superior espanhol, identificando que:
70,5% possuem um conhecimento bastante alto em relação à instalação e seleção de recursos de TIC;
70% afirmam conhecer bastantes ferramentas telemáticas;
75% levam em consideração diferentes aspectos importantes e necessários ao selecionar recursos;
54% possuem um conhecimento médio-baixo quando se trata de implementar e avaliar ações educacionais com TIC;
60% afirmam que não publicam seu conteúdo online.
Os autores concluem que 66% dos professores participantes acumulam uma pontuação que os coloca em alto nível de competência, 7,5% em nível médio e 26,5% em nível baixo.
Deumal e Catasús (2015), utilizando o DigComp 1.0 (FERRARI, 2013), procuraram analisar as competências digitais dos professores de ensino superior de design no Bau Centro Universitario de Diseño de Barcelona. Como resultado, assinalaram um nível médio de competência digital nos docentes. No entanto, estes são inseguros nas áreas de segurança, proteção de dados, gerenciamento de sua própria identidade digital e gerenciamento de propriedade intelectual e autoria, além de relutarem em relação ao uso de redes sociais. Reconhecem, assim como a administração da instituição, a necessidade de formação em TIC e sua aplicação pedagógica.
Evangelinos e Holley (2015) avaliam a aplicabilidade do DigComp 1.0 (FERRARI, 2013) em estudantes, professores e equipe administrativa em uma instituição de ensino superior de saúde no Reino Unido por meio de questionário online de autoavaliação de competências digitais desenvolvido pelos autores(EVANGELINOS; HOLLEY, 2014) e entrevistas semiestruturadas. Concluíram que os docentes levantaram preocupações sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional oferecido pelas facilidades de dispositivos portáteis.
Tolic e Pejakovic (2016) mostram que docentes de instituições de ciências técnicas e TIC são mais competentes digitalmente em pesquisa científica e aplicam mais as tecnologias contemporâneas do que os professores de instituições de humanidades e estudos sociais. Os docentes nos níveis profissionais mais baixos classificam-se como pertencentes à geração digital (65,56%), indicando que tiveram aulas ou foram introduzidos nas TIC durante sua formação. Os autores mostram também que 76,35% deles possuem um computador pessoal, tablet e/ou outro tipo de tecnologia inovadora, como leitores eletrônicos, contra 23,65% da geração que se declara não digital, que se encontra em níveis superiores. Os autores concluem que mais de 70% dos docentes são considerados digitalmente competentes no uso de computadores e novas tecnologias.
Sánches, Torre e Martín-Cuadrado (2017), utilizando o DigComp 2.0 (VUORIKARI et al, 2016) em professores universitários na área de informação, como um projeto piloto da Universidad Nacional de Educación a Distancia (UNED) - Espanha, indicaram como resultado a competência de armazenamento e recuperação de dados com o maior número de professores em nível básico (68%), e navegação, busca e filtro de dados em nível avançado (11%).
Background
O Digital Economy & Society Index (DESI) demostra o desempenho digital da Europa, possibilitando a análise, evolução e comparação dos Estados Membros da União Europeia (UE) (28 Estados-Membros). No que se refere à competitividade digital, Portugal ocupa a 19a posição, abaixo da média. Em sua dimensão capital humano, estão os indicadores relacionados às competências digitais, ocupando especificamente nesta dimensão os piores resultados dentre as cinco dimensões, a 21a posição no DESI 2020 (EUROPEAN COMMISSION, 2019b, 2020), conforme a Figura 3.
Ainda no relatório de 2020, demonstrou-se que 52% da população portuguesa possuía nível elementar mínimo de competência digital, dados inferiores à média da UE (58%); 32% competências digitais avançadas, dados ligeiramente inferiores à média da UE (33%); além de que 26% da população não tinha quaisquer competências digitais (COMISSÃO EUROPEIA, 2020).
Esses resultados levam a refletir se Portugal estará preparada para cumprir os objetivos estabelecidos até 2030 pelo Decreto-Lei 133/2019, regime jurídico do ensino superior ministrado a distância, que ambiciona formar 50 mil adultos (CONSELHO DE MINISTROS, 2019), assegurar que 60% dos jovens com 20 anos se encontram a frequentar o ensino superior e que 50% dos adultos entre 30 e 34 anos tenham efetivamente completado a sua formação superior, tudo com vista a alcançar assim, para Portugal, uma posição de liderança europeia em relação às competências digitais (CONSELHO DE MINISTROS, 2018).
Para mitigar os resultados obtidos no DESI e demonstrando preocupação com o nível das competências digitais dos cidadãos, bem como sua importância para seu desenvolvimento, Portugal desenvolveu a Iniciativa Nacional Competências Digitais (INCoDe.2030), objetivando se posicionar entre os principais países europeus que lideram na área da competência digital (GOVERNO DE PORTUGAL, 2017). De igual modo, mais recentemente, foi apresentado o Plano de Ação para a Transição Digital, objetivando novamente conduzir à liderança no que se refere à preparação para enfrentar os desafios e mudanças inerentes à transição digital global, que hoje se revelam transversais a todos os setores da sociedade (CONSELHO DE MINISTROS, 2020).
Por meio do projeto TRACER, que buscou retratar o acesso e o uso das TIC no ensino superior português, identificou-se que a maior parte dos docentes do ensino superior possui acesso a plataformas de gestão de aprendizagem (93,5%), embora muitos nunca tenham realizado provas de avaliação com o uso das TIC (49,2%). Dados referentes ao uso de Recursos Educativos Digitais (RED) nas atividades letivas totalmente online indicam que os documentos estáticos (10,3%) são os mais utilizados, seguidos pelo uso de exercícios e atividades de ensino e aprendizagem (10,8%) e portais/websites/repositórios (10,8%), ainda que em valores percentuais reduzidos. O projeto apontou ainda a ausência de participação em ações de formação para o uso e a integração das TIC na prática educativa em 70,8%. (RAMOS; MOREIRA, 2014a, 2014b).
Mais recentemente, Vicente, Lucas e Carlos (2020) mostraram que os docentes do ensino superior português utilizam diferentes sites e estratégias de pesquisa para encontrar e selecionar uma variedade de recursos digitais para o ensino (92,5%), oferecem feedback aos alunos (tecnologias digitais) (83,0%), criam e modificam recursos digitais existentes (81,7%) e projetam novas maneiras de promover atividades de aprendizagem colaborativa (77,5%). Contudo, também nos trazem dados preocupantes em algumas áreas, na medida em que tais docentes afirmam que raramente ou nunca monitoram as atividades e interações de seus alunos nos ambientes online colaborativos (32,6%), permitem que os alunos reflitam e se autoavaliem em seu processo de aprendizagem (36,6%) e participam de treinamento online (por exemplo, MOOCs, seminários online, conferências virtuais) (39,1%).
Estudo realizado por Dias-Trindade, Moreira e Ferreira (2020) identificou o nível B1 - Integrador de proficiência nas competências digitais nos docentes no ensino superior português, analisadas em relação à idade e área profissional, em que assinalou-se com melhor desempenho a faixa etária 40-49 anos na área de concentração de Artes e Humanidades, indicando como limitação do estudo a pequena dimensão da amostra (118), sugerindo ser necessário aplicar o instrumento em todo o território português.
Metodologia
Este artigo apresenta a discussão dos resultados de uma pesquisa explicativa que visa estabelecer a relação entre variáveis, assumindo uma abordagem quantitativa de coleta e análise de dados por permitir um tratamento focalizado, pontual e estruturado dos dados, possibilitando classificar, ordenar e medir as variáveis necessárias para a análise da realidade a ser estudada (CRESWELL, 2018; VIEIRA, 2009).
Todo processo de coleta e análise de dados foi desenvolvido com a total garantia dos preceitos legais, estando de acordo com a Carta Ética da Universidade de Lisboa, Regulamento Geral de Proteção de Dados - RGPD de Portugal, além do parecer favorável da Comissão de Ética (CdE) do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
Optou-se como procedimento de coleta de dados pela pesquisa survey, por permitir a coleta de dados autorrelatada dos participantes, relativamente à percepção das competências digitaisde docentes do ensino superior. Esse método possibilita obter uma descrição quantitativa de tendências, atitudes ou opiniões de uma população por meio de uma amostra, das variáveis dependente e independente e suas inter-relações, além de permitir uma generalização dos resultados encontrados (CRESWELL, 2018; REA; PARKER, 2014; BABBIE, 1999).
Rea e Parker (2014) descrevem como conduzir uma pesquisa survey de maneira rigorosa e imparcial, indicam a importância de seguir procedimentos específicos e sistemáticos e propõem onze etapas - etapa 1: identificar o foco da investigação e o método de pesquisa; etapa 2: determinar o cronograma e o orçamento da investigação; etapa 3: estabelecer uma base de informações; etapa 4: determinar a moldura de amostragem; etapa 5: determinar o tamanho da amostra e os procedimentos de seleção; etapa 6: projetar o instrumento de coleta de dados; etapa 7: pré-teste do instrumento de coleta de dados; etapa 8: selecionar e treinar os entrevistadores; etapa 9: implementar a pesquisa; etapa 10: codificar os questionários preenchidos e digitalizar os dados; e etapa 11: analisar os dados e elaborar o relatório final.
O estudo foi realizado considerando a totalidade dessas etapas e implementado no contexto do ensino superior português, procurando responder à seguinte questão de investigação (etapa 1): “como se caracteriza atualmente o nível de proficiência digital dos docentes do ensino universitário e politécnico em Portugal?”, sendo adotado o método de pesquisa survey.
A coleta de dados foi realizada por meio de questionário fechado com aplicação online.
No ano letivo 2019/2020 (etapa 2), o 1º semestre foi dedicado ao desenvolvimento e à validação da ferramenta de autoavaliação das competências digitais www.digcomptest.eu, enquanto o 2º semestre foi dedicado à realização dos convites para os docentes responderem ao questionário, coleta e tratamento dos dados, elaboração do relatório final e publicação dos resultados.
Por meio de uma busca bibliográfica, foi realizado um levantamento dos frameworks disponíveis dedicados às competências digitais dos docentes, conforme descrito na seção introdução (etapa 3), bem como os resultados de outras investigações.
A moldura de amostragem (etapa 4) foi determinada como o endereço eletrónico da Direção-Geral de Ensino Superior (DIREÇÃO-GERAL DO ENSINO SUPERIOR, 2020), onde é possível listar todas as instituições de ensino superior portuguesas, considerando-se os docentes do ensino superior português como a população em estudo.
Os últimos dados consolidados, referentes a 2018, indicavam um total de 35.283 docentes, sendo 77,3% (n=27.279) de estabelecimentos públicos e 22,7% (n=8.004) de instituições privadas. Quando ao gênero, 54,9% (n=19.368) eram homens e 45,1% mulheres (n=15.915). No que diz respeito ao tipo de ensino, 61,2% (n=21.595) dos docentes lecionam no ensino universitário e 38,5% (n=13.688) no ensino politécnico. Quando à faixa etária, este grupo é composto por 3,9% (n=1.365) de docentes com menos de 30 anos, 18,3% (n=6.462) com 30 a 39 anos, 32,5% (n=11.459) com 40 a 49 anos, 30,2% (n=10.672) com 50 a 59 e 15,1% (n=5.325) com mais de 60 anos (FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS, 2020).
Sendo os docentes do ensino superior a unidade de análise, foi determinado o tamanho mínimo da amostra (etapa 5), considerando os números encontrados da população e utilizando a técnica de proporções multinominais (THOMPSON, 1987), para um nível de confiança de 95% com precisão mínima de 5%, chegando-se ao número de 510 docentes.
O processo de coleta de dados no estudo operacionalizou-se por meio da utilização de um questionário, em especifico o DigCompEdu Check-In, desenvolvido e validado por Redecker (2019) (etapas 6, 7 e 8), que foca na autoavaliação da percepção pelo docente acerca de suas competências digitais para aferição do seu nível de proficiência.
Segue-se assim a tendência da maioria das pesquisas sobre competência digital que se concentram no uso de instrumentos de medida baseados na autoavaliação da percepção dos professores, que analisam, descrevem e/ou medem o nível de proficiência nas competências digitais com base em depoimentos e opiniões dos respondentes (DURÁN; ESPINOSA; GUTIÉRREZ, 2019).
Para além dos dados coletados por meio do instrumento selecionado para este estudo, também foram coletados dados de caraterização em três dimensões:
a) pessoal: gênero, nível de formação, faixa etária e tempo de carreira;
b) docência: ciclo de ensino e modalidade de ensino;
c) institucional: tipo de ensino, tipo de estabelecimento e região administrativa
A divulgação e o convite para a participação nesta investigação (etapa 9) foram realizados por e-mail, no período de março e abril de 2020, enviado a dirigentes de 34 instituições de ensino universitário e 44 de ensino politécnico, e/ou diretamente ao docente, quando o endereço de correio eletrônico se encontrava disponível publicamente na internet.
Com o objetivo de aceder de forma mais ágil à população em causa, o questionário indicado foi disponibilizado online, incorporado no endereço www.digcomptest.eu (etapa 10). Este processo permitiu aos investigadores acesso imediato aos dados, ao mesmo tempo em que viabilizou aos respondentes um autodiagnóstico. Após o preenchimento pelo docente, a plataforma lhe envia automaticamente um relatório detalhado por e-mail, indicando o nível de proficiência nas competências digitais geral e por área.
O processo de extração e análise dos dados (etapa 11 e final) alicerçou-se na aplicação de diversas técnicas de análise estatística, como teste t e ANOVA, realizados por meio do IBM® SPSS® Statistics versão 26.0.0.0, para analisar o efeito de variáveis exógenas na variável dependente de natureza quantitativa (COHEN; COHEN, 2008; LARSON; BETSY, 2016; PESTANA, 2014), no caso a média obtida após o preenchimento do instrumento.
Resultados
Com base nos resultados auferidos após o preenchimento pelos respondentes, foi calculada a pontuação geral e por área, conforme descrito na Tabela 1. Esses resultados foram analisados com outras variáveis das dimensões pessoal, docência e institucional.
Caraterização do grupo de respondentes
Após a extração das informações do banco de dados, foram utilizados dois critérios de inclusão dos respondentes nesta investigação: docentes de ensino superior e atuarem no contexto português. Isso fez-se necessário pelo fato de o instrumento estar aberto ao preenchimento pela internet.
Os dados foram coletados entre os meses de março e abril de 2020, tendo contado com a resposta de 695 indivíduos, sendo 56,1% (n=390) do gênero masculino e 43,9% (n= 305) do feminino. Quanto ao nível de formação, 73,5% (n=511) doutores, 17,4% (n= 121) mestres e 9,1% (n=63) graduados. E majoritariamente composto por docentes de nacionalidade portuguesa: 97,4% (n=677).
Em relação ao tipo de ensino, 59,4% (n=413) advêm de instituições integradas no sistema universitário e 40,6% (n=282) do ensino politécnico.
Profissionalmente, 91,7% (n=637) pertencem a estabelecimento público e 8,3% (n=58) privado. Quanto ao nível em que lecionam, 51,1% (n=355) atuam na graduação, 34,2% (n=238) no mestrado e 14,7% (n=102) no doutorado. Referente à modalidade em que lecionam, 60,7% (n=422) declararam que 100% de sua carga horária é presencial, 29,9% (n=208) que possuem 70% de carga presencial e 30% a distância, 4,7% (n=33) com 30% de carga presencial e 70% a distância, e 4,6% (n=32) com carga 100% a distância - essas foram as opções apresentadas no questionário.
Avaliação geral
O resultado do nível de proficiência nas competências digitais é escalado por pontos, que variam de acordo com a área em virtude da quantidade de competências. Os resultados gerais apontam uma média global de 48,28 pontos, com desvio padrão de 16,02 e variância 256,67. Esse resultado nos permite atribuir o nível de nível de proficiência B1 - Integrador, conforme a Tabela 1.
NÍVEL | A1 | A2 | B1 | B2 | C1 | C2 |
---|---|---|---|---|---|---|
Geral | <20 | 20-33 | 34-49 | 50-65 | 66-80 | >80 |
Area | ||||||
Envolvimento profissional Ensino e aprendizagem |
4 | 5-7 | 8-10 | 11-13 | 14-15 | 16 |
Recursos digitais Avaliação Capacitação dos aprendentes |
3 | 4-5 | 6-7 | 8-9 | 10-11 | 12 |
Promoção das competências digitais dos aprendentes | 5-6 | 7-8 | 9-12 | 13-16 | 17-19 | 20 |
Fonte: Redecker (2019).
Quando analisados de forma estratificada, verifica-se que 2,7% da amostra apresentou o nível de proficiência A1 - Iniciante, 16,1% A2 - Explorador, 35,5% B1 - Integrador, 29,8% B2 - Especialista, 13,5% C1 - Líder e por fim 2,3% C2 - Pioneiro, conforme a Figura 4.
Avaliação por área
A análise por área demostrou que os docentes possuem um menor nível de proficiência na área de avaliação (A2 - Explorador) em relação às demais áreas (B1 - Integrador), além do nível limítrofe na área de capacitação dos aprendentes, como é possível observar na Tabela 2, baseada na escala descrita anteriormente na Tabela 1.
ÁREAS | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Envolvimento profissional | B1 - Integrador | 9,81 | 3,071 |
Recursos digitais | B1 - Integrador | 7,22 | 2,423 |
Ensino e aprendizagem | B1 - Integrador | 9,10 | 3,649 |
Avaliação | A2 - Explorador | 5,60 | 2,581 |
Capacitação dos aprendentes | B1 - Integrador | 6,08 | 3,040 |
Promoção das competências digitais dos aprendentes | B1 - Integrador | 10,51 | 4,237 |
Fonte: os autores.
Dimensão pessoal
Gênero
Ambos os gêneros se situam em B1 - Integrador, não sendo identificados, desta forma, diferentes níveis de proficiência nas competências, conforme a Tabela 3.
GÊNERO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Masculino (n=390) | B1 - Integrador | 49,11 | 16,255 |
Feminino (n=305) | B1 - Integrador | 47,27 | 15,680 |
Fonte: os autores.
O teste t demostrou que não existe diferença estatisticamente significativa entre as médias dos gêneros (t=1,532; p>0,05).
Nível de formação
A análise demostrou diferença no nível de proficiência nas competências digitais em função do nível de formação. Os docentes que possuem apenas a graduação, bem como os que possuem doutorado, ainda que estes últimos revelem uma média global superior aos primeiros, situaram se em B1 - Integrador, já os com mestrado em B2 - Especialista, conforme Tabela 4.
NÍVEL DE FORMAÇÃO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Graduação (n=63) | B1 - Integrador | 43,75 | 16,453 |
Mestrado (n=121) | B2 - Especialista | 50,30 | 15,883 |
Doutorado (n=511) | B1 - Integrador | 48,37 | 15,922 |
Fonte: os autores.
AANOVA (ou análise de variância) demonstrou a existência de efeito estatisticamente significativo do nível de formação do docente sobre a média (F(2,692)=3,515; p<0,05). O teste post-hoc de Tukey assinalou diferenças significativas entre o nível de formação de graduados e mestres.
Faixa etária
Os docentes situaram-se em B1 - Integrador nas cinco faixas etárias, o mesmo nível de proficiência nas competências digitais, conforme a Tabela 5.
FAIXA ETÁRIA | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
25 - 34 (n=30) | B1 - Integrador | 45,20 | 19,949 |
35 - 44 (n=171) | B1 - Integrador | 48,41 | 15,312 |
45 - 54 (n=262) | B1 - Integrador | 47,97 | 16,477 |
55 - 64 (n=207) | B1 - Integrador | 49,27 | 15,374 |
65 - 75 (n=25) | B1 - Integrador | 46,24 | 16,544 |
Fonte: os autores.
A ANOVA demonstrou que não existe efeito estatisticamente significativo da faixa etária sobre a média (F(4,690)=0,602; p>0,05).
Tempo de carreira
Os docentes situaram-se no nível B1 - Integrador em todas as seis faixas de tempo de carreira, o mesmo nível de proficiência, ainda que os maiores valores da média global tenham sido obtidos para os docentes com 21-30 anos de carreira, conforme a Tabela 6.
TEMPO DE CARREIRA | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
< 5 (n=80) | B1 - Integrador | 45,19 | 15,511 |
6 - 10 (n=81) | B1 - Integrador | 48,00 | 16,857 |
11 - 20 (n=192) | B1 - Integrador | 48,08 | 15,092 |
21 - 30 (n=208) | B1 - Integrador | 49,87 | 16,319 |
31 - 40 (n=115) | B1 - Integrador | 48,39 | 16,381 |
41 - 50 (n=19) | B1 - Integrador | 46,58 | 17,970 |
Fonte: os autores.
A ANOVA demonstrou que não existe efeito estatisticamente significativo do tempo de carreira sobre a média global (F(5,689)=1,061; p>0,05).
Dimensão docência
Ciclo de ensino
No que diz respeito ao nível de graduação onde atuam, verifica-se que docentes que atuam apenas na graduação ou no mestrado situam-se em B1 - Integrador, enquanto os que atuam no doutorado situam-se em B2 - Especialista, conforme a Tabela 7.
CICLO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
graduados (n=355) | B1 - Integrador | 46,28 | 15,917 |
Mestrado (n=238) | B1 - Integrador | 49,14 | 15,327 |
Doutorado (n=102) | B2 - Especialista | 53,28 | 16,833 |
Fonte: os autores.
A ANOVA demonstrou que existe efeito estatisticamente significativo do ciclo em que o docente leciona sobre as médias (F(2,692)=8,264; p<0,05). O teste post-hoc de Tukey indicou diferença entre os docentes que lecionam no doutorado e na graduação.
Modalidade de ensino
Já no que diz respeito à modalidade em que lecionam, os docentes que se dedicam 100% à modalidade presencial situaram-se no nível B1 - Integrador, enquanto os que atuam na modalidade a distância, independentemente da proporção, situaram-se no nível B2 - Especialista, conforme a Tabela 8.
MODALIDADE | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
100% Presencial (n=422) | B1 - Integrador | 43,46 | 15,361 |
70% Presencial - 30% a distância (n=208) | B2 - Especialista | 55,44 | 13,789 |
30% Presencial - 70% a distância (n=33) | B2 - Especialista | 58,33 | 16,937 |
100% a Distância (n=32) | B2 - Especialista | 54,31 | 13,350 |
Fonte: os autores.
A ANOVA demonstrou que existe efeito estatisticamente significativo da modalidade de ensino nas médias apuradas (F(3,691)=37,134; p<0,05). O teste post-hoc de Tukey assinalou a diferença entre os docentes que lecionam 100% na modalidade presencial com os que lecionam na modalidade a distância em qualquer proporção.
Dimensão institucional
Tipo de ensino
Os docentes que lecionam em instituições integradas ao sistema universitário situam se no nível B1 - Integrador, enquanto os que lecionam no ensino politécnico situam-se no B2 - Especialista, conforme a Tabela 9.
ENSINO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Universitário (n=413) | B1 - Integrador | 47,03 | 16,187 |
Politécnico (n=282) | B2 - Especialista | 50,12 | 15,623 |
Fonte: os autores.
O teste t demostrou que existe diferença estatisticamente significativa entre as médias globais dos estabelecimentos (t=-2,501; p<0,05), com o ensino politécnico apresentando as maiores médias globais.
Tipo de estabelecimento
Os docentes que atuam em estabelecimentos públicos e privados situam-se no mesmo nível, B1 - Integrador, conforme a Tabela 10.
ESTABELECIMENTO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Público (n=637) | B1 - Integrador | 48,17 | 16,157 |
Privado (n=58) | B1 - Integrador | 49,53 | 14,516 |
Público Militar e Policial (n=0) | - | - | - |
Fonte: os autores.
O teste t demostrou que não existe diferença estatisticamente significativa entre as médias dos diferentes tipos estabelecimentos (t=-,620; p>0,05).
Região administrativa
Os docentes da região Porto e Norte situaram-se no nível B2 - Especialista, enquanto os docentes das demais regiões emB1 - Integrador, conforme a Tabela 11.
REGIÃO | PROFICIÊNCIA | MÉDIA GLOBAL | DESVIO PADRÃO |
---|---|---|---|
Alentejo (n=37) | B1 - Integrador | 49,08 | 17,108 |
Algarve (n=26) | B1 - Integrador | 46,77 | 13,854 |
Centro (n=132) | B1 - Integrador | 48,05 | 15,563 |
Lisboa (n=308) | B1 - Integrador | 47,04 | 16,103 |
Porto e Norte (n=145) | B2 - Especialista | 51,52 | 16,389 |
Regiões Autônomas (n=25) | B1 - Integrador | 47,64 | 14,468 |
Nota: Não houve resposta referente à região administrativa de 22 respondentes. Fonte: os autores.
A ANOVA demonstrou que não existe efeito estatisticamente significativo da região administrativa sobre médias apuradas (F(5,667)=1,640; p>0,05).
Discussão
A avaliação geral do nível de proficiência nas competências digitais dos docentes do ensino superior português permitiu verificar que praticamente dois terços dos docentes (65,30%) encontram-se entre dois níveis intermediários: B1 - Integrador (35,50%) e B2 - Especialista (29,80%). O nível de proficiência B1 já foi identificado em outras investigações no contexto português, tanto no ensino superior (DIAS-TRINDADE; MOREIRA; GOMES FERREIRA, 2020) quanto na educação básica (DIAS-TRINDADE; MOREIRA, 2018), utilizando-se nesses casos o mesmo framework e instrumento.
O nível de proficiência B1 - Integrador é, a princípio, um resultado favorável, indicando, porém, que é preciso aperfeiçoar a compreensão sobre que ferramentas funcionam melhor em diferentes situações e como adequá-las a métodos e estratégias pedagógicas.
Com o avanço do uso das TIC na educação, especificamente no ensino superior, é exigido dos docentes um nível de proficiência elevado em competência digital, devido às novas ferramentas digitais utilizadas, seja para uso pedagógico ou administrativo, o que se torna ainda mais crítico quando iniciam atividades docentes online.
A introdução das TIC na educação promoveu uma nova organização do trabalho e, consequentemente, um repensar nos processos de formação docente. As instituições de ensino estimulam a adoção de tecnologias nos processos pedagógicos, porém esse movimento nem sempre está alinhado tecnologicamente com a infraestrutura disponibilizada, além de nem sempre ocorrer adoção efetiva por parte dos docentes. Esse hiato entre a adoção institucional e o uso pedagógico por parte dos docentes pode estar relacionado com o baixo nível de proficiência nas competências digitais (SILVA, 2019).
Analisando os resultados das seis áreas do framework, foi possível identificar maior deficiência na área de avaliação, com o nível de competência A2 - Explorador (5,60), enquanto nas demais áreas se identificou o nível de competência digital B1 - Integrador, apesar de a área de capacitação dos aprendentes se encontrar em uma posição limítrofe, próxima de A2 (6,08, sendo o limite 6). A área de avaliação envolve competências de estratégias de avaliação, análise de evidência, feedback e planificação. Outras evidências nesse sentido já haviam sido identificadas em estudos do ensino superior no contexto português, quando identificado que 49,20% dos docentes afirmaram nunca ter realizado provas de avaliação com o uso das TIC (RAMOS; MOREIRA, 2014b), e ainda que 44,90% afirmaram que não utilizam as tecnologias digitais para monitorar o progresso de seus alunos (VICENTE; LUCAS; CARLOS, 2020). A avaliação pode ser um facilitador ou um obstáculo para a inovação na educação, na medida em que requer uma ampla gama de dados disponíveis sobre o comportamento individual de aprendizagem de cada aprendente, podendo contribuir para monitorizar diretamente seu progresso, facilitar o feedback e permitir aos educadores avaliarem e adaptarem as suas estratégias de ensino (LUCAS; MOREIRA, 2018). A capacitação dos aprendentes, por sua vez, está também relacionada a muitos desses fatores.
A análise do nível de proficiência digital dos docentes na dimensão pessoal identificou não existir diferença nas variáveis faixa etária e tempo de carreira, todos em B1 - Integrador, não sendo identificado efeito estatisticamente significativo.
O relatório DESI de 2020, além de identificar a ausência de competências digitais em 26% da população, apontou um baixo índice (0,7%) de mulheres especialistas em TIC em Portugal, em comparação com a União Europeia (1,4%) (COMISSÃO EUROPEIA, 2020). Entretanto, neste estudo não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas na variável gênero.
Ainda na dimensão pessoal, identificou-se que o nível de proficiência se diferencia quanto ao nível de formação dos docentes. Os mestres situam-se em B2 - Especialista (50,30), enquanto os graduados (43,75) e doutores (48,37) em B1 - Integrador, apesar de os doutores estarem em uma posição limítrofe, próxima de B2. Estatisticamente, foi demonstrado o efeito com a identificação da diferença entre o grupo de docentes graduados e mestres. É importante notar que o mestrado na Europa, a partir do Processo de Bolonha, caracteriza-se, ao contrário do Brasil, como um complemento profissional da formação docente na graduação. Os professores que são apenas graduadostêm, assim, uma limitação de formação, que inclusive permite que lecionem apenas na graduação. Nesse sentido, o melhor desempenho dos mestres e doutores pode estar relacionado com uma maior atividade na area de docência, requerendo assim maior investimento na utilização de diferentes ferramentas para suporte a suas atividades letivas. Investigações recentes demostraram um maior nível de proficiência digital quando existe a realização de atividades práticas (CALATAYUD; MARIMAR; ESPINOSA, 2018; LLORENTE; IGLESIAS, 2018).
Na dimensão docência, foi constatado que os docentes que lecionam no nível do doutorado possuem nível de proficiência B2 - Especialista (53,28), superior aos que atuam apenas na graduação (46,28) e no mestrado (49,14), que têm nível B1 - Integrador, sendo essa diferença estatisticamente significante nos docentes que atuam no doutorado e na graduação. Os docentes que lecionam no doutorado estão naturalmente envolvidos, para além das atividades de docência, em projetos de pesquisa. De acordo com Guillen-Gamez e Mayorga-Fernández (2019), por exemplo, há uma correlação positiva entre participação em projetos de pesquisa/inovação e a competência digital.
O nível de proficiência também difere quanto à modalidade de ensino. Os docentes que atuam a distância, em qualquer proporção, possuem um nível de proficiência superior (B2 - Especialista) em comparação com os que atuam exclusivamente no presencial (B1 - Integrador), sendo essa diferença estatisticamente confirmada. Essa superioridade do nível de proficiência pode ser justificada em virtude de os docentes que trabalham a distância utilizarem no seu dia a dia diversas ferramentas digitais, sejam elas configuração de ambientes virtuais, produção e disponibilização de conteúdo, comunicação e acompanhamento dos estudantes e avaliação, que promovem a aquisição de competências digitais.
Verificou-se também que os docentes do ensino politécnico, que possui um caráter prático, têm um nível de proficiência (B2 - Especialistas) superior aos que lecionam no ensino universitário (B1 - Integrador). Outras evidências já haviam sido identificadas de que docentes do ensino politécnico se mostraram mais inovadores (80,9%) digitalmente do que os do ensino universitário (73,80%), quando questionados sobre usar tecnologias digitais para experimentar ocasionalmente novos formatos de aprendizado colaborativo (VICENTE; LUCAS; CARLOS, 2020).
Finalmente, não se constatou efeito estatisticamente significativo do tipo de estabelecimento (público ou privado) nem da região administrativa sobre o nível de competência dos docentes.
Conclusão
O resultado geral desta investigação apontou um nível de proficiência intermediário (B1 - Integrador) nas competências digitais dos docentes do ensino superior português. Esse resultado, assim como os demais deste estudo, resumidos nos parágrafos seguintes, encontram correspondência em resultados de outras pesquisas.
Na dimensão pessoal, foi identificado que o gênero, a faixa etária e o tempo de carreira são fatores que não exercem efeito significativo no nível de proficiência dos docentes. Contudo, o nível de formação revelou diferença estatisticamente significativa, com os mestres se posicionando em um nível superior (B2 - Especialista) aos graduados (B1 - Integrador).
Na dimensão docência, os docentes que lecionam no nível do doutorado estão em um nível de competência superior (B2 - Especialista) em relação aos demais (B1 - Integrador). Foi também detectado um nível de proficiência superior dos docentes que atuam em qualquer proporção a distância, em relação aos que se dedicaram exclusivamente ao ensino presencial.
Na dimensão institucional, os docentes que lecionam no ensino politécnico apresentaram um nível de proficiência (B2 - Especialista) superior aos que lecionam no ensino universitário (B1 - Integrador). Já o tipo de estabelecimento (público ou privado) e a região administrativa não demonstraram exercer efeito estatisticamente significativo sobre o nível de competência dos docentes.
Nesse sentido, a principal contribuição deste estudo foi ter realizado a avaliação das competências digitais dos docentes portugueses do ensino superior em diversas dimensões, analisando como diferentes aspectos dessas dimensões exercem influência sobre o nível de proficiência nessas competências e comparando esses resultados com outras pesquisas na área.
Dentre as limitações desta investigação, pode-se mencionar a estratégia de amostragem. Como os questionários foram enviados para os dirigentes das instituições ou diretamente aos professores pela internet, isso pode ter gerado um viés na amostra, em função, por exemplo, da maior ou menor motivação para responder às questões. Além disso, é possível conceber um aprofundamento estatístico nas análises, por exemplo, com um estudo de interações por meio de uma ANOVA fatorial entre as variáveis que compõem as três dimensões deste estudo, além da análise dos resultados por área por meio de uma análise multivariada da variância - MANOVA.
Como mencionado, a lógica de desenvolvimento do DigCompEdu não considerou a educação online. Entretanto, os resultados deste artigo demonstram uma clara diferença no nível de proficiência nas competências digitais dos docentes que lecionam na modalidade a distância, em qualquer proporção, em relação aos que lecionam apenas no presencial, demonstrando, assim, que a docência na modalidade a distância é um fator importante no nível de proficiência. Mesmo considerando que as 22 competências descritas no DigCompEdu são essenciais para a docência online, falta no framework um olhar específico para a educação online. Considerando-se agora o cenário de ensino remoto emergencial da pandemia Covid-19, afetando a vida de quase 1,6 bilhão de crianças jovens e suas famílias no mundo com o fechamento das instituições de ensino(GOUËDARD; PONT; VIENNET, 2020; HODGES et al, 2020; SCHLEICHER, 2020), torna-se ainda mais premente o desenvolvimento de um framework de competências digitais que incorpore teorias e práticas da educação online.
Avaliações de competências digitais em outros países, como o Brasil, podem se beneficiar da metodologia utilizada neste estudo. Além disso, esta pesquisa reforçou a importância de estratégias e formações que procurem elevar a competência digital de professores do ensino superior, alterando seu nível de proficiência intermediário.