Introdução
O princípio de que todos os seres humanos têm direitos iguais (UNESCO, 1948) foi uma conquista democrática importante que permitiu denunciar práticas históricas de discriminação e justificar demandas que ampliassem a inclusão social, pensada como um conjunto de ações políticas, culturais, sociais e pedagógicas (BRASIL, 2008). Tais demandas, no contexto escolar, culminaram na Educação Inclusiva, pautada no direito de que todos tenham acesso à educação de qualidade nas salas comuns (BRASIL, 2008; UNESCO, 1990), principalmente, meninas e mulheres, pobres, indígenas, minorias étnico raciais e linguísticas, refugiados e pessoas com deficiência (UNESCO, 1990).
Especificamente, sobre os direitos das pessoas com deficiência, as políticas inclusivas voltaram-se à promoção da cidadania e ao exercício pleno de todos os direitos humanos, entre os quais a educação (BRASIL, 2009). Sob essa égide, as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação passaram a compor o público da Educação Especial (PEE), modalidade transversal ao ensino comum voltada à inclusão dessa clientela (BRASIL, 2008).
Houve 1.350.921 matrículas registradas no Censo Escolar, nessa modalidade da Educação Básica, em 2021 (BRASIL, 2021), o que representa um aumento de 79,6%, em 10 anos. Na Educação Superior, foram 48.520 matrículas, em 2019, o que equivale ao crescimento de 136,3%, em uma década (BRASIL, 2019). Esse aumento do número de matrículas, na Educação Especial, vem acompanhando os objetivos e metas inclusivas da legislação, conforme o Quadro 1:
Ano | Legislação |
---|---|
2008 | Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva |
2009 | Decreto nº 6.949/2009 que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo |
2011 | Decreto nº 7.611/2011 que dispõe sobre a Educação Especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências |
2012 | Lei nº 12.764/2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista |
2015 | Lei nº 13.146/2015 que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) |
Fonte: Brasil (2008, 2009, 2011, 2012, 2015a).
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), por exemplo, é “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015a). O mesmo compromisso fundamenta a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), que estabelece a função da Educação Especial como transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, complementando ou suplementando o ensino comum (BRASIL, 2008).
Historicamente, a Educação Especial, no Brasil, foi marcada pela criação de salas e escolas especiais que substituíam o ensino comum (MENDES, 2010). A mudança na função da Educação Especial de substitutiva para transversal ao ensino comum, a partir da PNEEPEI (BRASIL, 2008), acompanha o atual conceito de deficiência.Tal conceito foi estabelecido na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, para a qual a deficiência “resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas" (BRASIL, 2009). Nesse sentido, a deficiência não é da pessoa, mas das barreiras que impedem a acessibilidade dela.
Desse modo, a comunidade escolar precisou de recursos e de adaptações no processo de ensino e aprendizagem, de acordo com as especificidades do aluno PEE (BRASIL, 2008). Embora a perspectiva da Educação Inclusiva incida um olhar sobre a ação pedagógica que contemple a diversidade, no momento, esta não é a realidade do cotidiano escolar brasileiro (MENDES, 2010). Por este motivo, ainda se faz necessário que sejam desenvolvidas adaptações (de ensino, de material, de mobiliário, dentre outros) a fim de não perpetuar a exclusão de alunos que não se enquadrem no modelo normativo cartesiano. Além disso, a alteração nas normativas estabelecidas pela legislação implicaram na necessidade de ampliação da rede de apoio e da formação (teórica e prática) dos professores na área da inclusão escolar. Adicionalmente, identificou-se a necessidade de profissionais especializados e da parceria com as famílias, para garantir o acesso e a permanência com qualidade no ensino comum (SILVA; CARVALHO, 2017).
Netto, Cassaf e Candido (2018) analisaram a produção textual brasileira acerca da inclusão escolar. Os autores identificaram uma escassez de trabalhos sobre os desafios docentes, nesse contexto, e a importância da formação desses profissionais para enfrentá-los. Concluíram que há a necessidade de mais pesquisas sobre práticas pedagógicas interdisciplinares, a fim de se obter melhorias na formação do educador e, consequentemente, ocasionar a equidade de oportunidades para os alunos PEE.
Com o objetivo de descrever a perspectiva do professor quanto à inclusão do aluno PEE, Silva, Souza e Ferreira (2019) verificaram que as atitudes dos docentes frente à inclusão são aspectos fundamentais para favorecê-la ou não. Identificaram ainda a necessidade de apoio e de colaboração da comunidade escolar, de recursos materiais e tecnológicos para aulas inclusivas, a falta de conhecimento dos professores em Educação Inclusiva e de espaços escolares adaptados e a falta de estrutura física apropriada às condições dos alunos com deficiência. Por fim, destacaram os aspectos relacionados às barreiras atitudinais e à formação docente, que devem ser enfocadas para um efetivo processo de inclusão. Souza e Mendes (2017) complementam que o ensino colaborativo ou coensino, que é uma prática baseada na colaboração entre os professores e os demais profissionais da Educação, contribui para formação continuada desses docentes.
Com relação à formação do docente de sala comum, Kassar (2014) verificou que, de acordo com os dados do Censo Escolar de 2012, somente 77% dos professores brasileiros da Educação Básica fizeram uma graduação e que as Regiões Norte (73%) e Nordeste (73%) estão abaixo da média nacional. Por outro lado, a Região Norte tem o maior percentual de docentes formados em instituições públicas (73%), enquanto a média nacional é de 42%.
Por outro lado, fazer uma graduação, não significa estar qualificado para Educação Inclusiva. Para a Resolução CNE/CEB nº 2/2015, a formação docente deve profissionalizar para as funções de magistério na Educação Básica, abrangendo suas etapas e modalidades, o que incluiu qualificar para a atuação com alunos PEE. Assim, conforme o artigo 5º, incisos VIII e IX, e artigo 8º, inciso VIII, os egressos dos cursos de formação docente devem estar aptos:
Art.5º VIII - à consolidação da educação inclusiva através do respeito às diferenças, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras; IX à aprendizagem e ao desenvolvimento de todos(as) os(as) estudantes durante o percurso educacional por meio de currículo e atualização da prática docente que favoreçam a formação e estimulem o aprimoramento pedagógico das instituições. Art.8ºVIII - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, de faixas geracionais, de classes sociais, de necessidades especiais, de diversidade sexual, entre outras (BRASIL, 2015b).
A inclusão de conteúdos da Educação Especial também é destacada nas estratégias da meta 4 do Plano Nacional de Educação, para o período de 2014 a 2024 (BRASIL, 2014), tanto na formação inicial quanto na continuada (incluindo a pós-graduação) de professores e outros profissionais da educação. Ressalta-se que, apesar de a legislação estabelecer os tipos de formação, há uma lacuna quanto aos conteúdos e à carga horária exigidos para que atuem com os alunos PEE. Kassar (2014) destaca que um dos desafios é a falta de consenso sobre haver ou não uma especificidade na área, que impacta na formação para os docentes atuarem com esses discentes (KASSAR, 2014).
Especificamente sobre a formação, diferentes estudos indicam que os graduandos (futuros docentes) não se sentem preparados para trabalhar no contexto da Educação Inclusiva. Flores e Krug (2010) verificaram que 77,3% dos graduandos de Educação Física da Universidade Federal de Santa Maria, que participaram da pesquisa, relataram que o curso não os preparou para trabalhar com alunos com deficiência. Eles indicaram que esse tema era abordado apenas na disciplina específica e que não tiveram contato com pessoas com deficiência ao longo da graduação. Apesar de 59,1% dos acadêmicos buscarem conhecimentos para complementar sua formação inicial, em projetos da universidade e artigos relacionados a essa área, 77,2% sentiam-se pouco ou não preparados. Eles sugeriram que esse conteúdo também deveria ser abordado em outros momentos no currículo, como em outras disciplinas já existentes, além da criação de novas disciplinas e de estágio na área.
Dias e Silva (2020) identificaram e caracterizaram no currículo de 11 cursos de Licenciatura, de uma universidade pública baiana, disciplinas relacionadas a Educação Inclusiva. Os resultados indicaram que os cursos de Ciências Biológicas, Educação Física, História e Pedagogia eram os que ofertavam disciplinas obrigatórias e/ou optativas relacionadas à Educação Inclusiva, ocorrendo a ausência desses componentes curriculares nas demais licenciaturas. Dessa forma, evidencia-se a urgência de ampliação do tema na formação de todos os profissionais de ensino que atuam na Educação Básica.
Com o objetivo de caracterizar a formação de 59 professores de escolas públicas de Alfenas-MG, Terra e Gomes (2013) observaram que 98,3% tinham formação de nível superior e 48,3% participaram de cursos ou palestras sobre o processo de inclusão escolar. Entretanto, 84,5% não se sentiam preparados para atuarem com alunos PEE. Por fim, concluíram que é necessário avaliar a qualidade e a eficácia das formações inicial e continuada sobre inclusão escolar ofertadas para os docentes.
Raiol, Negri e Orlando (2022) realizaram uma revisão bibliográfica sistemática com nove produções científicas nacionais sobre a formação de professores do Ensino Médio e pessoas com deficiência. Os resultados indicaram que a Região Sudeste foi a que teve o maior número de trabalhos e que há uma escassez de pesquisas quando se relaciona a formação docente com pessoas com deficiência e Ensino Médio. Ressaltou-se a importância da formação inicial e continuada e que a legislação estabeleceu disciplinas para os cursos de licenciatura, porém é preciso uma política de formação continuada nessa área para atender a lacuna na formação do docente que está atuando com pessoas PEE. Concluiu-se que há necessidade de maior investimento, reconhecimento e representatividade das pesquisas nas demais regiões brasileiras, principalmente da Região Norte.
Monti e Sigolo (2019) realizaram um levantamento bibliográfico na base de dados Scielo sobre a formação inicial de professores para a Educação Inclusiva. Após os procedimentos de seleção, 13 artigos foram analisados. Os resultados indicaram que houve um aumento na produção sobre o tema após 2008, acompanhando o cenário nacional de aprovação de políticas públicas na área da Educação Especial e Inclusiva. Apesar do crescimento, a produção ainda se mostrou escassa, tendo poucos periódicos e autores apresentando publicações sobre a formação de professores para a Educação Inclusiva em uma perspectiva escolar, bem como são restritas as áreas de conhecimento que focam nessa questão. Todos os artigos convergiram para a mesma conclusão: a formação docente para a Educação Inclusiva se faz urgente e necessária, mas não está sendo contemplada nos cursos de formação inicial, estando mais a cargo de experiências de formação continuada. Por fim, os autores destacam a limitação do debate da Educação Inclusiva à pessoa com deficiência, tomada a partir da Educação Básica, não contemplando a diversidade de sujeitos que o tema inclusivo abriga e nem a Educação Infantil.
Em termos gerais, observa-se que as revisões realizadas nessa área apresentam uma escassez de estudos sobre a formação de professores em Educação Especial, no contexto da Educação Inclusiva (INGLES et al., 2014; RAIOL; NEGRI; ORLANDO, 2022; et al., 2022), que há uma grande concentração de trabalhos na Região Sudeste (RAIOL; NEGRI; ORLANDO, 2022), sendo
encontrada apenas uma pesquisa com professores da Educação Superior na revisão de Ingles et al. (2014). A despeito disto, considera-se fundamental organizar as evidências encontradas pelos pesquisadores sobre o tema. Entende-se que essa organização pode contribuir, na medida em que permite à comunidade científica visualizar os avanços e fragilidades em torno dessa área e assim direcionar suas ações.
Nessa perspectiva, o presente estudo propôs-se a analisar, por meio de uma revisão integrativa, a produção científica a respeito da formação docente, na área de inclusão escolar de alunos público da Educação Especial, no contexto brasileiro. Importa destacar que a existência de outras revisões de literatura sobre a temática (INGLES et al., 2014; MONTI, SIGOLO, 2019; RAIOL, NEGRI, ORLANDO, 2022; RODRIGUES et al., 2022) permite triangular os resultados, sem inviabilizar o estudo proposto, uma vez que esse possui escopo, metodologia de seleção e análise de dados diferentes dos anteriores, bem como apresenta um corpus textual mais amplo.
Método
A pesquisa, ora apresentada, se constitui em uma revisão integrativa da literatura, de abordagem quantitativa-qualitativa.
A revisão da literatura é um levantamento dos estudos preexistentes sobre um determinado tema (ROTHER, 2007). Particularmente, a revisão integrativa é uma abordagem metodológica mais ampla, que permite sintetizar o conhecimento de vários estudos (experimentais e não-experimentais, teóricos e empíricos), identificar conclusões genéricas e as lacunas de uma determinada área (RIBEIRO, 2014). Para tanto, é necessário estabelecer critérios específicos e claros para identificação, seleção, avaliação, coleta e análise dos trabalhos para responder a uma pergunta específica (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
Este estudo baseou-se nos sete passos das orientações da Cochrane para o uso da Medicina Baseada em Evidências (MBE): (1) formulação da pergunta, (2) localização e seleção dos estudos, (3) avaliação crítica dos artigos, (4) coleta de dados, (5) análise e apresentação dos dados, (6) interpretação dos dados, (7) aprimoramento da revisão (ROTHER, 2007).
O primeiro passo foi a formulação da pergunta que norteou a revisão, utilizando-se a estrutura P. V. O (BIRUEL; PINTO, 2011). Considerando-se que P refere-se à situação problema, participantes ou contexto, estabeleceu-se a inclusão escolar de alunos público da Educação Especial. Enquanto V, que está relacionado à variável principal do estudo, foi a formação docente. E O, resultado esperado, definiu-se a inclusão escolar de alunos público da Educação Especial. Assim, a pergunta da pesquisa é: qual a formação dos docentes para inclusão escolar de alunos público da Educação Especial?
O segundo passo, localização e seleção dos estudos, foi realizado no Portal de Periódicos da Capes, através da “busca avançada”, selecionadas as opções “no assunto”, “é (exato)” e “artigos”, sem nenhum recorte temporal. De acordo com a estrutura P. V. O., realizou-se os cruzamentos das palavras-chaves Educação Inclusiva (ou Inclusão Escolar ou Inclusão Educacional ou Educação Especial) e Formação de Professores (ou Formação Docente) e obteve-se 176 artigos (Figura 1).
A análise inicial dos 176 artigos resgatados no Portal de Periódicos da Capes culminou com a exclusão de 30 trabalhos repetidos, 77 que eram artigos teóricos, 31 que não estavam relacionados ao tema e dois cuja versão completa não estava disponível. Os 36 estudos que passaram por essa etapa inicial foram submetidos à avaliação crítica com base em dois testes de relevância, TI e TII.
O Teste de Relevância I (TI), terceiro passo, foi realizado pela própria pesquisadora, que, após a leitura dos resumos dos 36 artigos, respondeu afirmativa ou negativamente, às seguintes questões: O estudo está em forma de artigo científico? A pesquisa é sobre formação docente sobre Educação Inclusiva de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação? O objetivo do estudo é apresentado claramente? A pesquisa foi realizada no Brasil? Foram excluídos dois trabalhos que não estavam em formato de artigo e três que não foram realizados no Brasil. Os 31 estudos que obtiveram resposta afirmativa para todas as questões supracitadas foram selecionados para o Teste de Relevância II.
O Teste de Relevância II (TII) foi realizado por dois juízes independentes com conhecimento na área que, após a leitura dos artigos na íntegra, responderam afirmativa ou negativamente, às seguintes questões: O objetivo está claro e bem definido? O objetivo tem relação com a formação docente para Educação Inclusiva de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação? O método está descrito com clareza? O método é adequado para alcançar os objetivos propostos? A maneira de analisar os dados permite alcançar os objetivos propostos pelo estudo? Os artigos que tiveram resposta afirmativa para, no mínimo, três dessas questões, por ambos os juízes, foram selecionados para a análise. Em caso de empate, o estudo foi avaliado por um terceiro juiz. Houve a exclusão de dois artigos nessa etapa. Um índice de confiabilidade (IC) entre os juízes foi calculado com base na seguinte fórmula: IC = A x 100/A+D, de modo que se obteve um IC no valor de 97,1%.
Para coleta de dados, quarto passo, os 29 artigos que constam no Quadro 2 foram salvos e lidos na íntegra.
Nº | Referência | Nº | Referência |
---|---|---|---|
1 | Castro (2005) | 16 | Antunes, Rech e Ávila (2016) |
2 | Procópio et al. (2010) | 17 | Spinazolaet al. (2016) |
3 | Reis, Eufrásio e Bazon (2010) | 18 | Pasian, Mendes e Cia (2017) |
4 | Oliveira e Souza (2011) | 19 | Fiorini e Manzini (2017) |
5 | Rodrigues e Capellini (2012) | 20 | Amorim, Lima e Araújo (2017) |
6 | Marquezine, Leonessa e Busto (2013) | 21 | Rosin-Pinolaet al. (2017) |
7 | Pereira, Benite e Benite (2013) | 22 | Rodrigues e Passerino (2018) |
8 | Barbosa-Vioto e Vitaliano (2013) | 23 | Barreto e Shimazaki (2019) |
9 | Souza, Silvero e Galhardi (2014) | 24 | Rech e Negrini (2019) |
10 | Carvalho-Freitas et al. (2015) | 25 | Escobar e Carlesso (2019) |
11 | Lima e Dorziat (2015) | 26 | Teixeira Júnior e Souza (2019) |
12 | Pereira et al. (2015) | 27 | Felicio e Gonçalves (2019) |
13 | Tavares, Santos e Freitas (2016) | 28 | Lago e Tartuci (2020) |
14 | Pires (2016) | 29 | Bordão, Barbosa e Fernandes-Sobrinho (2020) |
15 | Souza e Silva (2016) |
Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras (2022).
Na sequência (quinto passo), os estudos foram analisados quanto à: 1) Caracterização geral; 2) Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino.
A análise dos dados da “Caracterização geral” foi realizada no Excel do pacote Office da Microsoft. Para a análise da “Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino” foi utilizado o Interface de R pourlesAnalysesMultidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), que é um software livre que realiza análises estatísticas em corpus textuais e tabelas indivíduos/palavras com o uso do software R e na linguagem Python (LINS, 2017; SALVIATI, 2017). Para tanto, o corpus textual foi composto da sessão de resultados e discussão de todos os artigos, excluindo-se gráficos, quadros, tabelas e figuras, porque o programa não os reconhece.
No Iramuteq, foram realizadas as Análises lexicográficas clássicas, a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e a Análise Fatorial de Correspondência (AFC). As Análises lexicográficas clássicas executam estatística simples com a identificação, reformulação, frequência e média dos textos, segmentos de texto e palavras. A CHD realiza a correlação de segmentos de texto e seus vocabulários, agrupando-os em classes com vocabulário semelhante entre si, mas divergente das outras classes (SALVIATI, 2017). Ela
ainda apresenta a quantidade, porcentagem, Teste Qui-quadrado (X²), tipo, forma e probabilidade das palavras em relação à sua classe. A AFC realiza uma análise fatorial, utilizando a frequência e os valores de correlação do X² das palavras do corpus de acordo com as variáveis selecionadas (LINS, 2017).
Posteriormente, foram apresentadas as interpretações para esses dados (sexto passo) e realizadas sugestões de aprimoramento da revisão (sétimo passo), com a identificação de lacunas e sugestões de pesquisas futuras.
Resultados
A apresentação dos resultados está dividida em 1) Caracterização geral e 2) Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino.
Caracterização geral
O presente estudo analisou 29 artigos e, mesmo sem nenhum recorte temporal durante a busca, observou-se que eles foram publicados entre 2005 e 2020. A Tabela 1 apresenta
os dados referentes ao ano, à classificação do QUALIS das revistas, ao nível de ensino, aos participantes e à Região em que foi realizada a pesquisa.
Descrição | Quantidade | |
---|---|---|
Ano | 2005 a 2010 | 3 |
2011 a 2015 | 9 | |
2016 a 2020 | 17 | |
QUALIS | A1 | 3 |
A2 | 16 | |
B1 | 4 | |
B2 | 3 | |
B4 | 3 | |
Nível de ensino | Educação Básica | 23 |
Educação Superior | 6 | |
Participantes | Alunos de Graduação e Pós-Graduação | 11 |
Gestão | 10 | |
Professor de Educação Especial | 10 | |
Professor de Educação Física | 2 | |
Professor de Educação Superior | 5 | |
Professor de Sala Comum | 13 | |
Profissionais da Educação Básica | 4 | |
Outros | 1 | |
Região | Centro-Oeste | 6 |
Nordeste | 2 | |
Norte | 0 | |
Sudeste | 13 | |
Sul | 7 |
Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras (2022).
Verificou-se que o intervalo de 2016 a 2020 teve o maior número de estudos e que foram publicados em periódicos que possuem QUALIS A2. A maioria das pesquisas foi desenvolvida na Educação Básica com professores de sala comum e realizada na Região Sudeste. Houve um estudo que teve participantes de 20 estados brasileiros e não foi classificado em nenhuma das regiões na tabela. Ressalta-se ainda que foram escassos os trabalhos que investigaram a Educação Superior e nenhum foi realizado na Região Norte.
Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino
No que concerne à análise dos resultados das pesquisas, foram realizadas as Análises Lexicográficas Clássicas, a Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e a Análise Fatorial de Correspondência (AFC), no softwareIramuteq. Na CHD, foi apresentada a caracterização de cada classe, com trechos dos estudos que a exemplificam, a conclusão de suas pesquisas, uma descrição da palavra que obteve o maior X² e o resumo de um artigo que melhor representou as especificidades da classe.
O corpus geral foi constituído por 29 textos, divididos em 2.204 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 1.939 ST (87,98%). Emergiram 77.990 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 8.124 palavras distintas e 3.896 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado foi distribuído em duas ramificações (subcorpus A e B) e categorizado em três classes (1, 2 e 3), conforme a figura 2. O subcorpus A, “Formação em Educação Especial”, foi constituído pela Classe 1, “Análise do processo de formação docente na área de Educação Especial”, com 748 ST (38,58%). O subcorpus B, “Atuação pedagógica no contexto escolar” foi composto pela classe 2, “Ações de formação continuada para atuação pedagógica no contexto escolar”, com 577 ST (29,76%) e classe 3, “Perfil de formação dos professores em Educação Especial”, com 614 ST (31,67%). A Figura 2 apresenta as evocações que emergiram em cada classe, com vocabulário semelhante entre si e diferente das outras classes. Ela também destaca as palavras que apresentaram maior relevância em cada classe, de acordo com o X²:
Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras a partir dos dados da análise de Classificação Hierárquica Dependente (CHD) no Iramuteq (2022).
A Classe 1 “Análise do processo de formação docente na área de Educação Especial” constituiu-se de palavras e radicais com p < 0,0001 no intervalo entre X² = 29,38 (sentir) e X² = 65,85 (aprender). Verificou-se que os artigos descreviam a análise do processo de formações realizadas em Educação Especial com profissionais da Educação e graduandos (CASTRO, 2005; PEREIRA; BENITE; BENITE, 2013; PROCÓPIO et al., 2010) e os seus sentimentos em relação à inclusão dos alunos PEE (CARVALHO-FREITAS et al., 2015; CASTRO, 2005).
Observou-se que as formações analisadas variaram entre especialização (MARQUEZINE; LEONESSA; BUSTO, 2013), disciplina da graduação (CARVALHO-FREITAS et al., 2015), e grupos semanais ou quinzenais que tiveram de três a oito encontros (CASTRO, 2005; PEREIRA; BENITE; BENITE, 2013; PROCÓPIO et al., 2010). Participaram
tanto professores de sala comum quanto da Educação Especial, alunos de graduação e pós-graduação e professores da Educação Superior. Alguns dos sentimentos relatados pelos participantes foram angústia, ansiedade, compaixão/piedade, culpa, incapacidade, incerteza, incompetência, insegurança, insensibilidade e nojo/repugnância (CASTRO, 2005; CARVALHO-FREITAS et al., 2015), conforme trecho a seguir:
Compareceram neste primeiro encontro seis professoras do município de Duque de Caxias. Após a apresentação da proposta pela mediadora, as participantes se apresentaram, colocaram para o grupo suas expectativas e fizeram questionamentos sobre o desenvolvimento do trabalho. Ficou aparente, por parte de algumas, um certo ceticismo quanto à continuidade e a objetividade dos encontros, além de sentimentos de incerteza e insegurança que as novas experiências geralmente despertam. No entanto, no decorrer da reunião, esses sentimentos foram sendo substituídos por sentimentos de identificação com as dificuldades das outras participantes, o que conduziu ao início do rompimento com as defesas pessoais (CASTRO, 2005).
Por fim, observou-se conclusões semelhantes nos estudos que compõem essa classe. Carvalho-Freitas et al. (2015), Castro (2005), Pereira, Benite e Benite (2013) e Procópio et al. (2010) concluíram que houve contribuição para formação docente na perspectiva da Educação Inclusiva, com mudanças na prática pedagógica e na concepção sobre as pessoas com deficiência dos participantes, bem como ressaltaram a necessidade de aliarem a teoria com a prática.
A palavra Aprender (57 ST; X² = 65,85) foi a que mais se destacou nessa classe e se referia à capacidade do aluno e à modificação das crenças e concepções dos professores, em relação à inclusão dos discentes:
No começo, o que chama a atenção é a deficiência. Depois, vamos aprendendo que é preciso olhar para as potencialidades que podem ajudar a vencer as dificuldades (CARVALHO-FREITAS et al., 2015).
Marquezine, Leonessa e Busto (2013) identificaram as dificuldades enfrentadas por 50 professores de Educação Especial, no início da profissão, com vistas a futuras alterações dos currículos dos cursos de formação de professor. Verificou-se que eles relataram ter dificuldade, devido à falta de conhecimento sobre a deficiência, no manuseio dos comportamentos inadequados dos discentes e na comunicação com alunos com deficiência. Também destacaram a falta de conhecimento pedagógico concomitantemente à falta de apoio da rede de profissionais da educação; citaram a ansiedade do professor devido à aprendizagem lenta do aluno, o comportamento profissional inadequado de colegas, o preconceito, os problemas no relacionamento com a família dos alunos e a presença de sentimentos como a ansiedade, a angústia e a frustração, dentre outros. Concluiu-se que o apoio pedagógico da gestão ou de um professor mais experiente é fundamental para inclusão escolar.
A Classe 2 “Ações de formação continuada para atuação pedagógica no contexto escolar” constituiu-se por palavras e radicais com p < 0,0001 no intervalo entre X² = 15,53 (respeito) e X² = 91,97 (prático). Identificou-se que os artigos descreviam e analisavam formações continuadas (ANTUNES; RECH; ÁVILA, 2016; FELICIO; GONÇALVES, 2019; LAGO; TARTUCI, 2020). Os estudos destacavam as divergências entre a teoria e o cotidiano escolar (LIMA; DORZIAT, 2015), a falta de preparo dos professores (FELICIO; GONÇALVES, 2019; LIMA; DORZIAT, 2015), as dúvidas sobre a qualidade do ensino, as barreiras no cotidiano escolar (FELICIO; GONÇALVES, 2019) e as adaptações para pessoas com deficiência (ANTUNES; RECH; ÁVILA, 2016). Adicionalmente, a consultoria colaborativa foi sugerida como uma das possíveis soluções, diante das dificuldades de inclusão (LAGO; TARTUCI, 2020).
Essa classe obteve a maior variabilidade de resultados em suas pesquisas, que apresentaram diferentes modelos formativos e citaram barreiras no cotidiano escolar como a falta de suporte, tanto da rede de ensino (LIMA; DORZIAT, 2015) quanto de professores de apoio à inclusão (FELICIO; GONÇALVES, 2019). Foram destacados ainda a realidade do aluno (LIMA; DORZIAT, 2015), o despreparo do professor (LIMA; DORZIAT, 2015), o número de estudantes em sala, como uma dificuldade no atendimento individualizado (FELICIO; GONÇALVES, 2019), e a necessidade de formação na área da Educação Inclusiva (FELICIO; GONÇALVES, 2019). Ressaltaram, como adaptações para pessoas com deficiência, a importância da diversidade de materiais, de atividades diferenciadas, de agrupamentos em aula, o estabelecimento de parcerias para que a inclusão seja efetivada e de apoio, tanto da comunidade escolar quanto da família do aluno com deficiência (ANTUNES; RECH; ÁVILA, 2016). O trecho a seguir exemplifica essa classe:
a interação entre os professores regentes de referência e os professores de apoio à inclusão em geral ocorre de forma isolada, sem que haja um planejamento conjunto ou mesmo um diálogo, condição distinta das estratégias adotadas pelo ensino colaborativo, que “é uma estratégia eficaz a qual exige a participação, compromisso, apoio mútuo, flexibilidade, partilha de saberes dos profissionais envolvido (LAGO; TARTUCI, 2020).
Observou-se diferentes conclusões nos estudos que compõem essa classe. Lima e Dorziat (2015) verificaram que havia desencontro entre a realidade da inclusão escolar e os discursos oficiais. Felicio e Gonçalves (2019) consideraram que tinham profissionais da educação que se posicionavam mais como motivadores do que como mediadores da formação dos alunos com deficiência. Lago e Tartuci (2019) destacaram a necessidade de melhorar a relação entre o professor de apoio e o professor regente, bem como de repensar a formação docente para Educação Inclusiva com base na colaboração entre esses profissionais (de acordo com as demandas do contexto escolar e envolvendo todos os profissionais da escola). Além disso, Antunes, Rech e Ávila (2016) identificaram a contribuição do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) para formação e atuação dos professores com alunos com deficiência.
A palavra Prático (135 ST; X² = 91,97) foi a que mais se destacou nessa classe e se referia à prática pedagógica e às suas mudanças no contexto escolar, após a formação docente:
As ações do programa contribuíram no sentido de possibilitar o direcionamento de um novo olhar para estes alunos e igualmente para o grupo, com o intuito de desconstruir práticas excludentes, tornando-as práticas transformadoras que considerem o aluno como sujeito ativo no processo de aprendizagem e respeitem suas capacidades (ANTUNES; RECH; ÁVILA, 2016).
Lago e Tartuci (2020) analisaram a Consultoria Colaborativa como estratégia pedagógica para formação continuada de seis professoras que atuavam com estudantes com deficiência intelectual. Os resultados indicaram que a Consultoria Colaborativa contribuiu para proporcionar mudanças pedagógicas na prática docente, tanto em sala de aula quanto na escola e na concepção da capacidade de aprendizagem do aluno com deficiência intelectual. Ela fomentou a colaboração entre o professor regente, o de apoio e o da sala de recursos multifuncionais nas escolas, e, na concepção das professoras, ampliou os conhecimentos, através da parceria universidade/escola articulada ao cotidiano escolar. As autoras concluíram que é necessário repensar a formação docente para Educação Inclusiva, de acordo com as necessidades presentes no contexto escolar, envolvendo o professor dos alunos com deficiência e toda a equipe gestora e administrativa da escola, conforme ocorre em um curso baseado na colaboração.
A Classe 3 “Perfil de formação dos professores em Educação Especial” constituiu-se por palavras e radicais com p < 0,0001 no intervalo entre X² = 15,16 (psicologia) e X² = 192,92 (formação). Trata-se da classe que apresentou o maior número de artigos, mas com pouca variabilidade no tema de suas pesquisas. Observou-se que os artigos descreviam a formação e o preparo dos participantes para atuar com alunos PEE (BARBOSA-VIOTO; VITALIANO, 2013; PASIAN; MENDES; CIA, 2017; SOUZA; SILVA, 2016; SPINAZOLA et al., 2016), conforme citado no trecho:
O PAR;Plano de Ações Articuladas; de 2011 afirma que “todos os professores que atuam no Atendimento Educacional Especializado participam ou participaram de cursos com formação específica para o AEE”, mas os dados das entrevistas revelaram que apenas 25% dos profissionais que atuam no AEE da escola investigada se sentem preparados para essa função. É preciso avaliar como vem acontecendo essa formação e sua coerência com a realidade vivenciada pelos profissionais no dia a dia da escola (SOUZA; SILVA, 2016).
Observou-se também conclusões semelhantes nos estudos que compõem essa classe. Barbosa-Vioto e Vitaliano (2013), Pasian, Mendes e Cia (2017), Spinazolaet al. (2016) e Teixeira Júnior e Souza (2019) verificaram que a maioria dos participantes não tinha formação na área e/ou não se sentia suficientemente preparada para atuar com esse público, seja em sala comum ou no Atendimento Educacional Especializado. Souza e Silva (2016) indicaram a necessidade de repensar e rever as formações para que possam atender às demandas do contexto escolar.
A palavra Formação (320 ST; X² = 192,92) foi a que mais se destacou nessa classe e referia-se tanto à formação que os professores tinham quanto à que faltava ou que precisavam ter para atuar com os alunos PEE:
Os participantes também apresentaram algumas críticas ao processo de formação que vivenciaram. Essas, como veremos, foram congruentes com suas dúvidas: São poucas as horas dentro destas disciplinas específicas e não temos oportunidades de estágio na área (BARBOSA-VIOTO; VITALIANO, 2013).
Pasian, Mendes e Cia (2017) analisaram a opinião de 1.202 professores de sala de recursos multifuncionais (SRM), das redes municipais de ensino, de mais de 150 cidades de 20 estados, que responderam a um questionário online em relação à sua formação. Verificou-se que 58,3% indicaram ser necessário formação para ensinar todos os alunos PEE; a maioria informou que a inclusão escolar e a Educação Especial foram abordadas superficialmente na graduação e 43,6% relataram que se sentiam parcialmente preparados para atuar com a diversidade de discentes com necessidades educacionais específicas.
Por outro lado, 80,7% conseguiram realizar cursos voltados para atender às necessidades específicas de seus alunos, 95,1% consideraram que essas capacitações ajudaram o seu trabalho docente, 71,4% buscavam informações com professores mais experientes para complementar sua formação, 78,3% eram chamados pela escola para fazer cursos e capacitações, 81,4% reconheceram a necessidade de realizar formação para trabalhar em colaboração com os outros educadores da escola e 65,4% relataram que tinham tempo de discutir com os docentes sobre os alunos da SRM, no horário de trabalho coletivo. Concluiu-se que os participantes indicaram que não se sentiam preparados e que a formação continuada contribuía para o aprimoramento de seus conhecimentos (PASIAN, MENDES; CIA, 2017).
Na Análise Fatorial Combinatória (AFC), também realizada no Iramuteq, comparou-se as diferenças de evocações entre as categorias de ensino, independentemente da classe, somente com as formas ativas e que tinham frequência mínima de 75. Observou-se que as palavras com maior frequência e que se destacaram, no que tange à Educação Básica, foram “Professor”, “Escola”, “Atendimento Educacional Especializado”, “Grupo”, “Atuar”, “Estratégia” e “Apoio”. Para Educação Superior, foram “Disciplina”, “Público da Educação Especial”, “Pessoa com deficiência”, “Aluno”, “Inclusão”, “Deficiência”. Dessa forma, observou-se que, na Educação Básica, houve foco no contexto, enquanto na Educação Superior foi na pessoa.
Discussão
A discussão está organizada de acordo com os tópicos descritos na seção de resultados:1) Caracterização geral e 2) Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino.
Caracterização geral
O aumento observado no período de 2016 a 2020, na publicação de artigos sobre o objeto desta revisão, pode estar relacionado às legislações, como a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva - PNEEPEI (BRASIL, 2008) e à Lei Brasileira de Inclusão - LBI (BRASIL, 2015a), que asseguram o direito à educação das pessoas PEE nas salas comuns. Esse resultado corrobora com Monti e Sigolo (2019) sobre o crescimento e a importância dispensada a formação docente para inclusão educacional de alunos PEE, após a promulgação da PNEEPEI, em 2008. Adicionalmente, esse dado pode estar associado à mudança da função da Educação Especial, de substitutiva para transversal, a partir da PNEEPEI (BRASIL, 2008), e ao crescimento de 79,6%do número de matrículas na Educação Básica e 136,3% na Educação Superior (BRASIL, 2019; 2021). O aumento do número de alunos PEE nas salas comuns parece ter provocado a necessidade de formação dos professores sobre a inclusão escolar e, consequentemente, de pesquisas nessa área.
Observou-se que a maioria dos artigos está em periódicos de QUALIS A2, que é o segundo maior estrato indicativo de qualidade na área da Educação para a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). O QUALIS é utilizado pela CAPES para verificar a qualidade da produção intelectual dos Programas de Pós-Graduação, inclusive dos periódicos científicos ligados a eles. O QUALIS Periódicos é composto de oito estratos e a classificação de cada periódico pode variar de uma área para outra. Os estratos A1 e A2 juntos devem corresponder a, no máximo, 26% dos periódicos da área. Os periódicos indicados nos estratos A1, A2, B1 e B2 possuem fator de impacto. O estrato A2 tem fator de impacto entre 3,799 e 2,500 (UNICAMP, 2017). Dessa forma, apesar da escassez de pesquisas sobre formação docente na área de Educação Especial, os resultados sugerem que os pesquisadores estão preocupados em produzir conhecimento com rigor científico.
Verificou-se uma maior concentração de estudos na Educação Básica, que pode estar relacionada à proporção de matrículas de alunos PEE, nesse nível de ensino, pois havia 1.142.490 matrículas na Educação Básica e 48.520 na Educação Superior (BRASIL, 2019; 2021). Por outro lado, identificou-se que há um reduzido número de pesquisas na Educação Superior, o que pode ter sido influenciado por não haver um detalhamento na legislação sobre a formação que os professores universitários devem ter para atuarem com os discentes PEE.
Notou-se, ainda, que as pesquisas têm enfocado a formação de outros grupos, além do professor de sala comum e o da Educação Especial, como graduandos, pós-graduandos, gestores, professores de Educação Física e da Educação Superior e outros profissionais da Educação Básica. Isso parece indicar um maior envolvimento da comunidade escolar (BRASIL, 2015a) e o início de uma mudança de cultura na qual se compreende que o aluno PEE é responsabilidade da escola e do sistema educacional de ensino como um todo, tal como preconiza a Educação Inclusiva (BRASIL, 2015a).
A concentração de pesquisas na Região Sudeste e a ausência de estudos na Região Norte podem estar relacionadas ao número de Programas de Pós-Graduação (PPG’s) que existem nas diferentes regiões brasileiras (Tabela 2), uma vez que, no Brasil, a atividade científica é desenvolvida principalmente nas Universidades, especialmente nos PPG’s.
Região | Número de Programas de Pós-Graduação |
---|---|
Centro-Oeste | 398 |
Nordeste | 962 |
Norte | 283 |
Sudeste | 1982 |
Sul | 989 |
Total | 4614 |
Fonte: Plataforma Sucupira (s/d).
Observou-se uma relação proporcional: a Região que possuía o maior número de PPG’s foi a que produziu o maior número de artigos relacionados ao tema desta revisão. Assim como a Região que possuía o menor número de PPG’s foi a que não produziu nenhum artigo nessa área. Ressalta-se ainda que a Região Sudeste possuía o único PPG específico na área da Educação Especial, o que também pode ter contribuído para o maior número de produções nessa parte do país.
Além disso, esses resultados corroboram os achados da revisão de literatura realizada por Raiol, Negri e Orlando (2022) sobre a concentração dessas produções na Região Sudeste e ratifica a necessidade de maiores investimentos, reconhecimento e representatividade de pesquisas da Região Norte nessa área (RAIOL; NEGRI; ORLANDO, 2022).
Formação docente sobre Educação Especial no Brasil: análise do processo, ações, perfil de formação e níveis de ensino
Classe 1: Análise do processo de formação docente na área de Educação Especial
Observou-se, na Classe 1, estudos que descreveram a formação para atuais e futuros professores de todos os níveis de ensino e outros profissionais da educação (CASTRO, 2005; PEREIRA; BENITE; BENITE, 2013; PROCÓPIO et al., 2010). Esses resultados indicam a ampliação da participação dos diferentes profissionais da educação nas formações e corroboram a viabilidade de um sistema educacional inclusivo como um todo, conforme estabelece a LBI (BRASIL, 2015a).
Também se constatou variabilidade no tipo, na frequência e na carga horária das formações (CARVALHO-FREITAS et al., 2015; CASTRO, 2005; MARQUEZINE; LEONESSA; BUSTO, 2013; PROCÓPIO et al., 2010; PEREIRA; BENITE; BENITE, 2013). Esses resultados ratificam a presença de conteúdos sobre a Educação Especial tanto na formação inicial quanto na continuada, conforme o estabelecido no Plano Nacional de Educação, para o período de 2014 a 2024 (BRASIL, 2014). A grande diversidade no tipo de formações parece ter atendido às diferentes demandas presentes no cotidiano escolar e colaborado para mudanças de crenças, práticas e concepções docentes, nessa área. No entanto, a falta de regulamentação de carga horária mínima exigida, assim como a falta de clareza, no que concerne aos conteúdos que precisam ser trabalhados nessas formações, podem explicar o fato de que a maioria dos participantes das pesquisas analisadas tenha considerado as formações insuficientes.
Classe 2: Ações de formação continuada para atuação pedagógica no contexto escolar
A análise da Classe 2 evidenciou que as formações continuadas identificaram barreiras para o processo de inclusão escolar (ANTUNES; RECH; ÁVILA, 2016; FELICIO; GONÇALVES, 2019; LAGO; TARTUCI, 2020; LIMA; DORZIAT, 2015). Sugeriu-se ainda, a formação baseada na colaboração entre os profissionais da Educação Especial e do Ensino Comum como estratégia para superação dessas barreiras (LAGO; TARTUCI, 2020).
Esses dados ratificam os achados de Souza e Mendes (2017), que indicaram que a colaboração contribuiu para formação continuada de professores da Educação Especial e do ensino comum. Também corroboram a conclusão de Silva, Souza e Ferreira (2019) de que a colaboração da comunidade escolar é um dos aspectos que favorece a inclusão escolar. Considerando que, na colaboração, os objetivos, bem como o planejamento e a execução de ações, são determinados pelo grupo (DAMIANI, 2008), compreende-se que a formação será voltada para as demandas do contexto desse coletivo. Com isso, é possível estabelecer uma relação imediata e cotidiana entre a teoria e a prática, ao contextualizar o conhecimento. Esse movimento permite ressignificar e auxiliar na viabilização de práticas mais inclusivas e, consequentemente, na eliminação de barreiras e na melhoria da qualidade de ensino dos alunos PEE.
Classe 3: Perfil de formação dos professores em Educação Especial
Na Classe 3, verificou-se que a maioria dos graduandos e professores que participou das pesquisas não se sentia preparada para atuar com os alunos PEE (BARBOSA-VIOTO; VITALIANO, 2013; PASIAN; MENDES; CIA, 2017; SOUZA; SILVA, 2016; SPINAZOLA et al., 2016; TEIXEIRA JÚNIOR; SOUZA, 2019).
Esse resultado converge para a falta de preparo relatada, tanto por atuais quanto por futuros docentes, nos estudos de Flores e Krug (2010) e Terra e Gomes (2013). Para os graduandos, isso pode estar relacionado à concentração desse tema apenas na disciplina específica da área, durante a graduação, o que não lhes permite se apropriar dos conhecimentos necessários para o cotidiano escolar (FLORES; KRUG, 2010). Tal prática contradiz a perspectiva da Educação Especial transversal a todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 2008), pois ela deveria permear as disciplinas do currículo, principalmente das licenciaturas.
Para os professores, pode ocorrer que, mesmo participando de formações sobre inclusão escolar, ainda não se sintam preparados para atuarem com alunos PEE (TERRA; GOMES, 2013). Verifica-se que a falta de clareza, quando se organiza os cursos de formação de professores, no que se refere aos conteúdos e à carga horária necessária no contexto da inclusão, acarreta prejuízos que se acumulam ao longo do tempo e que se revelam na prática profissional. Dessa forma, observa-se uma falta de consenso sobre as formações que ocorrem na área da Educação Especial (KASSAR, 2014) e verifica-se a necessidade de ampliar os estudos que investiguem a qualidade e a eficácia desses procedimentos (TERRA; GOMES, 2013).
Os resultados ratificam ainda as reflexões propostas na revisão sistemática realizada por Ingleset al. (2014) sobre o descompasso entre os avanços das políticas públicas para Educação Inclusiva e a formação de professores e as práticas pedagógicas para o atendimento de alunos PEE.
Níveis de ensino: AFC
Verificou-se que as palavras que se destacaram nas pesquisas realizadas na Educação Básica evidenciaram aspectos do contexto social e escolar mais amplo. Essas palavras remetiam à interação da pessoa PEE com as barreiras, devido ao ambiente, processo ou atitudes. Pode-se depreender que esses trabalhos abordaram temáticas coerentes com a atual concepção de deficiência. Para a qual, a deficiência ocorre na interação da pessoa PEE com barreiras que “podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (BRASIL, 2009).
Por outro lado, as palavras ressaltadas nos estudos realizados na Educação Superior enfatizaram a pessoa PEE, pois remetiam ao indivíduo. Esses resultados refletem uma concepção desatualizada, que destaca a deficiência como da pessoa (BRASIL, 2009). Dessa forma, evidencia-se a necessidade de ampliar a abrangência (quantitativa e qualitativa) das pesquisas na Educação Superior, principalmente, com enfoque no contexto.
Considerações finais
A presente pesquisa indicou que ocorreu um aumento de artigos na área de formação docente para inclusão escolar, nos últimos anos, publicados em periódicos de qualidade elevada, na Região Sudeste, com participantes da Educação Básica e de sala comum. Esse crescimento parece acompanhar as mudanças nas políticas públicas nacionais, ao mesmo tempo em que essas publicações evidenciam o descompasso entre os avanços políticos, a formação de professores e as práticas pedagógicas para o atendimento de alunos PEE. Adicionalmente, observou-se escassez de pesquisas que descrevam, acompanhem e avaliem formações, principalmente, no contexto da Educação Superior e na Região Norte.
Os estudos revelaram grande variabilidade nas formações existentes e, que mesmo participando dessas formações, muitos docentes declararam não se sentirem preparados para atuarem com alunos PEE. Observou-se a necessidade de a legislação estabelecer os conteúdos e a carga horária das formações de maneira clara e objetiva. Issopoderia evitar lacunas formativas, abordagens dos mesmos temas e distanciamento do cotidiano escolar. As pesquisas sugerem ainda a formação com base na colaboração entre os professores e demais profissionais da educação como uma alternativa que pode contribuir com a melhoria na qualidade das formações e, consequentemente, do ensino dos alunos PEE.
Apesar das contribuições do presente estudo, esta revisão apresenta limitações, dentre essas, destaca-se o uso de uma única base de dados para busca de artigos e a não utilização de dissertações e teses. Nesse sentido, sugere-se que pesquisas futuras investiguem outras bases de dados, bem como a realização de uma pesquisa longitudinal que descreva, acompanhe e avalie um programa de formação para professores sobre a inclusão de estudantes PEE, especialmente, na Educação Superior.