Introdução
Um curso técnico, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (Resolução Federal 6, 2012), é caracterizado como um tipo de formação em que teoria e prática são indissociáveis no processo de ensino-aprendizagem. Sua finalidade é proporcionar ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais necessários ao exercício profissional e da cidadania, com base nos fundamentos científico-tecnológicos, socio-históricos e culturais.
A oferta de cursos técnicos de nível médio no Brasil, seja em instituições públicas ou privadas, está condicionada ao cumprimento da legislação das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, regida pela Lei Federal nº 9.394 de 20 setembro de 1996, Seção IV-A, art. 36-A, B, C e D, atualizada pela Lei Federal nº 11.741 de 16 de julho de 2008. Seu objetivo é redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica (Câmara dos Deputados, 2008). Diante da legislação, a oferta desses cursos no Brasil está limitada à condição de articulação com o ensino médio ou subsequente a ele, podendo ser integrada ou concomitante a essa etapa da educação básica (Resolução Federal 6 [RF 6], 2012). Os cursos técnicos presenciais subsequentes ao ensino médio, foco do presente estudo, tem como carga-horária total de 800 a 1000 horas-aula (Ministério da Educação do Brasil, 2017) e deve atender às diretrizes da RF 6 (2012), em relação à infraestrutura, laboratórios, qualificação, habilitação docente, plano de curso e projeto político pedagógico.
Particularmente, em relação às instituições de ensino técnico privadas, além de atenderem a legislação específica, precisam formular permanentemente políticas de desenvolvimento para criarem condições de sobrevivência em um mercado que sofre rápidas e extremas mudanças (Arthur & Pinto, 2017). Assim, ofertar ensino de qualidade torna-se imprescindível em um mercado competitivo, mas que pode não ser garantido apenas com infraestrutura adequada e docência qualificada. Nesse sentido, é preciso ampliar o entendimento quanto à qualidade no ensino e perceber que as relações de convivência diárias no âmbito da escola, estabelecidas por professores e por estudantes, também são importantes.
Para Clavijo, Delgado e Mahecha (2014), a qualidade dessa convivência configura o clima escolar, que pode ser avaliado através da percepção de professores e estudantes, possibilitando dimensionar a qualidade de ensino ofertado pela instituição. Contudo, no presente estudo, o entendimento do clima escolar, para além da qualidade relacional, também engloba o caráter da vida escolar, suas normas, valores e expectativas que apoiam as pessoas que ali interagem social, emocional e fisicamente (Bear, Gaskins, Pell, & Yang, 2014).
Destaca-se que poucas pesquisas têm investigado tal construto em escolas de ensino médio de nível técnico. No Brasil, localizou-se o trabalho de Comini e Uemura (2017), que considerou a percepção de professores, revelando que o clima escolar positivo era fator determinante para o bom nível de aprendizagem dos estudantes em escolas técnicas estaduais de ensino profissionalizante de Cotia e São Roque, em São Paulo. No contexto internacional, encontrou-se apenas o estudo de Santos (2016), que constatou que o clima escolar era um dos fatores relevantes a ser analisado pela percepção dos estudantes de escolas públicas de ensino médio profissionalizante de Lisboa/Portugal, entendendo que tais informações poderiam apontar motivações e expectativas quanto ao curso e à instituição escolar.
De modo geral, predominam os estudos sobre clima escolar em outros níveis de ensino. Nacionalmente, em relação ao ensino fundamental, encontraram-se pesquisas, a exemplo de Souza (2017), que considerou a percepção de professores de escolas públicas no Distrito Federal, identificando que o clima escolar era tanto um fator de proteção, quando avaliado como positivo, como de risco, quando avaliado como negativo, para o uso de drogas nas escolas. Aragão et al. (2016), por sua vez, examinaram a percepção de professores, estudantes e gestores sobre o clima escolar e sua associação com problemas de convivência entre os estudantes do ensino fundamental II de escolas da cidade de São Paulo. Os autores observaram a existência de situações de ameaça, insulto e agressão, mas elas não eram frequentes a ponto de caracterizarem os ambientes como violentos.
Internacionalmente, os estudos sobre clima escolar se voltam mais ao ensino médio e avaliam diferentes aspectos. Bromhead, Lee, Maxwell e Reynolds (2017) associaram o clima escolar positivo ao melhor desempenho dos estudantes de escolas públicas americanas de ensino médio em testes com números, nível de escrita e leitura. Nessa mesma direção, no continente africano, Finch, Mucherah, Thomas e White (2017) indicaram que em escolas públicas de ensino médio no Quênia/Africa, o clima escolar positivo estava associado a menor incidência de comportamentos de bullying e vitimização, assim como o estudo de Fernandez, Vásquez e Zuluaga (2017), que contemplou escolas da Antioquia/Colômbia. Por outro lado, Cornell, Konold e Shukla (2016) examinaram a percepção de estudantes quanto ao clima escolar e comportamentos de risco, tais como provocação, vitimização, intimidação e bullying, mas não encontraram correlações significativas entre as variáveis analisadas nas escolas de ensino médio no estado da Virginia/EUA.
Na Austrália, foram localizados três estudos relacionados ao clima escolar, que foram desenvolvidos em escolas de ensino médio. Um objetivou investigar a relação entre o clima escolar e a percepção de professores quanto aos sintomas de depressão em estudantes. Seus resultados indicaram que um clima escolar positivo estava associado à menor incidência de sintomas depressivos. Contudo, a diferença de gênero e a direcionalidade da associação entre clima escolar e sintomas depressivos ao longo do tempo sugeriram a necessidade de estudos adicionais (Pössel et al., 2016). A segunda pesquisa objetivou avaliar a relação entre clima escolar e formação da identidade dos estudantes quanto a bem-estar, resiliência e identidade moral. Os resultados apresentaram relações positivas entre o clima escolar positivo e cada uma das três variáveis de desfecho (Afari, Aldridge, & Riekie, 2017). O terceiro estudo, por sua vez, buscou examinar a percepção de professores quanto ao clima escolar e sua associação com a satisfação no trabalho. Seus resultados indicaram relações positivas entre um clima escolar positivo, autoeficácia e satisfação do professor no trabalho (Aldridge & Fraser, 2016).
Especificamente quanto à comparação da avaliação do clima escolar entre professores e estudantes em contexto brasileiro, um único estudo foi localizado, o de Morais, Moro e Vinha (2017), que considerou escolas brasileiras públicas e privadas, a partir do sétimo ano do ensino fundamental. Os autores revelaram percepções diferentes através de resultados classificados em pontos positivos e negativos. Quanto aos pontos positivos, três situações concordantes foram identificadas para professores (85%) e estudantes (88%): “a maioria dos professores explica de boa forma”; “a maioria dos professores dá aulas interessantes” e “a maioria dos professores motiva os estudantes a continuarem estudando”. Relativo aos pontos negativos, professores e estudantes divergiram em suas percepções. Os estudantes sinalizaram as situações: “os estudantes participam da elaboração e das mudanças de regras da escola”; “em geral, os estudantes cumprem as regras da escola” e “os estudantes conhecem e compreendem as regras”, cujos percentuais médios para “Nunca” ficaram acima de 70%. Já os professores sinalizaram que “a maioria dos estudantes da minha escola será capaz de ter êxito no ensino superior e em cursos técnicos” e “a maioria dos estudantes da minha escola será capaz de ter ótimo desempenho em avaliações externas”, cujos percentuais médios para “não concordam” ficaram em 68%.
Examinar o clima escolar apenas por meio da percepção de professores ou de estudantes pode ser considerado como uma avaliação parcial. Justifica-se, portanto, que, para uma avaliação integral, há necessidade de, além de considerar a percepção de ambos, compará-los, com vistas a verificar os pontos de concordância, positivos ou negativos, identificando-se, assim, o que está a influenciar o clima escolar (Morais et al., 2017). Diante desse contexto, o presente estudo teve como objetivo caracterizar o clima escolar percebido por professores e estudantes em instituições privadas de ensino de nível técnico de Porto Alegre e região metropolitana, verificando associações e diferenças entre eles.
Método
Delineamento e participantes
Trata-se de um estudo correlacional e comparativo (Collado, Lucio & Sampieri, 2013), de corte transversal e abordagem quantitativa. Sua amostra se caracteriza como não probabilística e foi selecionada por conveniência entre professores e estudantes do ensino técnico de nível médio, vinculados a escolas privadas de Porto Alegre/RS e região metropolitana.
Foram convidados mais de 120 professores; destes, 62 aceitaram participar da pesquisa. Estes atuavam como docentes no ensino técnico, com idade média de 41,74 anos (DP = 12,3), sendo o sexo masculino predominante (61,3%). A maioria era casada (58,1%), com moda de 1 filho, e não apresentavam doença física ou mental (91,9%). Quanto à escolaridade, tinham, predominantemente, especialização (56,5%), com tempo médio de experiência em docência de 10,32 anos (DP = 8,5). Especificamente em relação à docência no ensino médio técnico, 62,9% atuavam somente nesse nível de ensino, com tempo médio de experiência de 6,97 anos (DP = 5,5), com destaque para 7,7% deles que trabalham nos três turnos. A carga-horária trabalhada, em média, era de 3,32 horas (DP = 2,3); sendo ministradas cerca de quatro disciplinas (DP = 2,4) por curso em que lecionavam. Dentre os cursos que atuavam sobressaíram-se o técnico em administração (7,2%) e o técnico em enfermagem (5,1%).
Também foram convidados mais de 300 estudantes, mas aceitaram participar um total de 135, com a idade média de 27,45 anos (DP = 8,4), sendo o sexo masculino predominante (53%). A maioria era solteira (39,4%), sem filhos (67,4%) e não apresentava doenças físicas ou mentais (91,7%). Todos já haviam concluído o ensino médio e cursavam radiologia e enfermagem (13,2%), seguidos por eletroeletrônica (9,1%), administração e automação industrial (7,1%), sendo a maior frequência das aulas no turno da noite (80,6%). A maior parte apontou que não recebia auxílio financeiro para custear seus estudos (88,1%), pretendia fazer nível superior após a conclusão do curso técnico (76,3%) e não estagiava no momento (83,6%). Contudo, revelaram que trabalhavam em setores administrativos (76,9%) ou de manutenção (5,9%), predominantemente.
Local
Mais de vinte e cinco escolas técnicas privadas de Porto Alegre e região metropolitana foram contatadas, mas a pesquisa contou com a participação de oito delas. Dentre estas, sete estavam localizadas na cidade de Porto Alegre e uma na cidade de Gravataí. Cada escola oferecia pelo menos quatro cursos técnicos em diferentes em áreas (mecânica, eletrônica, saúde e administração). Suas instalações assemelham-se quanto às estruturas para salas de aulas e laboratórios com máquinas e equipamentos relativos à necessidade de cada curso.
Materiais
Os professores preencheram, via internet, o Questionário de Dados Sociodemográficos e Laborais, desenvolvido para fins desta pesquisa, e a Delaware School Climate Survey - Teacher/Staff - Brazilian DSCS-T/S (Bear et al., 2014 [adaptada e em processo de validação no Brasil por Lindern & Lisboa1]). O primeiro visou obter informações para caraterização da amostra, tais como: idade, sexo, estado civil, escolaridade, cargo, turno e tempo de trabalho, cursos nos quais ministrava aulas, quantidade de disciplinas e horas trabalhadas, presença de doenças físicas ou mentais, realização de tratamentos psicológico-psiquiátricos, uso de medicação controlada, hábito de fumar, frequência de atestados médicos e pedidos de afastamentos do trabalho. O segundo avaliou o clima escolar através de nove fatores: 1) relação professor-aluno (atenção dos professores às necessidades emocionais dos estudantes e aos seus problemas; α = 0,80); 2) relação entre alunos (qualidade das interações entre os estudantes, quanto a respeito, carinho, simpatia e cooperação entre si; α = 0,81); 3) clareza das expectativas (expectativas e regras comportamentais da escola são claras para os estudantes; α = 0,86); 4) justiça das regras (regras escolares e suas consequências são consideradas justas; α = 0,87); 5) segurança (escola é vista como segura pelos professores; α = 0,71); 6) bullying (ameaças e medo entre os estudantes quanto à violência entre eles; α = 0,73); 7) engajamento do aluno (estudantes realizam suas tarefa, respeitam regras da escola e dedicam-se para ter um bom rendimento escolar; α = 0,83); 8) comunicação professores-casa (qualidade da comunicação dos professores com os pais ou responsáveis dos estudantes; α = 0,81); e 9) relações entre funcionários (comunicação e trabalho em equipe entre professores e demais colaboradores da escola; α = 0,91). As questões são respondidas por meio de uma escala de quatro pontos (1 = “Discordo muito” a 4 = “Concordo muito”) e a interpretação é feita pela média, sendo que os escores acima de três indicam uma boa percepção dos fatores do clima escolar, exceto para o bullying, cuja pontuação é inversa (Delaware School Surveys Interpretation Worksheet-STAFF Version;Bear, Blank, Chen, & Gaskins, 2018). Quanto às propriedades psicométricas do instrumento, neste estudo obtiveram-se coeficientes de alfa de Cronbach considerados satisfatórios, variando de 0,71 a 0,91 entre as escalas, como indicado acima.
Os estudantes, por sua vez, responderam aos Questionário de Caracterização do Perfil dos Estudantes e a Delaware School Climate Survey-Student - Brazilian DSCS-S (Bear, Blank, Chen, & Gaskins, 2011 [adaptada e validada para o Brasil por Bear, Chen, Chen, Holst, Lisboa, & Yang, 2015]). O primeiro visou obter informações para caraterização da amostra de estudantes, tais como: idade, sexo, endereço, local de nascimento, estado civil, número de filhos, religião, doenças físicas ou mentais, curso técnico em andamento, semestre ou módulo, trabalho ou estágio e remuneração. O segundo, por sua vez, avaliou o clima escolar através de seis fatores: 1) relação professor-aluno (atenção dos professores às necessidades emocionais dos estudantes e aos seus problemas; α = 0,77); 2) relação entre alunos (qualidade das interações entre os estudantes, quanto a respeito, carinho, simpatia e cooperação entre si; α = 0,81); 3) clareza e justiça das regras (justiça das regras, consequências quando quebradas e expectativa do comportamento dos estudantes; α = 0,84); 4) segurança escolar (escola é vista como segura pelos estudantes; α = 0,89); 5) engajamento do aluno (estudantes realizam suas tarefa, respeitam regras da escola e dedicam-se para ter um bom rendimento escolar; α = 0,66) e 6) bullying (ameaças e medo entre os estudantes quanto a violência entre eles; α = 0,70). As questões foram respondidas por meio de uma escala de quatro pontos (1 = “Discordo muito” a 4 = “Concordo muito”) e a interpretação é feita pela média, sendo que os escores médios acima de três indicam uma boa percepção dos fatores do clima escolar, exceto para o bullying, cuja pontuação é inversa (Delaware School Surveys Interpretation Worksheet-STAFF Version;Bear et al., 2018). A validação para o Brasil indicou qualidades satisfatórias do instrumento, que variaram de 0,74 a 0,83 para as seis escalas, e 0,86 para a escala total (Bear et al., 2015). No presente estudo tais indicadores se mantiveram satisfatórios, variando de 0,66 a 0,89, como indicado acima.
Procedimentos
Inicialmente, contatou-se o setor pedagógico das escolas técnicas privadas de Porto Alegre e região metropolitana e, após a assinatura da carta de anuência e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAAE: 84053318.7.0000.5344), realizou-se a coleta de dados entre os meses de junho a dezembro de 2018. Aos professores foi disponibilizado um link de acesso aos questionários via internet, enviado por e-mail para o responsável do setor pedagógico. Na primeira parte do questionário on-line constava o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Quanto aos estudantes, os responsáveis pelos setores pedagógicos preferiram aplicar os questionários, conforme definiam datas e horários com seus professores. Dessa forma, cada uma das escolas recebeu kits impressos contendo o TCLE e demais instrumentos. Todos os cuidados éticos relativos à informação clara e completa sobre o estudo, assim como a autonomia e privacidade dos dados foram assegurados.
Após a coleta, as respostas do Questionário de Dados Sociodemográficos e Laborais e de Caracterização do Perfil dos Estudantes foram analisadas por meio de estatística descritiva. Foram utilizadas as distribuições relativas (%), bem como de tendência central e dispersão (mediana, média e desvio padrão), com estudo de normalidade da distribuição de dados pelo teste de Kolmorogov-Smirnov (correção de Lillifors).
Para os dados obtidos por meio dos instrumentos Brazilian DSCS-T/S e DSCS-S, além das análises descritivas, foram realizadas análises por inferência, através da correlação de Spearman. A interpretação dos dados foi baseada nos valores conforme método de análise de Landis e Koch (1977), cuja correlação, positiva ou negativa, é considerada bem fraca de 0.00 a 0.19, fraca de 0.20 a 0.39, moderada de 0.40 a 0.69, forte de 0.70 a 0.89 e muito forte de 0.90 a 1.00.
Para examinar as diferenças entre as percepções de professores e estudantes foram feitas análises por meio do teste de Wilcoxon e, com vistas a avaliar a confiabilidade entre os dados, foi realizada a análise de correlação intraclasse. As análises indicadas foram realizadas no programa estatístico SPSS 22.0 (Statistical Package for Social Science), considerando um nível de significância de p ≤ 0,05.
Resultados
Para atender ao objetivo que visava caracterizar o clima escolar percebido por professores e estudantes, foram feitas análises descritivas de cada instrumento, cujos dados constam na Tabela 1.
Fatores - Clima Escolar | Mediana | Média | Desvio-Padrão | |
---|---|---|---|---|
Professores | Relação professor-aluno | 15,00 | 3,16 | 0,48 |
Relação entre alunos | 15,00 | 3,01 | 0,48 | |
Clareza das expectativas | 12,00 | 3,05 | 0,66 | |
Justiça das regras | 12,00 | 2,93 | 0,76 | |
Segurança | 9,00 | 3,10 | 0,62 | |
Engajamento do aluno | 18,00 | 2,66 | 0,49 | |
Bullying | 6,00 | 1,94 | 0,65 | |
Comunicação professor-casa | 10,00 | 2,61 | 0,71 | |
Relação entre funcionários | 12,00 | 2,93 | 0,75 | |
Estudantes | Relação professor-aluno | 15,00 | 3,08 | 0,51 |
Relação entre alunos | 12,00 | 3,07 | 0,49 | |
Clareza e justiça das regras | 18,00 | 2,87 | 0,64 | |
Segurança | 12,00 | 2,93 | 0,58 | |
Engajamento do aluno | 14,00 | 2,74 | 0,52 | |
Bullying | 8,00 | 1,54 | 0,52 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Constatou-se que, na percepção dos professores, a relação professor-aluno, a relação entre alunos, a segurança e a clareza das expectativas foram relatadas como positivas para a maioria. A justiça das regras, as relações entre funcionários, o engajamento estudantil e a comunicação professor-casa foram indicadas como mais negativas. Por fim, verificou que os professores pouco observavam a presença de bullying na escola.
Na percepção dos estudantes, por sua vez, constatou-se que a relação professor-aluno e entre alunos foram apontadas como positivas. Para segurança, clareza e justiça das regras e engajamento do aluno a percepção foi mais negativa. Para o bullying, os estudantes não indicaram sua presença frequente na escola.
Em conjunto, observa-se que tanto professores como estudantes perceberam como positivos os fatores relação professor-aluno e relação entre alunos. Para melhor entender a associação, bem como comparar os fatores sobre clima escolar percebido por professores e estudantes, foi feita a análise de correlação de Spearman, cujos dados constam na Tabela 2.
Professores | Estudantes | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
1. Relação professor-aluno | 0,13 | 0,14 | 0,07 | 0,08 | 0,02 | -0,13 |
2. Relação aluno-aluno | 0,04 | 0,31* | 0,14 | 0,11 | 0,07 | -0,14 |
3. Clareza e justiça das regras | 0,01 | 0,08 | 0,13 | 0,08 | -0,19 | 0,01 |
4. Segurança | -0,04 | 0,26* | 0,07 | -0,05 | 0,05 | -0,04 |
5. Engajamento estudantil | 0,20 | 0,15 | 0,09 | 0,01 | -0,02 | -0,27* |
6. Bullying | -0,33** | -0,16 | -0,12 | -0,14 | -0,12 | 0,02 |
Nota. *p<0,05 e **p<0,01
Fonte: Elaborado pelos autores.
Nota-se que não foram obtidas correlações moderadas ou fortes. Contudo, verifica-se associação positiva e fraca entre os fatores: relação entre alunos percebida pelos professores com relação entre alunos percebida pelos estudantes (r = 0,31; p < 0,05) e relação segurança percebida pelos professores com relação entre alunos percebida pelos estudantes (r = 0,26; p < 0,05). Constatou-se, também, associação negativa e fraca entre os fatores: bullying pela percepção dos professores com relação professor-aluno pela percepção dos estudantes (r = -0,33; p < 0,01) e engajamento do aluno percebido pelos professores com bullying pela percepção dos estudantes (r = -0,27; p < 0,05). No tocante às diferenças entre as percepções do clima escolar por professores e estudantes, foram feitas análises por meio do teste de Wilcoxon, cujos dados constam na Tabela 3.
Fatores | Professores | Estudantes | p |
---|---|---|---|
Engajamento estudantil | 16,00 ( 9 - 23) | 14,09 (6 - 71) | 0,00 |
Relação professor-aluno | 15,97 (10 - 20) | 15,49 (8 - 24) | 0,54 |
Relação entre alunos | 15,16 (10 - 23) | 12,22 (3 - 16) | 0,00 |
Justiça das regras | 11,74 ( 4 - 16) | 17,38 ( 1 - 8 ) | 0,00 |
Segurança | 9,37 ( 4 - 12) | 11,67 (4 - 16) | 0,00 |
Bullying | 5,84 ( 3 - 10) | 6,89 (3 - 15) | 0,00 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os resultados apontaram diferença significativa na percepção de professores e estudantes, sendo que os professores perceberam de forma mais positiva os fatores engajamento estudantil (M = 16,00; p = 0,00), relação entre alunos (M = 15,16; p = 0,00) e bullying (M = 5,84; p = 0,00), enquanto os estudantes, clareza e justiça das regras (M = 17,38; p = 0,00) e segurança (M = 11,67; p = 0,00).
Por fim, com vistas a avaliar a confiabilidade entre os dados, foi realizada a análise de correlação intraclasse, cujos resultados revelaram, através dos indicadores de alfa de Cronbach, conforme método de análise de Landis e Koch (1977), existir concordância moderada no fator relação entre alunos (α = 0,52; p = 0,00), razoável em clareza e justiça das regras (α = 0,21; p = 0,18) e segurança (α = -0,21; p = 0,77), e fraca em relação professor-aluno (α = 0,20; p = 0,19), bullying (α = 0,15; p = 0,27) e engajamento estudantil (α = -0,07; p = 0,59).
Discussão
Os dados revelaram que entre os professores houve destaque positivo para relação professor-aluno e clareza das expectativas, o que sugere consciência do trabalho, possivelmente porque estão preparados, devido a sua experiência, e possuem conhecimento acerca das regras e do que a escola espera de sua atuação (Machado & Piton, 2019). Igualmente positivo, o fator segurança foi identificado, o que pressupõe atenção das escolas a esse ponto, que tem sido associado com relações sociais de maior qualidade entre os estudantes e melhor desempenho ao longo do curso (Colombo, 2018; Coelho & Dell´Aglio, 2019). Por fim, acredita-se que a percepção positiva da relação entre alunos pode estar relacionada à metodologia, que pressupõe o desenvolvimento de competências a partir da interação entre os estudantes, visando o estabelecimento de vínculos de amizade, respeito mútuo e boa convivência.
De forma semelhante, pela parte dos estudantes, constatou-se como positiva a relação professor-aluno, a relação entre alunos e o bullying, apontando na direção de uma percepção mais direcionada à valorização das interações na escola. O primeiro fator está coeso com o foco da própria formação técnica, que exige postura e atitude respeitosa com professores, colegas e regras escolares no decorrer do curso. Em geral, cursos técnicos apresentam estudantes jovens adultos, na maioria trabalhadores, em busca de melhor qualificação (Formiga & Santos, 2018). Nesse sentido, os dados demonstraram consonância às variáveis do fator relação entre alunos e bullying, pois, geralmente, prevalecem as amizades, sendo escassas as manifestações de violência entre os estudantes.
Ao comparar as respostas, constatou-se que quanto melhor relacionavam-se professores e estudantes, melhor era a relação entre os próprios estudantes. Saber relacionar-se com os estudantes está associado ao preparo profissional para desempenho das atividades docentes (Machado & Piton, 2019), pois contribui tanto para o processo de aprendizagem quanto para um clima escolar positivo (Souza, 2017). De modo semelhante, a qualidade da relação entre os estudantes se relacionou a um ambiente escolar mais seguro aos professores. Outro dado relevante é que quanto menor a percepção por parte dos estudantes referente ao bullying, melhor era a relação com o professor e o engajamento estudantil. Nesse sentido, corrobora-se a literatura que indica que professores preparados para identificar e mediar situações relativas ao bullying possuem uma relação mais satisfatória com os estudantes (Menegotto & Machado, 2018).
Buscando entender as diferenças encontradas entre as respostas acerca do clima escolar de professores e estudantes, observou-se que os professores avaliaram como mais positivo a relação entre alunos, o engajamento do aluno e o bullying. A formação técnica de nível médio privado demanda do estudante investimento financeiro, uma condição que pressupõe um comprometimento com o curso. Entretanto, esse compromisso dependerá do currículo proposto e também da contribuição do professor por meio de atividades que oportunizem seu envolvimento (Leite & Miorando, 2018). Realizar as tarefas, empenhar-se e respeitar a todos na escola são variáveis de engajamento estudantil que estão consonantes à percepção docente. Além disso, os cursos técnicos visam, afora a profissionalização, formar cidadãos (RF 6, 2012). Portanto, espera-se que o curso propicie aos estudantes ações que articulem e mobilizem tanto conhecimentos e habilidades quanto valores e atitudes, promovendo desenvolvimento contínuo. Como resultado, presume-se que respeitem diferenças, tratem-se e convivam bem, o que se alinha ao fator relação entre alunos igualmente percebido como positivo. Nessa mesma direção, constatou-se que o bullying, cujas variáveis envolvem ameaça e medo, prejudicando as relações devido à violência entre os estudantes, tenha sido percebido como positivo porque essas situações são esparsas nesse tipo de formação.
Pela parte dos estudantes, constatou-se que os fatores clareza e justiça das regras e segurança foram percebidos como mais positivos, indicando que eles têm consciência do que se espera de seu comportamento e que se sentem bem na escola, demonstrando preocupação com sua integridade física. Essas respostas podem estar alinhadas ao fato de as escolas serem organizadas quanto à segurança de todos em suas dependências, o que lhes permite se sentirem seguros e respeitados pela instituição (Guerra, 2018).
As diferenças de percepções entre professores e estudantes podem relacionar-se com a atenção que cada parte valoriza no decorrer da formação. Os professores sugerem atenção ao próprio desempenho, bem como resultados esperados de seu trabalho. Nesse sentido, o engajamento estudantil, que se supõe natural do aluno que paga pelo curso, também depende do professor, uma vez que parte dele as propostas pedagógicas que podem fomentar ou não o interesse dos estudantes nas aulas. Assim, os professores, ao destacarem esse fator, poderiam estar a indicar que seu trabalho está pedagogicamente adequado e que percebem isso pela dedicação dos estudantes, o que justificaria a percepção positiva desse fator. Ainda, evidenciar positivamente a relação entre alunos pode estar a sinalizar que os professores têm conseguido administrar os eventuais conflitos em sala de aula, promovendo boas relações. Tal atenção é corroborada pela percepção positiva sobre bullying.
Os estudantes, por sua vez, indicaram preocupação com dois pontos distintos. Inicialmente, sinalizaram a atitude de seguir regras escolares, talvez relacionada ao respeito com os colegas e com a formação para desempenho da futura profissão. Tal situação poderia explicar o destaque para clareza e justiça das regras. Todavia, também apontaram a segurança, preocupando-se com sua integridade física dentro da escola, possivelmente valorizada por considerarem item fundamental para uma escola que se propõe a oferecer ensino de qualidade.
Destaca-se que cada escola tem seu próprio clima, isso porque tal avaliação permite que cada um expresse como se sente nela (Morais et al., 2017). Sendo assim, e considerando que os participantes deste estudo eram de instituições diversas, esperavam-se e obtiveram-se diferentes graus de concordância entre professores e estudantes. Os dados apontaram que os docentes percebiam por parte dos estudantes dedicação e respeito às regras e aos colegas; enquanto a atenção às regras e o bem-estar na escola destacaram-se entre os estudantes.
Considerações finais
Embora sejam de instituições diferentes, cada qual com sua realidade, as partes apresentavam em comum o nível de ensino e formação: cursos técnicos. Nesse contexto, assemelham-se as metodologias e a articulação entre teoria e prática (Flor, Pires, & Ribeiro, 2015), que estimulam a interação entre os estudantes e com os professores. Essa condição permite inferir que a similaridade constatada na relação entre alunos aponta para a valorização das relações interpessoais, expressas por amizade, respeito e boa convivência, indicativo de clima escolar positivo (Morais et al., 2017).
Considerando que a literatura pontua que os estudos sobre esse tema geralmente estão focados nas instituições públicas e em diferentes níveis de escolaridade, este estudo propôs uma vertente diferente, cujo tema central é retomado somente em instituições privadas, com foco no ensino técnico de nível médio. Assim, acredita-se que os dados revelados propiciaram um primeiro passo em um meio pouco explorado, haja vista que instituições privadas, em geral, oferecem resistência a colocar-se como campo de pesquisa. Embora as causas das resistências sejam desconhecidas, observou-se desinteresse por meio da não resposta ao convite ou negação imediata, além de justificativas como ter um centro próprio de pesquisa, único responsável por essas ações. O próprio Sindicato dos Professores de Escolas Privadas informou que seria difícil ajudar na divulgação da proposta porque os professores já respondiam a várias pesquisas.
Nesse cenário, as diferentes situações de resistência parecem estar permeadas por um denominador comum: receio. Ao aplicarem uma pesquisa, se assim o fizessem, poderiam revelar situações, até mesmo conhecidas da direção, para as quais não há interesse de mudança ou condições para tanto. Assim, como principal consequência da resistência, em suas diferentes formas, tem-se o limitado acesso a um número maior de participantes.
Ainda que diante de resistência, é preciso continuar com esses estudos, principalmente pela relevância do ensino técnico, considerado como importante meio de formação profissional (Deitos, Lara, & Zanardini, 2015). Quiçá futuramente seja possível sensibilizar gestores a perceberem que dados de pesquisa podem ajudá-los a melhor entender como ocorrem as relações na escola e propiciar planos de ações de melhorias, quando necessário. Por ora, o que os resultados possibilitam pensar é que há um clima positivo nas escolas investigadas. Entretanto, Bastos (2019) alerta que eventuais diferenças de concordância entre os participantes podem advir da influência de fatores inerentes a cada escola, valores morais vigentes, cultura, satisfação pessoal, normas, objetivos e qualidade das relações interpessoais. Nesse sentido, seria importante que tais questões fossem investigadas em cada contexto de modo a aprofundar seu entendimento por meio de outras abordagens e métodos de pesquisa.