INTRODUÇÃO
O que significaria para um adolescente estar em uma aula de Educação Física escolar? Seria estar fazendo algo que tenha sentido? Seria jogar bem determinada modalidade esportiva? Seria estar com seus colegas e se sentir incluído? A Educação Física escolar tem sido interessante para os estudantes?
A opinião dos alunos sobre a Educação Física, na maioria das vezes, vai depender da sua experiência com a mesma. Se o contato foi prazeroso, gerou satisfação, a opinião, provavelmente, será favorável. No entanto, se a experiência foi de insucesso e exclusão, consequentemente, a opção será de afastamento das aulas e passividade perante às atividades (AQUINO, 2005). O grande desafio do professor de Educação Física estaria em transformar essas opiniões.
De acordo com o PCN (BRASIL, 1999) - introdução sobre a Educação Básica - tratar a contextualização do conhecimento é um dos recursos que a escola possui para retirar o aluno da condição de espectador passivo. Permitindo assim que o conteúdo de ensino provoque aprendizagens significativas que estimulem o aluno a estabelecer entre ele e o objeto do conhecimento uma relação de reciprocidade. Um importante recurso que pode ser associado com as experiências da vida cotidiana.
Porém, verificando os conteúdos trabalhados pela disciplina Educação Física no Ensino Médio, por exemplo, observa-se uma repetição de tudo que foi dado no Ensino Fundamental resumindo-se a desportos e seus gestos técnicos (DARIDO, 2004). Restringindo a Educação Física aos mais habilidosos em dado esporte. Estas atividades são sim importantes no contexto escolar, mas uma ressignificação se faz necessária para que os menos habilidosos não sejam deixados à parte.
Um interessante estudo feito por Darido (2004) com escolares da rede estadual de Rio Claro nos atenta para o fato de que cada vez mais estudantes do Ensino Médio estão pedindo dispensa das aulas de Educação Física. Os resultados do referido estudo mostram que 20% dos alunos são dispensados das aulas deste componente curricular, ao mesmo tempo em que metade desses alunos consideram a Educação Física sua disciplina preferida. Há um afastamento progressivo dos alunos em relação às aulas de Educação Física na escola.
Diante disso, além de estimular o pensamento crítico sobre as práticas corporais nas aulas, a Educação Física escolar deveria proporcionar condições para que os estudantes adquirissem autonomia sobre essas práticas a fim de que os mesmos, após o período das aulas, mantivessem uma prática de atividade física regular, se assim o desejassem (DARIDO, 2004).
Todavia, a influência da perspectiva esportiva acaba valorizando apenas os mais habilidosos, enquanto que os que mais precisam de estímulos para a atividade física, acabam se afastando. Darido (2004) nos alerta que: “Os resultados imediatos destes procedimentos são: um grande número de alunos dispensados das aulas e muitos que simplesmente não participam dela, e que provavelmente não irão aderir aos programas sistematizados de atividade física.” (p.62)
Aquino (2005) analisou as dificuldades que os professores de Educação Física enfrentam no dia-a-dia quanto ao desinteresse dos alunos. O estudo revela que a falta de interesse tem relação com o nível de habilidades e, claramente, tais habilidades estão relacionadas com experiências anteriores. Outro fator determinante foi o medo de errar associado a experiências negativas.
Podemos observar que a não participação plena dos alunos pode ter relação com a forma de intervenção do professor, mas não podemos desconsiderar fatores externos à escola como: o acúmulo de experiências nas suas vidas fora da escola, suas visões de mundo e contextos socioeconômicos no qual estão inseridos.
Sobre os desafios e a necessidade de atualização do professor de Educação Física, Betti e Zuliani (2004) nos provocam:
Nesses tempos de rápidas e profundas transformações sociais que repercutem, às vezes de maneira dramática, nas escolas, a Educação Física e seus professores precisam fundamentar-se teoricamente para justificar à comunidade escolar e à própria sociedade o que já sabem fazer, e, estreitando as relações entre teoria e prática pedagógica, inovar, quer dizer, experimentar novos modelos, estratégias, metodologias, conteúdos, para que a educação física siga contribuindo para a formação integral das crianças e jovens e para a apropriação crítica da cultura contemporânea. (pag. 80).
Contudo, Bracht e Caparroz (2007) nos incitam através de uma questão bem pertinente na realidade atual da Educação Física: será que os cursos de formação de professores de Educação Física estão hipertrofiando as discussões pedagógicas e atrofiando as discussões da didática da Educação Física?
Há certo consenso na área de que a Educação Física nos últimos tempos tem avançado muito em relação ao seu conhecimento científico e pedagógico, fazendo com que o professor de Educação Física chegue ao entendimento de seu real valor como educador, de que não pode estar aquém das teorias pedagógicas mais abrangentes que dão suporte ao específico, de que é preciso continuar sua formação e se atualizar.
Bracht e Caparroz (2007), em seus estudos sobre a didática da Educação Física, nos revelam que há uma certa dificuldade dos professores em organizar e realizar aulas de acordo com uma nova visão pedagógica, dada como progressista, da Educação Física o que vai desde professores com formação no modelo antigo de Educação Física até os recém-formados. Os autores, ainda, nos revelam que:
[...]O fato de que as questões do cotidiano escolar perdem prestígio (são derivações) ante as questões sociopolíticas mais gerais, gerando ou reforçando uma dicotomia, não desejada por nenhuma das partes, entre os “teóricos” e os “práticos”. A teoria passa a significar uma ameaça (ELLIOT, 2000) para aqueles que não dominam a linguagem específica das análises sociopolíticas e filosóficas, o que promove e acentua a separação entre as preocupações didáticas (menores) e as pedagógicas, nesse caso, sociopolíticas. É comum ouvir, no contexto escolar de colegas formados antes da reformulação curricular dos anos de 1990, que eles eram práticos, sabiam fazer e que, agora, os novos professores são teóricos e não sabem fazer (ensinar) (pag. 25).
Esta discussão de fato ocorre corriqueiramente nos bastidores da Educação Física confrontando-se com desafios e questões: "O que seria uma prática educativa crítica da Educação Física nas escolas? E mais, como modificar a prática existente? Quais as estratégias, os mecanismos etc. Para provocar tais mudanças?" (BRACHT e CAPARROZ, 2007, pag. 26).
O conhecimento, assim como a educação e a sociedade, está em constante mudança e a Educação Física precisa acompanhar este dinamismo para estimular o interesse desses alunos que hoje possuem uma demanda diferente de anos atrás. O que os estudantes estão querendo dizer ao mostrarem desinteresse nas aulas Educação Física?
O estudo das representações sociais1
O entendimento de Representação Social se institui no limite entre os campos de conhecimento da Sociologia e da Psicologia. Moscovici, em 1961, introduz a Teoria das Representações Sociais em suas pesquisas sobre a Representação Social na Psicanálise. Segundo Retondar (2008), seu propósito era redefinir o campo da Psicologia Social evidenciando sua função simbólica e seu poder de construção do real. Moscovici inicia esse processo de elaboração teórica retomando o conceito de Representação Coletiva, proposto por Durkheim. Mostra que este se referia a uma classe muito genérica de fenômenos psíquicos e sociais, englobando entre eles os referentes à ciência, aos mitos e à ideologia, sem a preocupação de explicar os processos que dariam origem a essa pluralidade de modos de organização do pensamento.
Além disso, a concepção de Representação Coletiva era bastante estática - o que correspondia à permanência dos fenômenos em cujo estudo se baseou - e, portanto, não adequada ao estudo das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela multiplicidade de sistemas políticos, religiosos, filosóficos e artísticos e pela rapidez na circulação das representações (MOSCOVICI, 1978).
Contudo, o que Moscovici procura evidenciar é que as Representações Sociais não são apenas opiniões e imagens subjetivas, mas teorias coletivas sobre o real, possuidoras de lógicas e linguagens particulares, e que "determinam o campo das comunicações possíveis, dos valores ou das idéias compartilhadas pelos grupos e regem, subseqüentemente, as condutas desejáveis ou admitidas" (MOSCOVICI, 1978, p.51).
Principal colaboradora dos estudos de Moscovici, Jodelet (2001) sistematiza este campo de estudo e contribui para o aprofundamento teórico esclarecendo o conceito e os processos formadores das Representações Sociais, que para ela são definidos como:
[...] Uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. De uma maneira mais ampla, ele designa uma forma de pensamento social (p.361-362).
Os estudos das representações sociais analisam como são formados e como funcionam os sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos do cotidiano (alves-mazzotti, 2008). Sendo assim, atuam [os referidos estudos] na dinâmica entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório, de natureza descritiva e interpretativa, amparado no referencial teórico das Representações Sociais, que fez uso de uma abordagem mista - quantitativa e qualitativa - por intermédio da qual procurou identificar as vivências dos indivíduos, em seus próprios contextos sociais, na tentativa, segundo Moscovici (1978), de se conhecer dados subjetivos que nos levassem ao entendimento de como a Educação Física, como disciplina do currículo escolar, vem sendo entendida no imaginário de estudantes de uma turma do oitavo ano do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual da cidade de Niterói/RJ.
Em uma primeira fase foi solicitado à autorização da instituição para a realização do estudo, bem como, foi explicado para cada aluno participante o objetivo da pesquisa garantindo a confidencialidade, e em seguida foram assinados os termos de livre consentimento.
A amostra do estudo se constitui de dezesseis estudantes de ambos os sexos e de idade entre treze e dezessete anos, que foram submetidos ao um questionário (validado por três professores doutores da Universidade Federal Fluminense) contendo dez questões. Para organização dos dados foi utilizado o método da estatística descritiva e sua posterior análise foi feita por meio da frequência e cálculo do percentual.
Optamos pelo uso do método avaliativo das Representações Sociais, através do qual o resultante será uma representação prototípica individualmente distribuída de elementos comuns que são frequentemente denominadas de Núcleo Central (WAGNER, 1995), com dimensão metodológica de análise de dados formal envolvendo os modelos estatísticos e as análises estruturais. "A representação global resultante é a representação coletiva completa com elementos que não são comuns a todos os grupos, mas que são típicos ou relevantes para um ou outro grupo social." (REIS e BELLINI, 2011, pag. 153).
Sendo assim, revela a tendência de pensamentos e ideias de um grupo específico sobre uma temática. O que não encerra ou define as proposições, mas nos apresenta um olhar diferenciado auxiliando o entendimento da hipótese levantada na investigação.
Através da análise dos resultados obtidos nessa investigação pretendemos encontrar as possibilidades de compreensão do comportamento atual que uma turma de oitavo ano apresenta nas aulas de Educação Física.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Através de um esforço teórico-metodológico para operarmos com a Teoria das Representações Sociais, entendemos como necessário a realização de um resgate histórico da questão que queríamos analisar para, em seguida, tentarmos entender a conjuntura atual. Dentro desta perspectiva, procuramos caracterizar as aulas de Educação Física por intermédio de um viés histórico, a partir das respostas dos estudantes.
Observamos que apenas 37,5% dos alunos tiveram acesso à disciplina Educação Física em toda sua trajetória, no Ensino Fundamental, e que a maioria só teve o primeiro contato com este componente curricular no sexto ano. Nos perguntamos, então, o quanto essa informação seria importante para o estudo?
Segundo os estágios de desenvolvimento motor, no modelo de Gallahue e Ozmun (2001), os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental estariam na fase motora fundamental onde os movimentos vão ganhando formas mais variadas e complexas, e a mediação do professor de Educação Física é de suma importância, pois o não acompanhamento desse processo poderá gerar dificuldades futuras, nesses indivíduos, em realizar movimentos que, no geral, seriam movimentos simples como: correr, andar, saltar, chutar, lançar.
Outro aspecto verificado na pesquisa e, também, relacionado à trajetória escolar daqueles alunos, diz respeito aos conteúdos abordados nas aulas. Foram listados vários conteúdos que compõem a chamada Cultura Corporal do Movimento que, para melhor análise, foram divididos em três grupos: Esportes (futebol, voleibol, handebol, basquete e corrida e saltos), Jogos e Brincadeiras Populares (queimado, bandeirinha, pular corda, cantigas de roda, rodar bambolê e pique cola) e outros (ginástica, brincadeiras na piscina, lutas, natação, dança e capoeira). Esta questão era aberta, ou seja, propiciava um espaço para que os alunos colocassem outra atividade que não estivesse prevista na lista, mas que, de alguma forma, eles recordassem que tiveram em aula (caso que não ocorreu).
Os resultados apontam os esportes coletivos, os jogos e as brincadeiras populares como a essência da Educação Física para os investigados.
Segundo Libâneo (1985, pag. 39) "... os conteúdos são realidades exteriores ao aluno que devem ser assimilados e não simplesmente reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais", portanto, mesmo que bem ensinados, os conteúdos precisam ter uma significação humana e social, precisam estar contextualizados (LIBÂNEO, 1985).
Soares et al (1992) nos orienta quanto à importância da seleção dos conteúdos e nos revela que um dos seus princípios é o confronto entre os saberes:
Os princípios da seleção do conteúdo remetem à necessidade de organizá-los e sistematizá-los fundamentados em alguns princípios metodológicos, vinculados à forma como serão tratados no currículo, bem como à lógica com que serão apresentados aos alunos. Inicialmente ressalta-se o princípio do confronto e contraposição de saberes, ou seja, compartilhar significados construídos no pensamento do aluno através de diferentes referências: o conhecimento científico ou saber escolar é o saber construído enquanto resposta às exigências do seu meio cultural informado pelo senso comum (p. 20).
Daí a importância de entender as representações dos alunos. A repetição sistemática de conteúdos que são culturalmente do "gosto popular" é importante, e faz com que entendamos o resultado da questão seis do questionário onde os estudantes afirmaram frequentarem as aulas de educação física porque gostavam das aulas, entretanto, pode ser prejudicial no que diz respeito à pluralidade de conteúdos que a cultura corporal do movimento apresenta e que, de certa forma, foi ou pode estar sendo negligenciada.
Sobre esse pensamento Lovisolo (1995) nos auxilia:
[...] O currículo da educação física caracteriza-se por assumir a função de ensinar e socializar os alunos nas atividades corporais culturalmente valorizadas e, talvez, na maioria das vezes, apenas reproduzam na escola aquilo que já é socialmente disseminado (pag. 75).
Nota-se que os grupos de atividades (esportes coletivos e jogos e brincadeiras populares), que apareceram nas respostas ao questionário, como conteúdos predominantes nas aulas de Educação Física, reproduzem o senso comum, pois os informantes quando sondados sobre o que desejariam mudar nas aulas de Educação Física responderam (75% dos investigados) que não havia o que mudar nas aulas.
O que nos faz lembrar o processo de ancoragem defendido por Moscovici sobre as Representações Sociais, que "diz respeito ao enraizamento social da representação à integração cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento preexistente e às transformações que, em consequência, ocorrem num e outro" (ALVES-MAZZOTTI, 2008, pag. 29).
Este fenômeno pode fazer prevalecer casos de pensamentos antigos, procedimentos predeterminados, valendo-se de classificação, rotulação ou categorização. E comparar, classificar, rotular supõe, quase que sempre, "um julgamento que revela algo da teoria que temos sobre o objeto classificado" (ALVES-MAZZOTTI, 2008, pag. 30).
Dentro desta perspectiva, 87,5% dos alunos informaram que as aulas de Educação Física aconteciam na quadra, 37,5% respondeu ter tido aula na sala de aula e não houve nenhuma resposta para a opção "sala de vídeo". O que talvez nos indique o porquê desses conteúdos (esportes coletivos, jogos e brincadeiras populares) estarem tão presentes nas suas representações. As aulas de Educação Física estão, geralmente, condicionadas ao ambiente da quadra, não que seja de todo ruim, porém, as aulas de Educação Física não podem ficar limitadas a este espaço.
As atividades corporais que foram mais vezes mencionadas como as que os alunos mais gostavam e que davam sentido ao valor atribuído por eles foram o Queimado e o Futebol. Atividades que fazem parte de seus universos fora da escola e que estão presentes nas representações tradicionais do contexto cultural da nossa sociedade. Mas como esse conteúdo foi ou estaria sendo tratado nas aulas?
Soares et al (1992) nos indicam que o conhecimento deve possibilitar ao aluno uma visão de historicidade, para que o mesmo se identifique como sujeito histórico, capaz de interferir e/ou modificar padrões da sua vida privada e da atividade social que produz, assim:
O conteúdo do ensino, obviamente, é configurado pelas atividades corporais institucionalizadas. No entanto, essa visão de historicidade tem um objetivo: a compreensão de que a produção humana é histórica, inesgotável e provisória. Essa compreensão deve instigar o aluno a assumir a postura de produtor de outras atividades corporais que, no decorrer da história, poderão ser institucionalizadas (pag. 27).
Possivelmente, o fato de o conteúdo futebol aparecer em grande escala, tanto na questão "o que você mais gostava de fazer nas aulas de Educação Física?”, quanto na questão "o que você não gostava de fazer nas aulas de Educação Física?" possa representar a não atribuição da visão de historicidade aos conhecimentos específicos da Educação Física, tornando o futebol interessante somente para aqueles que possuem familiaridade com esse esporte, sugerindo o discurso hegemônico de que futebol "é coisa de homem".
A questão oito - "o que você não gostava de fazer nas aulas de Educação Física?" - apresenta outra particularidade que diz respeito ao fato de que os alunos, dessa turma de oitavo ano, não gostavam de correr, tanto a corrida como elemento do conteúdo Atletismo, quanto à corrida como componente de outro conteúdo (piques, jogos coletivos etc.). Talvez tenha relação com o fato de que aqueles alunos não tiveram a disciplina Educação Física nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Dentre os movimentos de locomoção, o correr é um dos padrões mais característicos, e para Gallahue e Ozmun (2001) este movimento está inserido no estágio de habilidades motoras fundamentais. O professor de Educação Física atuaria na mediação, auxiliando em cada fase, dando suporte para o desenvolvimento motor do aluno. Outra possibilidade que poderia estar explicando a recusa dos alunos ao que eles chamaram de Corrida, tem a ver com o estilo atual de vida de muitos jovens, desde o advento da internet.
Pesquisas revelam números cada vez maiores de crianças e jovens sedentários e acima do peso. Existem fatores no nosso estilo de vida que podem ganhar formas negativas dependendo do tamanho e da importância que damos a eles. A ocupação do tempo livre com o uso excessivo de telefone celular, com jogos eletrônicos e com televisão acaba reduzindo o tempo e o prazer para outras formas de ocupação deste tempo, como são os casos dos/as: esportes, danças, caminhadas e jogos ao ar livre.
Um desenvolvimento motor amparado em um estilo de vida mais saudável é indicativo para uma criança ter prazer em praticar atividades físicas. Essa discussão nos leva diretamente para a questão nove do questionário que se refere à opinião dos investigados sobre a utilidade da Educação Física no âmbito escolar. Parte expressiva dos estudantes atribuiu valor à Educação Física naquilo que se refere à saúde e ao bem-estar físico.
Segundo Lovisolo (1995), "[...] Pode-se dizer que os valores biomédicos e estéticos vinculados ao corpo, aparecem na maioria das vezes, unidos nas representações corporais em nossa sociedade" (1995, p. 71). Estariam os estudantes, então, reproduzindo esse senso comum?
Outro caráter atribuído à Educação Física na escola, segundo os estudantes, se vincula ao desenvolvimento das práticas esportivas. O esporte, se encarado como fenômeno social, tem muito a contribuir para a formação integral do aluno, assim como, para a sociedade em geral. Uma fala que chamou a atenção para a importância do esporte na formação do indivíduo, foi feita pelo informante i que revelou que a Educação Física serve para "[...] Melhorar o trabalho em equipe e para introduzir os alunos em novos esportes".
Soares et al (1992) justifica a presença do conteúdo esporte na escola dizendo que:
Na escola, é preciso resgatar os valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, defendem o compromisso da solidariedade e respeito humano, a compreensão de que jogo se faz "a dois", e de que é diferente jogar "com" o companheiro e jogar "contra" o adversário." (pag. 49).
Como dito anteriormente sobre a questão dez - você gostaria de sugerir alguma mudança para as aulas de Educação Física? - a grande maioria dos estudantes não faria mudanças nas aulas de Educação Física, entretanto, houve algumas sugestões deles que denotaram certa carga emocional: ''ter mais futebol" e "passar futsal para os meninos e queimado para as meninas". Sugestões que revelaram a preferência por aquele conteúdo que eles [os meninos] mais gostavam e, ao mesmo tempo, excluindo as meninas da referida prática.
Este tipo de representação possui uma carga psicológica própria da nossa sociedade e cultura, que define normas para aquilo que é tido como masculino e feminino. Desta forma, segundo Strey et al. (1998), esses alunos estariam em meio aos “universos consensuais” que são as teorias do senso comum, onde predomina o familiar.
Por outro lado, outras sugestões tiveram, aparentemente, uma elaboração com maior reflexão acerca da disciplina e do seu papel dentro da escola, como do informante ii: "dar todos os esportes, mas sem esquecer as brincadeiras". Este tipo de relato é muito interessante pois nos faz pensar sobre a prática docente e sobre os conteúdos que são (ou deveriam ser) ministrados nas aulas de Educação Física. Além disto, sugere que esse aluno anseia por algo que vai além do esporte, mas não o desconsidera.
Neste mesmo espectro de respostas tivemos uma outra sugestão - informante III - "Atividades na praia", que nos dá pistas de que a Educação Física deveria levar em consideração o contexto no qual a escola e os alunos estão inseridos. Sendo assim, ao expressarem um pensamento diferente daqueles citados anteriormente, esses alunos estariam em contato com os "universos reificados", onde circulam as ciências e a objetividade, e onde é gerado o não-familiar (STREY et al, 1998).
Podemos, então, inferir que, talvez, a prática pedagógica do professor de Educação Física, para esses alunos, tenha deixado lacunas no processo de aprendizagem no que se refere à pluralidade de conteúdos da cultura corporal de movimento. Estas lacunas se materializaram em uma repetição de conteúdo sem ser sistematizado e/ou contextualizado, o que pode ter contribuído para o quadro de desinteresse dos alunos de uma turma do oitavo ano.
CONCLUSÃO
Por intermédio do uso de elementos interpretativos da Teoria das Representações Sociais, foi possível observarmos que os conteúdos trabalhados nas aulas de Educação Física, durante os anos de vivência escolar dos informantes, ao que tudo indica, se resumiram às repetições das práticas esportivas, jogos e brincadeiras populares que são comuns ao contexto cultural, não havendo uma diversificação destes conhecimentos e nem uma reflexão sobre a prática. O repertório cultural-motor desses alunos acabou se tornando muito limitado.
Apesar disto, os escolares afirmaram gostar das aulas de Educação Física e, na sua maioria, sustentaram que a disciplina não deveria mudar. Este dado acima, por si só, exige de nós, estudantes, professores, intelectuais etc., estudos mais aprofundados sobre o significado da presença da disciplina Educação Física na escola e de sua representação junto aos estudantes.
Muitos intelectuais têm defendido que a disciplina educação física precisa se reinventar e acabam generalizando esta ideia, porém, ao darmos voz aos alunos os resultados que aparecem, algumas vezes, não caminham nesta mesma direção, ou melhor, os alunos revelam que gostam da disciplina Educação Física.
Por fim, embora o estudo tenha contado com limitações, como: o número pequeno de informantes e o pouco tempo disponível para uma análise mais profunda dos dados, podemos entender que o desinteresse dos alunos pelas aulas de Educação Física estaria associado a um conjunto de fatores que, possivelmente, pode ter sido captado nesta investigação.
Sendo assim, a educação física é um componente curricular obrigatório por lei (Lei N.º 9394/96), do ensino básico, e, portanto, os conhecimentos sobre os quais ela [a Educação Física] tem responsabilidade de socializar, devem ser apropriados pelos alunos. Afinal de contas, isto é, em última instância, um direito social!
Neste sentido, caberia ao professor de Educação Física estar preparado para lidar com este contexto, ou seja, não ignorar as especificidades do público para o qual leciona, mas, ao mesmo tempo, estar, também, preparado para cumprir o seu papel primordial que é o de socializar os conhecimentos que compõem o currículo de sua disciplina.